O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Política

Investigado por: 2023-05-24

Decisão da Suprema Corte americana não torna ilegal o PL 2630

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Falso
A decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos que isenta as plataformas Twitter e Google de responsabilidade por conteúdos terroristas compartilhados por usuários das redes sociais não se aplica ao Brasil. Diferentemente do que diz o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) em vídeo publicado nas redes sociais, o entendimento da Justiça norte-americana não torna ilegais projetos de regulação das big techs, como o Projeto de Lei 2630/2020, porque o órgão não tem jurisdição em outros países. O entendimento também não se estende ao Supremo Tribunal Federal, que julga ações sobre o Marco Civil da Internet. É falso, ainda, que a mídia brasileira não tenha noticiado a decisão do judiciário estadunidense.

Conteúdo investigado: Um post no TikTok reproduz vídeo no qual o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) afirma que a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que a tentativa brasileira de aprovar o texto que ficou conhecido como “PL das Fake News” é ilegal. O político declara que a imprensa brasileira não divulgaria a decisão do Judiciário norte-americano. Uma legenda inserida pelo usuário do TikTok afirma que, na gravação, o deputado está comentando a “intervenção dos EUA no Brasil”.

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: É falso que uma decisão da Suprema Corte dos EUA em relação à moderação de conteúdo no Google e no Twitter possa interferir na tramitação no Congresso Nacional de projeto para regulamentar big techs no Brasil.

Da mesma forma, o entendimento não tem poder sobre o julgamento, pelo STF, de ações sobre o Marco Civil da Internet, previsto para a segunda quinzena de junho. Dois processos abordam o artigo 19, que estabelece que as empresas só podem ser responsabilizadas por conteúdos de usuários se não tomarem providências após ordem judicial. As outras duas ações questionam se aplicativos de mensagens – como Telegram e WhatsApp – podem ser suspensos caso não cumpram uma decisão da Justiça.

A decisão da Suprema Corte estadunidense, citada pelo deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) em vídeo, define que as vítimas de ataques terroristas não podem responsabilizar o Twitter e o Google por postagens de incentivo ao Estado Islâmico feitas em suas plataformas, ainda que tenham impulsionado o conteúdo. O processo foi movido por familiares de americanos vítimas de ataques terroristas na Turquia em 2017 e na França em 2015.

Essa decisão, contudo, não é válida no Brasil porque a Suprema Corte americana não tem jurisdição aqui. Ademais, as leis e demais regramentos que regulam as redes sociais nos Estados Unidos são diferentes daquelas que versam sobre o tema no Brasil.

Por isso, diferentemente do que diz o deputado no vídeo, uma decisão judicial americana, ainda que proferida pela Suprema Corte daquele país, não torna ilegal um projeto de lei no Brasil.

Também não é verdadeiro que a mídia brasileira tenha, deliberadamente, deixado de noticiar o fato. A decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos foi divulgada por diversos veículos brasileiros, como Folha de S.Paulo, Jornal Nacional, Exame, UOL, O Tempo, Poder 360,

Além disso, não existe qualquer declaração do governo norte-americano sobre a intenção de intervir no Brasil por causa do projeto.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No TikTok, o post verificado somou, até 24 de maio, 63,2 mil curtidas, 2,2 mil comentários e 11,2 mil compartilhamentos.

Como verificamos: O primeiro passo foi buscar informações sobre a decisão da Suprema Corte americana citada no vídeo, se ela foi divulgada no Brasil e sobre a regulamentação de redes sociais em outros países.

Em seguida, entrevistamos uma especialista em Direito Constitucional. Pesquisamos, ainda, no noticiário brasileiro e dos Estados Unidos, se houve posicionamento deste país sobre intervenção no Brasil. Por fim, tentamos contato com os autores do vídeo e do post no TikTok.

Decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos não interferem no Brasil

No dia 18 de maio, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu por unanimidade que as vítimas de ataques terroristas no país não poderiam responsabilizar o Twitter e o Google por postagens de incentivo ao Estado Islâmico que circulam nas plataformas.

Conforme explica o UOL, foram julgados dois casos de responsabilidade relacionados a vítimas de terrorismo em ataques na Turquia, em 2017, e em Paris, em 2015.

A Corte decidiu manter a Seção 230 da Lei de Decência nas Comunicações (Communications Decency Act, CDA na sigla em inglês), de 1996, na qual se baseia a regulação das redes sociais no país. Conforme a legislação, o Estado está isento de influência em atividades de empresas consideradas provedoras de serviços. Desta forma, as redes sociais podem ter regras próprias de moderação de conteúdo. As regras de uso do Twitter e do Google estão disponíveis nas plataformas.

A partir da decisão judicial, será mais difícil naquele país as empresas responderem a processos por conteúdos postados por usuários das plataformas. O caso foi divulgado pelos principais jornais dos Estados Unidos, como Washington Post e New York Times.

Ao Projeto Comprova, a professora adjunta de Direito Constitucional e Administrativo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Carolina Cyrillo, explicou que a decisão tomada nos EUA em nada interfere na aprovação ou não do Projeto de Lei 2630/2020, em discussão na Câmara dos Deputados brasileira, isso porque a Suprema Corte dos EUA tem jurisdição exclusiva no país norte-americano.

“No Brasil exercem jurisdição em caráter nacional os tribunais superiores brasileiros. No caso de discussão sobre o PL 2630, se aprovado, poderá vir a ser eventualmente questionado na sua constitucionalidade no STF (Supremo Tribunal Federal)”, exemplifica.

Ela acrescenta que o texto não propõe a violação de nenhum direito fundamental e, por isso, não há ilegalidade. “O debate público e político faz parte de uma democracia deliberativa”, conclui.

O Brasil não é o primeiro país a regulamentar as redes sociais. No ano passado, 27 países da União Europeia adotaram a Lei de Serviços Digitais. O texto aborda o comércio e troca de bens ilegais, serviços e conteúdo online, além de sistemas algorítmicos que amplificam a disseminação da desinformação.

O Parlamento Europeu explicou que o objetivo é dar às pessoas maior controle sobre aquilo que consomem online. Desta forma, os usuários são informados, por exemplo, sobre os motivos pelos quais um determinado conteúdo é recomendado. Além disso, a publicidade dirigida aos menores é proibida, assim como a utilização de dados sensíveis, como a orientação sexual, a religião ou a etnia.

Ao afirmar que a imprensa brasileira não divulgaria a decisão da corte americana, Gayer também desinformou. O assunto foi noticiado no Brasil por diversos veículos, como Folha de S.Paulo, Jornal Nacional, Exame, Uol, O Tempo e Poder 360.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova procurou Gustavo Gayer por meio do gabinete dele na Câmara dos Deputados, mas não recebeu resposta. Não foi possível entrar em contato com o usuário @eltonsilva7, do TikTok, que afirmou se tratar de um vídeo comentando a intervenção dos Estados Unidos no Brasil. A plataforma só permite envio de mensagens entre contatos. Também não foi localizada nenhuma outra rede social em que ele tenha perfil.

O que podemos aprender com esta verificação: No vídeo aqui checado, o autor utilizou uma notícia internacional, cujo tema se aproxima daquilo que está em discussão no cenário político local, para desinformar e, desta forma, tentar ganhar a simpatia dos usuários de redes sociais para o ponto de vista defendido por ele.

O político também tenta alarmar ao sustentar que o país “se tornou um pária internacional” e que se tenta “instaurar o regime da censura no Brasil”. Essa abordagem pode assustar quem consome o conteúdo e a dica é sempre acender o alerta para publicações em tons alarmistas e de urgência, pesquisando sobre o assunto junto à imprensa profissional, institutos reconhecidos e órgãos de governo.

Neste caso, apesar de o deputado alegar que a mídia brasileira não noticiaria a decisão norte-americana, ela foi sim publicada por veículos do país que têm credibilidade. As reportagens em nenhum momento afirmam que a decisão em outra localidade tornaria ilegal a discussão nacional.

Por fim, caso os Estados Unidos ameaçassem uma intervenção no Brasil, dada a gravidade do assunto, ele estaria sendo amplamente divulgado pelo noticiário não só dos dois países, mas do mundo.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O deputado Gustavo Gayer já foi desmentido em verificações anteriores do Comprova que demonstraram que, ao contrário do que ele afirmou, Lula não disse que vai implantar ditadura no Brasil, que vídeo dele engana ao mostrar resultado parcial de enquete com intenção de voto para presidente, que um documento não prova fraude nas eleições 2018, e que uma pesquisa brasileira não usou doses letais para matar pacientes e desacreditar o uso da cloroquina.

Comprova Explica

Investigado por: 2023-05-24

Entenda as políticas de preços da Petrobras

  • Comprova Explica
Comprova Explica
O Preço de Paridade de Importação (PPI) adotado em 2016 pela Petrobras chegou ao fim. Durante sete anos, o preço dos combustíveis acompanhou as oscilações do valor do barril de petróleo no mercado internacional, assim como a cotação do dólar. No período de vigência, o preço da gasolina subiu mais que a inflação, e a Petrobras obteve lucro recorde. Já o novo modelo anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) considera também a demanda do mercado interno.

Conteúdo analisado: Conteúdos nas redes sociais afirmam que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teria voltado a instaurar a mesma política de preços da Petrobras aplicada durante o governo Dilma Rousseff (PT).

Comprova Explica: A Petrobras anunciou em 16 de maio de 2023 o fim do Preço de Paridade de Importação (PPI), que durante sete anos manteve o preço dos combustíveis atrelado diretamente ao mercado internacional. Tanto o PPI quanto o novo modelo da política de preços, anunciado pelo presidente Lula, foram alvo de conteúdos de desinformação nos últimos anos.

O Comprova Explica reúne informações sobre como funcionou a política de preços da Petrobras durante os governos Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL) e as mudanças implementadas no governo Lula, assim como as consequências para a população ao longo dos anos.

O que é a política de preços da Petrobras?

É a maneira como a Petrobras define as variações do preço dos derivados de petróleo vendidos nas refinarias. Em 2016, no governo Temer, houve uma mudança nessa política que atrelou o preço dos combustíveis ao valor do barril de petróleo praticado no mercado internacional, o PPI. Nesse cálculo entrava ainda a oscilação do dólar, os custos de importação e outros fatores. No entanto, a Petrobras não explica como exatamente é feito esse cálculo. A empresa alega que nas fórmulas são consideradas informações importantes para o negócio e que, por isso, não podem ser divulgadas.

Como era a política de preços antes do PPI?

Até o início dos anos 2000, havia monopólio da Petrobras na exploração e venda de petróleo no Brasil. Isso mudou com a Lei 9.478 (Lei do Petróleo), aprovada durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A partir de então, qualquer empresa estrangeira, desde que constituída sob as leis brasileiras, passou a estar autorizada a realizar atividades de exploração, produção, transporte, refino, importação e exportação do petróleo.

Para aproximar o preço praticado pela Petrobras ao das empresas estrangeiras, o cálculo para os combustíveis passou a considerar o valor da commodity no mercado internacional. Os repasses relativos à oscilação dos preços eram feitos com periodicidade definida, por exemplo, a cada três meses.

Havia, porém, interferências da União na frequência desses repasses. No segundo mandato do governo Lula, os preços dos combustíveis chegaram a ficar congelados por dois anos e sete meses.

A ex-presidente Dilma adotou estratégia parecida. Ela foi acusada de usar a Petrobras para “postergar” os aumentos na gasolina e no diesel como manobra para conter a inflação. Em 2014, ano de eleições presidenciais, o governo Dilma chegou a congelar o preço dos combustíveis durante meses. A medida não se sustentou, levando a uma inflação de 10,76% no ano seguinte, em 2015. O movimento de Dilma foi criticado em 2022 por Lula durante debate eleitoral. Segundo ele, a ex-presidente “cometeu equívoco na questão da gasolina”.

