O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Política

Investigado por: 2023-09-12

É enganoso que o Brasil fará empréstimo à Argentina enquanto Lula bloqueia recursos da saúde e educação

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Enganoso
São enganosos posts que divulgam conteúdos com críticas a supostos empréstimos que o Brasil iria fazer à Argentina. Um dos conteúdos relaciona os empréstimos à situação precária de um posto de saúde no Brasil e outro aos contingenciamentos do Orçamento. Na verdade, segundo o Ministério da Fazenda, o Brasil não vai fazer empréstimo e o que existe é uma proposta de financiamento de exportações de US$ 600 milhões, mas com exigência de oferta de garantias. Além disso, o bloqueio do Orçamento Geral da União (OGU) de R$ 3,2 bilhões previsto visa o cumprimento do teto de gastos, que ainda incide sobre o Orçamento deste ano.

Conteúdo investigado: Posts nas redes sociais criticam suposto empréstimo de R$ 3 bilhões do Brasil à Argentina e dizem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) bloqueou 3,2 bilhões dos brasileiros afetando as áreas de saúde e educação.

Onde foi publicado: Instagram e TikTok.

Conclusão do Comprova: São enganosos posts que divulgam supostos empréstimos do Brasil à Argentina. As publicações também informam que o bloqueio de verbas no país teria relação com problemas em áreas como saúde e educação, algo que não ocorreu.

Ao Comprova, o Ministério da Fazenda classificou a informação como “mentirosa” e disse que não há empréstimo previsto para a Argentina. A pasta afirmou que o governo brasileiro fez uma proposta de financiamento para exportações de US$ 140 milhões (R$ 700 milhões) exigindo oferta de garantias no mesmo valor.

Dessa forma, segundo o ministério, a operação não oferece riscos ao país. No final de agosto, a Argentina apresentou outra proposta, de financiamentos no valor de US$ 600 milhões (ou R$ 3 bilhões). A negociação envolve acordo de parceria com a Cooperação Andina de Fomento (CAF), um banco de desenvolvimento da América Latina e Caribe, para que a instituição seja contraparte na proposta, fazendo a oferta de garantias da operação. A análise da CAF ocorrerá ainda em setembro.

Quanto ao bloqueio de verbas do Orçamento Geral da União (OGU), o governo federal confirma que R$ 3,2 bilhões estão bloqueados para que o teto de gastos seja cumprido. O bloqueio de despesas é legal e existe no país como regra aprovada pelo Congresso em 2016. A ação permite que não haja descontrole das contas públicas, como já mostrou o Comprova.

Em entrevista no fim de julho, o secretário de Orçamento Federal, Paulo Bijos, informou que o bloqueio de R$ 3,2 bilhões representa 0,17% do limite total do teto de gastos deste ano e 1,66% do total das despesas discricionárias do Poder Executivo. A despesa discricionária tem como característica a execução a partir da avaliação de oportunidade por um gestor. Nesse caso, o governo tem liberdade para decidir o momento mais oportuno para a realização de um gasto.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No TikTok, a postagem tem 260,7 mil visualizações até o dia 11 de setembro, 41,2 mil curtidas, 6,9 mil compartilhamentos e 2,3 mil comentários. No Instagram, o post foi excluído e até o dia 5 de setembro tinha 4,1 mil curtidas.

Como verificamos: Primeiramente, fizemos pesquisas no Google para identificar notícias sobre o assunto e como ele estava sendo repercutido. Para isso, buscamos os termos “empréstimo Brasil a Argentina”, “relação econômica entre Brasil e Argentina”, “Brasil tira dinheiro do SUS e educação para emprestar à Argentina”. Como resultados, acessamos notícias explicando que o Brasil não emprestou dinheiro ao país vizinho, mas que havia sido firmado um acordo de cooperação.

O Comprova também entrou em contato com o Ministério da Fazenda.

Negócios entre Brasil e Argentina

Segundo o Ministério da Fazenda, não houve empréstimo à Argentina e a “informação da imagem é mentirosa”. De fato, em agosto de 2023, o Brasil recebeu a proposta de financiamentos de exportações ao país vizinho que envolvem a Cooperação Andina de Fomento (CAF), no montante de US$ 600 milhões.

Ao Comprova, o ministério confirmou a informação sobre a negociação, destacando que a proposta foi realizada com base na exigência de garantias por parte do governo argentino. “O Brasil fez uma proposta de financiar exportações brasileiras à Argentina”, informou em nota. Por fim, acrescentou que, com o acordo, a Argentina fica obrigada a cumprir a “oferta de garantia no mesmo valor”. “Deste modo, o Brasil não teria qualquer risco na operação ao passo em que as exportações brasileiras à Argentina teriam financiamento e, assim, vazão comercial”, disse a Fazenda.

É importante destacar que a confirmação do acordo de cooperação não estabelece relação de empréstimo entre os países.

Segundo o economista Francisco Américo Cassano (registro Corecon SP 11273), que também é pesquisador e consultor de relações econômicas internacionais, a diferença de empréstimo e financiamento entre países não diverge do conceito que envolve a relação entre banco e cidadão comum.

“O empréstimo concedido poderá ser utilizado a critério do tomador, ou seja, os recursos poderão ser aplicados naquilo que for necessário para o país; enquanto que o financiamento será concedido para atividade ou finalidade específica e de acordo com o que foi autorizado pelo agente financiador”, destaca Cassano.

De acordo com o governo brasileiro, peças de desinformação na internet têm colaborado para disseminar informações falsas sobre possíveis acordos com a Argentina. Uma delas envolve também a cadeia leiteira do Sul do país. Há estudo de um programa de desoneração da cadeia produtiva, internamente, para quem produz e não para quem importa o produto. Algumas medidas já tomadas para o enfrentamento desse quadro no setor são a liberação de R$ 200 milhões para a aquisição de leite em pó pelo governo federal, a taxação de alguns produtos lácteos importados e o intenso trabalho de fiscalização realizado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).

A 1ª proposta e os riscos

O Brasil fez a primeira proposta de financiamento de exportações brasileiras à Argentina exigindo oferta de garantias no mesmo valor, ou seja, cerca de US$ 140 milhões (R$ 700 milhões).

Dessa forma, o governo brasileiro explicou que o país não teria risco na operação, pelo fato de as exportações brasileiras à Argentina terem financiamento e vazão comercial. A linha seria ofertada pelo Programa de Financiamento às Exportações (Proex), programa de fomento às exportações brasileiras que existe desde 1991.

Com a escassez de dólares enfrentada pela Argentina no atual momento, o Brasil propôs aceitar a apresentação de garantias pela Argentina em reais e em espécie. Para chegar aos reais que daria como garantia, a Argentina poderia fazer o câmbio de yuans chineses por reais brasileiros, ofertando assim as garantias em reais em espécie ao Brasil, no exato montante da linha de financiamento, R$ 700 milhões. É por causa disso que o governo diz não haver qualquer risco ao Brasil na proposta.

A 2ª proposta

No final de agosto, a Argentina fez outra proposta de estrutura de financiamento às exportações brasileiras, que vai passar por negociações técnicas e políticas. A oferta de garantias ao Brasil do valor de US$ 600 milhões (R$ 3 bilhões) seria articulada com o Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe. Isso garantiria o financiamento das exportações brasileiras à Argentina em setores-chave do comércio bilateral entre os dois países. Apenas os primeiros esboços dessa estrutura foram conversados com o Brasil, não tendo ainda o lado argentino ou a CAF apresentado nenhum documento formal com a proposta em sua versão final.

Os financiamentos

O acordo de financiamento de exportações à Argentina no valor de US$ 600 milhões envolve uma cooperação entre Banco do Brasil (BB), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe . A proposta ainda precisa de aprovação do conselho gestor do CAF, que se reunirá no próximo dia 14 de setembro.

Em depoimento divulgado no portal do Planalto, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o BB deve garantir as exportações das empresas brasileiras e a previsão é que o CAF entre com uma contragarantia para o Banco do Brasil. Haddad explicou ainda que existe a possibilidade de o Brasil não acionar o Fundo Garantidor de Exportação. Seria uma operação nova que restabeleceria o fluxo de comércio bilateral.

O ministro declarou que, inicialmente, a equipe da Fazenda tinha estruturado uma operação menor do que os US$ 600 milhões, algo em torno de US$ 140 milhões, que tinha como fundamento a garantia em yuans de exportações brasileiras. A Argentina, com apoio do CAF, não precisará abrir mão dessas reservas para garantir as exportações, segundo Haddad, após a reunião em 28 de agosto.

Como funciona o bloqueio do orçamento

Conforme verificação publicada em agosto pelo Comprova, o contingenciamento de despesas para adequar o orçamento federal ao teto de gastos é uma regra aprovada pelo Congresso em 2016, que procura evitar o descontrole das contas públicas. Ao aprovar o orçamento anual, o limite para as despesas primárias (obrigatórias e discricionárias) são delimitadas.

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) determina que, ao final de cada bimestre, caso a receita delimitada no orçamento federal para o pagamento de despesas obrigatórias não seja suficiente, é necessária a “limitação de empenho e movimentação financeira” do orçamento de despesas primárias. A análise é feita, atualmente, por meio do Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias, de responsabilidade da Secretaria de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), em conjunto com a Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda (STN/MF).

De acordo com a assessoria do Ministério do Planejamento e Orçamento, esse relatório avalia como está o desempenho das receitas e despesas até aquele momento. Três relatórios já foram divulgados pelo MPO em 2023. Em março, a análise concluiu que não era necessário o contingenciamento de recursos.

Nessa estimativa, o valor das despesas diminuíram, o que geraria um espaço no limite orçamentário. Já em maio, a projeção foi revisada e indicou a necessidade de bloquear R$ 1,7 bilhão de despesas discricionárias de seis ministérios (Fazenda, Transportes, Planejamento e Orçamento, Integração e Desenvolvimento Social, Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, e Cidades). Em julho houve necessidade de um segundo contingenciamento, totalizando R$ 3,2 bilhões de despesas bloqueadas para o cumprimento do Teto de Gastos.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova enviou mensagem via WhatsApp a um responsável pelo veículo que publicou o conteúdo enganoso, mas não recebeu resposta. Não conseguimos contato com a responsável pela publicação no TikTok.

O que podemos aprender com esta verificação: Temas relacionados a governos sempre são alvos de informações mentirosas na internet. Diante disso, o leitor pode melhorar a percepção desses conteúdos pesquisando em fontes de informação, como sites de veículos de comunicação, de sua confiança.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Outras publicações já mencionaram a relação comercial entre Brasil e Argentina. Recentemente, o Comprova publicou material contextualizando sobre decreto com contingenciamento de recursos federais que não determina corte de verbas. O Estadão Verifica produziu reportagem informando que o Brasil propôs financiar exportações à Argentina e não importa laticínios do país vizinho.

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Investigado por: 2023-09-06

Pedido de recuperação judicial da 123 Milhas não tem relação com políticas do governo Lula

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Publicações na internet confundem ao sugerir que a empresa de turismo 123 Milhas entrou com pedido de recuperação judicial devido a políticas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). De acordo com a empresa, a medida foi necessária para renegociar uma dívida de R$ 2,3 bilhões ocasionada por fatores como alta nos preços das passagens e do combustível de aviação, além de milhares de ações judiciais ingressadas contra a companhia, após o cancelamento de uma promoção que vendia passagens aéreas e pacotes de viagem com datas flexíveis a um preço menor.

Conteúdo investigado: Texto associa o pedido de recuperação judicial da empresa de turismo 123 Milhas a políticas econômicas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A publicação afirma que a medida é “tendência” no país devido “ao desgoverno que comanda o Palácio do Planalto” e cita uma pesquisa do Serasa que indica um aumento de 82,1% nos pedidos de recuperações judiciais. O conteúdo foi compartilhado com a legenda: “Gigante do turismo não suporta o cerco e pede recuperação judicial. Sem alternativa”.

Onde foi publicado: Website, X (antigo Twitter) e Telegram.

Contextualizando: Uma publicação feita pelo site Jornal da Cidade Online associa o pedido de recuperação judicial da empresa de turismo 123 Milhas a políticas econômicas do governo Lula (PT), mas a própria empresa admite que a crise foi provocada pela alta nos preços das passagens e do combustível de aviação, além de outros fatores, como as mudanças feitas pelas companhias aéreas para restringir a negociação de passagens por meio de milhas.

O pedido de recuperação da empresa foi acatado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) em 31 de agosto de 2023. Em nenhum momento o nome de Lula ou qualquer política do governo federal é mencionada no requerimento.

Ao Comprova, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, afirmou que “não possui qualquer relação com o pedido de recuperação judicial apresentado pela empresa 123 Milhas ao Poder Judiciário”.

Como a publicação pode ser interpretada: A inserção de personagens estranhos ao contexto em uma determinada situação pode levar ao entendimento de que há uma correlação entre ambos. É o caso de comentários feitos no X e que responsabilizam o governo atual pela situação que levou a empresa a pedir a recuperação judicial.

O que diz o responsável pela publicação: Por e-mail, a administração do site em que o texto foi publicado disse que o “Jornal da Cidade Online em momento algum diz que a 123 Milhas pediu recuperação judicial por conta de um ‘cerco’ do governo Lula”. “O que fizemos foi a constatação de que no ano de 2023 houve um aumento exponencial de pedidos de recuperação judicial. A fonte é o Serasa”, complementa.

Como é o modelo de negócio da 123 Milhas

Fundada em 2016, em Belo Horizonte (MG), pelos irmãos Ramiro Julio Soares Madureira e Augusto Julio Soares Madureira, a 123 Milhas atua como intermediadora na emissão de passagens aéreas e pacotes de viagens nacionais e internacionais. O negócio é baseado na compra de milhas que não serão utilizadas por clientes de programas de fidelidade e, posteriormente, na emissão das passagens por meio desses programas.

A empresa é conhecida por oferecer bilhetes por preços abaixo dos praticados pelo mercado. Isso é possível porque a companhia, com a aquisição das milhas, consegue comprar passagens e serviços em grandes quantidades, o que possibilita negociar os produtos a preços menores.

Em 2021, a empresa criou o programa Promo123, que vendia passagens aéreas e pacotes de viagem com datas flexíveis. Nessa modalidade, o cliente indicava o período em que pretendia viajar e adquiria a passagem por um valor abaixo do oferecido pelas companhias aéreas e demais agências de viagens.

No entanto, a emissão do bilhete ocorreria somente após a compra. Segundo a empresa, o modelo permitiria escolher “o melhor momento” para adquirir os serviços por um preço mais vantajoso.

O UOL noticiou que, no mesmo ano do lançamento do programa, a 123 Milhas se tornou o maior anunciante do Brasil, com investimento de R$ 2,37 bilhões em publicidade, de acordo com o ranking Agências & Anunciantes, publicado pelo Meio & Mensagem, em parceria com a Kantar Ibope Media. A 123 Milhas afirma atender uma média de 5 milhões de clientes por ano.

