O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Saúde

Investigado por: 2023-03-23

Lucas Leiva e médicos desmentem áudio que relacionava aposentadoria do atleta com a vacina contra a covid-19

  • Falso
Falso
Não é verdade que o problema cardíaco que levou o ex-jogador de futebol Lucas Leiva, do Grêmio, a se aposentar tenha relação com o fato de ele ter se vacinado contra a covid-19, ao contrário do que afirmam áudio no WhatsApp e posts em redes sociais. O atleta e o seu médico desmentiram as publicações em suas redes sociais. "O conteúdo difundido pelo autor do áudio não possui qualquer relação com o caso", afirmou Márcio Dornelles, médico do clube, no Instagram.

Conteúdo investigado: Em áudio atribuído ao “médico do Lucas Leiva”, homem alega que a aposentadoria do jogador do Grêmio aconteceu por um problema cardíaco causado pela vacina contra a covid-19. Posts nas redes sociais também relacionam o problema ao imunizante.

Onde foi publicado: WhatsApp, TikTok, Instagram e Twitter.

Conclusão do Comprova: É falso que o médico de Lucas Leiva, ex-jogador de futebol do Grêmio que se aposentou devido a um problema cardíaco, tenha gravado um áudio atribuindo a condição do atleta às vacinas contra a covid-19. Posts nas redes sociais também fazem essa falsa relação, utilizando foto que o atleta postou em junho de 2021, quando tomou a primeira dose. Tanto o ex-jogador quanto o médico do clube, Márcio Dornelles, desmentiram a informação em suas redes sociais.

Atleta de 36 anos, Lucas anunciou a aposentadoria do futebol em 17 de março devido a uma fibrose cicatricial do miocárdio. Em coletiva de imprensa, o médico do Grêmio, Márcio Dornelles, disse que o problema provavelmente derivou de uma miocardite — que é uma inflamação no músculo cardíaco com múltiplas causas, mas geralmente resultado de uma infecção no organismo. Ele não falou em evento adverso de vacina em nenhum momento da conversa com os jornalistas.

Ao Comprova, Dornelles ressaltou que o atleta não teve nenhuma alteração cardíaca constatada nos exames realizados em junho do ano passado, quando o clube gaúcho contratou o volante. A condição só viria a ser descoberta em dezembro, na bateria de exames de pré-temporada. Nesse intervalo, Lucas não recebeu nenhuma dose da vacina.

A miocardite já foi descrita, de fato, como um evento adverso extremamente raro das vacinas contra a covid-19, em especial as que usam plataformas de RNA mensageiro, como a Comirnaty, da Pfizer. Mas, ao fazer uma relação com o caso de Lucas, o conteúdo espalha desinformação.

De acordo com nota técnica do Ministério da Saúde, a incidência de miocardite como reação adversa das vacinas contra a covid-19 ocorre na ordem de 0,029 eventos para cada 100 mil doses aplicadas no Brasil, ou um caso a cada 3,4 milhões de doses. A maioria dos pacientes apresenta sintomas leves, dentro de duas semanas, e se recupera. Autoridades de saúde e especialistas ressaltam que os benefícios são maiores do que os riscos do medicamento.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O áudio circula no WhatsApp com o aviso “encaminhada com frequência”, sinalização que indica a alta viralização do conteúdo. Post no Twitter ligando o caso de Lucas à vacina foi visualizado mais de 630 mil vezes até 22 de março. No TikTok, publicação semelhante teve cerca de mil compartilhamentos, e, no Instagram, chegou a 4,2 mil interações.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com as contas que divulgaram o conteúdo por mensagens diretas nas redes sociais, mas não obteve resposta. O autor do áudio não pôde ser identificado.

Como verificamos: O primeiro passo foi buscar reportagens sobre a aposentadoria de Lucas Leiva. Uma delas, do UOL, detalha o problema cardíaco do atleta. Em seguida, entramos em contato com a assessoria de imprensa do Grêmio, por mensagem no WhatsApp, e acompanhamos as redes sociais do atleta e da equipe médica envolvida em seu caso.

Também pesquisamos informações sobre a relação da vacina com a miocardite. Foi encontrado, por exemplo, um alerta da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre relatório da FDA, órgão de saúde dos Estados Unidos, que aborda casos de miocardite em pessoas imunizadas com vacinas da Pfizer e da Moderna. O Ministério da Saúde também atualizou uma nota técnica no ano passado a respeito do assunto.

Na tentativa de descobrir se o áudio viral do WhatsApp era de alguém da equipe médica do atleta, a reportagem pesquisou vídeos no YouTube com Dornelles e outros integrantes da equipe e comparou com a voz do áudio. Já na primeira audição foi possível verificar que não eram as mesmas vozes. Nesta terça-feira, 21 de março, Lucas e o médico do Grêmio postaram stories no Instagram desmentindo o boato.

O caso

O meio-campista do Grêmio Lucas Leiva anunciou a aposentadoria em 17 de março informando que os exames realizados no começo do mês indicaram que ele não poderia continuar a carreira. O atleta foi diagnosticado com fibrose cicatricial do miocárdio em dezembro, durante os procedimentos de pré-temporada no clube gaúcho. Ele havia retornado ao Grêmio em junho do ano passado, quando não havia nenhuma anomalia cardíaca constatada.

O anúncio ocorreu em uma coletiva de imprensa convocada pelo Grêmio, da qual participaram os médicos do clube Márcio Dornelles e Paulo Rabaldo. Além deles, os consultores da área de cardiologia Ricardo Stein e Leandro Zimerman prestaram apoio no caso do atleta, segundo relato da diretoria.

Desde o diagnóstico, Lucas ficou afastado dos treinamentos. Os médicos constataram que uma zona do coração não estava contraindo de forma adequada, o que era resultado de uma fibrose. O mais provável é que o problema tenha resultado de uma miocardite — uma inflamação no coração — mesmo que sem apresentar sintomas.

A miocardite pode surgir por múltiplas causas, mas ocorre principalmente por conta de infecção por um vírus. Diversos outros agentes, como bactérias e protozoários, podem desencadear o processo. A maioria das pessoas recupera o músculo normalmente, mas há casos em que as fibras acabam sendo substituídas por tecidos mais rígidos que se assemelham a cicatrizes e apresentam capacidade de contração reduzida.

Além de prejudicar o rendimento físico, a condição pode causar arritmias graves e parada cardíaca diante do esforço mais intenso. Lucas não apresentou evolução no quadro nos últimos meses e foi aconselhado a interromper a carreira para não correr riscos de desenvolver uma situação mais grave.