Em qual contexto o PPI foi implementado?

O PPI foi implantado durante o governo do ex-presidente Michel Temer, em outubro de 2016. Dilma sofreu processo de impeachment naquele ano. A Petrobras estava no centro das investigações da Operação Lava Jato e vinha perdendo valor de mercado.

O engenheiro Pedro Parente, que tinha sido ministro da Casa Civil durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, foi nomeado presidente da Petrobras e instituiu o Preço de Paridade de Importação. O objetivo, segundo ele, era dissociar os interesses da empresa dos interesses do governo.

Como funcionava o PPI?

O valor do barril do petróleo no mercado internacional era usado como referência principal para os reajustes de preços. Isso significava que as oscilações nos mercados, para cima ou para baixo, eram repassadas ao preço dos derivados de petróleo nas refinarias e, consequentemente, ao consumidor final. A periodicidade desses repasses não era fixa. Aumentos ou quedas no preço aconteciam sempre que havia variação na cotação do barril de petróleo, ainda que isso ocorresse diariamente.

Como a commodity é cotada em dólar, a alta da moeda americana nos últimos anos influenciou diretamente no aumento do preço da gasolina e do diesel no Brasil. Outros custos de produção, como fretes de navios, logística e taxas portuárias, também eram incorporados ao preço do combustível e repassados ao consumidor.

O que aconteceu com o preço dos combustíveis desde a implementação do PPI?

Desde que a mudança na política de preços dos combustíveis passou a ser adotada pela Petrobras, os preços da gasolina e do diesel foram alterados com mais frequência. A estatal disse, em 2017, que a ideia era ter de fato mais repasses para acomodar as flutuações do câmbio, do petróleo e, com isso, permitir “maior aderência dos preços do mercado doméstico ao mercado internacional no curto prazo”, dando condições de competir “de maneira mais ágil e eficiente”. Naquele ano, segundo o atual presidente da estatal, Jean Paul Prates, foram feitos 118 reajustes de preços.

Diante das altas sucessivas, em 21 de maio de 2018, estourou a greve dos caminhoneiros. Os trabalhadores reclamavam do preço do diesel, que, segundo eles, ficou alto demais e comprometeu o transporte de mercadorias no país. O movimento causou desabastecimento de comida e remédios em diversas cidades brasileiras. Em 30 de maio, a greve foi oficialmente encerrada. Dois dias depois, em 1º de junho, Pedro Parente, presidente da Petrobras que instituiu o PPI, pediu demissão da estatal.

Desde o PPI, a gasolina subiu mais que a inflação. O preço médio do litro da gasolina comum passou de R$ 3,66 em outubro de 2016 para R$ 5,51 em abril de 2023, uma alta de 50,5%, segundo levantamento da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Brasil (ANP). No mesmo período, a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 40,27%.

| Gráfico mostra evolução do preço médio da gasolina no Brasil. Fonte: ANP

Qual foi o lucro da Petrobras durante o PPI?

Durante o PPI, a Petrobras registrou lucros recordes três vezes. Em 2019, a estatal atingiu o recorde da sua história até então, com R$ 40,1 bilhões. Em 2021, atingiu novo valor máximo, com lucro de R$ 106,7 bilhões. Já no ano passado, a estatal teve lucro líquido de R$ 188,3 bilhões.

Veja os resultados da Petrobras desde a adoção do PPI (valores não corrigidos pela inflação):

2016 – prejuízo de R$ 14,8 bilhões;

2017 – prejuízo de R$ 446 milhões;

2018 – lucro R$ 25,8 bilhões;

2019 – lucro de R$ 40,1 bilhões;

2020 – lucro de R$ 7,1 bilhões;

2021 – lucro de R$ 106,7 bilhões;

2022 – lucro de R$ 188,3 bilhões.

Como funciona a nova política de preços da Petrobras, implementada em 2023?

Em 16 de maio de 2023, o presidente Lula anunciou mudanças na política de preços da estatal. Quando ainda estava em campanha, no final de 2022, ele havia criticado o PPI e dito que a política era “para agradar aos acionistas em detrimento de brasileiros“.

Segundo o comunicado feito pela empresa, a nova política passa a considerar, além do mercado internacional, o mercado nacional e as margens da companhia. Dessa forma, o PPI não foi abandonado por completo, mas ele não é mais o único critério.

O presidente da companhia, Jean Paul Prates, disse na coletiva após reunião com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira: “Enfatizo que será mantida a referência de preço internacional”.

Também entram na conta os preços dos combustíveis vendidos pelas refinarias privadas e importadores, assim como os preços dos produtos substitutos, como o etanol hidratado, no caso da gasolina.

De acordo com a companhia, os reajustes continuarão sendo feitos sem periodicidade definida, porém, não será mais repassada para os preços internos a volatilidade das cotações internacionais e da taxa de câmbio.

No comunicado relativo à mudança de estratégia, a Petrobras disse que as decisões relativas à estratégia comercial seguem sendo feitas pela empresa através do Grupo Executivo de Mercado e Preço, composto pelo Presidente da companhia, o Diretor Executivo de Logística, Comercialização e Mercados e o Diretor Financeiro e de Relacionamento com Investidores. Segundo Prates, não haverá intervenção do governo.

Como verificamos: Buscamos informações em sites da imprensa profissional a respeito dos acontecimentos referentes à Petrobras e às alterações da política de preços. Também consultamos o site da estatal e da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Por que explicamos: A Petrobras e a política de preços, principalmente em referência à gasolina e ao diesel, são constantemente alvo de desinformação que vem tanto de pessoas que apoiam Lula quanto da oposição. Entender como funciona a formação do preço dos combustíveis e os critérios de aumento ou redução do preço de venda nas refinarias praticados pela Petrobras ajuda a formar repertório de conhecimento para lidar melhor com possíveis conteúdos de desinformação que possa encontrar.

Outras checagens sobre o tema: Em junho de 2022, o Comprova publicou que, ao contrário do que diziam publicações nas redes sociais, o Brasil é acionista majoritário e responsável pelo controle da Petrobras. Sobre o PPI, a Lupa já desmentiu que a política não foi implementada durante o governo Dilma.

Saúde

Investigado por: 2023-05-23

É falso que aparelho criado por brasileiro seja capaz de detectar trombose em vacinados

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Falso
É falso um vídeo que usa supostas imagens de exames para afirmar que as vacinas contra a covid-19 causam trombose venosa profunda. O conteúdo usa como referência um brasileiro que se apresenta como biólogo e que teria visto coágulos “maciços” no sistema vascular de imunizados através de uma máquina inventada por ele, mas não há registros oficiais comprovando o fato. A universidade onde afirma ter estudado informou que ele não concluiu o curso de Ciências Biológicas. Já o equipamento foi criado para detecção de dor e não para analisar outros problemas de saúde. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Fiocruz afirmam que casos de trombose em vacinados contra a covid-19 são raros; as duas entidades atestam que os benefícios da vacinação superam os riscos.

Conteúdo investigado: Vídeo que afirma que exames termográficos mostram que vacinados contra a covid-19 desenvolvem trombose e ficam assintomáticos mesmo com a suposta presença de coágulos sanguíneos “maciços” no organismo.

Onde foi publicado: Twitter e Telegram.

Conclusão do Comprova: É falso um tuíte que afirma que um suposto cientista brasileiro teria detectado trombose venosa profunda em pacientes vacinados contra a covid-19. O texto diz que a suposta trombose seria visível em imagens geradas por um aparelho criado pelo próprio cientista, Felipe Reitz. Porém, o equipamento em questão utilizaria imagens termográficas (que medem temperatura em locais do corpo) para identificar dor, não para detectar coágulos sanguíneos.

| Print do vídeo no tuíte checado que mostra o nome do equipamento com o qual os exames teriam sido feitos. Em português “pain diagnostic” significa diagnóstico de dor

Felipe Reitz, segundo a plataforma Lattes, estudou Biologia e Relações Internacionais, além de se identificar como inventor e “consultor da Nova Era”. Conforme a Universidade Federal de Santa Catarina, ele ingressou no curso de Ciências Biológicas em 1991, mas nunca concluiu a graduação.

Ele é o criador de um equipamento que mediria níveis de dor chamado de “Reitz Scan”, que teve financiamento do governo de Santa Catarina e foi apresentado ao Ministério da Saúde em 2018. Não há informações oficiais de que a máquina seja capaz de identificar coágulos sanguíneos ou qualquer outra condição de saúde além de dor.

O vídeo que acompanha a postagem desinformativa no Twitter foi originalmente publicado por Greg Reese no Instagram e traduzido pelo perfil investigado. Reese é editor de uma publicação americana conhecida por disseminar conteúdos desinformativos.

Ele utiliza imagens retiradas de um vídeo no YouTube de 23 de agosto de 2022 em que Reitz é entrevistado, em inglês, por uma médica estadunidense. Nessa entrevista, o brasileiro diz ter imagens que mostram coágulos sanguíneos em pessoas vacinadas assintomáticas e danos que seriam provocados pelo “óxido de grafeno” presente nas vacinas. Como já foi desmentido diversas vezes, não há grafeno nos imunizantes contra a covid-19.

No perfil do Facebook de Reitz, é possível notar que ele publica constantemente conteúdos antivacina, principalmente ligados à vacinação contra a covid-19. Ele classifica a imunização em massa contra o coronavírus como um “experimento biológico”. Para Felipe Reitz, as vacinas foram criadas para matar, o que não é verdade.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Fiocruz já atestaram que, apesar de terem sido relatados, casos de trombose venosa em vacinados são raros, com registros entre 0,2 e 3 casos para cada 100 mil doses aplicadas. Os benefícios das vacinas superam os riscos relacionados ao uso desses produtos. Assim, os imunizantes são considerados seguros e seguem sendo recomendados.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O vídeo legendado e postado no canal do Telegram foi visto 33 mil vezes até o dia 16 de maio de 2022. No Twitter, o mesmo conteúdo teve 33,8 mil visualizações.

Como verificamos: A partir da informação de que todas as vacinas contra a covid-19 aplicadas no Brasil tiveram o aval da Anvisa e que o diagnóstico de trombose por causa do imunizante é considerado raro, o Comprova buscou saber quem era Felipe Reitz, o homem apresentado pela peça de desinformação como o “biólogo” que disse ter diagnosticado pacientes com grandes coágulos sanguíneos.

A partir de um print retirado do vídeo, com a imagem de Felipe Reitz, o Comprova utilizou o aplicativo PimEyes para pesquisar fotos semelhantes e concluiu que o homem apresentado na desinformação era um empresário que atualmente trabalha como consultor. Entramos em contato com Reitz pelo Facebook e pelo LinkedIn, mas não houve resposta.

Contatamos a Universidade Federal de Santa Catarina, para saber se ele havia se formado em Biologia e a Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) a respeito da formação em Relações Internacionais. Também pesquisamos a origem da informação e das imagens que supostamente demonstrariam a trombose. Encontramos uma entrevista de Felipe Reitz com uma médica norte-americana no YouTube publicada em agosto de 2022 em que ambos falam sobre o assunto. Para saber sobre a máquina termográfica de diagnóstico citada, buscamos registros do equipamento no Inmetro e na Anvisa (por se tratar de aparelho de uso médico).

Quem é Felipe Reitz

Reitz diz no currículo Lattes que estudou biologia na Universidade Federal de Santa Catarina. A instituição afirma que ele ingressou no curso em 1991 mas não concluiu a graduação. Utilizado como fonte no conteúdo investigado, ele se apresenta no LinkedIn como um consultor empresarial. Seu trabalho atual listado na rede profissional é o de autônomo e “diretor consultivo para a Nova Era que se aproxima”.