O pedido de recuperação judicial

A 123 Milhas entrou com um pedido de recuperação judicial no TJ-MG em 29 de agosto. A solicitação ocorreu após a crise desencadeada pelo anúncio da suspensão da emissão de passagens de pacotes de viagens adquiridos na modalidade promocional, com embarques previstos de setembro a dezembro deste ano.

Desde que comunicou aos clientes que não cumpriria com as emissões de passagens, a 123 Milhas passou a ser alvo de ações judiciais cíveis e coletivas, bem como de notificações e investigações por parte da Senacon, do Ministério Público Federal (MPF), do Procon-SP e outros órgãos de defesa do consumidor.

Em nota divulgada à imprensa, a companhia afirmou que a medida tem como objetivo “assegurar o cumprimento dos compromissos assumidos com clientes, ex-colaboradores e fornecedores”.

“A Recuperação Judicial permitirá concentrar em um só juízo todos os valores devidos. A empresa avalia que, desta forma, chegará mais rápido a soluções com todos os credores para, progressivamente, reequilibrar sua situação financeira”, diz a nota.

Em 30 de agosto, as empresas do grupo — composto pela 123 Milhas, Novum e Art Viagens — enviaram à Justiça uma lista de credores com uma dívida que totaliza mais de R$ 2,29 bilhões. O documento inclui pessoas físicas, dívidas trabalhistas e empresas de todos os portes, incluindo instituições financeiras, empresas de tecnologia e de turismo.

O pedido de recuperação judicial da 123 Milhas acompanha um requerimento de tutela para suspensão das cobranças das dívidas (que prevê o não pagamento aos credores por 180 dias). Este seria o prazo para que a empresa formulasse um plano de pagamento gradual.

No dia 31 de agosto, o TJ-MG aceitou o pedido do grupo. A juíza da 1ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte, Cláudia Helena Batista, determinou um prazo improrrogável de 60 dias para as empresas apresentarem um plano de recuperação, sob pena de decretação de falência.

A magistrada também definiu que sejam apresentadas as contas demonstrativas mensais, enquanto a medida estiver em vigor.

Pedido não tem relação com políticas do governo Lula

Na petição que fundamenta o pedido de recuperação judicial, as empresas do grupo afirmam que estão “enfrentando a pior crise financeira” desde suas respectivas fundações, decorrente da “cumulação de fatores internos e externos” que impuseram um aumento considerável dos passivos das companhias nos últimos anos.

Entre as razões que levaram à crise elencadas estão fatores como o aumento dos preços das passagens após a pandemia de covid-19, acompanhado da alta no combustível de aviação, o que impossibilitou a emissão das passagens já adquiridas pelos clientes.

A dificuldade de cumprir com os serviços prometidos no programa Promo123 e a alta taxa de juros sobre as suas dívidas também são apontadas como razões que desencadearam o pedido de recuperação.

“Por exemplo, se acreditava que para cada voo vendido, o cliente também adquiriria outros produtos atrelados à viagem (reservas de hospedagem, passeios etc.), mas isso acabou não ocorrendo na prática”, argumenta o grupo.

O documento enviado à Justiça explica que a 123 Milhas estimava uma redução do preço das passagens diante de um esperado aumento na oferta de voos pelas companhias aéreas após o período de restrições impostas pela pandemia.

“Isso, contudo, infelizmente não se concretizou, havendo, na verdade, um aumento significativo da demanda (muito maior do que a oferta) por voos nacionais e internacionais, o que, aliado ao aumento do preço do combustível de aviação, ocasionado pela queda do real em relação ao dólar e a alta da inflação, fez com que o preço das passagens e pacotes se elevasse, fazendo com que a 123 Milhas não conseguisse adquirir tais produtos nos termos contratados com seus clientes”.

Segundo o Poder360, a empresa ainda cita a Azul Linhas Aéreas na lista de razões da crise econômico-financeira. De acordo com a agência de viagens, a Azul rescindiu um contrato que lhe dava vantagens competitivas aos preços das passagens e isso “inviabilizou o cumprimento de suas obrigações”.

Por fim, as empresas alegam que o modelo de aquisição das passagens, por meio de pontos e milhas, deixou de ser vantajoso diante de fatores como: “(i) precificação das passagens pelas companhias aéreas, que passaram a exigir maior quantidade de pontos/milhas para se emitirem passagens; e (ii) criação de novas regras pelas companhias aéreas em seus programas de fidelidade, que restringiram de forma drástica a utilização de pontos/milhas pelos seus participantes”.

Ainda segundo a petição, todos esses elementos afetaram as operações da companhia e resultaram na suspensão dos pacotes promocionais já adquiridos, decisão que desencadeou uma enxurrada de reclamações e processos.

Não há, no decorrer do documento, qualquer menção a políticas do governo Lula que poderiam ter influenciado no cenário de crise.

O Comprova procurou a Secretaria de Comunicação da Presidência, que encaminhou a demanda ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Por meio da Senacon, o órgão informou que não possui relação com o pedido de recuperação judicial apresentado pela empresa.

“O pedido de recuperação judicial é uma medida prevista na legislação brasileira, que permite a uma empresa em situação financeira delicada buscar a reestruturação de suas atividades e dívidas com o objetivo de garantir a sua continuidade. Este procedimento é solicitado pela própria empresa ao Poder Judiciário, visando encontrar soluções para os desafios econômicos enfrentados”, disse.

“Neste contexto, a Senacon monitora e fiscaliza o cumprimento das normas de defesa do consumidor pelas empresas, mas não interfere nos processos de recuperação judicial, que são da alçada do Poder Judiciário”.

O Comprova também entrou em contato com a 123 Milhas por e-mail, mas não obteve resposta até o fechamento desta verificação.

CPI das Pirâmides Financeiras

Em 6 de setembro, o sócio e administrador da 123 Milhas, Ramiro Júlio Soares Madureira, foi ouvido na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga esquemas de pirâmides financeiras. Proibida no Brasil, a prática funciona baseada no recrutamento de novos participantes com o objetivo de custear benefícios pagos aos mais antigos, com promessas de retorno expressivo em pouco tempo.

A agência de viagens entrou na mira dos parlamentares depois que anunciou a suspensão na emissão de passagens e de pacotes promocionais até o fim do ano por conta de dificuldades financeiras.

No depoimento à CPI, Madureira pediu desculpas pelos prejuízos causados e disse que o mercado se comportou de forma diferente do esperado. Segundo ele, isso impossibilitou a viabilidade da linha promocional da empresa. O sócio da 123 Milhas também negou que o seu modelo de negócio seja uma pirâmide financeira.

A CPI ainda deve ouvir os depoimentos do outro sócio da empresa, Augusto Júlio Soares Madureira, e de outras oito pessoas envolvidas no caso.

Dados de pedidos de recuperação judicial

O texto que associa o requerimento da 123 Milhas à gestão do presidente Lula traz dados de uma pesquisa que aponta um aumento de 82,1% nos pedidos de recuperações judiciais no Brasil.

A informação é verdadeira e se baseia em um levantamento da Serasa Experian referente a julho de 2023, quando 102 empresas solicitaram a medida. Em julho de 2022, foram 56 pedidos.

A pesquisa também indica que esse foi o terceiro número mais alto registrado no ano, atrás apenas dos meses de maio e fevereiro. Veja a comparação mês a mês:

Conforme o levantamento, “Micro e Pequena Empresa” foi o porte que liderou os pedidos de recuperação judicial, registrando 62 requerimentos. Em seguida aparece “Média Empresa”, com 30 pedidos, e “Grande Empresa”, com 10.

Na divisão por setores, o ranking é liderado pelas empresas de “Serviço” (41), “Comércio” (38), “Indústria” (20) e “Primário” (1).

A pesquisa é realizada a partir do levantamento mensal das estatísticas de falências (requeridas e decretadas) e das recuperações judiciais e extrajudiciais registradas mensalmente na base de dados da Serasa Experian, provenientes dos fóruns, varas de falências e dos Diários Oficiais e da Justiça dos estados brasileiros.

Ao Comprova, a Serasa Experian informou que “realiza levantamentos econômicos sem qualquer relação ou comentários a respeito do governo ou políticas econômicas”.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 6 de setembro, a publicação alcançava 3,8 mil visualizações no Telegram e 7,5 mil visualizações no X.

Como verificamos: O primeiro passo foi pesquisar notícias sobre o pedido de recuperação judicial da 123 Milhas (G1, Folha, CNN Brasil). Em seguida, encontramos o pedido da empresa na íntegra e a decisão da Justiça. Também entramos em contato com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a 123 Milhas, a Serasa e o responsável pela publicação do conteúdo.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já realizou checagens de outros conteúdos publicados pelo site Jornal da Cidade Online (1, 2 e 3). Recentemente, o projeto mostrou que vídeo exagera tamanho de lista de espera por transplante para enganar sobre Faustão e SUS, e que publicação engana ao comparar dados de empregos de Lula e Dilma com Bolsonaro.

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Investigado por: 2023-09-05

Governo federal usa casos de joias como estratégia de comunicação; Globo e CNN não têm relação

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Comentários de jornalistas da CNN Brasil e da GloboNews sobre o adiamento da reforma ministerial por parte do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mostram a existência de uma estratégia política do Palácio do Planalto, cujo intuito era manter o foco do noticiário nas investigações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no caso da joias, e não refletem uma conspiração entre o governo e essas empresas jornalísticas, como sugerem posts nas redes sociais. As publicações investigadas usam trechos recortados e fora de contexto do noticiário para sugerir que o governo federal tem poder para definir o que as emissoras podem transmitir.

Conteúdo investigado: Publicação com trecho de um vídeo da GloboNews com legenda que sugere que um repórter da emissora admite que o governo Lula manda a imprensa focar em denúncias contra o ex-presidente Bolsonaro.

Outro post traz corte do programa Bastidor 360, da CNN Brasil e sugere que o veículo “admitiu” que não quer “atrapalhar” o governo de Lula ao não noticiar as reformas ministeriais da atual gestão.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter).

Contextualizando: As postagens tiram de contexto trechos de telejornais da CNN e da GloboNews. Na realidade, o que os jornalistas em questão relataram era uma estratégia política do governo Lula de não se pronunciar ou anunciar as reformas ministeriais devido à repercussão sobre o caso das joias recebidas pelo ex-presidente, opositor derrotado por Lula nas urnas. Em ambos os casos, os repórteres deixam claro em suas falas que se trata de uma movimentação política de integrantes do governo para não dividir o foco do noticiário e mantê-lo nos desdobramentos das investigações contra Bolsonaro.

No programa Jornal das Dez, da GloboNews, o repórter Guilherme Balza afirma em diversos trechos que o “discurso” é do Palácio do Planalto, em menção à atual gestão. Já no caso da CNN, no programa Bastidor 360, a repórter Raquel Landim afirma que o adiamento das reformas ministeriais faz parte da estratégia do governo Lula para não enfraquecer a cobertura sobre o caso das joias.

Desde abril deste ano, a Polícia Federal investiga Bolsonaro, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e o ex-ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid, além do almirante e ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, o contra-almirante José Roberto Bueno Júnior, o coronel da reserva Marcelo Costa Câmara, o primeiro tenente Jairo Moreira da Silva, o tenente Marcos André Soeiro e os segundo-tenentes Osmar Crivelatti e Cleiton Henrique Holzschuk, por supostamente “desviar presentes de alto valor recebidos em razão do cargo pelo ex-presidente da República e/ou por comitivas do governo brasileiro, que estavam atuando em seu nome, em viagens internacionais, entregues por autoridades estrangeiras, para posteriormente serem vendidos no exterior”.

A conclusão consta na decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes para autorizar operação dentro do caso. Enquanto a investigação segue tendo novos acontecimentos, Lula vem adiando trocar titulares dos ministérios, o que deve acontecer em breve, para acomodar o Progressistas (PP) e o Republicanos.

Como o vídeo pode ser interpretado fora do contexto original: Tirados de contexto, os trechos de falas nos programas jornalísticos publicados nas redes sociais podem enganar ao utilizar uma parte da explicação dos repórteres de que a estratégia do atual governo federal é suspender os anúncios das reformas ministeriais.

Tais postagens se utilizam de parte do vídeo para afirmar que as emissoras e os veículos de comunicação evitam falar sobre o assunto para focar nas supostas ações de compras e vendas de jóias, ligadas ao governo de Bolsonaro.

A utilização do trecho, junto ao comentário dos autores da postagem, sugere que a ação foi determinada pelo executivo federal e aceita pelos veículos. Com isso, a publicação dá a entender que “o governo manda na Globo e na CNN”.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com os autores das postagens, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.

O que dizem as reportagens

No Jornal das Dez, da GloboNews, em 18 de agosto de 2023, a partir dos 22 minutos, é possível acompanhar o repórter Guilherme Balza explicando que “o discurso do Palácio do Planalto” seria para adiar a divulgação dos novos ministros da gestão de Lula. O trecho publicado tira o contexto da fala e deixa de fora a explicação do jornalista de que as ações são referentes aos agentes políticos do governo.

A fala do repórter é uma resposta a questionamento do apresentador Nilson Klava, que o perguntou sobre a repercussão do depoimento do hacker Walter Delgatti Neto à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, que apura a invasão aos prédios dos Três Poderes, e da quebra de sigilo bancário do ex-presidente e da ex-primeira-dama no caso das joias. Klava indaga o repórter sobre as repercussões no Congresso e no Palácio do Planalto.

“Tem sempre, quando aparecem essas investigações, quando o foco está nas investigações, um debate que isso acaba tirando foco das ações do governo, da agenda do governo do presidente Lula e, em outros momentos, isso causou um certo incômodo. Dessa vez, Nilson, dada a gravidade do que está acontecendo, o discurso ali no Palácio do Planalto é outro. Eles querem que o foco fique mesmo nessas denúncias que estão aparecendo”, disse.

Logo em seguida, o repórter afirma ter questionado um ministro sobre o tema da reforma ministerial, como aponta o trecho divulgado. “Inclusive, pela manhã, mandei mensagem para o ministro para perguntar sobre outro assunto, falar sobre reforma ministerial, se teria anúncio de ministro novo e ele disse ‘nada disso, nem hoje nem nos próximos dias, porque vocês têm que ficar focados aí em Cid, em Delgatti”.

No caso da CNN, também é retirado o contexto e as demais explicações sobre o tema, que apareceram na transmissão da emissora. A fala ocorreu no dia 22 de agosto no programa Bastidor 360, disponível no YouTube, a partir dos 41 minutos e 22 segundos.