Áudio de WhatsApp

Após o anúncio, um áudio atribuído ao “médico do Lucas Leiva” começou a circular no WhatsApp espalhando a tese insustentável de que o problema teria sido causado pela vacina contra a covid-19.

“O cara fica com uma sequela para sempre e é um efeito pós-vacinação”, alega o autor da gravação, que não pôde ser identificado pelo Comprova. Ele também espalha a ideia de que o atleta tinha uma “saúde monstruosa” e que “não tem cabimento nenhum” receber o imunizante nessa situação.

Parte dos conteúdos trazia a foto de Lucas recebendo uma das doses da vacina em 26 de junho de 2021. “Sensação única! São quase 2 anos que estamos lutando contra esse vírus e eu realmente acredito que uma forma de vencê-lo é se vacinando”, escreveu o atleta, quando ainda era jogador da Lazio, da Itália.

No entanto, não é de nenhum dos médicos citados na coletiva do Grêmio a autoria do áudio. Basta comparar a voz do homem com a de Dornelles, Rabaldo, Stein e Zimerman em diferentes entrevistas disponibilizadas no YouTube.

Na terça-feira, 21 de março, tanto Lucas quanto Dornelles postaram stories no Instagram desmentindo a informação. “Tem um áudio que está rolando no WhatsApp e estou aqui para desmentir a veracidade deste áudio. Não é o médico do Grêmio. Então, queria deixar isso bem claro até porque estão expondo situações muito desagradáveis”, gravou o atleta.

“Não possuo qualquer relação com o conteúdo difundido”, escreveu o médico do Grêmio em uma nota de esclarecimento. “O conteúdo difundido pelo autor do áudio não possui nenhuma relação com o caso. Ao contrário, (as informações) são falsas e espalham desinformação ao grande público através da rede social e apps”. Ele anunciou que tomaria as “medidas cabíveis” em busca da identificação dos envolvidos.

O Comprova conversou com Dornelles e Zimerman por telefone. O médico do Grêmio garantiu que não havia qualquer relação do caso com a vacina de covid-19 e que não existe uma conexão temporal entre esses fatos, considerando que Lucas não tomou nenhuma dose do imunizante no ano passado.

O médico cardiologista Leandro Zimerman, do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, disse que não viu nenhuma evidência relacionando a condição de Lucas ao fato de ter recebido a vacina. “Definitivamente, não é essa a ideia. Não é uma hipótese que estamos levando a sério”, declarou ao Comprova.

Zimerman relata que uma série de fatos apontam para a ausência de relação, a começar pela época que o jogador do Grêmio recebeu as doses e o tipo de vacina. Além disso, destaca que a chance de miocardite pós-vacinação é muito baixa e, nos casos em que aparece, geralmente ocorre em jovens e adolescentes.

O cardiologista lamentou ainda o teor do áudio que circula nas redes e reforçou que as pessoas devem tomar as vacinas quando forem chamadas. “A chance de fazer uma miocardite pela vacina é muito menor do que a chance de desenvolver a mesma condição ao pegar o vírus. Então, é óbvio que vale a pena.”

Miocardite

Como mostrou o Comprova em outras verificações, a miocardite é um evento adverso que pode ocorrer em decorrência das vacinas contra a covid-19. O tema é amplamente explorado por grupos antivacina, mas estes ignoram que as chances de esse tipo de reação ocorrer são extremamente baixas e que a chance de desenvolver miocardite ao se infectar com o vírus da covid-19 são maiores.

Em setembro de 2021, por exemplo, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) publicou um estudo segundo o qual a incidência da miocardite em pacientes que pegaram Covid é de 150 casos por 100 mil e de 9 casos por 100 mil entre aqueles que não tiveram a doença. O estudo cita ainda que, embora haja evidências de aumento de casos entre pessoas vacinadas contra a doença, os benefícios superam o risco e, por isso, a vacinação é recomendada.

De acordo com nota técnica do Ministério da Saúde, atualizada em maio do ano passado, levantamento da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) estimou um risco de miocardite de 1 a cada 10 mil pessoas vacinadas após mais de 479 milhões de doses da vacina da Pfizer terem sido aplicadas no continente. Ainda que a incidência seja baixa, os casos se referem mais frequentemente a jovens do sexo masculino e com sintomas aparecendo nos primeiros 14 dias.

O Ministério da Saúde fez o mesmo exercício com o sistema de notificação do Sistema Único de Saúde (SUS) e constatou que, de janeiro de 2021 a março de 2022, foram registrados 222 eventos de miocardite e pericardite após a vacinação. Nem todos os casos podem ser atribuídos aos imunizantes, pois diante de uma aplicação em massa de um medicamento na população, casos que ocorreriam naturalmente podem se misturar aos causados pelas vacinas simplesmente por uma questão cronológica.

Segundo a pasta, 87 casos foram classificados como provavelmente relacionados às vacinas, dentro de um universo de 294 milhões de doses aplicadas no Brasil no mesmo período. A incidência total encontrada foi de 0,029 eventos para cada 100.000 doses, o equivalente a um caso a cada 3,4 milhões de doses da vacina. O sexo masculino foi mais frequente, a idade média foi de 35 anos e a maioria ocorreu após uma média de 14 dias da vacina.

A maioria das pessoas se recupera do problema pouco tempo depois do diagnóstico. Foram notificadas apenas duas mortes, sendo que para uma a vacina foi entendida como uma possível causa e a outra foi apontada como inclassificável pelo Comitê Interinstitucional de Farmacovigilância de Vacinas e outros Imunobiológicos.

A mesma nota técnica aponta que a incidência estimada de miocardite na população em geral é de 0,2% a 12% — ou seja, casos ocorrem naturalmente e não devem ser relacionados aos imunizantes antes de uma análise médica, que envolve exames complementares. Os sintomas mais comuns são dor no peito, falta de ar e palpitações.

“Os dados de incidência basal da doença e da baixa incidência de miocardite/pericardite como evento adverso pós vacinação (EAPV) descritos reforçam o benefício da vacina em detrimento do risco da doença COVID-19 e o risco de desenvolvimento de formas graves. Assim, mantém-se a recomendação de vacinação para toda população com indicação do uso do imunizante Pfizer/Cominarty sem restrições”, conclui a nota.