No perfil no LinkedIn, Reitz afirma acumular experiências nas áreas de gestão e relação com investidores. No currículo Lattes ele diz ser graduado em Relações Internacionais pela Universidade do Sul de Santa Catarina, em 2014. O Comprova fez contato com a instituição para confirmar a formação, mas não obteve retorno.

Consta, no Lattes, o título de seu trabalho de conclusão de curso: BRICS – Um comparativo sobre o desempenho econômico do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul no período 2002-2010.

Felipe Reitz foi fundador da Reitz Innovation, uma extinta empresa especializada em “Quantificação de Dor”. Também foi sócio-administrador da empresa Global Detecta Complementação Diagnóstica, de fabricação de equipamentos terapêuticos.

Nenhuma das empresas atuava no ramo da vacinação. Elas desenvolviam máquinas para diagnóstico médico. A Reitz Innovation, inclusive, apresentou seus equipamentos ao departamento médico do time de futebol do Avaí. O site do clube mostra o registro desta reunião. O encontro entre Felipe Reitz e representantes do Avaí ocorreu no ano de 2018.

As empresas de Felipe Reitz encerraram as atividades, de acordo com a Receita Federal, em agosto de 2022. Atualmente, ele consta como sócio de uma empresa de web design e processamento de dados.

A Anvisa informou que não encontrou registros de equipamentos termográficos referentes ao nome “Reitz Scan” ou “Felipe Reitz”. Uma busca na base de dados do Inmetro por esses mesmos termos não retornou resultado.

Trombose e vacinas contra a covid-19

Uma edição do Comprova Explica esclareceu por que eventos adversos após a vacinação da covid-19 são raros e que os benefícios superam os riscos.

No fim de 2022, o Ministério da Saúde emitiu uma nota alterando as recomendações de uso das vacinas contra a covid-19 desenvolvidas com a tecnologia de vetor viral, como a da Oxford/AstraZeneca e a da Janssen. Ambos imunizantes passaram a ser indicados preferencialmente para pessoas com mais de 40 anos.

Segundo a nota, houve relatos de casos de síndrome de trombose com trombocitopenia (STT) em pessoas que receberam esses imunizantes. Contudo, a incidência é pequena, estimada entre 0,2 e 3 casos por 100 mil doses aplicadas.

O documento diz ainda que, embora haja a possibilidade raríssima de eventos adversos graves, os benefícios da vacinação contra a covid-19 superam os riscos. “Diferentes publicações estimam entre 300 mil a 800 mil vidas salvas pela vacinação apenas no primeiro ano da campanha de vacinação.”

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou contato com perfil no Twitter que disseminou o conteúdo aqui investigado, mas ele não permite o envio de mensagens. Ao analisar o perfil no Twitter, Rumble e no Telegram, é possível ver que o usuário traduz e legenda diversos vídeos desinformativos originalmente publicados em inglês ou russo. Ele se identifica como tradutor.

O que podemos aprender com esta verificação: Conteúdos desinformativos com frequência utilizam imagens chocantes de exames médicos ou de pessoas doentes para captar a atenção do público e como supostas “provas” da afirmação feita. É importante saber a origem daquela imagem e se ela corresponde à informação que a acompanha. Outra pista de que a informação não é verdadeira é que o autor do suposto estudo e inventor da máquina que identifica trombose é brasileiro e não há nenhum registro sobre a descoberta dele na imprensa profissional brasileira. O que existe são registros dele e do equipamento em reportagens relacionadas à detecção e medição da dor.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já desmentiu inúmeros conteúdos que ligavam a vacinação contra a covid-19 aos mais diversos problemas de saúde, como Aids, câncer, danos genéticos, mortes em crianças, lesões nos órgãos e até “DNA alienígena”. A iniciativa também explicou por que eventos adversos após a vacinação da covid-19 são raros e que os benefícios superam os riscos.

Política

Investigado por: 2023-05-22

PF diz que investigação sobre joias sauditas não acabou, ao contrário do que afirmam postagens em redes sociais

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso afirmar que o caso das joias sauditas trazidas ilegalmente para o país no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) está encerrado. A Polícia Federal confirma que as investigações continuam após a Receita Federal informar sobre a não cobrança de imposto. Mesmo com a isenção, os objetos deveriam ter sido declarados.

Conteúdo investigado: Posts com captura de tela de reportagem do jornal O Globo intitulada “Joias sauditas dadas a Bolsonaro são isentas de cobrança de imposto, diz Receita Federal” e legendas afirmando que “ladrão é o outro”, e vídeos em que donos de perfis comentam a reportagem.

Onde foi publicado: TikTok, Twitter e Instagram.

Conclusão do Comprova: É enganoso que a investigação da Polícia Federal (PF) acerca das joias sauditas dadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tenha sido finalizada, diferentemente do que sugerem posts nas redes.

Os conteúdos usam reportagem do jornal O Globo publicada em 16 de maio e intitulada “Joias sauditas dadas a Bolsonaro são isentas de cobrança de imposto, diz Receita Federal” para desinformar ao dizer que o ex-presidente não é mais investigado.

O caso ainda não foi encerrado. De fato, como informou O Globo, as joias que integrantes do governo anterior trouxeram ao Brasil são isentas de cobrança de imposto, segundo a Receita Federal. “Em resposta a uma investigação da Polícia Federal, o Fisco explicou que presentes destinados à Presidência da República deverão apenas ser informados à autoridade aduaneira na sua chegada e entregues à Aduana para armazenamento e posterior despacho”, detalha o texto. Ou seja, as peças não seriam taxadas, mas deveriam ter sido declaradas por quem as trouxe, o que não foi feito.

Mais do que desinformar acerca do caso da investigação, os posts verificados aqui possuem algumas semelhanças. Dizem que a mídia tradicional só falou sobre este assunto para macular a imagem de Bolsonaro e tirar o foco do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que seria o “verdadeiro ladrão”. Para isso, os autores dos posts – o ex-presidente é um deles – usam a hashtag “ladrãoéooutro”, referindo-se ao petista.

Dois vídeos com alta viralização usam a mesma estratégia: seus criadores dizem, primeiramente, acreditar que a notícia de O Globo seria mentira. “Será realmente que essa verdade não seria uma fake news? E aí fui me aprofundar para saber se, realmente, se era verdade, se podia trazer aqui para o meu perfil e, acreditem, é realmente verdade”, diz um dos desinformadores. Outra, afirma: “Eu vi o print da matéria circulando, eu achei que era fake news! Eu falei: deve ser um meme! Não é não! Não, era verdade”.

O mesmo conteúdo, em diferentes versões, também foi espalhado por perfis diversos relacionados a uma mesma pessoa. Uma delas posta em um perfil no TikTok um vídeo falando sobre a desinformação; em outro perfil na mesma rede, com nome completamente diferente, ela posta uma captura de tela com a reportagem de O Globo e uma legenda sobreposta. No Instagram, a mesma pessoa posta em outros diferentes perfis e formatos.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 22 de maio, o post no perfil de Bolsonaro no Instagram tinha recebido 937,8 mil interações. No Twitter, um dos posts verificados pela reportagem havia sido visualizado 37,2 mil vezes. No TikTok, quatro perfis que propagam o conteúdo investigado somavam 147,3 mil visualizações – um deles, sozinho, acumula 121,8 mil acessos, 22,8 mil curtidas e 442 comentários.

Como verificamos: No Google, buscamos notícias publicadas pela imprensa profissional sobre a cobertura do caso. Também entramos em contato com as assessorias de imprensa da Receita Federal e da Polícia Federal. Realizamos a descrição dos áudios dos posts por meio do programa Transkriptor, bem como comparamos os textos das falas dos envolvidos por meio de nuvens de palavras elaboradas no site WordClouds.com.

O que diz o responsável pela publicação: A reportagem procurou perfis que publicaram os conteúdos – tanto em vídeo como em captura de tela – e cujos posts viralizaram. Apenas o perfil @edinhos.news no TikTok respondeu até a publicação deste texto. Ele negou ter desinformado e afirmou que, com o conteúdo, quis mostrar o “quanto a mídia principal não deu muita atenção” para a história veiculada por O Globo.

O que podemos aprender com esta verificação: Os desinformadores usam uma notícia de um veículo profissional, o jornal O Globo, para criar uma mentira, tática comum entre eles. Por isso, é importante ler as reportagens, não apenas o título – em nenhum trecho a publicação informa que o caso foi encerrado, diferentemente do que sugerem os responsáveis pelos posts verificados aqui. Se não for possível ler por algum motivo, não compartilhe publicações sem ter certeza do que tratam seus conteúdos.

Além disso, outra técnica muito usada que aparece neste caso é o ineditismo do caso. Como informado acima, em dois vídeos verificados os autores dizem que viram uma notícia e duvidaram que ela fosse verdadeira, porque era muito incrível. Um deles inicia o post dizendo: “Você vai realmente ficar chocado ao saber dessa bomba que eu tenho pra você agora”. Ele não afirma que o caso foi encerrado e que não houve problema nenhum relacionado às joias sauditas, mas deixa isso subentendido. Se o caso tivesse sido encerrado, os veículos da imprensa profissional teriam noticiado. Então, já no primeiro momento, devemos nos perguntar por que não lemos sobre o assunto em nenhum outro veículo de comunicação. E já devemos ficar com o alerta ligado. Um próximo passo é pesquisar pelo conteúdo, para ver se nenhuma mídia profissional realmente publicou sobre a notícia.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: As joias sauditas foram alvo de outra checagem do Comprova, a de post que tira de contexto decisão do Tribunal de Contas da União sobre as peças. O Projeto também publicou texto na seção Comprova Explica detalhando a quem pertencem presentes ofertados a presidentes brasileiros.

Política

Investigado por: 2023-05-19

Post de deputado engana ao associar ocupação em Higienópolis, bairro nobre de São Paulo, a Boulos, MST e Lula

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa uma postagem do deputado federal Ricardo Salles (PL-SP) que associa notícia sobre a ocupação de um imóvel no bairro de Higienópolis, em São Paulo, ao parlamentar Guilherme Boulos (PSOL-SP), ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e ao governo Lula (PT). O imóvel sobre o qual trata a reportagem, de propriedade da União, foi ocupado por mulheres e crianças ligadas à Frente de Luta por Moradia, não pelo MST. O governo federal nega a acusação de anuência feita por Salles e afirma que já encaminhou, inclusive, pedido de reintegração de posse. À prefeitura da capital paulista, o governo solicitou avaliação sobre possibilidade de atendimento emergencial aos mais vulneráveis.

Conteúdo investigado: Publicação na página do deputado federal Ricardo Salles (PL-SP) que exibe montagem com título de notícia da Folha de S.Paulo sobre a ocupação de um imóvel no Higienópolis, bairro nobre em São Paulo, acompanhada da frase “Boulos é o MST na porta da sua casa. É isso que São Paulo precisa?”. O post também inclui a seguinte legenda: “Com a permissão e a omissão do governo Lula, o MST deixa mais um estrago em São Paulo. Nossa cidade não precisa viver refém de invasões. Boulos é o MST na porta da sua casa. São Paulo merece mais”.

Onde foi publicado: Instagram, Facebook e Twitter.

Conclusão do Comprova: Postagem publicada pelo deputado federal Ricardo Salles (PL-SP) engana ao associar a ocupação de um imóvel no bairro Higienópolis, na capital paulista, noticiada pela Folha de S.Paulo, ao deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP), ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O parlamentar afirma, equivocadamente, que a ação contou com a permissão e a omissão do governo federal.

Na verdade, a ocupação de uma residência na Rua Pernambuco, que começou no dia 8 de maio e se consolidou no dia 12, foi feita por mulheres da Frente de Luta por Moradia (FLM) – um coletivo de movimentos autônomos fundado no ano de 2004, em São Paulo, que atua na defesa do direito à cidade e à moradia.