“O governo federal colocou o pé no freio para nomeação de novos ministros para não tirar o foco do escândalo das joias, que envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro. E a gente está falando desde início do jornal, um assunto importantíssimo de relevância para sociedade brasileira. Agora, tudo na política tem estratégia, o núcleo político da gestão Lula preferiu esperar um pouco mais”, disse a jornalista Raquel Landim.

Ela segue ressaltando que o governo está tentando atrair partidos aliados. “Aguardar a volta do presidente, que está na África do Sul para reunião dos Brics, para evitar mudar o foco do noticiário. O governo está envolvido em negociações muito complicadas para atrair o PP e o Republicanos para a base do governo, e conseguir mais votos. Já tem até ministro escolhido, os nomes estão escolhidos, resta saber para qual ministério. A principal divergência ainda é com o PP de Arthur Lira [presidente da Câmara dos Deputados]”, explicou. Assim como o jornalista da GloboNews, os repórteres afirmam ter conversado com um ministro para saber sobre a reforma ministerial.

Caso das joias

Em março, conforme reportagem do Estadão, o governo Bolsonaro mandou trazer de forma ilegal para o Brasil um conjunto de joias avaliado em 3 milhões de euros (R$ 16,5 milhões) para a então primeira-dama, Michelle.

O caso evoluiu e passou a ser investigado pela Polícia Federal. O ministro do STF Alexandre de Moraes afirmou, na decisão que embasou a operação sobre o caso, que, de acordo com dados analisados pela PF, há a “possibilidade” de que o Gabinete Adjunto de Documentação Histórica do Gabinete Pessoal da Presidência da República tenha “sido utilizado para desviar, para o acervo privado do ex-presidente da República, presentes de alto valor, mediante determinação de Jair Bolsonaro”.

A investigação indica que o material deveria ser vendido e o dinheiro repassado em espécie para o ex-presidente. Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, teria levado para os Estados Unidos presentes recebidos por Bolsonaro enquanto ocupava a Presidência com a intenção de vendê-los. O transporte teria sido no mesmo avião presidencial em que o ex-presidente viajou para Orlando, em 30 de dezembro do ano passado, na véspera do fim de seu mandato.

A investigação “identificou que esse modus operandi foi utilizado para retirar do país pelo menos quatro conjuntos de bens recebidos pelo ex-Presidente da República em viagens internacionais, na condição de chefe de Estado”.

Reforma ministerial

Desde o fim da votação da reforma tributária, a imprensa tem noticiado que o governo Lula irá incorporar entre seus ministros filiados ao Republicanos e ao Progressistas. A informação sobre a mudança foi confirmada por deputados, outros ministros e até pelo presidente.

Devem virar ministros os deputados André Fufuca (PP-MA) e Silvio Costa Filho (Republicanos-PE). Ainda não há, no entanto, a definição de quais serão as pastas que passarão por mudanças. O ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência, Paulo Pimenta, afirmou em 4 de setembro que a reforma ministerial ia ser concluída “nas próximas horas” e que PP e Republicanos estarão integrados à base do governo a partir das mudanças na Esplanada dos Ministérios.

Em entrevista ao telejornal GloboNews Mais, da GloboNews, Pimenta disse que os dois partidos comporão a base porque tomaram “a iniciativa de procurar o governo e manifestar disposição e interesse”.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 4 de setembro, as postagens direcionadas à Rede Globo contabilizaram 69,4 mil visualizações, além de 4,9 mil curtidas e 1,5 mil compartilhamentos; 98,4 mil visualizações, 7,2 mil curtidas e 2,6 mil compartilhamentos. Já a publicação referente à CNN soma 148, 4 mil visualizações; 15, 4 mil curtidas e 5,3 mil compartilhamentos.

Como verificamos: O Comprova procurou a íntegra dos programas nos canais oficiais das emissoras (Globoplay e CNN no YouTube). A busca foi feita com base na data e horário que constam nas barras de texto horizontais que aparecem nas postagens, além da captura de tela que aparece em um dos conteúdos compartilhados onde há a data da publicação. Em seguida, entrou em contato com as emissoras citadas nas publicações e com os autores das postagens.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para publicações que obtiveram maior alcance e engajamento e que induzem a interpretações equivocadas. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Recentemente, o Comprova mostrou que é enganosa a comparação feita sobre as contas públicas do último ano do governo de Bolsonaro e do mês de maio do governo Lula. Também mostrou que o petista se encontrou com liderança religiosa da Nigéria em evento de igualdade racial, não com “feiticeiro”.

Política

Investigado por: 2023-09-04

Vídeo exagera tamanho de lista de espera por transplante para enganar sobre Faustão e SUS

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso vídeo em que um homem alega que Faustão “furou a fila” do transplante de coração e passou na frente de 50 mil pessoas por ser rico. O autor do conteúdo também alega que ele próprio segue à espera de um transplante e que não conseguiu por ser pobre. Na realidade, a lista de transplante de coração no Brasil tem 383 pacientes, conforme dados do Ministério da Saúde de 1º de setembro, não 50 mil. Além disso, a priorização leva em conta fatores como gravidade do caso e compatibilidade. Ao Comprova, o homem disse, sem apresentar provas, que aguarda há mais de cinco anos por um coração e, ainda, que está atrás de 18 mil pessoas na “fila”, o que não é possível, uma vez que a lista de espera pelo órgão tem menos de 400 pessoas.

Conteúdo investigado: Vídeo em que homem afirma que Faustão “furou a fila” e passou na frente de 50 mil pessoas porque é rico e famoso: “Eu tô aguardando há tempo com o pé na cova, mas eu não furei fila não, porque eu sou pobre. Eu não vou receber, eu vou morrer.” A legenda diz: “No Brasil, só quem faz transplante de coração é rico”.

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: É enganoso o vídeo em que um homem alega que o apresentador Fausto Silva, o Faustão, “furou a fila” e passou na frente de 50 mil pessoas que estariam esperando por um transplante de coração. De acordo com o Ministério da Saúde, cada órgão tem uma lista de espera específica, e a lista por um coração, na qual estava Faustão, não tem milhares de pessoas. Segundo dados atualizados em 1º de setembro deste ano, são 383 pacientes à espera do órgão.

No conteúdo investigado, o homem também afirma que o apresentador, de 73 anos, teria sido privilegiado por ser rico e famoso, e que pobre morre sem conseguir passar por transplante no Brasil, citando que ele próprio aguarda há muito tempo pelo procedimento. Entretanto, o Ministério da Saúde ressalta que a priorização dos pacientes não tem qualquer relação com fama ou riqueza e que segue critérios técnicos, como gravidade do caso, compatibilidade e condições de saúde que viabilizem uma boa recuperação pós-transplante.

Procurado pelo Comprova, o autor do vídeo, morador de Floriano, no Piauí, disse que infartou em 2018, que ficou internado por um ano em um hospital do Distrito Federal e que, desde então, aguarda por um transplante de coração. Segundo ele, à sua frente, há 18 mil pessoas – o que não é verdade.

A espera superior a cinco anos também não se confirmou. A Secretaria de Saúde do DF informou ao Comprova que a pessoa que aguarda há mais tempo por um coração na unidade da federação foi cadastrada em 23 de abril de 2019 e já teve 24 ofertas recusadas. A pasta acrescenta que registra 43 pacientes na lista, sendo que 39 já tiveram oferta com recusa. As recusas, explica, podem se justificar por falta de exames do doador, logística inviável, condições clínicas do doador, entre outros motivos.

Por fim, o Ministério da Saúde ressaltou que “os pacientes que aguardam por um coração tendem a ser priorizados com frequência, tendo em vista a gravidade com que muitos entram na lista”.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 1º de setembro de 2023, o vídeo publicado no TikTok somava mais de 4,5 milhões de visualizações, 118 mil curtidas e 17,9 mil comentários.

Como verificamos: Primeiramente, em busca de identificar o autor do vídeo, analisamos o perfil em que ele foi publicado. Pelo conteúdo ali postado anteriormente, percebe-se tratar da mesma pessoa em todos os vídeos da conta, o que dá a entender que o perfil é do homem que aparece no conteúdo investigado. O segundo passo foi tentar identificar o autor e entrar em contato com ele.

A estratégia usada foi a análise do perfil para identificar alguma referência de identidade ou localização. Uma das postagens mais antigas é um folder com informações de atendimento de uma psicóloga, com a legenda se referindo à filha do autor. O Comprova entrou em contato com a profissional e confirmou se tratar da familiar do responsável pelo vídeo e conseguiu contato com ele por meio desta pessoa.

Em entrevista ao Comprova, o autor do vídeo afirmou estar na fila de transplantes desde 2018, ao ficar internado no Hospital Regional de Taguatinga, no DF, e que mora atualmente no interior do Piauí. Depois, entramos em contato com a Secretaria de Saúde do Distrito Federal e com o Ministério da Saúde. Contatamos, ainda, a Central de Transplantes do Piauí e do Ceará.

Fizemos, ainda, pesquisas no Google sobre o tema, usando termos como “Faustão, transplante de coração, furou a fila e lista de espera”, que resultou em reportagens (UOL, G1, Estadão, Valor Econômico, Agência Brasil) e publicações de agências de checagem (Comprova, UOL Confere). Por fim, entrevistamos a médica cardiologista Lívia Adams Goldraich, coordenadora técnica do Programa de Transplante Cardíaco do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Faustão não passou na frente de 50 mil pessoas

Diferentemente do que alega o vídeo, Faustão não passou na frente de 50 mil pessoas para realizar um transplante de coração. A lista de espera pelo órgão sequer tem milhares de pacientes – são, na verdade, 383, segundo dados do Ministério da Saúde atualizados em 1º de setembro deste ano. A maior parte dos pacientes é de São Paulo (212), Distrito Federal (43) e Paraná (29).

Cada órgão tem uma lista específica, ou seja, quem espera por um fígado não está na mesma relação de quem precisa de um coração. O transplante de rim, com 37.139 pessoas, tem a lista mais extensa.

“A lista de espera é dividida por órgão e respeita a gravidade de saúde do paciente para que se liste quais são prioritários no atendimento. O paciente Fausto Silva preenchia requisitos prioritários e constava em segundo lugar na espera”, diz nota encaminhada pelo Ministério da Saúde.

Conforme a pasta, a escolha do receptor do órgão a ser transplantado é feita pelo próprio sistema com base em critérios técnicos, que não incluem, por exemplo, poder aquisitivo e popularidade. Além do tempo de espera, são considerados:

  • a gravidade do caso (que indica o risco de a pessoa vir a morrer antes de passar pelo transplante);
  • o tipo sanguíneo;
  • a compatibilidade imunológica (chance maior ou menor de rejeição)
  • o porte físico (receptor e doador devem ter porte físico semelhante);
  • e a distância geográfica (devido ao tempo de duração do órgão fora do corpo, ele precisa ser retirado do doador e transplantado em um intervalo de aproximadamente 4 horas, ou seja, a distância entre receptor e doador também interfere).

“Um doador pode ser melhor para uma pessoa do que para a outra. Pode acontecer de um doador, ele não ser de um tamanho ideal ou não ter compatibilidade imunológica, aí vai para a próxima pessoa da lista. Às vezes, a pessoa pode estar em décimo lugar, mas acabar transplantando antes dos primeiros”, explica a médica cardiologista Lívia Adams Goldraich, coordenadora técnica do Programa de Transplante Cardíaco do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Também é necessário que o paciente esteja em condições de saúde que garantam uma melhor recuperação pós-transplante, ou seja, se o paciente adquirir uma infecção ao longo da espera, tratará primeiro essa infecção para, depois, estar apto novamente a passar pelo transplante. Nesse meio tempo, pode ficar com status “inativo” na lista.

Recentemente, o Comprova Explica elencou algumas das situações de extrema gravidade, com risco de morte, e determinadas condições clínicas do paciente que permitem o acesso mais rápido ao transplante, como necessidade de assistência circulatória para pacientes cardiopatas e rejeição de órgãos recentes transplantados.

O ministério ressalta, ainda, que a lista de espera – que vale tanto para pacientes da rede pública quanto para os da privada – é dinâmica e pode ser alterada diariamente pelo sistema informatizado, sempre orientada pelos critérios técnicos.

Tempo de espera por um coração

Quanto ao tempo médio de espera para um transplante de coração, o Ministério da Saúde informa que 27% dos pacientes fazem a cirurgia em menos de 30 dias e 52% em menos de 90 dias. A pasta ressalta, contudo, que alguns podem constar na lista de espera por dois anos ou mais, porque, apesar de se enquadrarem nas patologias que indicam o transplante de coração, não necessitam de internação.

“Isso acontece porque possuem quadro clínico estável e contam com constante acompanhamento da equipe médica. Assim, caso haja piora em seu estado de saúde e necessidade de realização do transplante, a equipe médica atualizará o prontuário no sistema para que fique compatível com as atuais necessidades de tratamento do paciente”, diz o Ministério em nota enviada ao Comprova.

 

Versão do autor do vídeo não se confirma

O autor do vídeo, Antonio Nunes da Silva, de 56 anos, é natural e morador de Floriano, no Piauí. Ao Comprova, ele reafirmou as alegações feitas na gravação que viralizou e acrescentou que espera por transplante há mais de cinco anos. Segundo ele, em setembro de 2018, foi vítima de um infarto e acabou internado em um hospital de Taguatinga, no Distrito Federal, ocasião em que teria entrado para a lista de espera por um coração.

Conforme o relato, ele teria sido acometido pela doença de Chagas e ficado internado por um ano “numa situação caótica esperando o transplante”. Depois, teria abandonado o tratamento em Brasília e voltado para a sua cidade natal, viajando eventualmente para exames. “Tem 18 mil pessoas na minha frente. Minha posição na fila de transplante é essa, 18 mil pessoas na minha frente”, afirmou.

O Comprova pediu a Antonio que encaminhasse os documentos que comprovam sua situação de saúde e a espera de cinco anos por um coração, mas ele se recusou a encaminhá-los.

Consultada, a Saúde disse que não pode passar informações específicas sobre pacientes, mas destacou que a lista de espera por um coração tem menos de 400 pessoas e que, portanto, o paciente, caso esteja na lista, não pode estar em uma posição maior que essa.

A Secretaria de Saúde do Distrito Federal também não fornece informações sobre pacientes atendidos na rede pública de saúde, mas informou que o cadastro mais antigo na lista é de 23 de abril de 2019 – ou seja, inferior a cinco anos. Esse paciente já teve 24 ofertas recusadas. No total, o DF tem 43 pessoas à espera de um transplante de coração, sendo que 39 já tiveram oferta com recusa.

 

 

“O paciente mais antigo pode, em algum momento, ter tido sua inscrição suspensa por complicações, falta de exames etc. As recusas podem ser por falta de exames do doador, logística inviável, condições clínicas do doador, dentre outros”, disse a Secretaria em nota enviada ao Comprova.