O que podemos aprender com esta verificação: Desde o início da pandemia, circulam nas redes sociais peças de desinformação desacreditando as vacinas. O Comprova, inclusive, já publicou diversas verificações sobre o tema. Considerando isso, tome cuidado com conteúdos virais que questionem os imunizantes.

Além disso, é de conhecimento geral entre os verificadores de fatos que áudios são um dos conteúdos mais difíceis de serem checados, por trazerem menos informações do que fotos ou vídeos. O que não impede que algumas ações simples possam ser feitas por qualquer pessoa. Ao receber um áudio sem a identificação do autor, desconfie. No WhatsApp, devemos desconfiar ainda mais quando o arquivo chega com a etiqueta “encaminhada com frequência”.

Como não é simples – muitas vezes, nem possível – identificar a autoria do áudio, busque em sites de veículos profissionais notícias sobre aquele assunto. Alguma mídia tradicional publicou conteúdo sobre médicos ligando o problema de Lucas Leiva à vacina? Se não encontrar nada, é bem possível que o áudio seja mentiroso mesmo.

O conteúdo verificado aqui mistura um acontecimento real, o anúncio da aposentadoria de Leiva por um problema de saúde, com uma mentira – a ligação da doença à vacina. Essa tática é bastante usada pelos desinformadores, na tentativa de tornar a mentira mais verossímil, como se isso fosse possível. Para não cairmos nela, a mesma dica anterior: sempre procure fontes confiáveis, como veículos de imprensa profissionais e órgãos governamentais.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O mesmo conteúdo verificado aqui foi checado por Boatos.org e GZH. Foco de desinformação desde o início da pandemia, as vacinas continuam sendo descredibilizadas até hoje. Já nesta quinta fase, o Comprova publicou ser falso que Lula não foi imunizado e que é enganoso que o governo federal indica o uso de cloroquina no tratamento contra a covid. No ano passado, outro conteúdo enganoso envolvendo miocardite em atletas de futebol foi verificado.

 

Correção: Esta verificação foi atualizada em 23 de março de 2023, às 12h, para corrigir uma informação equivocada que constava no terceiro parágrafo da seção Áudio de WhatsApp. A primeira versão do texto dizia que o jogador estava no Liverpool, da Inglaterra. Na verdade, o clube era a Lazio, da Itália.

Política

Investigado por: 2023-03-22

Flávio Dino não eximiu o governo de combater armas ilegais, ao contrário do que é dito nas redes sociais

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso que o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, tenha se eximido da responsabilidade pelo combate ao armamento de traficantes no país, como sugere trecho de vídeo descontextualizado que circula nas redes sociais. Na gravação original, o ministro afirma que o recadastramento de armas no Brasil fornecerá informações para auxiliar no desenvolvimento de operações para apreensão de armas ilegais. Este trecho da entrevista foi omitido da peça de desinformação.

Conteúdo investigado: Postagens que utilizam, de forma descontextualizada, trecho de entrevista em vídeo com o ministro da Justiça, Flávio Dino, para sugerir que ele teria dito que o combate às armas dos traficantes, por serem ilegais, não seria de competência do governo federal.

Onde foi publicado: Twitter, Facebook, Instagram, TikTok e Kwai.

Conclusão do Comprova: São enganosas as publicações em redes sociais que descontextualizam uma entrevista com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, para alegar que ele teria eximido o governo federal da responsabilidade de combater o armamento de traficantes.

No vídeo compartilhado, o ministro diz: “’Mas e as armas dos traficantes?’. Ora, as armas dos traficantes são ilegais, óbvio, então óbvio que eles não vão cadastrar, então isso não é uma cobrança que se dirija a nós”. Em uma das postagens, é acrescentada uma legenda sustentando que Dino afirmou que as armas legais são de competência do governo, mas as ilegais não.

Quando fez a afirmação que viralizou, Dino falava ao jornal Correio Braziliense sobre o recadastramento de armas – medida adotada na sua gestão e que está em andamento no país desde fevereiro. Na ocasião, o ministro se referia a questionamentos que apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) costumam fazer em suas redes sociais. Este trecho foi omitido da peça de desinformação.

No vídeo original, mais extenso, publicado pelo veículo de comunicação no YouTube, o ministro defende que essas perguntas deveriam ser dirigidas ao governo Bolsonaro, e não ao governo Lula. Segundo Dino, a administração anterior não combateu o problema das armas nos últimos anos, já que as mudanças feitas na legislação facilitaram o acesso a armamentos e munições, ampliando o número de armas nas mãos de criminosos.

Dino argumenta que a medida de recadastramento das armas vai possibilitar ao governo rastrear pessoas que compraram peças de uso restrito que não estão mais em posse delas. A partir desses dados, adianta o ministro, serão organizadas ações de recuperação dos objetos, ou seja, ele deixa claro que o governo pretende agir para apreender armamentos ilegais.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O corte do vídeo teve milhares de compartilhamentos em diferentes plataformas e foi amplificado por contas que possuem grande engajamento.

No Facebook do ex-presidente Bolsonaro, por exemplo, as imagens foram visualizadas 83 mil vezes e receberam 14,4 mil interações, entre comentários e reações. No Twitter dele, foram mais 27,7 mil curtidas, 461 comentários e 5,4 mil retuítes. Na mesma plataforma, mas na página do deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ), houve mais 9,8 mil interações e 120,3 mil visualizações. No Instagram do parlamentar, foram 133 mil visualizações no vídeo e 15,9 mil curtidas. Os números foram extraídos das plataformas pelo Comprova em 22 de março.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova procurou as assessorias de imprensa do deputado Carlos Jordy e de Jair Bolsonaro, mas não houve retorno. Allan Frutuozo, cujo usuário no Twitter (@AllanFrutuozo) aparece como uma marca d’água sobre as imagens do vídeo compartilhado, também foi procurado, mas não enviou posicionamento até a publicação desta checagem.

Como verificamos: A partir do vídeo compartilhado nas redes sociais, foram feitas buscas reversas de imagem, utilizando a ferramenta InVid, na tentativa de encontrar o vídeo original. Sem sucesso, partimos em busca de pistas. Elencamos possíveis contextos para o discurso do ministro, lemos comentários nos posts checados e observamos as publicações recentes na conta de Flávio Dino no Twitter. Não houve avanços significativos.

Pelo cenário, imaginamos tratar-se de uma coletiva de imprensa (quando uma autoridade fala a jornalistas) e pesquisamos palavras-chave relacionadas ao assunto, como “Flávio + Dino + coletiva”, no Google Vídeos. Passamos a procurar, entre os resultados, elementos semelhantes aos existentes no vídeo analisado, como: a posição do ministro (que aparece sentado), a janela atrás dele e detalhes da vestimenta, como camisa branca e gravata vermelha listrada.