Boulos é coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), criado em 1997 e que luta pelo direito à moradia e à reforma urbana, sem qualquer vínculo com o MST. De acordo com a FLM, a ocupação no Higienópolis não tem qualquer relação com esses movimentos. A assessoria de Boulos também negou que o parlamentar esteja envolvido com a ocupação: “É outro movimento”.

Quanto ao imóvel, ele pertence à União e está sob responsabilidade da Secretaria do Patrimônio da União (SPU). O local era usado como Escritório de Representação em São Paulo do Ministério das Relações Exteriores (ERESP) e estava desocupado há mais de cinco anos, desde o dia 28 de novembro de 2017.

Ao Comprova, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos afirmou que a SPU soube da ocupação pela mídia e pelas redes sociais e esteve no local no dia 15 de maio, quando reuniu-se com a liderança da FLM, solicitando a desocupação imediata. “Tendo em vista a negativa da desocupação do imóvel, foi feito o encaminhamento de solicitação de reintegração de posse junto à Advocacia Geral da União (AGU)”, informa o ministério. O governo federal também solicitou à prefeitura de São Paulo que avaliasse a possibilidade de atendimento emergencial às famílias vulneráveis.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 19 de maio, o post tinha quase 1 mil comentários no Instagram, 101 compartilhamentos no Facebook, e 4 mil visualizações e 239 compartilhamentos no Twitter.

Como verificamos: Buscamos pelo título da notícia usada na montagem no Google. Chegamos à matéria original, da Folha de S.Paulo. A reportagem citava que a ocupação era organizada pela FLM. Assim, entramos em contato com uma liderança do movimento, com quem conversamos por telefone, para entender mais sobre as partes envolvidas e os detalhes da ocupação.

Depois, fizemos contato com outros dois movimentos: o MST e o MTST. Procuramos também a assessoria de imprensa do parlamentar Guilherme Boulos, citado na peça de desinformação. Paralelamente, acionamos o governo federal e a prefeitura de São Paulo.

Buscamos ainda por palavras-chave como “ocupação, MST, Guilherme Boulos, Ricardo Salles”. A pesquisa retornou notícias sobre a recém-instaurada CPI do MST e a disputa de Boulos e Salles pela prefeitura de São Paulo nas próximas eleições (Folha, Metrópoles, Folha).

Imóvel é da União e estava desocupado desde 2017

O prédio ocupado fica na Rua Pernambuco, número 36, no Higienópolis, em São Paulo, considerado bairro nobre. De acordo com o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, ele pertence à União desde 21 de dezembro de 2001, por força de uma carta de adjudicação, resultante de processo judicial, e foi utilizado pelo Escritório de Representação em São Paulo do Ministério das Relações Exteriores (ERESP) até 28 de novembro de 2017, quando ficou desocupado.

| Print do Google Maps feito em 18 de maio de 2023.

Vazio, o imóvel começou a receber, no dia 8 de maio deste ano, famílias ligadas à FLM. A bandeira do movimento foi estendida no local no dia 12 de maio. Conforme Josélia Martins Pereira, uma das coordenadoras do movimento, a maior parte das famílias é composta por mulheres e crianças que foram despejadas por ordens judiciais. Também há pessoas idosas e com deficiência no local. No total, são 20 famílias e aproximadamente 50 pessoas.

“Essas mulheres são mães-solo, a grande maioria são mulheres que foram despejadas, que sofreram reintegração de posse e não têm onde morar”, explica Josélia, acrescentando que alguns homens têm apoiado a ocupação.

Ela afirma que a ocupação é uma forma de expor a falta de políticas públicas de habitação e que ocupar não é um desejo das famílias, mas o último recurso de quem não tem onde morar. “A partir do momento em que um imóvel está abandonado, o imóvel não está cumprindo a função social da propriedade”, defende. “A gente sabe que está abandonado e ocupa, a gente não pode deixar na rua. Muitas famílias procuram o movimento, são vidas.”

Ocupação é da FLM, não do MST, e não está ligada a Boulos

A FLM classificou a publicação feita pelo deputado federal Ricardo Salles como “mentirosa”. A coordenadora do movimento nega que a ocupação no bairro Higienópolis tenha relação com o MST ou com o MTST. Ela enviou ao Comprova uma foto em que aparecem as bandeiras estendidas junto ao prédio ocupado. (Veja abaixo). Uma delas é da FLM, a outra, do MSTRN. Segundo Josélia, o MSTRN é um movimento filiado à FLM e sem vínculo com o MST ou com o MTST, o que foi confirmado também pelas assessorias dos demais movimentos.

| Foto: Divulgação (Frente de Luta por Moradia – FLM).

“As pessoas costumam associar toda e qualquer ocupação como se fosse do MTST. O problema da moradia no Brasil é grave e generalizado, sendo o MTST um dos muitos movimentos que organizam famílias em luta por um teto. Nesse caso em especial, pelas faixas expostas na foto, me parece claro não ser uma ocupação do MTST”, afirmou, em nota, a assessoria do movimento.

Coordenador nacional do MTST, o deputado federal Guilherme Boulos foi associado indevidamente à ocupação. Ao Comprova, a assessoria do parlamentar também negou qualquer relação dele ou do MTST com o caso: “É outro movimento”. Já a assessoria do MST informou que “reivindica a realização da Reforma Agrária, ou seja, no campo”.

Governo federal nega apoio à ocupação

Ao tomar conhecimento da ocupação, pela imprensa, redes sociais e inclusive por vizinhos, a Superintendência do Patrimônio da União em São Paulo (SPU/SP) afirmou que, no dia 15 de maio, solicitou à Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB) da Prefeitura de São Paulo apoio para cadastramento social das famílias.

Também pediu, segundo nota enviada ao Comprova, que o governo municipal avaliasse a possibilidade de “prover atendimento emergencial aos mais vulneráveis e a inscrição junto aos programas habitacionais municipais e/ou desenvolvidos em parceria com a União”.

No mesmo dia, ainda conforme a nota, o Gabinete da SPU/SP, por meio de seu superintendente, reuniu-se com lideranças do movimento e solicitou a desocupação imediata do imóvel. As lideranças informaram que a ocupação era formada por mulheres vulneráveis que não tinham para onde ir e comprometeram-se a tentar buscar uma alternativa de moradia, mas não fixaram uma data para desocupação.

Sendo assim, foi feito encaminhamento de pedido de reintegração de posse junto à AGU. O governo federal ressalta que “não houve anuência ou apoio de qualquer órgão federal para tal ocupação” e acrescenta que a SPU está empenhada em reservar imóveis adequados para habitação de interesse social, para colaborar com o Ministério das Cidades na implementação do Programa Minha Casa Minha Vida e com outras políticas públicas do governo.

O que diz a Prefeitura de São Paulo

Já a Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), informou ao Comprova que a equipe do Serviço Especializado de Abordagem Social (SEAS) Sé esteve no imóvel ocupado pela FLM no dia 19 de maio. O objetivo, segundo a pasta, foi prestar atendimento às famílias da ocupação, “porém nenhuma aceitou encaminhamento para os serviços da rede socioassistencial”.

A secretaria reforçou que as famílias podem solicitar atendimento a qualquer momento no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) ‘Sé’, como para realização de cadastros e atualizações no Cadastro Único (CadÚnico) para a entrada em programas de transferência de renda, como o Bolsa Família e o Renda Mínima, além dos encaminhamentos para serviços públicos e a entrega de cestas básicas aos moradores da ocupação, conforme demanda.

Eleições de 2024 e CPI do MST

A disputa pela Prefeitura de São Paulo é pano de fundo que tende a intensificar o embate entre Salles (PL-SP) e Guilherme Boulos (PSOL-SP). O ex-ministro do Meio Ambiente do governo Jair Bolsonaro (PL) tenta se viabilizar como o candidato do PL capaz de superar o nome psolista nas urnas em 2024.

Enquanto Boulos foi o deputado federal eleito com mais votos em São Paulo em 2022, Salles ficou na quarta posição. Agora, usa a vitrine como deputado para atacar o adversário.

Recentemente, Salles assumiu o papel de relator da CPI do MST, instalada na Câmara no dia 17 de maio para investigar a atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. A comissão, que deve se estender até setembro, é presidida pelo deputado Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS) e tem como vice-presidente Kim Kataguiri (União Brasil-SP).

Em entrevista à Folha, Salles disse que a CPI do MST pode chegar ao MTST de Boulos. A afirmação foi rebatida pelo político do PSOL, que o acusou de buscar “uso eleitoreiro da CPI”, e disse que eventuais excessos serão contidos pela própria Câmara dos Deputados e “pelo Judiciário”.

Conhecido por adotar discurso de “tolerância zero” nos conflitos no campo, o aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro se apresenta nas redes sociais como advogado e fundador do Endireita Brasil, movimento apoiado por ruralistas. Na primeira vez em que tentou se eleger deputado, sem sucesso, Salles defendeu durante a campanha o uso de “munição de fuzil” contra movimentos sociais de esquerda e prometeu acabar com a “bandidagem no campo”. À época, ele era filiado ao partido Novo. Para solucionar os desafios envolvendo o meio rural, o candidato chegou a sugerir, em uma peça publicitária, uso de balas de “fuzil 3006”, em referência ao número registrado na Justiça para a disputa eleitoral.

O que diz o responsável pela publicação: A assessoria de imprensa do deputado federal Ricardo Salles foi procurada pelo Comprova pelo e-mail de seu gabinete e por mensagem no WhatsApp. Não houve retorno até o fechamento desta reportagem.

O que podemos aprender com esta verificação: A desinformação aqui checada usou a tática de reproduzir uma notícia verdadeira para conferir credibilidade ao conteúdo. Porém, ao utilizar apenas o print do título da reportagem original construiu narrativa própria sobre o tema. Neste caso, é preciso ficar atento e buscar a matéria publicada no veículo profissional para entender o assunto reportado.

A matéria, em nenhum momento, cita o deputado federal Guilherme Boulos, nem mesmo o MST ou o governo Lula, logo, as insinuações feitas pela postagem seriam resolvidas com a leitura da reportagem original. Além disso, o leitor deve pensar sobre o interesse do mensageiro em reproduzir a mensagem, o que demonstraria o interesse do deputado em criticar determinada ação de adversários políticos, como é o caso de Salles em relação a Boulos e Lula.

Outro ponto importante seria buscar conhecimento mais amplo sobre temas como direito à moradia e reforma urbana e como ambos são direitos constitucionais dos cidadãos. Assim como é necessário conhecer os diferentes movimentos sociais que atuam no Brasil e que possuem modelos de atuação próprios, como o MST, o MTST e a FLM.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Em outubro de 2022, o jornal Plural já havia verificado informação falsa sobre um projeto atribuído ao governo federal e supostas invasões de casas pelo MST e MTST no Paraná.

O Comprova também já checou informações falsas sobre o MST e Lula quanto ao agronegócio e ataque a uma plantação de mamão no Espírito Santo. Outros conteúdos investigados pelo projeto envolveram o deputado Guilherme Boulos, acusado indevidamente de cobrar aluguel de moradores sem-teto e de ter dito que os paulistanos deveriam receber pessoas em situação de rua nas suas casas.

Saúde

Investigado por: 2023-05-19

É falso que Parlamento Europeu tenha classificado vacina contra a covid-19 como arma biológica

  • Falso
Falso
Não é verdade que os maiores cientistas do mundo tenham dito em conferência no Parlamento Europeu que as vacinas contra a covid-19 são uma arma biológica. O evento citado por conteúdos de desinformação foi realizado por cinco dos 705 deputados do Parlamento e os convidados eram conhecidos negacionistas, não “os maiores cientistas”, como alegam as publicações. Instituições respeitadas, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), atestam a eficácia e a segurança das vacinas. A eficácia dos imunizantes ficou comprovada com a queda nas mortes pela doença pós-vacinação ao redor do mundo.