Diante da negativa sobre a espera superior a cinco anos, o Comprova entrou em contato com a Central de Transplantes do Piauí, para verificar se o paciente poderia ter sido cadastrado no estado onde mora atualmente, mas o Piauí não tem hospital autorizado pelo Ministério da Saúde a realizar esse tipo de transplante. Quando um morador precisa de um coração, normalmente é encaminhado para o Ceará e precisa se mudar, devido ao tempo de duração do órgão fora do corpo, que é de aproximadamente quatro horas.

“Ele precisaria estar morando próximo [ao local do doador]. Se ele estivesse listado em Brasília, ele teria que estar morando em Brasília ou na região”, explica a médica cardiologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Tanto o Ministério quanto a Secretaria informaram que o próprio paciente ou qualquer familiar pode consultar a lista de espera por um novo órgão pelo site do Sistema Nacional de Transplantes (SNT). É preciso informar o Registro Geral da Central de Transplantes (RGCT), que pode ser obtido com a equipe médica ou na Central de Transplantes, data de nascimento e CPF do paciente cadastrado.

O que diz o responsável pela publicação: Ao Comprova, Antonio Nunes da Silva afirmou que publicou um vídeo para desabafar sobre sua situação, já que estaria na fila para um transplante de coração desde 2018 sem ser contemplado, enquanto Faustão conseguiu passar pelo procedimento em menos de 20 dias. Contou que sofreu um infarto em setembro de 2018, como consequência da doença de Chagas e que a única possibilidade de cura seria o transplante.

O homem disse ainda estar atrás de 18 mil pessoas. Ao ser indagado sobre documentos que comprovariam o diagnóstico da doença e a permanência na lista de espera pelo transplante, Antonio negou-se a concedê-los e mostrou-se indignado com a dúvida sobre o caso.

O que podemos aprender com esta verificação: O vídeo usa números exagerados e ataca o sistema de saúde e o apresentador Fausto Silva sem apresentar provas. O autor do conteúdo investigado adiciona um relato pessoal para sensibilizar as pessoas sobre o tema, alegando que, como pobre, não teria o mesmo acesso que uma pessoa rica a um transplante, despertando indignação em quem assiste, o que pode ser percebido pelos comentários no post. Novamente, ele não apresenta nenhum documento que comprove tal alegação.

Ao se deparar com um conteúdo como esse, antes de compartilhar a publicação, busque se informar junto a órgãos oficiais e veículos jornalísticos de sua confiança sobre como funciona a lista de espera por transplantes no Brasil.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Outras agências de checagem já verificaram conteúdos falsos ou enganosos associados ao transplante pelo qual passou Faustão (Aos Fatos, UOL Confere, Agência Lupa, Estadão Verifica).

O próprio Comprova já fez um Explica sobre como funciona a lista de espera por um transplante de órgãos no Brasil. Também já mostrou que a autorização da ozonioterapia no país está condicionada à aprovação da Anvisa e que as vacinas não têm vírus e fungos ‘do câncer’.

 

 

Política

Investigado por: 2023-09-01

Publicação engana ao comparar dados de empregos de Lula e Dilma com Bolsonaro

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa a postagem que afirma que o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) gerou mais empregos que os governos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT) juntos. Em 2021, Bolsonaro bateu recorde de criação de empregos com carteira assinada, mas o número foi obtido após mudança na metodologia do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o que dificulta a comparação com anos anteriores. Dados oficiais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) mostram que, na realidade, os mandatos petistas geraram ao todo mais que o triplo de empregos formais que o mandato de Bolsonaro. Considerando a média anual de criação de empregos, o segundo mandato de Lula é o que fica em primeiro lugar.

Conteúdo investigado: Publicação em que uma pessoa questiona os índices de emprego nos governos de Lula, Dilma e Bolsonaro. A legenda diz: “Tem 22 anos que o cabra vota no PT, mas culpa do desemprego é do Bolsonaro. Durante 4 anos de governo Bolsonaro foi gerado mais emprego do que 18 anos de governo Lula e Dilma. Detalhes: Na pandemia bateu recorde de contratação de carteira assinada!”. Uma animação acompanha o post, em que mostra o desenho de duas filas, uma vazia e nomeada “emprego” e a outra cheia nomeada “esmola do PT”.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter).

Conclusão do Comprova: É enganosa a postagem que afirma que Bolsonaro gerou mais empregos que os governos de Lula e Dilma juntos. De acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), na realidade, os 14 anos de gestões petistas registraram 3 vezes mais novas contratações em carteira assinada que os 4 anos de Bolsonaro. Na comparação da média anual de criação de empregos, o segundo mandato de Lula fica em primeiro lugar.

A postagem analisada aqui utiliza números do novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Como houve uma mudança de metodologia em 2020, não é possível comparar números de anos anteriores usando esses dados. A pesquisa antiga do Caged era feita de forma opcional, ou seja, as empresas se voluntariavam para preencher as informações.

A partir de 2020, no entanto, o Ministério do Trabalho começou a usar informações inseridas no eSocial e no EmpregadorWeb, sistemas públicos que as empresas são obrigadas a divulgar seus dados. A análise de especialistas é que a mudança aumentou a base de informações usadas para a construção dos resultados e, por isso, os números depois de 2020 são maiores, não sendo possível fazer comparações.

A comparação de número de postos de trabalho pode ser feita, de forma aproximada, com os dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS). Foi isso o que o Comprova buscou fazer nesta verificação. A RAIS é feita a partir do preenchimento obrigatório, para todos os estabelecimentos, inclusive aqueles sem ocorrência de vínculos empregatícios no exercício. Assim as informações são disponibilizadas segundo o estoque (número de empregos) e a movimentação de mão-de-obra empregada (admissões e desligamentos).

Na comparação realizada aqui, foi necessário preencher o ano de 2022 com números do Novo Caged. Isso porque o levantamento da RAIS referente a 2022, último ano da gestão de Bolsonaro, ainda não foi divulgado e, por isso, a fim de aproximação, o Comprova usou nesta verificação os dados do Novo Caged de 2022. Isso foi feito porque os números do RAIS e do Novo Caged são mais próximos do que os números do Caged original e de sua versão atualizada.

A média para cada mandato foi calculada para evitar distorções diante da quantidade de anos que Lula e Dilma estiveram no cargo, 14 ao todo, contra os quatro anos de Bolsonaro.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 1º de setembro, a publicação no X contava com 147,1 mil visualizações, 3,8 mil republicações e 12,3 mil curtidas.

Como verificamos: Em primeiro lugar, buscamos no Google informações oficiais e matérias jornalísticas sobre a geração de empregos formais e recordes de carteiras assinadas nos governos Lula, Dilma e Bolsonaro. Também procuramos no site do Ministério do Trabalho e Emprego explicações sobre as metodologias do Caged e do Novo Caged.

Entramos em contato com o MTE para obter dados sobre a geração de emprego nos últimos 20 anos. Consultamos Alexsandre Lira, analista de políticas públicas do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), especialista em mercado de trabalho. Por fim, contatamos o autor da publicação.

Mudanças de metodologia do Caged dificultam comparações

O Ministério do Trabalho e Emprego anunciou que 2021 registrou recorde histórico no número de novos empregos criados. Os dados, no entanto, foram recebidos com ressalvas por especialistas. Isso porque, a partir de 2020, houve uma mudança de metodologia para contabilizar a criação de empregos no país.

Além da pesquisa realizada mensalmente com os empregadores, o sistema também passou a puxar dados do eSocial e do EmpregadorWeb (sistema no qual são registrados pedidos de seguro-desemprego).

A mudança gerou impacto porque a declaração dos vínculos temporários à pesquisa do Caged é opcional, mas a inserção no eSocial, que passou a ser contabilizada, é obrigatória. O Novo Caged, portanto, gera resultados maiores ao considerar esses vínculos, conforme informou nota técnica da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, do Ministério da Economia, em maio de 2020.

O Caged foi criado pela Lei nº 4.923, de 23 de dezembro de 1965, como instrumento de acompanhamento e de fiscalização do processo de admissão e de dispensa de trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O objetivo é assistir os trabalhadores desempregados e apoiar medidas contra o desemprego, ou seja, tem uma finalidade trabalhista.

Já o eSocial possui caráter tributário, previdenciário e também trabalhista. Criado em 2014, o sistema tem como objetivo unificar e simplificar a prestação de informações relativas a trabalhadores e empresas, bem como o cumprimento de obrigações fiscais, previdenciárias e trabalhistas. A transmissão eletrônica desses dados, em ambiente único, simplifica o processo de envio das informações, de forma a reduzir a burocracia para as empresas. Por esse motivo, capta um volume de informações mais amplo que o Caged.

A nota técnica destaca que a declaração dos vínculos temporários no Caged é opcional, enquanto no eSocial é obrigatória. Assim, o volume de movimentações no eSocial, na média, tende a ser superior àquelas verificadas historicamente no Caged, uma vez que neste sistema, além dos vínculos temporários serem subdeclarados, não é possível diferenciá-los dos demais.

A nota técnica divulgada pelo Ministério da Economia em 2020 explica que o Caged vigente até então obrigava a declaração apenas de empregados celetistas, tornando opcional, por exemplo, a inserção de trabalhadores temporários. Já com a adição do eSocial no novo Caged, um total de sete categorias passaram a ser obrigatórias na contabilização: além dos empregados em CLT, trabalhadores temporários, trabalhadores avulsos, agentes públicos e trabalhadores estatutários, trabalhadores cedidos e dirigentes sindicais, contribuintes individuais e bolsistas também devem ser inseridos.

Analista de políticas públicas Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece) e especialista em mercado de trabalho, Alexsandre Lira afirma que, pela mudança na metodologia, não se deve fazer uma comparação com os números registrados antes de 2020, que abrangem as gestões de Lula e Dilma, e os números do governo Bolsonaro.

“Essas séries, elas não podem ser comparadas, são metodologias totalmente diferentes. Logicamente elas buscam e têm o mesmo objetivo que é acompanhar a conjuntura do mercado de trabalho brasileiro. Contudo, existem algumas mudanças metodológicas, o que inviabiliza a comparação”, afirma. O analista elenca ainda que a partir de 2020 passaram a ser registrados alguns tipos de contratos, como os de estagiários, que não constavam no Caged anterior.

“Então se você tem mudança metodológica em qualquer série histórica, seja mercado de trabalho, seja PIB [Produto Interno Bruto], por exemplo, seja qualquer outra série histórica, você não pode comparar séries diferentes com mudanças metodológicas”, explicou o especialista.

Ele cita a avaliação do economista Bruno Ottoni, pesquisador do IDados e do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (IBRE/FGV). Em uma reportagem do G1 publicada em abril de 2021, Ottoni destacou o fato de haver mais empresas reportando dados do que antes, já que cresceram as sanções para as companhias que deixam de informar as movimentações de emprego.

O mercado de trabalho brasileiro poderia ser comparado a partir dos dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), segundo avaliação de Lira. A relação, também de autoria do MTE, é um Registro Administrativo instituído em 23 de dezembro de 1975.

A base de dados possui periodicidade anual – diferentemente dos sistemas de Caged, que são mensais – e apresenta informações sobre todos os estabelecimentos formais e vínculos celetistas e estatutários no Brasil. O estoque de empregos formais, uma das principais informações contida no RAIS, diz respeito ao número de vínculos ativos e representa um retrato do mercado de trabalho.

Dentro de sua base de dados, é obrigatória a declaração anual, por parte dos estabelecimentos, empregados sob o regime CLT, trabalhadores temporários, trabalhadores avulsos, agentes públicos e trabalhadores estatutários, trabalhadores cedidos e dirigentes sindicais, e diretores sem vínculo empregatício, para os quais o estabelecimento ou entidade tenha optado pelo recolhimento do FGTS (contribuinte individual).

A série histórica iniciou em 1985 e passa pelas gestões de Lula e Dilma. No entanto, os dados de 2022, último ano de Bolsonaro, ainda não foram divulgados.

Governo Bolsonaro não criou mais empregos que Lula e Dilma

Ao ser contatado pelo Comprova, o MTE disponibilizou uma tabela com os dados de geração de empregos entre os anos de 2003 e 2023. Na lista, estão delimitados os anos e os números de admitidos, desligados, saldo líquido e estoque – total de pessoas empregadas formalmente, com carteira assinada. Os dados, no entanto, consideram os valores do Caged tanto com a antiga quanto com a nova metodologia, o que não é recomendável, de acordo com Lira.

Para avaliar a alegação posta no conteúdo investigado aqui, Lira sugeriu uma comparação com os dados da RAIS de mandatos anteriores. E, para completar tais dados, que não trazem os números de 2022, sugeriu o uso dos dados do Novo Caged de 2022, somando o Estoque de Vínculos Formais da RAIS 2021 com o saldo anual de empregos do Caged 2022. Nesta comparação, “a conclusão é que Bolsonaro não gerou mais empregos formais que Lula e Dilma”, afirma Lira.

A partir da inserção do eSocial, o Novo Caged tem uma metodologia mais aproximada com a forma com que o RAIS é apresentada, o que permite que a comparação seja mais fidedigna. No entanto, é preciso ressaltar que ainda há diferenças entre os dados dessas duas contagens, por não serem metodologias totalmente idênticas.

Em nota técnica de outubro de 2020 do Ministério da Economia, há uma comparação entre o RAIS e o eSocial, que passou a contabilizar o Novo Caged. Enquanto o eSocial obriga a inserção de todos os trabalhadores formais, o RAIS exclui algumas categorias: diretores sem vínculo empregatício para os quais não é recolhido FGTS; autônomos; eventuais; ocupantes de cargos eletivos; estagiários; bolsistas; empregados domésticos; cooperados ou cooperativados; diretores e assessores de órgãos; e institutos e fundações dos partidos, quando remunerados com valor mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo do benefício do Regime Geral de Previdência Social.

Isso faz com que o número do Novo Caged, apesar de mais aproximado do que da metodologia anterior, seja maior que o RAIS. Para exemplo de comparação, no ano de 2021, enquanto o RAIS apresentou saldo de 2.492.695 novos empregos gerados, o novo Caged apresentou 2.778.360 novas vagas.

A tabela abaixo mostra a comparação feita por Lira, governo a governo.

| Comparação entre as gestões com base nos dados da Rais e do Novo Caged.

A soma do saldo líquido dos governos petistas, sem contar o atual mandato de Lula, totalizaria mais que o triplo do que o saldo do governo de Bolsonaro, justamente porque a comparação seria entre 14 anos contra apenas quatro.

Entre 2003 e 2016, o número de empregos com carteira assinada criados no Brasil totalizou 17.376.285. Já entre 2019 e 2022, foram 4.111.504 novos empregos formais criados. Para fins de comparação, o Comprova calculou também a média de criação de vagas de emprego por ano nos mandatos, a maneira mais correta de criar parâmetros.