Assim, rolando a página e comparando os vídeos, localizamos a versão original, publicada pelo jornal Correio Braziliense no YouTube. Além do cenário e da vestimenta compatíveis, o assunto relacionava-se ao abordado no vídeo analisado. Com o link encontrado, verificamos a transcrição do vídeo e encontramos, aos 7 minutos e 33 segundos, o trecho viralizado.

Por fim, contatamos a assessoria de imprensa do Ministério da Justiça.

Vídeo é recorte de entrevista sobre recadastramento de armas

O vídeo que circula nas redes sociais é um recorte de uma entrevista exclusiva concedida pelo ministro ao Correio Braziliense, publicada em trechos no YouTube, em 26 de fevereiro. Nela, Dino fala sobre o recadastramento de armas, determinado pelo governo federal e iniciado em 1º de fevereiro. Conforme diz ele, a medida foi necessária para a organização do cadastro devido aos altos indícios de fraude e de inconsistências cadastrais.

Ao longo da entrevista, de pouco mais de 9 minutos, ele critica o aumento repentino de registros para colecionadores, atiradores desportivos e caçadores (CACs) nos últimos anos. Para o ministro, a compra de armas por essa modalidade foi a forma encontrada para o acesso a elas por pessoas que não conseguiam emitir o porte por meios comuns. Ele defendeu que o problema do governo não é com os verdadeiros CACs, mas com fraudadores, chegando a citar que estes vendem armas e munições ao crime organizado.

De fato, há registro de ocorrências dessa natureza. Em janeiro de 2022, o Estadão noticiou a apreensão de um arsenal na zona norte do Rio de Janeiro, que seria de um colecionador que estaria fornecendo armas a criminosos, principalmente ligados ao Comando Vermelho, segundo investigações. Em junho do mesmo ano, a Folha de S.Paulo informou que, durante operações de combate ao crime organizado no transporte público, a Polícia Civil de São Paulo apreendeu fuzis e submetralhadoras em endereços supostamente ligados ao PCC. Todo o armamento estava registrado legalmente em nome de CACs. Em julho, foi divulgado pelo mesmo jornal que um membro do PCC obteve certificado de registro de CAC no Exército Brasileiro, mesmo tendo uma ficha corrida com 16 processos criminais.

De acordo com o ministro, o recadastramento está sendo feito para que armas de uso restrito sejam apresentadas fisicamente à Polícia Federal. “Virou meio de vida para muita gente. Já foram desbaratadas quadrilhas vendendo registros falsos e armas. A ideia é distinguir o CAC verdadeiro, que continuará a existir, de criminosos que não querem a revisão”, declarou.

Dino quer intensificar operações para apreensão de armamento ilegal

A partir de 6 minutos e 2 segundos, o ministro começa a falar sobre o assunto viralizado nas redes sociais, mas que foi descontextualizado. Para Dino, o número de pessoas interessadas em fazer o recadastramento subiria na reta final, o que de fato aconteceu, já que a pasta atingiu, no dia 20 de março, a meta de recadastrar mais de 80% das armas particulares no país. De um total de 762.365 armas registradas no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma) mantido pelo Exército, 613.834 haviam sido recadastradas até a data. O prazo termina em 3 de abril.

Ao tratar do assunto, ele destaca ser impossível atingir 100% de recadastramento, porque as armas que estão na ilegalidade não aparecerão no recenseamento e destaca que, a partir do cenário encontrado, será possível traçar estratégias para apreensão dessa parcela de peças. “Você vai ter pela primeira vez em anos um retrato real do que é o armamentismo no Brasil e vai saber, olha, essas armas são legais, as pessoas preenchem os requisitos, e por conseguinte todas essas outras aqui são ilegais, e claro que você precisa partir para as operações de apreensão”, destacou.

A partir de 7 minutos e 31 segundos, o ministro comenta que apoiadores de Bolsonaro alinhados à extrema direita costumam questioná-lo, em suas redes sociais, sobre os armamentos ilegais. É nesse momento que Dino faz a afirmação que vem sendo compartilhada isoladamente de forma enganosa: “’Mas e as armas dos traficantes?’. Ora, as armas dos traficantes são ilegais, óbvio, então óbvio que eles não vão cadastrar, então isso não é uma cobrança que se dirija a nós”.

As publicações enganosas nas redes sociais suprimem o trecho seguinte, no qual Dino afirma que essa cobrança “se dirige a quem esses anos todos não combateu adequadamente a existência dessas armas ilegais onde não deviam. E essas armas ilegais vieram em larga medida de onde? Dessas janelas, dessas avenidas que abriram para o armamentismo no Brasil”, referindo-se às medidas do governo Bolsonaro que ampliaram o acesso às armas.

Ao contrário do que fazem parecer as publicações enganosas, o ministro não foge da responsabilidade sobre o problema. Ele defende que o recenseamento vai possibilitar rastrear pessoas que compraram armas de uso restrito que não estão mais em posse delas, e essas pessoas deverão explicar o destino das peças.

A partir disso, afirma, serão organizadas ações de recuperação dos objetos. “Vamos esperar o fim (do recenseamento) e aí a gente vai ter um retrato concreto, aí nós vamos poder, em relação aos (registros) legais, que sigam sua vida, e em relação aos ilegais intensificar as operações, o que nós já estamos fazendo”, diz, citando uma operação que apreendeu armas na Baixada Fluminense (RJ).

O Ministério da Justiça foi procurado pelo Comprova, mas não respondeu até a publicação desta verificação.

O que podemos aprender com esta verificação: É comum que disseminadores de peças de desinformação retirem de contexto conteúdos legítimos para apoiar narrativas enganosas. Conteúdos legítimos usados em falsos contextos são verossímeis e mais facilmente aceitos.

Para não se deixar enganar é importante observar se um conteúdo está sendo compartilhado na íntegra e, caso pareça não estar, tentar buscá-lo na origem, seja por ferramentas de busca, como o Google, ou consultando sobre o assunto junto à imprensa profissional.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Flávio Dino já foi alvo de diversos outros conteúdos de desinformação, como o recém-publicado pelo Comprova mostrando ser enganoso que ele se reuniu com criminosos em comunidade carioca. Recentemente, o projeto apontou também ser enganoso um post de Carlos Bolsonaro (PL) que o acusava de defender o uso de cloroquina contra a covid-19. Outras iniciativas de checagem, como a Agência Lupa e o Boatos.Org, demonstraram ser falsa a afirmação de que ele apareceria em um vídeo com um “terrorista” de Brasília e não ser verdade que o ministro responde a 277 processos na Justiça.