Conteúdo investigado: Posts afirmando que “a mídia corrupta não fala nada”, mas que está sendo realizada no Parlamento Europeu “uma grande audiência pública chamada Conferência Summit Covid-19 com os maiores cientistas, geneticistas e médicos”. De acordo com o conteúdo, eles estão “analisando as consequências (da pandemia) para a saúde humana e anunciando que as vacinas covid-19 foram uma farsa e são realmente uma arma biológica”.

Onde foi publicado: Telegram e Twitter.

Conclusão do Comprova: É falso que uma conferência sobre covid-19 em que “os maiores cientistas, geneticistas e médicos” anunciaram que as vacinas são uma farsa e uma arma biológica tenha sido realizada pelo Parlamento Europeu.

Posts com o conteúdo viralizaram com o mesmo texto e, apesar de realmente ter havido um evento sobre covid no órgão da União Europeia, ele não foi organizado pelo Parlamento, mas por cinco dos 705 deputados. Todos os cinco políticos são conhecidos negacionistas – o romeno Cristian Terhes, a alemã Christine Anderson, a italiana Francesca Donato e os croatas Ivan Vilibor Sinčić e Mislav Kolakušić.

Na agenda do Parlamento, só há registro de uma coletiva de imprensa para apresentação dos resultados do evento, com duração de 30 minutos.

Os “especialistas” que participaram também são negacionistas, inclusive alguns já foram classificados como desinformadores por agências de checagem. David Martin, por exemplo, já foi alvo de ao menos três verificações. Dentre elas há duas da Reuters: “A vacina de RNA contra o coronavírus é uma vacina, e foi feita para prevenir doenças” e “Trabalhos de pesquisa apresentaram evidências da transmissão aérea de SARS-CoV-2” e uma do Factcheck.org: “Novo vídeo ‘Plandêmico’ traz desinformação e conspirações”.

Em uma delas, é descrito como um “analista financeiro e empresário de autoajuda que tem um canal no YouTube que promove algumas teorias da conspiração”.

Ao questionarem a segurança e a eficácia das vacinas contra a covid, eles contrariam organizações respeitadas globalmente, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos.

Também ignoram a realidade, já que foi com o início da vacinação em massa que a pandemia começou a desacelerar.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Apenas um dos tuítes verificados aqui teve mais de 6,5 mil visualizações até 19 de maio.

Como verificamos: O Comprova iniciou a investigação a partir da imagem do evento compartilhada pelo site divulgado em um dos tuítes mentirosos. Na imagem aparecia o link oficial do evento, bem como as fotos e nomes das supostas autoridades que participaram dessa conferência, além de selos do parlamento europeu e do núcleo European Conservatives and Reformists (ECR) – em tradução livre para português: ‘Europeus Conservadores e Reformistas’.

A página também contava com dois vídeos, um deles das ditas “autoridades da ciência” e outro dos parlamentares que participaram do evento. Sobre ambos, era explicitado o nome dos oradores. No primeiro, a menção das vacinas como armas biológicas era creditada ao “Dr. David Martin e Dra. Rosana Chifari”. No caso dos parlamentares, os discursantes também foram listados no site.

Com isso, a reportagem buscou quem seriam esses “doutores”. Com uma busca simples no Google pelo nome deles e a palavra “fake” a reportagem encontrou checagens de veículos internacionais majoritariamente sobre covid-19 e vacinas. Além das matérias desmentindo David Martin, foi encontrada uma sobre Chifari do veículo italiano Open: “Coronavírus, os estudos citados ao Senado pelo Movimento de Hipócrates não comprovam a eficácia da ivermectina”.

Também na busca de entender as relações dos “cientistas” com o Parlamento Europeu, o Comprova pesquisou o nome deles no site oficial da instituição. Como resultado, apareceu que o deputado Ivan Vilibor Sinčić tinha retuitado uma desinformação propagada por David Martin sobre a covid-19. Quanto a Chifari, nada foi encontrado na busca.

A investigação também procurou os citados como participantes da Conferência na lista de deputados do Parlamento Europeu. Todos eram deputados.

Por fim, assistindo ao vídeo, a reportagem notou o selo do ECR no painel disposto atrás dos discursantes. Para saber se o evento tinha uma ligação direta ou financiamento do grupo político foi procurada, no site oficial do Third International Covid Summit (ICS3), uma menção ao núcleo político – nada foi encontrado. O mesmo foi feito no site oficial do European Conservatives and Reformists – também sem sucesso.

O ECR foi contatado pelo Comprova por e-mail, mas não respondeu até a publicação desta matéria.

O que diz o responsável pela publicação: A reportagem procurou o perfil @tucabr54 e @SelvaBrasilOficial, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.

O que podemos aprender com esta verificação: Os conteúdos aqui verificados usam o nome Parlamento Europeu para conferir oficialidade ao que estão compartilhando, mas direcionam o link para um obscuro blog para dar mais informações sobre o evento mencionado. Se fosse verdade que o Parlamento Europeu afirmou que vacinas contra a covid são armas biológicas, essa informação estaria nos principais meios de comunicação do mundo e não somente em um blog. Em casos como esse, faça perguntas sobre o conteúdo e procure respondê-las. Se somente cinco deputados estão convidando para um evento, será possível entendê-lo como sendo um evento do Parlamento? Se as instituições mais respeitadas do mundo na área da saúde garantem que os imunizantes são seguros, eu deveria acreditar em um post de um obscuro blog brasileiro? Por que o link oferecido não é o do Parlamento Europeu? Na dúvida, faça uma busca por mais informações em meios de comunicação em que você confia.

Desconfie também de postagens que usam artifícios para disfarçar o monitoramento das iniciativas de checagem. O post verificado se refere ao imunizante como “vachina”, uma tática comum em publicações antivacina e que procuram escapar de ferramentas de monitoramento.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: As vacinas contra a covid-19 são tema frequente de verificações do Comprova. Só nos últimos dias o projeto publicou que deputado repete alegações enganosas sobre a ineficácia delas e que elas não têm vírus e fungos “do câncer”, ao contrário do que alega vídeo compartilhado nas redes sociais.

Saúde

Investigado por: 2023-05-17

Deputado repete alegações enganosas sobre ineficácia das vacinas contra covid-19

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa a afirmação de que as vacinas contra a covid-19 não reduziram o número de óbitos pela doença e que a responsável pela queda tenha sido a imunidade natural dos infectados. O gráfico utilizado no post verificado registra imunizações a partir de setembro de 2021, mas a campanha começou meses antes, em janeiro, com aplicações de segunda dose já no mês seguinte, em fevereiro. Em junho e julho de 2021, o governo federal confirmou que a campanha de imunização contribuiu para a queda de mortes. Isabella Ballalai, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), destaca que 90% das mortes registradas quando 70% das pessoas haviam sido vacinadas eram de pessoas não imunizadas.

Conteúdo investigado: Post em que o deputado Osmar Terra (MDB-RS) afirma que “as mortes caíram antes das vacinas terem qualquer impacto”. Ele usa um gráfico para ilustrar a afirmação e escreve ainda que “a imunidade natural dos milhões de infectados e curados fez reduzir o número de mortes”.

Onde foi publicado: Twitter.

Conclusão do Comprova: É enganoso o post em que o deputado federal Osmar Terra afirma que as vacinas contra a covid-19 não reduziram o número de óbitos pela doença. Em mais uma investida contra os imunizantes, ele escreve, erroneamente, que “a imunidade natural dos milhões de infectados e curados fez reduzir o número de mortes”. O Comprova já checou, por exemplo, que ele enganou ao questionar a eficácia deles e ao dizer que expor a população ao vírus é melhor do que vacinação.

Diferentemente do que o deputado afirma no post, as mortes não começaram a cair antes das vacinas terem qualquer impacto. O gráfico usado para ilustrar a desinformação considera imunizações a partir de setembro de 2021, mas a campanha começou antes, em janeiro daquele ano. Um mês depois, já havia locais aplicando a segunda dose, ou dose de reforço.

Inclusive, o governo federal, do qual Terra fez parte até 2020 como ministro, confirmou que a campanha de imunização foi importante para a queda de mortes, conforme publicação da Agência Brasil de 18 de junho de 2021 intitulada “Menos mortes de idosos por covid-19 indicam avanço de vacina”.

Um mês depois, em julho de 2021, o governo publicou que o Brasil registrava queda de 40% em casos e óbitos por covid-19 em um mês e que os números eram reflexo “do ritmo da campanha de vacinação contra a doença”.

“A vacina foi gradativamente sendo aplicada e refletindo na redução de mortes”, afirma Isabella Ballalai, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). “Tanto é que, quando chegamos a mais de 70% dos vacinados, cerca de 90% dos óbitos eram de pessoas não imunizadas no Brasil e no mundo.”

Além disso, órgãos de saúde do mundo todo confirmam a eficácia e segurança das vacinas, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças, dos Estados Unidos.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), em seu site, afirma estar começando a ver evidências de que a imunidade após infecção por covid “pode ser forte”, mas varia de pessoa para pessoa e que a doença pode matar.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Segundo a ferramenta CrowdTangle, o tuíte teve 2,5 mil interações no Twitter, além de ter sido visualizado 44,7 mil vezes.

Como verificamos: Tentamos, inicialmente, localizar a origem do gráfico a partir da busca reversa de imagens com ferramentas como o TinEye. Em seguida, analisamos dados sobre mortes por covid-19 e vacinação no Brasil em plataformas como Our World in Data e Painel Coronavírus, do Ministério da Saúde. Também consultamos notícias sobre o assunto e publicações nos sites do governo federal e de agências reguladoras mundo afora. Em seguida, entrevistamos Isabella Ballalai, da SBIm. Por fim, procuramos o autor da publicação e o suposto responsável por montar o gráfico.

Mortes caíram com a vacinação

O gráfico publicado por Osmar Terra em 10 de maio apresenta um recorte entre 4 de fevereiro de 2021 e 20 de janeiro de 2022 para mortes e a partir da segunda semana de setembro até a mesma data final para vacinados. Contudo, a campanha começou antes, em janeiro daquele ano. Um mês depois, já havia locais aplicando a segunda dose, ou dose de reforço.

Em resposta a um comentário do post, o político afirmou que as fontes das informações do gráfico são o Open DataSus e o Our World in Data. Uma pesquisa nesta plataforma, filtrando as mesmas datas apresentadas na ilustração do post, apresenta um cenário diferente do defendido por Terra. É possível observar que, conforme aumenta o número de doses aplicadas, as mortes diminuem:

| Captura realizada pelo Comprova em 16/05/2023. Fonte: Our World in Data.

O gráfico utilizado no post verificado foi recortado de outro conteúdo publicado anteriormente por Osmar Terra, em 2022. No post antigo há sobre ele o título “vacinação vs mortes futuras por covid-19”, indicando se tratar de uma projeção. Ainda nessa postagem, o político afirma que o gráfico foi produzido pelo professor Bruno Campello, da Universidade Federal de Pernambuco.

A reportagem não identificou o gráfico nas publicações do pesquisador, não conseguindo identificar a data em que o gráfico foi elaborado. O professor foi procurado, mas não respondeu. Ele já teve uma pesquisa sobre lockdown questionada por outros pesquisadores e está entre os responsáveis por um estudo que serviu como base para o TrateCov, aplicativo desenvolvido pelo Ministério da Saúde, associado à oferta de “tratamento precoce”. Foram apontadas, ainda, falhas de metodologia na pesquisa.