Durante o primeiro mandato de Lula, foram criados em média 1,6 milhão de empregos por ano. No segundo mandato do petista, a média subiu para 2,2 milhões. No primeiro mandato de Dilma, esse número chegou a 1,3 milhão. Em seus dois anos do segundo mandato, até o processo de impeachment, foram destruídos 3,5 milhões, uma média de 1,7 milhões.

Já com Bolsonaro, foram criados cerca de 1,02 milhão de empregos por ano, em média. Diferentemente do que faz crer a postagem, a média anual de criação de empregos no governo de Bolsonaro só foi maior do que a do segundo mandato de Dilma.

O que diz o responsável pela publicação: O perfil @misteriouspavao no X não aceita receber mensagens privadas. Entramos em contato com a conta de mesmo nome no Instagram, mas não obtivemos resposta até a publicação desta verificação.

O que podemos aprender com esta verificação: Uma tática muito utilizada por desinformadores é a de mesclar dados verdadeiros com outros falsos para tentar dar credibilidade ao conteúdo. A comparação na publicação também suprime a mudança na metodologia do Novo Caged, levando a conclusões equivocadas. Ao encontrar esse tipo de postagem, busque por informações nos canais oficiais e em veículos jornalísticos de confiança.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Durante o debate presidencial da TV Globo em 2022, uma fala de Lula criticando a metodologia estabelecida pelo novo Caged foi utilizada em peças de desinformação para afirmar que o então candidato à presidência iria acabar com o Microempreendedor Individual (MEI). A verificação dessas publicações foi feita pelo Aos Fatos e pelo Comprova.

Comparações entre governos costumam ser um tema utilizado por desinformadores e que já foram verificados pelo Comprova. Recentemente, o Comprova mostrou que Lula levou presentes em contêineres de forma legal e que taxa sobre energia solar foi sancionada no governo de Bolsonaro, não do petista.

Política

Investigado por: 2023-08-31

Vídeo compara dados diferentes e engana sobre déficit das contas públicas

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa a comparação feita por uma mulher em vídeo sobre as contas públicas do último ano do governo de Jair Bolsonaro (PL) e do mês de maio do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Especialista explicou ao Comprova que a comparação utiliza variáveis diferentes. Em relação a Bolsonaro, os dados referem-se às contas do governo federal (apenas União) em um ano (2022), enquanto os números da gestão petista correspondem às contas do setor público consolidado, que considera União, estados, municípios e empresas estatais, em um mês (maio de 2023).

Conteúdo investigado: Vídeo em que uma mulher sugere que o Brasil caminha para “virar a Argentina” e/ou “virar a Venezuela”. A afirmação parte da comparação feita entre superávits e déficits entre os governos de Lula e Bolsonaro, além de outros fatores econômicos, como a queda do Ibovespa.

Onde foi publicado: TikTok e Telegram.

Conclusão do Comprova: É enganoso vídeo que compara o superávit nas contas públicas durante o último ano do governo de Jair Bolsonaro (PL) com o déficit registrado pela gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em maio de 2023.

Na gravação, uma mulher afirma que “no governo Bolsonaro foram deixados 50 bilhões de superávit”, mas atualmente, “apenas sete meses do governo Lula já está batendo 50 bilhões de déficit”. A autora do post utiliza duas reportagens, do G1 e da CNN, para ilustrar as alegações.

A comparação, no entanto, utiliza bases de dados diferentes. Conforme explicou ao Comprova o economista José Pio Martins, os números da gestão Bolsonaro referem-se ao balanço das contas do governo federal realizado no final de 2022 e divulgado pela Secretaria do Tesouro Nacional. Enquanto os dados do governo petista dizem respeito às contas do setor público consolidado (União, estados, municípios e estatais), que fazem parte das estatísticas fiscais divulgadas pelo Banco Central do Brasil (BCB) mensalmente.

A diferença entre os números divulgados pelo BCB e pela Secretaria se deve ao fato de que os órgãos utilizam metodologias distintas e enquanto o primeiro considera as contas do setor público consolidado, o segundo leva em conta apenas a arrecadação da União.

“Às vezes você pega o déficit nacional ou superávit nacional e o mérito, na verdade, é das prefeituras, não dos estados ou do governo federal. E o inverso também acontece”, diz Martins.

O Comprova classifica como enganoso todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 31 de agosto, o vídeo somava 7,3 mil visualizações no Telegram. Já no TikTok, a publicação alcançava 805,3 mil visualizações, 90,8 mil curtidas, além de 23,8 mil compartilhamentos e 3,1 mil comentários.

Como verificamos: Primeiramente, utilizamos o Transkriptor para transcrever o áudio do vídeo aqui verificado. Depois, pesquisamos no Google as manchetes das matérias exibidas na gravação (UOL, G1 e CNN) para entender o contexto e o conteúdo das afirmações. Também entrevistamos o economista, palestrante, consultor de economia, finanças e investimentos, e ex-reitor da Universidade Positivo (UP), no Paraná, José Pio Martins.

Por último, procuramos o Ministério da Fazenda, a Secretaria do Tesouro Nacional, o Banco Central e o responsável pela publicação do conteúdo.

O superávit no fim de 2022, no governo Bolsonaro

De acordo com notícia do G1 de 27 de janeiro de 2023, mostrada no vídeo investigado, as contas do governo federal registraram superávit primário de R$ 54,1 bilhões em 2022. Isso significa que as receitas do governo superaram as despesas, sem considerar o pagamento de juros da dívida pública. Os dados, que incluem contas do Tesouro Nacional, da Previdência e do Banco Central, são do boletim do Tesouro Nacional.

Conforme o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, há dois motivos que explicam o superávit em 2022: os precatórios e o incremento dos “restos a pagar”. “Há mais de R$ 50 bilhões acumulados de precatórios não pagos”, afirmou Ceron à Folha, referindo-se aos efeitos da emenda constitucional que permitiu à União adiar o pagamento de dívidas judiciais. Sobre os restos a pagar, nome técnico de despesas herdadas de anos anteriores, Ceron disse que a herança ficou maior no fim do governo Bolsonaro.

Ainda segundo reportagem da Folha, o estoque de restos a pagar é de R$ 255,2 bilhões, valor explicado pelo excesso de despesas que começaram a ser executadas já próximo do fim do exercício, sem que houvesse tempo hábil para seu pagamento.

Já os dados do Banco Central do Brasil de janeiro de 2023 mostram que as contas públicas registraram, em 2022, saldo positivo de R$ 126 bilhões. O número do BCB difere do divulgado pela Secretaria do Tesouro Nacional porque, além de considerar as contas da União, dos governos regionais (estados e municípios) e empresas estatais, o banco utiliza uma metodologia diferente, que leva em conta a variação da dívida dos entes públicos.

Quando se incorporam os juros da dívida pública à conta – no conceito conhecido no mercado econômico como “resultado nominal” – nota-se déficit de R$ 460,4 bilhões nas contas do setor público em 2022.

O déficit em maio de 2023, no governo Lula

Conforme matéria da CNN de 30 de junho de 2023 mostrada no vídeo investigado, as contas públicas registraram déficit primário de R$ 50,2 bilhões em maio. Os dados, que englobam as contas do governo federal, estados e municípios e empresas estatais — exceto Petrobras, Eletrobras e bancos —, fazem parte das estatísticas fiscais, divulgadas pelo Banco Central. Em maio de 2022, houve déficit primário de R$ 32,9 bilhões.

O déficit primário representa o resultado negativo das contas do setor público (despesas menos receitas), desconsiderando o pagamento dos juros da dívida pública. Segundo reportagem da Agência Brasil, o saldo negativo resultou sobretudo da queda na arrecadação dos governos estaduais e municipais. Eles foram responsáveis pela piora do resultado primário em R$ 14,1 bilhões.

Somando os juros, os gastos de maio de 2023 ficaram em R$ 69 bilhões, contra R$ 32,9 bilhões de maio de 2022.

Em 29 de junho, o Tesouro Nacional informou que o governo central — composto por Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social — registrou déficit primário de R$ 45 bilhões em maio de 2023. O BCB apresenta números diferentes pois considera os governos locais e as estatais, e usa outra metodologia, que leva em conta a variação da dívida dos entes públicos.

Dados entre os dois governos não são comparáveis

Ao Comprova, o economista José Pio Martins explicou que a comparação feita no vídeo é indevida pois se utiliza de duas variáveis diferentes. Em relação ao governo Bolsonaro, os dados referem-se às contas do governo federal (apenas União) em um ano (2022), enquanto os números da gestão Lula correspondem às contas do setor público consolidado (União, estados, municípios e estatais) em um mês (maio de 2023).

“Só faz sentido analisar o desempenho de um governo em termos de déficit público quando você fecha o ano. Porque tudo tem uma base anual e a economia é muito diferente de um mês para outro. Por exemplo, em agosto e setembro é hora de plantar um amontoado de safras agrícolas. Mas isso é colhido apenas no ano seguinte. Então os custos de todo esse setor produtivo entram neste ano, mas a receita entra no ano seguinte porque a colheita é feita depois”, afirma.

Martins explica que seria possível comparar um mês de 2022, durante o governo Bolsonaro, com o mesmo de 2023, na gestão Lula. Mas, na visão do especialista, essa análise ainda seria incompleta. “O ideal é comparar o ano inteiro de um e o ano inteiro de outro. Mas Lula não fechou um ano de governo, ou um período orçamentário.”

Além disso, o superávit relativo ao último ano do governo Bolsonaro considera os valores arrecadados apenas pela União, enquanto o déficit de maio de 2023 leva em conta as contas tanto do governo federal quanto de estados, municípios e empresas estatais.

“Volta e meia alguém fala em déficit do governo federal, mas o número utilizado é do déficit do setor público, que inclui prefeituras e estados. Às vezes você pega o déficit nacional ou superávit nacional e o mérito, na verdade, é das prefeituras, não dos estados ou do governo federal. E o inverso também acontece.”

O economista ressalta ainda que é preciso levar em conta outros fatores no momento de realizar comparações na área econômica, como a inflação, e influências externas, como, por exemplo, o preço médio do barril de petróleo.

Outras alegações

No vídeo, a autora alega que “o diesel já está acabando em diversas partes do Brasil, o que pode levar a uma crise gigantesca”. No entanto, o Comprova mostrou, em 18 de agosto deste ano, que não havia registro de desabastecimento de diesel no país.

Na época, a Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis) afirmou que houve limitação nas entregas em algumas bases de distribuição, mas que isso não significa falta de combustíveis para os consumidores. Um dos motivos teria sido a competitividade de preço entre empresas, “ocasionando sobrecarga de pedidos em determinadas bases em detrimento a outras e, consequentemente, restrição nas entregas de produtos pelas distribuidoras”. A Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) também negou haver desabastecimento.

A autora também fala sobre os impostos para compras de sites internacionais como Shein e Shopee, a política de preços da Petrobras e afirma que o governo estaria “tirando dinheiro da Saúde e da Educação para ficar subsidiando gasolina e seus artistas”. A última alegação é acompanhada de notícia da Folha intitulada “Ludmilla pede ‘L’ de Lula em show da Virada Cultural com cores do PT no telão”.

Sobre esses assuntos, o Comprova já mostrou que imposto para taxar compras em sites internacionais como Shein e Shopee existe desde 1999; explicou como funciona a política de preços da Petrobras e checou que artistas como Ludmilla e Zeca Pagodinho não receberam milhões de reais pela Lei Rouanet.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova procurou o perfil @garotacrypto, por e-mail, e questionou o método de comparação utilizado por ela nas afirmações da publicação.

A autora do vídeo não respondeu sobre os métodos utilizados para comparação, mas afirmou que todas as informações apresentadas no vídeo estão acompanhadas de matérias jornalísticas e que é possível comprovar cada tema, se pesquisado individualmente, por links vinculados ao próprio governo.

Com relação ao diesel, a autora afirmou que a “federação de postos confirmou a restrição na oferta do diesel em 22 dos 26 estados brasileiros”.

O que podemos aprender com esta verificação: É comum que desinformadores utilizem manchetes de notícias para tentar dar credibilidade ao conteúdo compartilhado. No caso do vídeo investigado nesta checagem, há diversas informações, mas elas não são detalhadas ou contextualizadas.

Ao se deparar com conteúdos assim, desconfie. É importante sempre procurar o contexto completo das informações apresentadas. Isso pode ser feito consultando sites de órgãos oficiais ou veículos de comunicação de sua confiança.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Em 2019, a Agência Lupa checou ser falso que orçamento do governo saiu do vermelho pela primeira vez em 20 anos e que Bolsonaro tenha tirado contas públicas ‘do vermelho’.

Recentemente, o Comprova mostrou que a comparação entre PIB e número de senadores não é suficiente para entender a distribuição de recursos federais e que decreto com contingenciamento de recursos federais não determina corte de verbas. O projeto ainda explicou o que é o Real Digital e como irá funcionar a versão eletrônica da moeda brasileira.

Política

Investigado por: 2023-08-30

Homem que pede divisão do Brasil não é membro da Otan

  • Enganoso
Enganoso
O economista austríaco Gunther Fehlinger, que fez ameaças separatistas ao Brasil após a 15ª Cúpula dos Brics, realizada em Johanesburgo, na África do Sul, admite que não tem vínculo com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Ao Comprova, Fehlinger afirmou que é apenas um "ativista do Twitter". Em vídeo que circula nas redes sociais, o economista é apresentado como membro da Otan.

Conteúdo investigado: Vídeo publicado no TikTok alegando que um suposto membro da Otan ameaçou “desmantelar o Brasil”, dividindo-o em cinco partes, se o país continuar sendo aliado dos Brics, grupo de países formado atualmente por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul.

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: São enganosos os posts nas redes sociais afirmando que um membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) teria feito ameaças separatistas ao Brasil após a cúpula dos Brics. O economista austríaco Gunther Fehlinger não tem nenhuma relação com a aliança militar. Ele apenas é um ativista pela incorporação de outros países à Otan, a exemplo da Áustria.

Em resposta ao Comprova, o próprio economista admitiu não ter vínculo com a organização: “Sou apenas um ativista do Twitter”, escreveu ele. “Apenas promovo a ampliação da Otan com alguns amigos.”

A confusão se deve à descrição de sua conta no X (antigo Twitter), que menciona na biografia um suposto cargo de “presidente do Comitê Europeu para o Alargamento da Otan” para uma série de países. O Comprova não encontrou nenhuma página de organização registrada com esse nome, mesmo pesquisando em alemão.

O nome de Gunther Fehlinger também não é citado em nenhum documento divulgado no site oficial da Otan ou do governo austríaco, que mantém relações com a aliança militar através da embaixadora na Bélgica, Elisabeth Kornfeind. Por telefone, a Embaixada da Áustria no Brasil disse desconhecer qualquer ligação entre ele e o governo do país.