Política

Investigado por: 2023-03-22

Dino não se reuniu com criminosos; ministro visitou ONG na Maré, com escolta

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso o post que afirma que o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, esteve no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, para se reunir com líderes de facção criminosa. Na verdade, Dino foi à comunidade a convite da ONG Redes da Maré para participar de um evento sobre segurança no complexo.

Conteúdo investigado: Post que afirma que o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, esteve no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, “de peito aberto”, para se reunir com líderes de facções criminosas.

Onde foi publicado: Twitter.

Conclusão do Comprova: É enganoso o post que afirma que o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Flávio Dino, esteve no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, em 13 de março, para se reunir com líderes de grupo criminoso.

Dino foi à comunidade a convite da ONG Redes da Maré, para participar do lançamento da 7ª edição do Boletim Direito à Segurança Pública na Maré. No site do ministério há registros desta visita.

A Redes da Maré, de acordo com a apresentação do grupo, é uma organização da sociedade civil que tem o objetivo de defender os direitos da população que vive na Maré, complexo com 16 comunidades onde residem mais de 140 mil pessoas. Em seu site, a ONG publicou nota sobre a desinformação relacionada ao nome do ministro. “É cruel a naturalização e a perversidade de certos grupos que estimulam, inventam, mentem e distorcem, a qualquer custo, fatos que não correspondem à verdade”, diz o texto.

No post checado, o autor da peça de desinformação diz ainda que Flávio Dino foi ao Complexo da Maré “de peito aberto”, ou seja, sem qualquer suporte policial. Essa alegação também é enganosa. Isso porque, como afirmou o ministério ao Comprova, a ida de Dino à comunidade mobilizou o apoio das polícias Militar, Civil, Federal e Rodoviária Federal e do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro. “Todas as forças policiais ofertaram suporte de segurança durante a realização do evento”, afirmou o órgão.

A Polícia Militar do Rio de Janeiro informou ao Comprova que houve policiamento reforçado na Avenida Brasil, uma das vias de acesso à Maré. Também contactada pela reportagem, a PF confirmou ter feito a segurança do ministro durante sua visita ao Rio de Janeiro, “inclusive na sua agenda realizada na comunidade da Maré”. A PRF esclareceu que o suporte policial a Dino ocorreu por meio de policiais à paisana, que estiveram ao lado do representante da pasta da Justiça durante toda a visita.

Após a disseminação de conteúdos de desinformação como o verificado aqui, Dino afirmou que tomará medidas contra isso. “Diante de discursos absurdos sobre visita que fiz a uma entidade comunitária na Favela da Maré, em respeito à imensa maioria de gente honesta que lá reside, irei propor ações e representações. Não admito agressões covardes contra pessoas pobres. E farei mais visitas a comunidades”, escreveu em seu perfil no Twitter.

Para o Comprova, enganoso é o conteúdo retirado de seu contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O tuíte verificado foi visualizado 216,3 mil vezes, compartilhado ao menos 3,2 mil vezes e teve 13 mil curtidas até 22 de março. Já tuíte do site Terra Brasil Notícias, que publicou conteúdo sobre o assunto em sua página com a chamada “Estranho: Flávio Dino precisa de enorme comboio para ir ao RN, mas não para ir ao Complexo da Maré”, foi retuitado ao menos 1,4 mil vezes até a mesma data.

O que diz o responsável pela publicação: Contatados via mensagem no Instagram, o autor do post verificado e o Terra Brasil Notícias não responderam até a publicação deste texto.

Como verificamos: Além de se informar sobre a ida do ministro à Maré por meio de reportagens, inclusive no site da ONG visitada por ele, o Comprova entrou em contato, por e-mail, com as assessorias de imprensa do Ministério da Justiça e das polícias Militar, Federal e Rodoviária Federal. Também escreveu para a Polícia Civil para ter mais detalhes sobre o apoio dado ao ministro, mas não houve resposta até a publicação deste texto.

O que podemos aprender com esta verificação: O post verificado mistura fatos com invenções: Dino realmente visitou a Maré, mas não se reuniu com “líderes de uma das maiores organizações criminosas do mundo”. É uma tática recorrente entre os desinformadores. Então, antes de acreditar no boato sem mesmo ler sobre o assunto (a visita) em sites de veículos de comunicação profissionais, devemos pensar se o conteúdo duvidoso faz sentido. Basta fazermos algumas perguntas para perceber que há algo errado no post. Um ministro de Estado iria se reunir com chefes de facção em uma comunidade? Ele iria se reunir com líderes de grupo criminoso?

Uma etapa fundamental é também procurarmos sobre o assunto em sites de veículos de imprensa profissionais. Para isso, basta uma busca com algumas palavras-chaves do post, como “Dino”, “Complexo da Maré”.

Outro ponto a que devemos ficar atentos é que desinformadores costumam usar palavras alarmistas no início de seus posts para chamar a atenção. As mais comuns são “alerta” e “bomba”, mas, neste caso, assim como em publicação verificada pelo Comprova na semana passada, o conteúdo começa com “estranho”. É uma forma de fazer com que o leitor duvide do conteúdo, estranhe a visita do ministro, deixando-o confuso e pensando em teorias da conspiração. Quando vir um conteúdo assim, desconfie.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O mesmo conteúdo verificado aqui foi investigado pelo Yahoo! Notícias. E o Comprova já verificou nesta sua quinta fase post envolvendo o ministro da Justiça, tirando falas dele sobre uso da cloroquina de contexto. Outros posts envolvem o governo federal, como o que afirma falsamente que Lula desligou bombas da transposição do São Francisco e o que engana ao dizer que Lula mandou idosos caminharem para compensar reoneração de combustíveis.