De acordo com Isabella Ballalai, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações, embora o efeito das vacinas seja rápido, as mortes não começaram a diminuir rapidamente pois a imunização foi lenta. “Houve muito problema de falta de vacina. Até todo mundo ter a primeira dose, demorou”, diz ela. Por fim, ela reforça que os dados que Terra apresenta não apresentam nenhuma evidência.

Imunidade natural pode ser forte, mas há riscos à vida

A OMS em seu site, afirma estar começando a ver evidências de que a imunidade após infecção por covid “pode ser forte”, mas varia de pessoa para pessoa e que a doença pode matar. Desta forma, a entidade enfatiza ser muito mais seguro se vacinar do que correr o risco de contrair o vírus.

Conforme demonstrado pelo Comprova, a imunidade natural é insuficiente para controlar a pandemia. O médico geneticista Salmo Raskin reforça que, para ocorrer imunidade parcial por infecção natural, o infectado corre risco de morte pela covid, enquanto as vacinas conferem maior imunidade sem esse risco.

Imunizantes têm eficácia e segurança comprovadas

As principais agências reguladoras do mundo atestam a eficiência e a segurança das vacinas para a covid-19. Em abril passado, a Anvisa reforçou que os benefícios de todos os imunizantes aprovados no Brasil superam os possíveis riscos relacionados ao uso desses produtos, acrescentando que a vacinação é a forma mais eficaz de reduzir mortes e doenças graves pela infecção da doença. Conforme o órgão, as doses aplicadas evitaram milhões de hospitalizações e desaceleraram a pandemia no mundo.

A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) mantém uma página com dados atualizados sobre a segurança e a efetividade das vacinas aprovadas na Europa e, conforme a entidade, elas foram avaliadas em dezenas de milhares de participantes em ensaios clínicos. O Centros de Controle e Prevenção de Doenças, dos Estados Unidos, também garante a segurança e a eficácia dos imunizantes, destacando que reações graves são raras.

O que diz o responsável pela publicação: Osmar Terra foi procurado, mas sua equipe pediu que a reportagem se comunicasse por meio de comentário no perfil do deputado no Twitter. A repórter respondeu dizendo que não gostaria de se expôr na rede e questionou se o e-mail informado no site da Câmara não era um meio para falar com o deputado. Não houve mais retorno.

O que podemos aprender com esta verificação: São numerososos conteúdos desinformativos voltados à descredibilizar a eficácia e segurança das vacinas contra a covid-19. No caso aqui verificado, o post tenta levar as pessoas a crerem que os imunizantes são inúteis e que a pandemia se resolveria sozinha. Para dar um ar de credibilidade à afirmação, o autor utiliza um gráfico, mas chama a atenção que as informações inseridas na ilustração não condizem com as divulgadas por plataformas que compilam seriamente dados referentes à doença. Além disso, o discurso do tuíte é contrário ao das principais agências reguladoras do mundo, dos governos e de especialistas em saúde.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Como já informado acima, esta não é a primeira postagem na qual Osmar Terra dissemina desinformação sobre vacinas contra a covid-19. O Comprova já demonstrou serem enganosos um post do deputado que questiona a eficácia dos imunizantes e um tuíte no qual ele ignora comorbidades dos pacientes e a alta cobertura vacinal no RS para atacar as vacinas.

Comprova Explica

Investigado por: 2023-05-15

Saiba o que é e como funciona o Fundo Amazônia, alvo de desinformação nas redes

  • Comprova Explica
Comprova Explica
A seção Comprova Explica detalha o que é o Fundo Amazônia, mecanismo para captar recursos que são utilizados para a preservação da floresta. O tema, que costuma ser associado de forma enganosa a suposta “venda da Amazônia”, é frequentemente alvo de desinformação nas redes sociais.

Conteúdo analisado: Conteúdos publicados nas redes sociais que desinformam sobre o Fundo Amazônia.

Comprova Explica: O Fundo Amazônia foi criado em 2008, durante o segundo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como um mecanismo de captação de doações para prevenir, monitorar e combater o desmatamento na região amazônica. A captação de recursos, que vêm da Noruega, Alemanha e da Petrobras, só ocorre se for comprovada a redução do desmatamento. 

Gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Fundo já recebeu, desde sua criação, R$ 3,3 bilhões em doações. O primeiro repasse foi feito em 2009 pela Noruega – principal doadora do Fundo. Os rendimentos financeiros somam R$ 2,2 bilhões, totalizando um montante de R$ 5,5 bi arrecadados.

Em 2019, porém, o mecanismo foi abandonado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), e as destinações de recursos ao Fundo cessaram. À época, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou ter encontrado “indicativos de disfuncionalidades” em contratos com ONGs. Três anos depois, em outubro de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o Fundo deveria ser reativado em até 60 dias, o que ocorreu em 1º de janeiro de 2023, no primeiro dia do mandato de Lula em sua terceira gestão como presidente.

Diante do vai e vem e dos casos de desinformação que envolvem o Fundo, a seção Comprova Explica se propõe a detalhar o mecanismo.

Como verificamos: O Comprova consultou o site do próprio Fundo Amazônia e reportagens da imprensa nacional (Nexo, G1, Folha, CNN e Agência Brasil, UOL). Também entrou em contato com a assessoria do BNDES para solicitar dados de investimentos ao longo dos anos e outras informações.

O que é e quando foi criado o Fundo Amazônia?

O Fundo Amazônia é um mecanismo de captação de recursos para apoio a ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, além de iniciativas de promoção do uso sustentável das florestas da Amazônia Legal – área que engloba nove Estados brasileiros (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Estado do Maranhão) e corresponde a 59% do território nacional.

Também podem ser apoiadas pelo fundo ações de controle do desmatamento desenvolvidas no restante do Brasil e em países tropicais. Esse investimento é limitado a 20% do total de recursos. Apenas um projeto internacional recebe apoio do Fundo, os beneficiários são países membros da OTCA (Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Venezuela, além do Brasil).

Proposto pelo governo brasileiro durante a Conferência Mundial do Clima em 2006 (COP-12), o Fundo foi criado, efetivamente, dois anos depois, em 1° de agosto de 2008, sob o governo Lula, por meio do decreto nº 6527.

O programa surgiu para arrecadar recursos financeiros junto a países considerados desenvolvidos no intuito de preservar a maior floresta tropical do mundo e, consequentemente, conter o avanço das mudanças climáticas.

Desde então, até 28 de fevereiro deste ano, o Fundo destinou R$ 1,5 bilhão a 102 projetos (concluídos ou em andamento), conforme o site oficial. O valor total contratado (já reservado para aplicação em ações) é de R$ 1,74 bilhão. A maioria das iniciativas é realizada em parceria com os Estados e com o terceiro setor (ONGs):

| Print do site oficial do Fundo Amazônia, feito em 12/05/2023.

Os projetos foram aprovados entre 2009 e 2018. A maior fatia do valor foi destinada ao terceiro setor, a segunda maior a projetos desenvolvidos com Estados, e a terceira, com a União.

Ao todo, conforme consta no site do Fundo Amazônia, são 384 instituições envolvidas, 195 unidades de conservação apoiadas, 59 mil indígenas diretamente beneficiados e 207 mil pessoas favorecidas com atividades sustentáveis.

Além disso, com recursos do mecanismo, foram promovidas 1,7 mil missões de fiscalização ambiental.

De acordo com a assessoria de imprensa do BNDES, apenas uma fatia dos recursos doados foi aplicada porque “o Fundo trabalha com projetos” e esses projetos “têm que ser selecionados, desenvolvidos e prestar contas”. Em entrevista recente à GloboNews, a diretora e integrante do Conselho de Administração do BNDES, Tereza Campello, classificou como “pulverizadas” as ações realizadas até então e acrescentou que “um salto” é necessário a partir de agora.

Quem são os financiadores?

O Fundo Amazônia recebe doações de três entidades: do governo da Noruega, da Alemanha e da Petrobras. Ao todo, desde que foi criado, o Fundo recebeu cerca de R$ 3,3 bilhões, sendo a maior parte, R$ 3,1 bilhões, repassada pela Noruega. Outros R$ 192 milhões foram doados pela Alemanha, e R$ 17 milhões, pela Petrobras.

De acordo com a assessoria de imprensa do BNDES, responsável pela gestão do Fundo, considerando os rendimentos financeiros, o valor total se aproxima de R$ 5,5 bilhões em doações.

A captação de recursos para o Fundo está condicionada à redução das emissões de gases de efeito estufa oriundas do desmatamento, ou seja, para obter recursos, é preciso comprovar a redução do desmatamento na Amazônia.

Com base na redução das emissões, calculadas pelo Ministério do Meio Ambiente e validadas pelo Comitê Técnico do Fundo Amazônia (CTFA), composto por cientistas, o BNDES fica autorizado a captar doações e emitir diplomas de reconhecimento à contribuição dos doadores.

Em cada diploma, são identificados o doador e a sua parcela de contribuição para o esforço de redução das emissões de gás carbônico. Os documentos são nominais, intransferíveis e não geram direitos ou créditos de nenhuma natureza aos doadores.

Período das doações

O governo da Noruega passou a apoiar o Fundo em 2009, um ano após sua criação, e seguiu fazendo doações até 2018 – ano anterior ao “revogaço” de conselhos federais pelo governo Jair Bolsonaro que acabou por inviabilizar os repasses de recursos a projetos ambientais.

Até 2023, os valores permaneceram congelados, por decisão dos países. Ao anunciar a decisão, em 2019, a ministra alemã do Meio Ambiente, Svenja Schulze, disse que “a política do governo brasileiro na Região Amazônica deixa dúvidas se ainda se persegue uma redução consistente das taxas de desmatamento” e afirmou que o financiamento poderia vir a ser retomado caso a questão fosse esclarecida.

Os recursos voltaram a ser disponibilizados somente este ano, com a posse de Lula.

Os desembolsos feitos pelo governo norueguês são efetuados anualmente, semestralmente, ou em menor tempo, mediante solicitação do BNDES. Já com a Petrobras, foram 29 contratos de doação entre 2011 e 2018. A Alemanha apoiou o Fundo Amazônia entre 2010 e 2017.

Atualmente, o mecanismo já está preparado para receber doações de governos estrangeiros e empresas nacionais e está se estruturando para receber doações de instituições multilaterais, ONGs e pessoas físicas.

Contribuições futuras

Em fevereiro deste ano, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que França, Espanha e União Europeia manifestaram interesse em doar recursos ao Fundo Amazônia. Mais recentemente, outros dois países fizeram anúncios no mesmo sentido: Estados Unidos e Reino Unido.

Em abril, o presidente norte-americano, Joe Biden, disse que, se houver aprovação do Congresso, o país deve destinar US$ 500 milhões ao mecanismo nos próximos cinco anos. Já o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, antecipou em maio que o Reino Unido pretende contribuir com £ 80 milhões (R$ 500 milhões) para as iniciativas de combate ao desmatamento.

Como é a governança do fundo?

O Fundo Amazônia é gerido pelo BNDES, que conta com dois comitês e também se incumbe da captação de recursos, da contratação e do monitoramento dos projetos e ações apoiados.

O Comitê Orientador do Fundo (COFA) tem a atribuição de determinar suas diretrizes e acompanhar os resultados obtidos. Ele é composto por representantes do governo federal, dos Estados que compõem a Amazônia Legal e da sociedade civil.

Já o Comitê Técnico (CTFA), nomeado pelo Ministério do Meio Ambiente, tem o papel de atestar as emissões oriundas de desmatamentos na Amazônia. Ambos foram restabelecidos por meio do decreto nº 11.368, de 1º de janeiro de 2023.

O mecanismo passa, anualmente, por dois processos de auditoria. O primeiro refere-se à auditoria contábil, que ocorre no âmbito da auditoria externa dos demonstrativos financeiros do próprio BNDES, e o segundo, à auditoria de cumprimento, realizada por empresa de serviços especializados em auditoria externa independente. Os relatórios estão disponíveis no site do Fundo.