Após o contato do Comprova, Fehlinger fez um post na mesma rede social esclarecendo o assunto. “Como tantos jornalistas do Brasil entraram em contato comigo, permita-me esclarecer: Não represento a Otan”, escreveu. “Meu comitê não tem exército nem financiamento. Sou só eu e meus tweets”, completou. Leia aqui a thread (sequência de tweets) completa.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O vídeo checado foi publicado no TikTok e acumulou mais de 230 mil visualizações, 15 mil curtidas e 6 mil compartilhamentos até o dia 29 de agosto.

Como verificamos: O material investigado apontava o nome de Gunther Fehlinger como suposto membro da Otan. O Comprova pesquisou no Google a respeito dele e encontrou os posts originais no X citados em vídeos na internet e a sua descrição na rede social de “presidente do Comitê Europeu de Ampliação da Otan”. Em seguida, a reportagem entrou em contato por e-mail com o economista. O endereço foi obtido em seu canal no YouTube.

Além disso, o Comprova investigou a existência de algum vínculo entre Fehlinger, a Otan e o governo austríaco, a quem cabe estabelecer relações institucionais em nome do Estado. Para isso, a Embaixada da Áustria foi procurada. O Comprova também entrou em contato com a Otan, através de um formulário de imprensa, mas não recebeu resposta até a conclusão desta verificação. A reportagem ainda fez buscas nos sites oficiais do governo da Áustria e da Otan e não encontrou nenhum documento citando o nome do economista.

O post do ativista

Gunther Fehlinger postou uma série de mensagens no X após a cúpula mais recente dos Brics, entre 22 e 24 de agosto, na África do Sul, defendendo a divisão territorial do Brasil e de outros países do grupo.

“Depois da cúpula do Brics, eu começo a pensar que o socialista corrupto Lula não é a esperança do mundo livre, e sim que irá levar o Brasil na mesma direção de Rússia, China e Irã. Deixo claro, se Lula se juntar ao eixo hostil do genocídio, vou apelar para o desmantelamento do Brasil”, escreveu em um dos posts, junto a um mapa separatista. Ele também postou imagens fictícias de outros membros do Brics — Rússia, Índia, China e África do Sul.

A partir disso, sites brasileiros e perfis nas redes sociais começaram a divulgar que a publicação seria uma ameaça de um representante da Otan contra o Brasil, o que não é verdade. O vídeo analisado pelo Comprova chega a inventar que ele não é um “simples político europeu”, mas um membro “antigo e significativo” da Otan.

Cúpula do Brics e a expansão do grupo

Em 2001, o então economista-chefe do grupo financeiro Goldman Sachs, Jim O’Neil, cunhou o termo “Bric” para referenciar um novo grupo de países emergentes na economia mundial: Brasil, Rússia, China e Índia. O acrônimo foi usado no estudo “Building Better Global Economic BRICs”.

Entretanto, só em 2006 os países formaram, de fato, o grupo. A África do Sul passou a integrar o Brics na 3ª cúpula, em 2011, adicionando o S (South Africa, em inglês) ao nome. Como explica o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o bloco tem “caráter informal”.

“Não tem um documento constitutivo, não funciona com um secretariado fixo nem tem fundos destinados a financiar qualquer de suas atividades. Em última análise, o que sustenta o mecanismo é a vontade política de seus membros. Ainda assim, o Brics tem um grau de institucionalização que se vai definindo, à medida que os cinco países intensificam sua interação”, afirma.

A 15ª Cúpula do Brics foi realizada de 22 a 24 de agosto deste ano em Joanesburgo, na África do Sul. Com exceção do presidente da Rússia, Vladimir Putin, todos os chefes do Executivo dos países do bloco foram ao evento. Estiveram presentes Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil); Xi Jinping (China); Narendra Modi (Índia) e Cyril Ramaphosa (África do Sul).

Putin não foi à cúpula porque a África do Sul é signatária do tratado que criou o Tribunal Penal Internacional (TPI). Em março deste ano, o organismo emitiu um mandado de prisão contra o presidente russo por suposto crime de guerra de deportação ilegal de crianças e transferência ilegal de crianças de áreas ocupadas da Ucrânia para a Rússia.

Ao final do encontro, o Brics anunciou a entrada de outros 6 países no grupo a partir de 2024. São eles: Argentina, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã. Agora, o bloco tem 46% da população e o PIB por paridade de poder de compra do bloco será de 36,6% do total mundial, segundo estudos aos quais o Poder360 teve acesso.

A entrada de novos países no Brics é considerada uma vitória para a China, que pressionava pela expansão do bloco como forma de criar um grupo em contraponto ao G7. Esse último é formado por: Estados Unidos, Alemanha, Canadá, França, Itália, Japão e Reino Unido.

O que é a Otan

A Otan é uma aliança de defesa mútua estabelecida em 1949, após a Segunda Guerra Mundial, por Estados Unidos, Canadá e dez países europeus: Bélgica, Grã-Bretanha, Dinamarca, França, Islândia, Itália, Luxemburgo, Holanda, Noruega e Portugal. O Tratado do Atlântico Norte tem 14 artigos que todos os seus estados-membros devem cumprir. O quinto declara que um ataque contra qualquer um dos países deve ser entendido como um ataque a todos eles. Na prática, durante a Guerra Fria, colocava parte da Europa Ocidental sob a proteção dos Estados Unidos diante da expansão da influência da União Soviética.

Nesse sentido, uma ameaça de um membro da Otan de “desmantelar o Brasil” seria uma declaração grave na política internacional. Diversos sites de oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e críticos ao Brics exploraram a suposta notícia — que, na realidade, não passa de uma reclamação de um ativista no Twitter sobre o fato de o Brasil manter relações com países autoritários como Rússia, China e Irã.

Atualmente, a Otan é composta por 31 membros. A Áustria não é um deles, mas o país faz parte da Parceria para a Paz, programa criado pela Otan em 1994 com o objetivo de coordenar ações militares com países de fora do grupo. Nesse caso, cada país escolhe as atividades em que participa. As negociações ocorrem no âmbito do Conselho de Parceria Euro-Atlântico (EAPC).

Quem representa a Áustria no programa é a Missão Austríaca para a Otan, de responsabilidade da embaixadora do país na Bélgica, cargo ocupado por Elisabeth Kornfeind desde 2018. Ela não se manifestou nas redes sociais a respeito da cúpula dos Brics. A Otan também não mencionou o encontro do grupo em seu site oficial.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou entrar em contato com o perfil do TikTok que publicou o conteúdo investigado, entretanto, a plataforma não permite que usuários que não se seguem mutuamente troquem mensagens diretas. A página “Radar Global” é anônima e não informa outras formas de contato.

O que podemos aprender com esta verificação: O material menciona um nome desconhecido como sendo um membro da Otan e promove a ideia de que um conflito armado seria iminente. Ameaças desse tipo não são frequentes na diplomacia e devem ser vistas com cautela. Nesse caso, vale pesquisar se aquele representante integra, de fato, a organização e se os seus posts são atuais e verídicos. Sempre procure em páginas oficiais ou busque informações junto a órgãos oficiais, como fez o Comprova ao procurar a Embaixada da Áustria. Desconfie se não encontrar a suposta notícia em sites jornalísticos de confiança.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O boato sobre um suposto membro da Otan ter ameaçado “desmantelar” o Brasil também foi desmentido por Aos Fatos e Reuters Fact-Check. O Comprova já checou outros conteúdos sugerindo um cenário de crise por conta das relações internacionais do governo, a exemplo do post enganoso que relacionava o apagão à autorização para compra de energia da Venezuela.

Contextualizando

Investigado por: 2023-08-29

Drogas “batizadas”: entenda contexto da fala de Moraes e riscos à saúde pública

  • Contextualizando
Contextualizando
Está fora de contexto uma declaração do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes em que ele manifesta preocupação com a qualidade das drogas no Brasil. A fala ocorreu em agosto, durante julgamento do STF a respeito da descriminalização do porte de entorpecentes para consumo próprio. Conforme especialistas consultados pelo Comprova, drogas ilícitas que entram no país, como a maconha e a cocaína, recebem uma série de adulterantes e diluentes, e chegam "menos puras" ao consumidor final. Essa mistura lucrativa para organizações criminosas representa um desafio à saúde pública, uma vez que não há controle sobre o potencial tóxico dos entorpecentes em circulação.

Conteúdo investigado: Vídeos que ironizam declarações de Moraes sobre a má qualidade das drogas no Brasil. Em um deles, uma mulher afirma: “É, Brasil… Com tantos problemas para se resolver aqui, como corrupção, desemprego, fome e impostos absurdos, o nosso ministro ‘cabeça de ovo’ anda mais preocupado com a qualidade da cocaína.”

Onde foi publicado: Kwai e Instagram.

Contextualizando: Uma declaração do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes sobre a má qualidade das drogas no Brasil é compartilhada de forma descontextualizada nas redes sociais. A manifestação foi feita no dia 2 de agosto, durante julgamento do STF que analisa a descriminalização do porte de entorpecentes para consumo próprio.

Na ocasião, ao fazer um resgate histórico, Moraes citou a mudança de posição do Brasil no mercado ilegal do tráfico ao longo dos anos, passando de mero “corredor” entre países produtores e compradores de drogas, para o posto de principal “consumidor” desses entorpecentes em circulação. Na sequência, ele acrescenta que o país figura entre os maiores consumidores de maconha e cocaína do mundo para, em seguida, lamentar a baixa qualidade da droga consumida no país e os riscos à saúde do usuário: “É a mais ‘batizada’ que existe”.

Embora tenham evitado a comparação entre países, especialistas ouvidos pelo Comprova observam que as drogas ilícitas que entram no Brasil, de fato, costumam ser adulteradas com compostos que as deixam “menos puras”, ou seja, com menor teor de substância psicoativa. Isso representa ganhos em rendimento e lucro para traficantes, e prejuízos adicionais ao Brasil para além da violência gerada pelo tráfico: representa um problema ao usuário e à saúde pública, uma vez que não há controle sobre o potencial tóxico dos entorpecentes em circulação no país.

Como o vídeo pode ser interpretado fora do contexto original: Ao ser descontextualizada, a fala do ministro, que expressa preocupação com uma questão de saúde pública, pode ser assumida como uma preocupação sem fundamento. Em comentários nas redes sociais, algumas pessoas deslegitimam o debate, enquanto outras atacam o ministro, sugerindo que ele estaria preocupado com a qualidade das drogas pois seria um usuário.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato por e-mail com a autora da peça de desinformação publicada no Instagram, cuja conta é @evelynellima. Eveline Lima disse que viu o vídeo inteiro do ministro e que não compartilhou a declaração na íntegra porque o Instagram Reels somente libera vídeos de até 90 segundos. Na resposta ao Comprova, acrescentou: “Se você acha que essa fala condiz com um ministro do STF, aí já não é um problema meu, afinal eu respeito a democracia e cada um defende o que acredita.”

O contexto da fala de Moraes

A declaração do ministro Alexandre de Moraes ocorreu durante a manifestação do seu voto no julgamento do STF sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio, no dia 2 de agosto.

O ministro começa o discurso lembrando que o Brasil faz fronteira com os dois maiores produtores de cocaína do mundo – Peru e Colômbia – e com o maior produtor de maconha do mundo – o Paraguai. Na sequência, lembra que, em meados da década de 1970, em meio a um combate aos cartéis declarado pelo governo norte-americano e com dificuldades para chegar ao consumidor europeu pelos Estados Unidos, esses países encontraram no Brasil um “corredor” para alcançar a Europa, passando pela África. “Era um caminho mais fácil do que subir pelos Estados Unidos, passar pelo Brasil, via África, chegando à Europa”, afirma o ministro.

Porém, constata o ministro, o país que inicialmente serviria apenas como alternativa de trajeto acabou assumindo a posição de maior mercado consumidor desses entorpecentes. “O Brasil tradicionalmente foi um ‘corredor’, tradicionalmente até duas décadas, três. Lamentavelmente o Brasil se transformou num país consumidor, um alto país consumidor”, acrescentou Moraes.

Nesse contexto, ele acrescenta que a droga consumida pelos brasileiros, vinda dos vizinhos Peru, Colômbia e Paraguai, é adulterada e, por isso, é a de “menor qualidade do mundo”, oferecendo ainda mais riscos ao usuário.

“Encontraram no Brasil um mercado consumidor gigantesco e, lamentavelmente, o mercado consumidor da droga de menor qualidade do mundo. Quantos e quantos brasileiros, e sempre as notícias saem, quantos e quantos brasileiros vão para o exterior e, ao utilizarem cocaína, morrem de overdose? E por que isso? Porque utilizam a mesma quantidade que usam no Brasil, só que a droga no Brasil, exatamente por ser também esse ‘corredor’, é a droga mais batizada que existe no mundo, seja maconha, seja cocaína. É a droga de menor qualidade”, observa.

“Então, nós somos um país corredor, o maior consumidor de maconha, o segundo maior consumidor de cocaína e ainda de baixa qualidade, aí sim, com mais riscos ainda ao usuário.”

Na sequência, Moraes acrescenta que foi diante desse cenário, diagnosticado ainda no início dos anos 2000, que o Congresso Nacional aprovou a Lei 11.343, conhecida como Lei de Drogas, sancionada em 2006 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O texto torna mais branda a punição para o usuário – substituindo a pena privativa de liberdade por advertência, prestação de serviços à comunidade e medida educativa – enquanto aumenta a pena para o traficante, passando o tempo mínimo de prisão de três para cinco anos.

O objetivo era diminuir o encarceramento de usuários de entorpecentes e tratar o tema como uma questão de saúde pública, não de segurança. Para o ministro, o resultado obtido, contudo, foi o contrário do almejado pelos parlamentares. Na prática, sem critérios específicos para diferenciar usuário de traficante, pessoas flagradas portando drogas para consumo próprio passaram a ser enquadradas como “pequeno traficante”.

Como efeito, conclui Moraes, houve um aumento na quantidade de prisões por tráfico de drogas no Brasil desde então, levando ao fortalecimento das organizações criminosas. “Essa lei não pretendia isso, por óbvio, mas a aplicação dessa lei gerou aumento do poder das facções no Brasil”, avalia Moraes. “Jovem, primário, sem oferecer periculosidade à sociedade foi literalmente capturado pelas organizações criminosas. A questão era a seguinte: ‘Você que chegou agora [à cadeia], ou você se alia a nós ou você é contra nós’. E as facções criminosas foram aumentando o poder.”