Política

Investigado por: 2023-03-21

Portaria citada em tuíte enganoso não aborda cirurgias de mudança de sexo

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Enganoso
Diferentemente do que afirma uma postagem no Twitter, a portaria 230 do Ministério da Saúde não vai permitir que menores de idade façam no Sistema Único de Saúde (SUS) tratamentos hormonais e cirurgia de mudança de sexo sem a autorização dos pais. O documento institui o Programa Nacional de Equidade de Gênero, Raça e Valorização das Trabalhadoras no Sistema Único de Saúde (SUS) e não fala nada sobre o processo transexualizador. E, segundo o ministério, a idade mínima recomendada para quem busca procedimentos hormonais no SUS é de 18 anos e cirurgias são permitidas a partir dos 21. O post, de autoria de um deputado federal, também engana ao afirmar que a portaria "implementa ideologia de gênero". O termo, usado por grupos conservadores, não encontra validação no meio científico, logo, não faz sentido dizer que uma portaria implementa isso.

Conteúdo investigado: Post publicado no Twitter pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) sobre a portaria 230 do Ministério da Saúde. O parlamentar afirma: “Querem que seu filho mude de sexo sem consentimento dos pais, isso sim”. Ele também diz que o documento “implementa ideologia de gênero através do SUS”.

Onde foi publicado: Twitter e Instagram.

Conclusão do Comprova: É enganoso post do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) afirmando que a portaria número 230 do Ministério da Saúde implementa a “ideologia de gênero” por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) e que, com ela, filhos poderiam fazer tratamentos para “mudança de sexo” sem a autorização dos pais.

A portaria 230, como é possível ver no site da Imprensa Nacional, do governo federal, institui o Programa Nacional de Equidade de Gênero, Raça e Valorização das Trabalhadoras no SUS, criando condições para a promoção da equidade no ambiente de trabalho. Em nenhum trecho o texto aborda tratamentos para mudança de sexo. Consultado pela reportagem, o Ministério da Saúde afirmou que “a idade mínima recomendada para a realização de procedimentos com hormônios no processo transexualizador pelo SUS é a partir dos 18 anos e os procedimentos cirúrgicos são permitidos a partir dos 21 anos”.

Ao Comprova, o Ministério da Saúde destacou que o post viral é “um desserviço e um desrespeito à população brasileira”. O órgão reforçou objetivos descritos na portaria: “modificar as estruturas machistas e racistas que operam na divisão do trabalho, enfrentar as diversas formas de violências relacionadas ao trabalho na saúde, acolher as trabalhadoras da saúde no processo de maternidade, promover o acolhimento às mulheres no âmbito do trabalho, garantir ações de promoção e reabilitação relacionadas à saúde mental e às questões de gênero”.

Já o termo “ideologia de gênero” surgiu como uma invenção da Igreja Católica, conforme detalha a pesquisa “Os estudos feministas sobre ‘ideologia de gênero’ no Brasil: uma análise nas produções científicas”, da Universidade de Brasília (UnB). Segundo explica reportagem do G1, a expressão não é reconhecida no meio acadêmico e é usada por grupos conservadores “contrários aos estudos de gênero iniciados nas décadas de 1960 e 1970 nos Estados Unidos e na Europa — que teorizam a diferença entre o sexo biológico e o gênero”, ou seja, não faz sentido dizer que uma portaria “implementa a ideologia de gênero”.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O tuíte somava 116,4 mil visualizações, 6,9 mil curtidas, 1,7 mil compartilhamentos e 78 comentários até 21 de março. No Instagram, foram quase 17 mil interações até a mesma data.

O que diz o responsável pela publicação: A reportagem tentou contato com o deputado via mensagem privada no Instagram e por meio de sua assessoria de imprensa, mas não houve retorno até a publicação deste texto.

Como verificamos: Primeiramente, localizamos a portaria 230 no site do governo federal e fizemos a leitura na íntegra, para entender o teor do documento. Sem encontrar nenhum conteúdo minimamente relacionado a cirurgia de redesignação sexual, buscamos por palavras como “sexo” e “cirurgia”, mas nada foi encontrado.

Depois, pesquisamos no Google por termos como “portaria 230” e “Ministério da Saúde”. Obtivemos como retorno reportagens sobre o lançamento da portaria, seu conteúdo e críticas ao documento. Ao buscar por termos como “ideologia de gênero”, “identidade de gênero” e “gênero”, localizamos conteúdos publicados pela imprensa profissional a respeito das diferenças entre os termos (Plural, Agência Pública, G1) e um trabalho acadêmico que explora a temática.

Também fizemos contato com a assessoria de imprensa do Ministério da Saúde por e-mail e telefone e entrevistamos, por telefone, o professor do Programa de Pós-Graduação (PPG) em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Fernando Seffner, que coordena a linha de pesquisa Educação, Sexualidade e Relações de Gênero. Seffner pesquisa o tema há mais de 30 anos.

O que estabelece a portaria

O documento foi publicado em 8 de março de 2023 pela ministra da Saúde, Nísia Trindade Lima. Ele, que institui o Programa Nacional de Equidade de Gênero, Raça e Valorização das Trabalhadoras no Sistema Único de Saúde, faz parte de um pacote de ações anunciado no Dia Internacional da Mulher pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

De acordo com o Ministério da Saúde e conforme é possível verificar no próprio documento, o programa busca modificar as estruturas machistas e racistas que operam na divisão do trabalho; enfrentar as diversas formas de violências relacionadas ao trabalho na saúde; acolher as trabalhadoras da saúde no processo de maternidade; promover o acolhimento às mulheres no âmbito do trabalho; e garantir ações de promoção e reabilitação relacionadas à saúde mental e às questões de gênero.

Atualmente, segundo a pasta, mulheres representam 74% da força de trabalho no SUS. Somente na rede pública, são mais de 2,1 milhões de trabalhadoras. As ações previstas pelo programa vão ampliar as condições necessárias à prática da equidade.

O princípio da equidade, termo evidenciado pelo programa e cuja definição consta no anexo à portaria, consiste em “tratar desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade, no intuito de atingir a justiça social”, ou seja, passa por reconhecer as diferenças entre as pessoas e ajustar esse “desequilíbrio”.

Ações previstas

As diretrizes de cada um dos objetivos elencados acima também estão detalhadas no anexo disponibilizado junto à portaria (item 3). Elas buscam assegurar os direitos humanos para os diferentes grupos sociais de trabalhadores do SUS.

Entre elas está a adoção de linguagem que evite termos machistas no cotidiano institucional, o incentivo a práticas de gestão que promovam igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, o fomento a programas de prevenção e combate ao assédio moral e sexual no trabalho, a eliminação do preconceito e da discriminação de mulheres trans, a ampliação do debate sobre etarismo, a inclusão da temática de orientação sexual e identidade de gênero nos processos de educação permanente da rede pública de saúde, a oferta de acolhimento a trabalhadoras lactantes no ambiente de trabalho e o estímulo a medidas institucionais para evitar a Síndrome de Burnout e outros sofrimentos psíquicos entre as trabalhadoras da saúde.