Quem recebe os recursos? E qual a contrapartida?

Como já informado, os recursos são destinados a projetos de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, além de ações de conservação e uso sustentável do bioma amazônico. Até 20% dos recursos podem ser usados para outros biomas.

Os projetos apoiados pelo Fundo podem ser propostos pelos governos federal, estadual e municipal, por organizações sem fins lucrativos, associações civis, instituições multilaterais e por empresas.

Todas as propostas precisam observar as Diretrizes e Critérios do Fundo Amazônia e os focos de apoio estabelecidos pelo COFA, além das diretrizes do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM) e da Estratégia Nacional para REDD+ (ENREDD+).

Entre os projetos apoiados pelo Fundo, a maioria está voltada a terras indígenas e unidades de conservação, parte inclui o Cadastro Ambiental Rural (CAR), e outra parte envolve assentamentos e combate a incêndios e queimadas.

| Projeto “Bombeiros Florestais” do Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso | Crédito: Divulgação/CBMMT

Uma iniciativa no Acre, já concluída, por exemplo, prevê o manejo e a produção agroflorestal em comunidades tradicionais e indígenas, o monitoramento e controle do território, e o fortalecimento da organização comunitária local. Outra, concluída nos estados do Pará e Amapá, promoveu a gestão territorial e ambiental sustentável em seis terras indígenas, visando contribuir para a redução do desmatamento nas regiões.

Ainda em andamento, um projeto apoiado pelo mecanismo pretende promover a produção e a disseminação de conhecimentos e tecnologias voltados para a recuperação, a conservação e o uso sustentável do bioma Amazônia, nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.

Outros projetos ainda incluem ações voltadas para a proteção das Unidades de Conservação (UCs) estaduais, consolidação do Cadastro Ambiental Rural e o fortalecimento da gestão ambiental municipal para contribuir no combate ao desmatamento e à degradação florestal em Rondônia; o fortalecimento do extrativismo e da agricultura familiar em comunidades quilombolas do Pará; e a aquisição de aeronaves, veículos e equipamentos de apoio para a Base de Operações Aéreas e Terrestres do Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso, visando ações de monitoramento, prevenção e combate ao desmatamento decorrentes de incêndios florestais e queimadas não autorizadas.

Por que o fundo foi suspenso no governo Bolsonaro?

Em abril de 2019, cem dias depois de assumir a Presidência, Bolsonaro fez um “revogaço” de 250 decretos com o objetivo, segundo o governo, de simplificar a legislação e extinguir normas consideradas desnecessárias. Uma das medidas foi acabar com alguns conselhos federais e, entre eles, foram extintos o COFA e o CTFA. O congelamento dos recursos do Fundo fragilizou órgãos de fiscalização ambiental como o Ibama, mostrou a Pública.

A decisão foi tomada após o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmar ter encontrado “indicativos de disfuncionalidades” em contratos de ONGs, como escreveu o UOL. “Entre as irregularidades elencadas por Salles estariam: alto percentual de contratos sem licitação, falta de comprovação das atividades, folhas de pagamento que consomem a maior parte do valor dos contratos, prestação de contas incompletas e contratos com entidades impedidas de fechar contratos com o estado”, informa a reportagem.

Ainda segundo o texto, a Embaixada da Alemanha e entidades ambientais negaram as acusações do ministro sobre o Fundo.

Mais de um ano depois, em outubro de 2020, Salles disse que a União não havia recriado o COFA porque os países europeus doadores rejeitaram mudanças no modelo de gestão dos recursos, como informou o G1. Uma das propostas do governo era extinguir a necessidade de decisão unânime no colegiado para uso do fundo.

O que mudou na gestão de Lula?

Em 27 de outubro de 2022, ainda na gestão Bolsonaro, o STF determinou que o governo federal deveria reativar, em até 60 dias, o Fundo. Como a Folha noticiou, a decisão foi resultado da análise pelo plenário de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), protocolada no órgão pelos partidos PSB, PSOL, PT e Rede Sustentabilidade.

“Na ocasião, a maioria dos ministros concluiu pela inconstitucionalidade da extinção dos comitês, pois configuraria omissão do governo em seu dever de preservar a Amazônia”, informou a Agência Brasil.

Jair Bolsonaro deixou o governo sem reativar o Fundo, mas, em 1º de janeiro de 2023, cumprindo uma promessa de campanha, Lula editou no primeiro dia de seu mandato decretos ligados à política ambiental, retomando o Fundo Amazônia.

Ainda segundo a Folha, a ministra Marina Silva “aposta no uso de recursos do Fundo Amazônia para recompor o orçamento do controle ambiental do ministério” e a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, também já declarou que a pasta vai precisar de verbas do fundo.

Por que explicamos: O Comprova Explica tem a função de esclarecer temas importantes para que a população compreenda assuntos em discussão nas redes sociais que podem gerar desinformação, como o Fundo Amazônia. Criado em 2008, o mecanismo existe há cinco governos, mas já foi extinto e recentemente reativado. Por isso pode gerar dúvidas e tornar-se material para conteúdos enganosos ou falsos. Pensando nisso, a seção ajuda os leitores a formar opinião sobre o tema baseados em informações verdadeiras, apuradas com rigor jornalístico.

Outras checagens sobre o tema: Em checagens anteriores, o Comprova mostrou que vídeo engana ao dizer que Lula teria vendido a Amazônia a mineradora em troca de dinheiro para o Fundo Amazônia. Em 2019, verificação de um conteúdo semelhante comprovou que Lula não vendeu solo da Amazônia para empresa norueguesa em documento secreto. O Comprova demonstrou também que vídeo engana ao distorcer falas de Lula sobre Amazônia e sugerir ameaça à soberania nacional e que retirada de gado de áreas rurais tem a ver com desmatamento ilegal, e não com suposta venda da Amazônia.

Política

Investigado por: 2023-05-11

Post engana ao associar vídeo de 2022 a início de movimento contra Lula

  • Enganoso
Enganoso
Postagem enganosa compartilha vídeo antigo de manifestação golpista em frente ao Forte do Pinheirinho, em Curitiba (PR), como se fosse atual. As imagens que aparecem no vídeo exibem cenas de manifestações ocorridas entre 2 e 5 de novembro de 2022, após a divulgação da vitória de Lula. Em protesto contra o resultado das eleições presidenciais, bolsonaristas reuniram-se em acampamentos instalados em frente a quartéis do Exército.

Conteúdo investigado: Legenda de um vídeo que descreve manifestação de novembro de 2022 em frente ao Forte do Pinheirinho, em Curitiba (PR), como atual e motivada por um suposto novo movimento contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O autor do post, publicado em 3 de maio de 2023, escreveu “Começou o movimento Derruba Lula” e “Fora Lula ladrão” sobre as imagens do ato golpista.

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: É enganoso um post publicado no TikTok que apresenta vídeo de uma manifestação de novembro de 2022 como se fosse um evento atual. O protesto, realizado em frente ao Comando da 5ª Região Militar do Exército, o Forte do Pinheirinho, em Curitiba (PR), era contrário à eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a favor de um golpe de Estado que mantivesse o então presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder. Atos semelhantes foram registrados em diversos municípios brasileiros e chegaram ao ápice com os eventos de 8 de janeiro em Brasília. O post investigado engana ao tirar de contexto o evento de novembro, descrevendo-o como se fosse parte de uma nova mobilização nomeada “Movimento Derruba Lula”.

As imagens mostram a fachada do quartel do Exército no Forte do Pinheirinho, um dos três que tiveram as proximidades ocupadas por acampamentos golpistas na capital paranaense. Todos eles foram desmobilizados no dia 9 de janeiro deste ano, após decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

De acordo com a Secretaria Municipal de Defesa Social e Trânsito de Curitiba, não há registro de manifestações recentes desta natureza em toda a capital paranaense. O quartel militar do Forte do Pinheirinho encontra-se sem qualquer acampamento ou ocupação. Isso confirma que o vídeo em questão foi filmado anteriormente, durante os atos ocorridos em 2022, sem se tratar de um novo movimento.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 11 de maio, o vídeo publicado no TikTok tinha 664,9 mil visualizações no perfil, com 59,8 mil curtidas, cerca de 6,2 mil comentários e 16,5 mil compartilhamentos.

Como verificamos: O Comprova verificou as imagens do vídeo e o conteúdo do discurso em áudio que completa os registros. O primeiro passo foi identificar o local em que o vídeo havia sido gravado e a data da gravação ou mesmo o vídeo original utilizado para compor a peça de desinformação. Para isso, foram usados o Google Lens, o Invid e o Search by Image. Também foi feita a comparação com imagens de manifestações no local em datas diferentes, sobretudo com relação ao clima no dia e às faixas presentes no carro de some.

O Comprova, então, questionou a Prefeitura de Curitiba sobre a existência de ocupações no Forte Pinheirinho e se houve novas manifestações no local desde a desmobilização do acampamento em 9 de janeiro. Foi feita também pesquisa nas redes sociais e em sites de busca sobre algum movimento “Derruba Lula”, que não redundou em resultados positivos para tal.

Vídeo é de movimento golpista de 2022

O vídeo checado retrata uma multidão de pessoas, muitas empunhando bandeiras brasileiras e escutando um discurso. A narração afirma que as cidades de Brasília e Rio de Janeiro estão paradas e que o movimento estaria apenas começando. Um homem, que não foi identificado, diz que os movimentos “dão o recado necessário”, mas que não adiantaria apenas postar nas redes sociais, pois elas estariam bloqueadas. Nas faixas visualizadas nas imagens, estão escritos os dizeres “Intervenção Federal” e “SOS Forças Armadas – Todo poder emana do povo”.

O principal indicativo do local em que o vídeo foi gravado está na filmagem de uma fachada em que havia a palavra “Forte”. Além disso, a partir da presença das faixas sobre “Intervenção federal” e “SOS Forças Armadas”, motes que ditaram os acampamentos golpistas de 2022, e da vegetação do local, com a presença de araucárias, foi confirmado que a manifestação ocorreu nas proximidades do Comando da 5ª Região Militar do Exército – Forte Pinheirinho, em Curitiba (PR).

O acampamento no local começou no final das eleições presidenciais em 2022, no dia 30 de outubro, e foi desmobilizado na tarde de 9 de janeiro de 2023, após decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes. Neste dia, inclusive, jornalistas foram agredidos por ocupantes do acampamento ao registrar a ação da Polícia Militar do Paraná na retirada das estruturas.

A comparação de imagens das manifestações no Forte do Pinheirinho levou ao entendimento de que o vídeo em questão foi filmado entre os dias 2, quando houve a primeira manifestação com a presença também de pessoas que não estavam acampadas, e 5 de novembro do ano passado.

Isso se dá ao comparar as faixas presentes no carro de som e as suas posições, já que as imagens gravadas em posições semelhantes a partir do dia 6 mostram uma faixa branca com dizeres em vermelho que não aparece no vídeo original, como pode ser visto em vídeos também divulgados no TikTok (aqui) e no Twitter (aqui). Gravações em dias seguintes, como no dia 15 e 21 de novembro, mantêm essa faixa.

As placas tem os dizeres: “O poder emana do povo! Pátria amada Brasil”, “SOS Forças Armadas / O poder emana do povo”, “Intervenção Federal! Contra o socialismo” e “Intervenção federal”. Todas elas também aparecem na gravação investigada, dando a entender que se trata, de fato, da mesma ocasião. Também foi verificada a presença de uma mesma banca de churros e pastéis no vídeo analisado e nas filmagens de novembro passado.

A Secretaria Municipal de Defesa Social e Trânsito de Curitiba informou ao Comprova que não há registro de manifestações recentes desta natureza na cidade. O Comando da 5ª Região Militar, com sede no Forte do Pinheirinho, confirmou que não houve registro de manifestações em frente ao local até o dia 11 de maio deste ano.