O julgamento no STF

O debate foi pautado depois que a Defensoria Pública de São Paulo ingressou com o Recurso Extraordinário (RE) 635659, ainda em 2011, contestando decisão de um colégio recursal que manteve a condenação de um homem à pena de dois meses de prestação de serviços comunitários pelo crime de porte de drogas para consumo pessoal. Para a Defensoria, o ato não afronta a saúde pública e, quando muito, representa danos somente ao próprio usuário.

No recurso, o órgão questiona a constitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006, que criminaliza o porte de drogas para consumo pessoal. O principal argumento é que o dispositivo contraria o princípio da intimidade e da vida privada.

O caso começou a ser analisado ainda em 2015 pelo STF, mas foi suspenso por diversas vezes após pedidos de vista. A sessão mais recente a tratar do tema ocorreu em 24 de agosto deste ano, que terminou com cinco votos pela descriminalização do porte de maconha para consumo próprio e um voto pela legalidade do artigo 28 da Lei de Drogas e manutenção da criminalização. O posicionamento dissidente foi do ministro Cristiano Zanin. O julgamento foi suspenso outra vez após pedido de vista do ministro André Mendonça.

O caso tem repercussão geral, o que significa que o entendimento firmado pelos ministros do Supremo deve ser aplicado a casos similares em todo o país. Recentemente, o Comprova explicou em detalhes de que trata o julgamento.

Drogas “batizadas”: o que são e para que servem

A questão envolvendo a qualidade das drogas entra como pano de fundo do debate, que, além de estar relacionado à segurança pública, diz respeito à saúde. Especialistas ouvidos pelo Comprova preferem evitar comparações entre a droga consumida no Brasil e a que circula em outros países, mas garantem que a chamada “droga de rua” – aquela a que o usuário tem acesso no Brasil – costuma, sim, ser uma droga “batizada”, como afirma o ministro.

É que antes de chegar ao consumidor final, a maconha ou a cocaína que entram no país em uma forma mais pura costumam receber uma série de compostos, como adulterantes e diluentes, adicionados por traficantes locais na intenção de tornar o produto mais rentável e lucrativo para as organizações criminosas.

“A ‘droga de fronteira’ é diferente da ‘droga de rua’. Aquele teor da droga que é de certo modo apreendido e verificado pela Polícia Federal é um, quando a gente vai direto no usuário é uma droga que é efetivamente diluída ou que tem algum outro composto que é adicionado ali”, explica o professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) Tiago Franco de Oliveira, doutor em Toxicologia e Análises Toxicológicas pela Universidade de São Paulo (USP).

Os adulterantes, explica, são substâncias que promovem uma ação farmacológica semelhante à da droga a que foi adicionada. No caso da cocaína, por exemplo, entre os mais comuns estão o levamisol e a cafeína, que vão promover uma ação estimulante parecida com a da cocaína, além da lidocaína, que causa um efeito de anestesia local.

A perita criminal Lara Regina Soccol Gris, chefe da Divisão de Química Forense do Instituto-Geral de Perícias do Rio Grande do Sul (IGP-RS), lembra que a cocaína tem propriedades anestésicas, tendo sido utilizada com este fim no passado. “Quando o usuário vai cheirar a cocaína, se for adicionada uma substância anestésica, talvez a pessoa que esteja consumindo vai ter essa sensação de amortecimento, e pode ter uma uma falsa ideia de que ‘nossa, essa cocaína é pura’, digamos assim.”

Ela acrescenta, porém, que nem sempre aquilo que é misturado para aumentar o volume da droga possui efeito psicoativo. “Giz moído, farinha, qualquer substância inorgânica, qualquer material que for branco e que tiver um aspecto de pó, em tese, pode ser adicionado ali para aumentar o rendimento”, elenca Gris.

Mas, afinal, por que a “pureza” dos entorpecentes importa?

O professor da UFCSPA esclarece que “pureza” significa “disponibilidade”, ou seja, quanto mais pura a droga, maior a quantidade de substância psicoativa disponível para ser absorvida pelo organismo. O inverso também é verdadeiro: quanto menos pura ela for, maior quantidade o usuário terá de consumir para sentir os mesmos efeitos. Isso leva, consequentemente, a um aumento no consumo de entorpecentes.

“Ele acaba utilizando muito mais substância, principalmente porque essas drogas de abuso têm uma característica que é promover a tolerância. O que a tolerância faz? Você consome uma determinada quantidade de droga hoje. Tem toda uma rede de neuroadaptação do seu organismo, que vai fazer com que ele tente voltar à homeostasia (evento de estabilidade a nível corporal de um organismo). Para se ter o mesmo efeito em utilizações subsequentes, necessariamente o volume que é consumido tende a ser maior”, conclui Oliveira.

Isso explica por que é possível que pessoas que consomem drogas no Brasil possam vir a ter uma overdose ao usar a mesma quantidade da droga em versão mais pura, com teor de substância psicoativa mais elevado, em outros países. Mesmo de cidade para cidade e de estado para estado, esse patamar de pureza pode variar.

Uma pesquisa acadêmica realizada no segundo semestre de 2021 no Rio Grande do Sul, em parceria com o IGP-RS, constatou uma discrepância significativa na concentração de cocaína ao comparar cidades de regiões diversas do estado. Na Região Metropolitana de Porto Alegre, segundo o estudo, o teor variava de 0% a 78%. Já na região oeste do estado, o teor médio era de 24,4%; na região sul, de 33%; no norte, de 31,4%; e na região central, de 30%.

“Isso vai depender da rota de tráfico que chega aqui. Então, é muito correto inferir que a droga é realmente adulterada aqui no estado pelos vários traficantes que fazem a comercialização”, reitera a chefe da Divisão de Química Forense do IGP-RS, coorientadora da monografia. As amostras foram analisadas pela bacharel em Química Industrial pela Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) Bárbara Rodrigues Cerveira.

A relação do uso de drogas “batizadas” com a saúde pública

Conforme explicam os especialistas, quanto menos substância psicoativa houver em determinada droga, ou seja, quanto “menos pura” ela for, mais o usuário terá que consumir para alcançar o efeito desejado. O problema é que cada adulterante utilizado possui uma molécula com características químicas e toxicidade específicas, que causa reações diversas no organismo. “Claro que isso [a adição de compostos] vai ter um efeito deletério para o indivíduo. Existem casos de intoxicação por causa dos adulterantes e não por causa da própria droga”, afirma Oliveira.

Em concordância, Gris relata casos de pacientes que foram atendidos em hospitais do Rio Grande do Sul por problemas de saúde causados não apenas pelo uso da cocaína, como também por componentes que foram inseridos na droga. Um exemplo é o levamisol, substância com elevada nefrotoxicidade [nocivo aos rins] adicionada à cocaína.

A chefe da Divisão de Química Forense do IGP-RS também cita o caso dos canabinóides sintéticos, produzidos em laboratório, conhecidos popularmente como Drogas K, que, segundo especialistas, são substâncias muito mais perigosas e nocivas do que o próprio Tetrahidrocanabinol (THC) – principal componente ativo da maconha.

“Existe todo um mercado crescente dessas substâncias, porque elas têm um alto potencial de vício, digamos assim, então eu diria que não é incorreto inferir que a maconha pode estar sendo adulterada com essas substâncias no objetivo até de eventualmente viciar o usuário numa outra substância que vá torná-lo mais dependente”, avalia Gris, ressaltando o risco à saúde pública.

Outro exemplo são as internações de pacientes por conta do fentanil, um analgésico de uso controlado e restrito a hospitais no Brasil que tem sido adicionado a drogas como cocaína, LSD e K2.

Segundo reportagem da CBN, após cinco anos sem registrar casos, o Centro de Assistência Toxicológica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) recebeu quatro pacientes intoxicados pelo fentanil no primeiro semestre de 2023.

“O fentanil estava misturado com as drogas, outros tipos de droga. A pessoa não sabia nem que estava utilizando. Essas pessoas diziam que tinham usado outras drogas, mas não o fentanil”, disse à CBN o coordenador do centro, José Luiz da Costa.

De acordo com a pesquisa “Drogas no Brasil: entre a saúde e a justiça”, publicada em 2015, a clandestinidade imposta pela política criminal contra as drogas implica na “falta de controle de qualidade das substâncias tornadas ilícitas e, consequentemente, aumento das possibilidades de adulteração, de impureza e desconhecimento do potencial tóxico do ‘produto’ entregue ao consumo”.

“Ao invés de controlar ou impedir a distribuição das drogas, a criminalização fomenta e intensifica a sua difusão, obviamente em face da falta de qualquer controle sobre o mercado das drogas tornadas ilícitas, mercado esse, clandestino, livre de qualquer controle ou regulamentação”, diz o documento, que é resultado de um trabalho promovido pelo Núcleo de Estudos e Opinião Pública (NEOP) da Fundação Perseu Abramo (FPA) e a Fundação Rosa Luxemburgo (RLS).

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 29 de agosto, os vídeos no Kwai somavam mais de 180,6 mil visualizações. Já os posts no Instagram tinham mais de 1 milhão de visualizações.

Como verificamos: Primeiramente, buscamos uma das frases mencionadas pelo ministro no Google e chegamos a reportagens sobre o julgamento do STF que trata da descriminalização do porte de drogas para uso pessoal. Em seguida, procuramos no canal da Suprema Corte no YouTube pela sessão do dia 2 de agosto, na qual Moraes manifestou seu voto sobre o tema. Uma vez identificado o vídeo da transmissão da sessão, buscamos o ponto exato do trecho compartilhado nas redes sociais para análise do contexto.

Também entrevistamos o doutor em Toxicologia e Análises Toxicológicas Tiago Franco de Oliveira, professor adjunto da UFCSPA, e a perita criminal e chefe da Divisão de Química Forense do IGP-RS, Lara Regina Soccol Gris. Além disso, consultamos pesquisas (1, 2) e reportagens sobre o tema (G1, El País, O Globo, BBC, Nexo).

Por fim, tentamos contato com os responsáveis pelas publicações verificadas.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para publicações que obtiveram maior alcance e engajamento e que induzem a interpretações equivocadas. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já checou outros conteúdos suspeitos envolvendo a temática das drogas. Recentemente, mostrou que vídeos enganam ao sugerir que governo federal liberou as drogas. Também já constatou que postagem engana ao associar o PT e Lula a apreensão de drogas no MS e, na seção Comprova Explica, esclareceu o que é a política de redução de danos a usuários de drogas criticada em vídeo por Damares Alves.

Política

Investigado por: 2023-08-28

Lula se encontrou com liderança religiosa da Nigéria em evento de igualdade racial, não com ‘feiticeiro’

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso o vídeo que afirma que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) convidou “feiticeiro” para fazer “magia negra” no Palácio do Planalto. As imagens compartilhadas mostram, na verdade, cumprimento entre o presidente e Oba Adeyeye Enitan Ogunwusi, o rei de Ifé, cidade na Nigéria, berço da etnia iorubá. A autoridade participou de evento do Ministério da Igualdade Racial (MIR) e não ocorreu nenhum tipo de cerimônia religiosa. O MIR repudiou o racismo religioso contido no vídeo.

Conteúdo investigado: Publicação traz vídeo que mostra um homem caminhando no Palácio do Planalto e indo ao encontro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A gravação termina exibindo três fotografias feitas na ocasião. Sobre o vídeo, há um texto que diz: “Esse vagabundo trouxe um feiticeiro 1 classe para fazer magia negra no Palácio. Cade os crente que votaram nesse adebito de satanás” (sic). O post é acompanhado da legenda: “Lula quer virar Mito a todo pano” e emojis de risada.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter).

Conclusão do Comprova: Não é verdade que o presidente Lula (PT) tenha convidado um “feiticeiro” e que ele tenha realizado qualquer tipo de cerimônia religiosa no Palácio do Planalto. Publicações mencionam de forma ofensiva a presença do rei da cidade nigeriana de Ifé, Oba Adeyeye Enitan Ogunwusi, em evento do governo federal no dia 21 de março.

Na data, houve o lançamento de um pacote de medidas para promoção da igualdade racial, em alusão aos 20 anos de políticas públicas voltadas para o tema. O evento foi transmitido ao vivo nos veículos de comunicação do governo e durou cerca de 1h40. Em nenhum momento houve a realização de cerimônia religiosa. Foi um evento institucional que seguiu protocolos.

O rei de Ifé, no entanto, não veio ao Brasil a convite nem do Ministério de Igualdade Racial nem do presidente. Sua visita fazia parte de um movimento do monarca iorubá de convidar outros países para visitarem a Nigéria, conforme informou o MIR. Ele cumpriu outras agendas aqui, como a assinatura de carta de intenções para cooperação científica entre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e uma universidade nigeriana, no Rio de Janeiro, e a entrega de título de reconhecimento a um território quilombola, na Bahia.

As assessorias de imprensa da Presidência e do MIR lamentaram o cunho da publicação e repudiaram o racismo religioso. “Referir-se ao monarca africano como um ‘feiticeiro’ é expressão latente do racismo religioso que tanto movimenta as indústrias de notícias falsas e disseminação do ódio”, escreveu o ministério em nota.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 25 de agosto, o post somava 28,3 mil visualizações e 665 curtidas. Posteriormente, o vídeo foi excluído da plataforma.

Como verificamos: Para descobrir quem era o homem que aparecia junto de Lula, o Comprova fez uma pesquisa reversa no Google com imagens do vídeo. Assim, identificou uma publicação em que o rei de Ifé é mencionado. O Comprova buscou o nome da autoridade no Google e encontrou reportagens sobre a agenda de Oba Adeyeye Enitan Ogunwusi no Brasil, em março de 2023. Consultou também a agenda eletrônica de Lula para saber qual evento aconteceu no Palácio do Planalto no período mencionado.

O Comprova entrou em contato com o Ministério da Igualdade Racial, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República, os gabinetes dos deputados petistas Vicentinho e Erika Kokay, responsáveis pelo requerimento da sessão na Câmara com participação do rei de Ifé, e a The African Pride, empresa do ramo audiovisual que organizou a visita de Oba Adeyeye Enitan Ogunwusi à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Por fim, falou com o responsável pela publicação do conteúdo.

Evento com a presença de Ogunwusi foi organizado pelo Ministério da Igualdade Racial

Em 21 de março de 2023, ocorreu o lançamento do Pacote Pela Igualdade Racial no Palácio do Planalto. Organizado pelo Ministério da Igualdade Racial, o evento contou com a presença de Oba Adeyeye Enitan Ogunwusi, rei, ou Ooni, da cidade de Ifé, no estado de Ọṣun, no sudoeste da Nigéria, considerada o berço da etnia iorubá.

Na cerimônia, houve a execução do hino Nacional, uma performance artística e discursos de autoridades. Lula e a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, fizeram pronunciamentos.

| Lula discursa durante a celebração “20 anos das políticas de igualdade racial no Brasil: da SEPPIR [Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial] ao MIR”. Na imagem, é possível ver Oba Adeyeye Enitan Ogunwusi sentado, à esquerda da imagem. Foto: Ricardo Stuckert [Flickr].