A iniciativa será coordenada pelo Ministério da Saúde. Conforme a portaria, para alcançar os objetivos traçados, serão feitas chamadas públicas para seleção e execução de projetos que estejam alinhados à proposta do programa, oferecerá cursos na área de equidade de gênero e raça, disponibilizará aplicativo com instruções sobre o programa e incluirá o tema “equidade” no âmbito do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde). Os processos formativos serão direcionados a trabalhadores e gestores do SUS, além de estudantes da área.

As críticas ao documento

O conteúdo da portaria 230 foi apresentado pelo governo federal em cerimônia no Palácio do Planalto, que, além de Lula, contou com a presença da primeira-dama, Janja Lula da Silva, de ministros do governo e de representantes de bancos públicos. Desde seu lançamento, o documento vem sofrendo críticas, especialmente por parte de políticos da oposição.

No dia 10 de março, a deputada federal Chris Tonietto (PL-RJ) apresentou um projeto de decreto legislativo com intenção de sustar os efeitos da portaria. Entre as justificativas, ela cita que o Ministério da Saúde estaria “criando deveres [a trabalhadores do SUS] ligados à disseminação de temas relativos à ‘teoria de gênero’”.

Já a deputada Coronel Fernanda (PL-MT) entrou com pedido de convocação da ministra Nísia Trindade ao plenário da Câmara Federal, a fim de prestar esclarecimentos sobre a portaria. As justificativas são as mesmas usadas por sua colega de partido, citando a “teoria de gênero” como um “produto ideológico” e “um discurso que substitui a realidade por uma motivação política”.

Maiores de idade

A portaria que orienta sobre o processo transexualizador no SUS é a número 2.803, de 2013, como informado pelo Ministério da Saúde ao Comprova. Segundo o texto, a idade mínima recomendada para a realização de procedimentos com hormônios pelo SUS é de 18 anos; os procedimentos cirúrgicos são permitidos para pessoas a partir dos 21 anos.

Os tratamentos, como todos no SUS, são gratuitos e, ainda como informou o ministério ao Comprova, incluem acompanhamento psicológico e exames, além da hormonioterapia e cirurgias.

Sem respaldo científico

Criado em reação ao movimento feminista por grupos neofundamentalistas católicos, como explica reportagem do G1 e estudo da UnB, o termo “ideologia de gênero” busca contrapor-se aos estudos de gênero, que teorizam a diferença entre o sexo biológico e o gênero com o qual cada pessoa se identifica. Tal expressão, porém, não encontra respaldo no meio científico. Nos últimos anos, o termo vem sendo explorado politicamente por grupos conservadores, sob alegação de ameaça à família tradicional cristã.

“Tem havido, na última década, pelo menos, mais especificamente nos últimos seis anos, uma explosão do que eu chamo de pânico moral sempre que se fala em gênero”, observa o professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS Fernando Seffner, citando o falso caso “kit gay”, associado, de maneira equivocada, ao PT nas eleições de 2018.

“Do ponto de vista acadêmico, existem estudos de gênero, de sexualidade e de perspectiva de gênero. ‘Ideologia de gênero’ é um termo inventado por essa corrente um tanto religiosa, conservadora, e que faz dois desserviços: toma ‘ideologia’ como uma coisa nefasta, sendo que todos nós temos uma ideologia na cabeça; e outra coisa é colar isso no ‘gênero’ e dizer que ‘gênero’ é invenção.”

Pesquisador da temática de gênero e sexualidade há mais de 30 anos, o professor explica que as políticas públicas que abarcam a “perspectiva de gênero” passaram a se espalhar pelo mundo a partir de duas conferências da Organização das Nações Unidas (ONU): a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento no Cairo, em 1994, e a Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres em Pequim, em 1995.

“Políticas públicas começaram a ter por escrito nelas esse cuidado com as populações vulneráveis, como as mulheres. É olhar uma classe de alunos, um atendimento ambulatorial de serviço de saúde, um concurso para juiz, e perceber que mulheres têm menos oportunidades do que os homens. Essas políticas incluíram também a questão racial. Hoje em dia, se busca uma equidade de raça e de gênero”, explica Seffner.

O que podemos aprender com esta verificação: Como já informado, o post retira um conteúdo original de contexto. O autor usa uma informação verdadeira – a publicação da portaria – para fabricar uma mentira. Esta é uma tática comum dos desinformadores, à qual devemos ficar atentos.

Outro ponto a ser destacado é que ele abre o post comentando sobre uma reportagem do site Metrópoles com as palavras: “Absurdo! Urgente!”. Esta é outra prática de quem dissemina informações enganosas, “apresentar” informações bombásticas. Mesmo que, neste caso, o autor esteja sendo irônico ao usar essas palavras, sempre que o conteúdo de um post que não foi publicado por veículos profissionais começar dessa forma, desconfie.

Também devemos pensar se o conteúdo faz sentido. Neste caso, o autor afirma que a portaria vai permitir que crianças “mudem de sexo” sem o aval dos responsáveis. Antes de acreditar e disseminar desinformação, pense se isso seria possível. Basta perguntar: “Como assim? Uma criança vai entrar no hospital público, dizer que quer mudar de gênero e os médicos vão operá-la?”.

Por fim, normalmente, ao citar documentos oficiais, os produtores de desinformação não compartilham o conteúdo desse documento na íntegra. Desconfie e busque pelo texto oficial para entender o que, de fato, estabelece o texto citado.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A temática gênero já apareceu em outras checagens feitas pelo Comprova. Em 2018, por exemplo, constatamos que Haddad não afirmou que governo deve decidir o gênero das crianças e, em 2020, que não é verdade que vacina contra a covid-19 cause câncer, danos genéticos ou “homossexualismo”.

Comprova Explica

Investigado por: 2023-03-17

Entenda a quem pertencem presentes ofertados a presidentes brasileiros

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Comprova Explica
O governo de Jair Bolsonaro (PL) tentou entrar no país ilegalmente com joias de alto valor dadas pelo governo da Arábia Saudita em 2021. Um conjunto de diamantes ficou retido no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, por não ter sido declarado à Receita Federal. Outro foi incorporado ao acervo pessoal do ex-presidente depois que ele deixou o mandato. Segundo a legislação, porém, presentes dados por outros chefes de Estado aos presidentes brasileiros são, via de regra, propriedade da União. Segundo entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU), a exceção são aqueles de “natureza personalíssima” ou de “consumo imediato”. O TCU não considera pedras preciosas e joias como bens personalíssimos e ordenou que Bolsonaro devolva à presidência as joias e armas recebidas por ele durante o seu mandato (2018-2022). O Comprova explica o caso das joias sauditas, o que prevê a legislação e quais são as questões éticas envolvidas no caso.