O que diz o responsável pela publicação: Contatado pelo Instagram, o autor do post desinformativo não respondeu até a conclusão desta matéria. Ele se identifica no perfil como integrante do exército brasileiro e segurança particular. Na rede social, ele também vende um curso que descreve como “antiterrorismo” – que, de acordo com o site de venda, foi recentemente liberado a civis. Outros vídeos em seu perfil também têm teor anti-Lula e pró-Bolsonaro.

O que podemos aprender com esta verificação: A utilização de vídeos antigos e fora do contexto é uma prática comum de desinformadores. Desconfie ao se deparar com uma gravação sem informações com relação à data da filmagem e localização. Procure saber, ao ver um vídeo, qual o contexto daquela gravação e, quando se tratar de uma manifestação grandiosa, pesquise na imprensa profissional se o movimento de fato existiu.

Normalmente, grandes movimentos populares geram notícias e informações sobre a quantidade de pessoas, o motivo do protesto e até mesmo se os atos causaram problemas no trânsito ou na vizinhança. O uso de legendas sensacionalistas e genéricas também são utilizadas para reforçar o discurso que o desinformador que passar a quem recebe o vídeo, o que também deve ser levado em consideração ao ver as filmagens.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Em dezembro de 2022, o Comprova mostrou que, ao contrário do que diziam certos post, não é possível afirmar que os atos antidemocráticos contra resultado das eleições foram o maior protesto da História. Em abril de 2023, o Comprova mostrou que o FBI não está no Brasil para investigar os atos antidemocráticos de 8 de janeiro, diferentemente do que afirma um vídeo nas redes sociais.

Saúde

Investigado por: 2023-05-11

Vídeo descontextualiza trechos antigos de telejornais para enganar sobre cloroquina

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso o vídeo que circula no Kwai com recortes de telejornais falando sobre o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina contra a covid-19. As matérias são antigas e, mesmo assim, nenhuma delas indica que os dois medicamentos sejam eficazes contra o coronavírus. Os trechos das matérias que alertam para a ineficácia ou riscos foram cortados pelo autor da peça de desinformação.

Conteúdo investigado: Vídeo que faz montagem com trechos de diversos telejornais brasileiros falando sobre uso de cloroquina e hidroxicloroquina como se as matérias assegurassem que os medicamentos são eficazes contra a infecção pelo coronavírus.

Onde foi publicado: Kwai.

Conclusão do Comprova: É enganosa a montagem que circula pelo Kwai com trechos de diversos telejornais brasileiros sobre o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina contra a covid-19. As matérias usadas no vídeo são antigas e, ainda assim, nenhuma delas afirma que os medicamentos são eficazes no combate ao coronavírus, diferentemente do que tenta convencer o autor da peça de desinformação.

Os trechos foram editados de modo que os alertas a respeito da ineficácia dos remédios fossem omitidos. Além disso, há trechos de matérias falando sobre os riscos do uso do medicamento contra a covid que tiveram o sentido completamente invertido – a montagem faz parecer que as reportagens atestam a segurança e eficácia dos fármacos, o que não é verdade.

A Organização Mundial de Saúde (OMS), que decretou no último dia 5 de maio de 2023 o fim da emergência de saúde da pandemia de covid-19, considera que todo país é soberano para decidir sobre protocolos clínicos de uso de medicamentos, mas alerta que não há evidência científica de que a cloroquina e a hidroxicloroquina sejam eficazes e seguros para o tratamento da covid-19.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O vídeo investigado teve mais de 7,9 mil visualizações em apenas uma postagem no Kwai até 11 de maio de 2023.

Como verificamos: O primeiro passo foi descobrir se havia mais checagens sobre o mesmo tema. O Comprova localizou verificações feitas pelo UOL, Estadão, Aos Fatos e AFP. Em seguida, fez buscas no Google pelas informações básicas ditas pelos âncoras dos telejornais utilizados na peça de desinformação, o que levou aos mesmos trechos identificados por outras agências na checagem de vídeos parecidos.

O Comprova assistiu a todas as matérias utilizadas na montagem para compreender o contexto em que foram feitas e o que diziam. Por fim, foram buscadas informações atualizadas junto à OMS a respeito do uso da cloroquina e hidroxicloroquina contra o coronavírus.

Verificação

O vídeo investigado é uma montagem com trechos de oito telejornais do Brasil, o título de uma coluna da revista Veja e imagens com ataques à imprensa. Nenhuma das matérias usadas no vídeo, contudo, defende a cloroquina ou a hidroxicloroquina como opção de medicamento contra a covid-19 – pelo contrário, elas alertam para os riscos e para a ineficácia das substâncias, mesmo nas ocasiões em que o Ministério da Saúde, sob o governo de Jair Bolsonaro (PL), tentou validar o que passou a chamar de tratamento precoce, cuja ineficácia já é conhecida. Veja o que realmente diz cada um dos vídeos usados no conteúdo desinformativo:

Vídeo 1 – Jornal da Band, 22 de janeiro de 2022

O primeiro vídeo foi retirado de uma matéria exibida pelo Jornal da Band em 22 de janeiro de 2022. Na ocasião, o jornal noticiou que uma nota técnica do Ministério da Saúde dizia que a cloroquina funcionava contra a covid-19, enquanto as vacinas não funcionam. O trecho usado na montagem, contudo, omite a frase dita a seguir pelo âncora do jornal: “O documento contraria estudos e especialistas ouvidos pelo próprio Ministério”.

Vídeo 2 – Jornal da Record, 23 de maio de 2020

O segundo vídeo exibido foi retirado de uma matéria do Jornal da Record de 23 de maio de 2020, mas a frase completa dita pela âncora do telejornal não foi exibida. No trecho usado, a apresentadora Janine Borba fala de um estudo sobre o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina publicado pela revista The Lancet, mas a fala dela é cortada antes que ela explique o que o estudo diz: que o uso dos dois medicamentos contra a covid-19 aumentou o risco de morte pela doença.

Vídeo 3 – Jornal da Cultura, 17 de julho de 2020

Em seguida, aparece um trecho de uma matéria exibida pelo Jornal da Cultura em 17 de julho de 2020 sobre uma orientação do Ministério da Saúde para que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) recomendasse o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento inicial da covid-19. O vídeo também é cortado antes que a apresentadora Karyn Bravo diga que a orientação do Ministério da Saúde vai na contramão da maioria dos estudos divulgados até então, que apontavam ineficácia dos dois medicamentos para combater o coronavírus.

Vídeo 4 – SBT Brasil, 20 de março de 2020

O quarto vídeo mostra um trecho de uma matéria do SBT Brasil de 20 de março de 2020, no início da pandemia, sobre a falta de medicamentos à base de hidroxicloroquina nas farmácias brasileiras após o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, citar o remédio como eficaz no combate ao coronavírus. Na montagem, ficou de fora o trecho em que os jornalistas afirmam que o remédio é comumente usado contra doenças como lúpus e malária. A fala do médico infectologista Marcos Boulos, entrevistado na matéria, também foi omitida. Ele diz que o remédio “não tem uma ação específica contra vírus”.

Vídeo 5 – Jornal da Record, 23 de julho de 2020

O próximo vídeo mostra o início de uma matéria exibida pelo Jornal da Record em 23 de julho de 2020 sobre a divulgação de um estudo feito por um grupo de 55 hospitais brasileiros relacionado ao uso da hidroxicloroquina. A fala da jornalista Christina Lemos (a partir de 16:58) é cortada antes que ela afirme que o consórcio de hospitais concluiu que “o remédio não é eficaz para pacientes com sintomas leves e moderados da covid-19”.

Vídeo 6 – CNN Domingo Tarde, 23 de janeiro de 2022

O sexto vídeo mostra um trecho do programa CNN Domingo Tarde de 23 de janeiro de 2022, em que o apresentador Kenzô Machida fala sobre a publicação de uma nota técnica do Ministério da Saúde, assinada pelo secretário de Ciência e Tecnologia e Inovação em Insumos Estratégicos em Saúde, Hélio Angotti Neto, afirmando que havia estudos que mostravam que a hidroxicloroquina era eficaz contra a covid-19, mas a vacina não era. Mais uma vez, a montagem desconsidera o restante da matéria, que inclui entrevista com Meiruze Freitas, diretora da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ela tratou a nota técnica como “uma grande surpresa” e reiterou que as vacinas têm qualidade, eficácia e segurança contra a covid-19. A nota técnica foi alterada em seguida, conforme publicou o UOL.

Vídeo 7 – Jornal da Record, 4 de junho de 2020

O sétimo vídeo a aparecer na montagem mostra um trecho do Jornal da Record de 4 de junho de 2020. A parte exibida mostra a apresentadora Adriana Oliveira afirmando que a revista científica The Lancet havia publicado uma retratação dos autores de um estudo que associava risco de morte à cloroquina. A retratação foi publicada, mas não porque o medicamento foi considerado eficaz contra a covid, mas porque os pesquisadores disseram que não podiam mais garantir a veracidade dos dados usados nos estudos sobre o medicamento. Esta informação foi omitida da montagem.

Vídeo 8 – SBT Brasil, 24 de agosto de 2020

O último vídeo da montagem usa dois trechos de uma matéria do SBT Brasil de 24 de agosto de 2020. No primeiro, a apresentadora Rachel Sheherazade faz referência a uma frase dita pelo então presidente, Jair Bolsonaro, em defesa da hidroxicloroquina. Em seguida, é exibida a própria fala do presidente, afirmando que o medicamento foi politizado e poderia ter evitado mortes. A montagem omite o trecho da matéria em que se explica que, segundo a OMS, a cloroquina e a hidroxicloroquina não são eficazes ou seguras contra a covid-19.

Coluna de Vilma Gryzinski na Veja, 6 de março de 2023

Após a sequência de trechos de telejornais, há um print do título de uma coluna publicada por Vilma Gryzinski na revista Veja sobre a origem do Sars-COV-2 e o uso de máscaras. O texto, contudo, não cita a cloroquina ou a hidroxicloroquina, não defende o uso dos medicamentos contra a covid-19, nem que eles são eficazes contra a doença.

O que diz o responsável pela publicação: Não foi possível enviar mensagem ao autor do conteúdo através do Kwai. O usuário indica um link para um perfil no Instagram que não está disponível.

O que podemos aprender com esta verificação: Ao longo de toda a emergência em saúde da pandemia de covid-19, inúmeros conteúdos desinformativos a respeito do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina contra o coronavírus foram desmentidos por agências de checagem. Além disso, a imprensa e autoridades em saúde alertaram para a falta de comprovação científica no uso dos dois medicamentos contra a nova doença.

No vídeo investigado, não há referências a datas, o que pode indicar que o material seja antigo, e os cortes bruscos feitos no conteúdo não permitem que o usuário compreenda o contexto completo em que as informações foram passadas, o que também pode indicar uma manipulação.

Ao se deparar com conteúdos como esse, o usuário deve fazer uma busca de informações em sites confiáveis e em organizações de saúde especializadas, como sociedades de infectologia, virologia, epidemiologia ou junto à própria Organização Mundial de Saúde, que reúne informações atualizadas sobre o assunto.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Este mesmo conteúdo também foi checado pelo UOL Confere, Aos Fatos, Estadão Verifica e AFP Checamos.

O Comprova já mostrou que era enganosa uma postagem que dizia que um estudo de Harvard havia comprovado a eficácia da hidroxicloroquina contra o coronavírus, que estudos fraudados não deslegitimam artigos que comprovam ineficácia da cloroquina contra a covid-19 e que um estudo com hidroxicloroquina não comprova eficácia no ‘tratamento precoce’ da covid-19.