 

“Na ocasião não foi realizada nenhuma cerimônia religiosa no Palácio, e, sim, a sanção de importantes decretos pelo Presidente Lula, demarcando a importância e centralidade da pauta da questão racial no novo governo”, disse o MIR, em nota.

O rei de Ifé também publicou sobre o encontro com Lula em suas redes sociais. “O presidente Lula, com quem tive uma conversa profunda no início deste mês, está sinceramente empenhado em aprimorar a cooperação patrimonial com a House of Oduduwa [organização dedicada a promover a cultura, a igualdade para as mulheres, o empoderamento e a moda africana, presidida por Oba Adeyeye Enitan Ogunwusi]. Essa é a nossa nobre missão, pois enfatizamos plenamente os laços tradicionais que unem nossos dois países e ressaltamos nossa determinação de fortalecer e reacender cada vez mais o espírito de fraternidade por meio dos mecanismos de cultura, patrimônio e valores econômicos compartilhados”, escreveu, em 30 de março.

Oba Adeyeye Enitan Ogunwusi não veio ao Brasil a convite de Lula

O rei de Ifé participou de diversos eventos durante a estadia no Brasil. Antes da cerimônia no Palácio do Planalto, a autoridade assinou uma carta de intenções para cooperação científica entre a Fiocruz e a Universidade de Ojaja, na Nigéria. A assinatura ocorreu em 18 de março, durante o evento “O futuro é ancestral: Back to home”, realizado na Alerj.

A visita de Oba Adeyeye Enitan Ogunwusi à Alerj, segundo reportagem da Casa, foi organizada pela The African Pride com o objetivo de “fortalecer as relações políticas, empresariais e culturais entre Brasil e Nigéria”.

Fundada em 2021 no Rio de Janeiro, a empresa tem como CEO Carolina Maíra Morais. Em 24 de março, ela postou no Instagram um vídeo do encontro entre Lula e o rei de Ifé, utilizado pelas peças de desinformação. O Comprova entrou em contato com a The African Pride, mas não obteve resposta até a publicação da checagem.

No dia seguinte, em 19 de março, Oba Adeyeye Enitan Ogunwusi chegou à Bahia, onde entregou o primeiro título de reconhecimento a um território quilombola. A cerimônia foi na comunidade Quingoma, em Lauro de Freitas, Região Metropolitana de Salvador. O reconhecimento de território iorubá no Brasil é o primeiro fora da África.

A autoridade também participou, em 21 de março, de sessão solene da Câmara dos Deputados em homenagem ao Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé. A celebração consta na Lei Federal 14.519/23, sancionada por Lula no dia 6 de janeiro de 2023.

A proposta que originou a lei é de autoria do deputado federal Vicentinho (PT-SP), também autor do requerimento da sessão na Câmara, junto à deputada Erika Kokay (PT-DF). Conforme o gabinete do deputado, o rei foi convidado para o evento, mas já estava no Brasil em visita ao Rio de Janeiro.

Ogunwusi já havia visitado o Brasil em junho de 2018, quando ele e outros 20 líderes de diversas religiões e crenças participaram de evento inter-religioso no Cristo Redentor. Na época, o rei passou três dias no Rio de Janeiro, quando foi homenageado na Alerj e recebeu a medalha Tiradentes, a maior honraria do estado.

O Reino de Ifé

Embora a Nigéria seja um país com regime presidencialista, o conceito de reinado ainda é relevante para a manutenção das tradições africanas. Adeyeye Babatunde Enitan nasceu em outubro de 1972 e é considerado rei de Ifé, uma antiga cidade iorubá no estado de Ọṣun, no sudoeste da Nigéria. A região é considerada o berço da etnia e reverenciada como sagrada.

Ele é o 5º descendente direto da Família Governante Giesi (Ooni Ojaja Orarigba), que começou com o reinado de Ayikiti Ninu Aran, de 1878-1880. Sua formação é no campo da Engenharia, Aquisições e Construção, com atuação localmente e no exterior por mais de 12 anos, conforme explica o seu site oficial. Atualmente, é o fundador e diretor geral do Grupo Gran Imperio, holding de empresas imobiliárias e de construção, manufatura, gestão de instalações, lazer e turismo na Nigéria.

Ooni de Ife, designação para o rei, é tido como descendente direto de Oduduwa, deus a quem é atribuída a criação da cidade. Eles são contados em primeiro lugar entre os reis iorubás. Iorubá é um dos maiores grupos étnico-linguísticos da África Ocidental.

A dinastia real de Ifé remonta à fundação da cidade, há mais de dois mil anos, conforme informação da casa governante. Ooni Adeyeye Enitan ascendeu ao trono em dezembro de 2015.

Após a formação do Congresso Yoruba Orisha em 1986, a figura dos reis adquiriu “um status internacional como os detentores de seu título não viam desde a colonização da cidade pelos britânicos”, segundo o site oficial da casa. Nacionalmente, o cargo ficou conhecido como Royal Obas da República Federal da Nigéria, sendo considerado um sumo sacerdote e guardião da cidade sagrada de todos os iorubás.

Segundo reportagem do G1, reis como Oba Adeyeye Enitan Ogunwusi são importantes para a política do país “porque carregam o legado e o respeito da cultura da Nigéria”. Na cosmogonia africana, Ifé pertence ao estado de Oxum e foi criada por Odudua, uma das principais divindades iorubás.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o perfil @crioulossantafe por mensagem no WhatsApp. O número do telefone foi encontrado por meio da conta do Facebook do usuário. O homem disse que seu post apenas afirma que “Lula queria ser mito” e que “nunca falou em magia negra”. O usuário disse que viu o vídeo no Kwai e compartilhou porque achou engraçado. Após o contato do Comprova, ele excluiu a publicação.

O que podemos aprender com esta verificação: É comum que vídeos com legendas que mudam o contexto sejam usados para desinformação. Para isso, usam afirmações exageradas ou enganosas voltadas para causar revolta em grupos específicos e promover rejeição a certos temas. Imagens de líderes religiosos de matriz africana são utilizadas de forma enganosa para reforçar atos de intolerância religiosa.

Sempre desconfie quando o autor da publicação fizer uma acusação sem informar a data da gravação ou o contexto. Faça uma busca no Google por palavras-chave relacionadas ao tema e procure se informar em sites de órgãos oficiais ou em veículos de comunicação de sua confiança.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Em checagens anteriores envolvendo Lula, o Comprova mostrou que o presidente levou presentes em contêineres de forma legal e que taxa sobre energia solar foi sancionada no governo de Jair Bolsonaro (PL), não de Lula.

Eleições

Investigado por: 2023-08-25

Vídeo engana ao informar que PT ofereceu R$ 50 bilhões para TSE tornar inelegíveis integrantes do PL

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso o post que usa um vídeo do senador Magno Malta (PL-SE) para acusar o Partido dos Trabalhadores (PT) de oferecer R$ 50 bilhões para que a Justiça Eleitoral tornasse todos os integrantes do Partido Liberal (PL) inelegíveis. Apesar de o vídeo do senador e a ação comentada por ele na gravação serem reais, Malta não menciona o valor no vídeo publicado e nem existem evidências de que petistas ofereceram dinheiro para interferir em decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Conteúdo investigado: Publicações nas redes sociais resgatam vídeo de 9 de dezembro de 2022 do senador Magno Malta , em que afirma que o PT entrou com um pedido de inelegibilidade no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra ele e outros integrantes do PL, incluindo o ex-presidente Bolsonaro. Sobre o vídeo, foi aplicado um texto com a seguinte frase: “PT ofereceu 50 bilhões para TSE tornar inelegíveis todos deputados e senadores do PL”.

Onde foi publicado: TikTok e Facebook.

Conclusão do Comprova: É enganoso o post que distorce o conteúdo de um vídeo do senador Magno Malta publicado no dia 9 de dezembro de 2022, na rede social X (antigo Twitter), no qual ele menciona duas ações da campanha eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pedindo a inelegibilidade do então presidente Jair Bolsonaro e seu candidato a vice, general Braga Netto (PL). O vídeo traz, em formato de texto, a acusação de que o PT teria oferecido dinheiro aos ministros do TSE para tornarem parlamentares do PL inelegíveis, mas não há qualquer registro dessa acusação, que não foi feita nem mesmo por Malta.

A primeira ação (0601987-47.2022.6.00.0000) cita abuso de poder econômico de Bolsonaro por ampliação de programas sociais no período eleitoral.

A segunda ação (0601988-32.2022.6.00.0000) acusa Bolsonaro de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. Cita ainda tentativa de colocar em dúvida a segurança das urnas e a lisura do processo eleitoral. O documento também pede a condenação e inelegibilidade de aliados de Bolsonaro como os senadores Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Magno Malta e deputados federais do partido.

Na época, o ministro Benedito Gonçalves, corregedor-geral da Justiça Eleitoral, aceitou a ação e deu prazo para os citados se manifestarem. O processo segue aberto e ainda sem decisão.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 25 de agosto, a postagem original no TikTok contava com 465,8 mil visualizações, 36,2 mil curtidas e 15 mil compartilhamentos. A postagem no Facebook soma 68 mil visualizações, 7,4 mil reações e 3,7 mil comentários.

Como verificamos: Em primeiro lugar, buscamos no Google pelos termos “PT TSE 50 bilhões”. Os dois primeiros resultados trazem verificações já realizadas sobre a mesma publicação, uma do Estadão Verifica e outra da AFP. Nessa pesquisa, não foi encontrada nenhuma notícia ou link que confirme a informação do texto sobre o vídeo.

Em seguida, buscamos o vídeo original do senador Magno Malta e encontramos a publicação em suas redes sociais no dia 9 de dezembro de 2022. Também buscamos informações no site do TSE e em matérias na imprensa sobre a ação citada pelo senador. Por fim, entramos em contato com o TSE e com o autor da publicação.

Não há indícios de oferecimento de R$ 50 bilhões por parte do PT ao TSE

A alegação inserida posteriormente sobre o vídeo, de que o PT teria oferecido R$ 50 bilhões para que o Tribunal Superior Eleitoral tornasse todos os deputados e senadores do PL inelegíveis, não foi noticiada por nenhum veículo de comunicação. Ao pesquisar no Google, por exemplo, por palavras-chave como “PT PL TSE 50 bilhões”, não há nenhuma correspondência sobre o assunto.

Entramos em contato com o TSE sobre a veracidade da alegação apresentada no vídeo. No entanto, até o momento, não tivemos respostas do tribunal.

Magno Malta, autor da publicação original, em momento algum cita essa suposta movimentação financeira entre o PT e o TSE. À agência de verificação AFP Checamos, a assessoria do senador capixaba confirmou que essa informação é falsa: “O senador jamais proferiu tais palavras relacionadas a dinheiro. Na verdade, o conteúdo original do vídeo abordava uma discussão sobre uma ação que envolvia não apenas o senador, mas também outros membros do partido”.

O primeiro processo

Esta ação segue em curso e a última atualização é de 27 de julho de 2023. Nela, a coligação Brasil da Esperança, formada por PT, PCdoB e PV, envolveu somente a chapa presidencial do PL. Os partidos pedem ao TSE a inelegibilidade do ex-presidente Bolsonaro e de seu candidato a vice, Braga Netto, por crimes eleitorais que configurariam abuso do poder político e econômico.

O segundo processo

O processo da ação em que Magno Malta está inserido e cita no vídeo ainda está em tramitação. A última atualização é de 23 de agosto de 2023, às 19h21.. Ao todo, foi pedida a inelegibilidade de nove pessoas, incluindo deputados federais e senadores, assim como Malta. A lista completa consta a seguir:

  • Beatriz Kicis Torrents de Sordi (PL-DF)
  • Carla Zambelli Salgado de Oliveira (PL-SP)
  • Eduardo Nantes Bolsonaro (PL-SP)
  • Flávio Nantes Bolsonaro (PL-RJ)
  • Gustavo Gayer Machado de Araújo (PL-GO)
  • Jair Messias Bolsonaro (PL)
  • Magno Pereira Malta (PL-ES)
  • Nikolas Ferreira de Oliveira (PL-MG)
  • Walter Souza Braga Netto (PL)

Condenação de Bolsonaro

O Plenário do TSE declarou por maioria de votos (5 a 2), no dia 30 de junho de 2023 , a inelegibilidade de Bolsonaro. A partir das eleições de 2022, ele não poderá participar de processos eleitorais por oito anos.

A Justiça acatou pedido do PDT de 2022, anterior ao apurado por esta verificação do Comprova, e considerou a prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação durante reunião realizada no Palácio da Alvorada com embaixadores estrangeiros no dia 18 de julho de 2022. No encontro, Bolsonaro abordou alegações falsas sobre o sistema eleitoral e fez ataques aos ministros do TSE. A reunião foi transmitida pela TV Brasil.

Ao proclamar o resultado do julgamento, o presidente da Corte, ministro Alexandre de Moraes, ressaltou que a reunião promovida pelo ex-presidente teve interesse em instigar o seu eleitorado e outros eleitores indecisos contra o sistema eleitoral e contra as urnas eletrônicas. “Não são opiniões possíveis, são mentiras fraudulentas”, disse Moraes.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou entrar em contato com o perfil @crazy_keik_monstro4.1 pelo TikTok, mas a rede social não permite a troca de mensagens por perfis que não se seguem mutuamente. Encontramos o autor da publicação no Instagram e no Facebook, mas não tivemos resposta até o dia 24 de agosto.

O que podemos aprender com esta verificação: A publicação de vídeos antigos é uma tática comum para a disseminação de conteúdos com desinformação. Utilizá-los fora do contexto dá a entender que são atuais. Além disso, o texto faz uma denúncia com termos alarmantes para reforçar a intenção do desinformador.

Ao encontrar esse tipo de conteúdo, procure identificar a data de publicação e o contexto do vídeo original e se a denúncia em questão é fundamentada em fatos, ou seja, se há notícias publicadas por veículos de comunicaçã jornalísticos trazendo essa informação.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Estadão Verifica e AFP também verificaram a publicação e concluíram que ela é falsa. No início de junho, o mesmo vídeo do senador Magno Malta foi utilizado em uma outra peça de desinformação, checada também por Aos Fatos, AFP e Lupa.

Conteúdos sobre a atuação do Tribunal Superior Eleitoral costumam ser alvos de desinformação e já foram verificados pelo Comprova. Em abril, o projeto mostrou que homem engana ao repostar vídeo antigo com denúncia sobre votos de pessoas falecidas. Já em dezembro de 2022, foi checado vídeo que dissemina informações falsas sobre Alexandre de Moraes, fraudes nas eleições e prisão de indígenas.