Conteúdo analisado: Postagens em redes sociais discutem a legalidade ou ilegalidade do recebimento de joias avaliadas em R$ 16,5 milhões pelo governo de Jair Bolsonaro. A existência dos bens, presente do governo saudita, foi revelada pelo Estadão em 3 de março. Parte deles foi retida pela Receita Federal por não ter sido declarada, a outra entrou de forma irregular no país e foi para o acervo pessoal do ex-presidente. O tema repercutiu na imprensa e em grupos alinhados ao atual governo nas redes sociais. Em contrapartida, os presentes recebidos por Lula e Dilma (PT) também passaram a ser questionados por simpatizantes de Bolsonaro. A confusão é potencializada por uma mudança na legislação em 2016 e pela interpretação da norma, que permite aos chefes de Estado manter em seu poder presentes que sejam de “natureza personalíssima”, o que é um termo ambíguo do texto.

Comprova Explica: Em 3 de março deste ano foi revelado pelo Estadão que um conjunto de joias avaliado em R$ 16,5 milhões dado pelo governo da Arábia Saudita a Bolsonaro ficou retido na Receita Federal porque estaria ingressando de maneira ilegal no país. O ex-presidente não apresentou a documentação necessária para que os bens fossem incorporados ao patrimônio da União, e nem registrou-os como itens pessoais, o que acarretaria o pagamento de um imposto e multa quase equivalente ao valor das joias.

A reportagem gerou discussões nas redes sociais principalmente entre apoiadores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), segundo levantamento da Quaest. As redes bolsonaristas, por sua vez, questionaram os presentes recebidos em mandatos anteriores de Lula e pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Diante dos conteúdos de desinformação e das discussões sobre o assunto, o Comprova Explica buscou esclarecer o que diz a legislação a respeito e o que deve ser feito com os presentes recebidos pelos presidentes brasileiros.

O regramento para o destino de presentes oferecidos aos presidentes mudou diversas vezes desde a redemocratização. A alteração mais recente foi feita em 2016, quando o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que bens recebidos de chefes de Estado pelo presidente durante o exercício do mandato pertencem à União. Há, contudo, duas exceções: quando o presente é de “natureza personalíssima” e quando é de “consumo imediato”.

No entanto, a avaliação sobre o enquadramento ou não de um item como “personalíssimo” é um tanto subjetiva, uma vez que permite diferentes interpretações. Ainda assim, no caso das joias recebidas por Bolsonaro, o próprio TCU já determinou que não se enquadram na exceção da norma.

Com base no acórdão do TCU de 2016, os presidentes Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva tiveram que devolver 471 presentes ao patrimônio comum da Presidência depois de já terem deixado o mandato.

Como verificamos: Procuramos na legislação brasileira as leis e decretos que tratam do recebimento de presentes e de outros bens por parte dos chefes de Estado. Também pesquisamos matérias publicadas nos veículos profissionais de imprensa a respeito das joias enviadas à Bolsonaro e dos desdobramentos da revelação feita pelo Estadão.

O que diz a legislação brasileira

A primeira lei que determina o que é o patrimônio privado dos presidentes é de 1991. Ela não fala de presentes em nenhum dos seus 20 artigos, e só cita o acervo documental do chefe do Executivo. A regulamentação dessa lei ocorreu somente em 2002, no governo Fernando Henrique Cardoso, e, desta vez, fez menção aos presentes.

O decreto 4.344/2002 diz que são considerados da União “os documentos bibliográficos e museológicos recebidos em cerimônias de troca de presentes, nas audiências com chefes de Estado e de Governo por ocasião das “visitas oficiais” ou “viagens de Estado” do presidente da República ao exterior ou de chefes de Estado e de Governo estrangeiros ao Brasil.

Assim, a interpretação vigente era que bens recebidos fora da cerimônia de troca de presentes eram do acervo pessoal. Contudo, em 2016, o TCU reformou a norma e determinou que todo presente recebido por outros chefes de Estado é da União, com exceção dos itens de “natureza personalíssima” ou de “consumo direto”.

O relator do caso, o ministro Wallton Alencar, argumentou, nos autos, que os presentes dados a outros chefes de Estado são pagos pela União. Logo, os itens recebidos também deveriam ser públicos.

Por conta do novo entendimento, os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff tiveram que devolver, ao todo, 471 presentes (360 de Lula e 111 de Dilma) que tinham sido incorporados aos respectivos acervos pessoais. Esses bens voltaram para o patrimônio comum da Presidência.

As joias sauditas

O Estadão revelou no dia 3 de março a existência de um conjunto de joias enviadas pelo governo da Arábia Saudita e que teriam como destino a então primeira-dama Michelle Bolsonaro. As peças, avaliadas em cerca de R$ 16,5 milhões, foram apreendidas pela Receita Federal, em 2021, no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.

Elas estavam na mochila de um assessor do ex-ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia), que voltava de um evento no país. Desde então, documentos e vídeos mostram que a Presidência tentou liberar os bens até o último dia de mandato.

Segundo a Receita Federal, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro não apresentou a documentação necessária para que as joias fossem incorporadas ao acervo da União. Para que entrassem no país como itens pessoais, seria necessário o pagamento de 50% do valor do produto, mais multa de 25% do total do item apreendido.

Em 8 de março deste ano, após o caso vir a público, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) defendeu o pai dizendo que um segundo conjunto de presentes, que não foi retido pela Receita, estaria em um galpão pessoal de Bolsonaro. Segundo o parlamentar, tratam-se de itens “personalíssimos” e, por isso, foram incorporados ao acervo pessoal do ex-presidente. A caixa contém um relógio, uma caneta, um par de abotoaduras, um anel e um tipo de rosário, todos da marca suíça Chopard.

Contudo, o acórdão do TCU de 2016 não considera pedras preciosas enviadas a chefes de Estado como presentes pessoais.

“Imagine-se, a propósito, a situação de um chefe de Governo presentear o presidente da República do Brasil com uma grande esmeralda de valor inestimável, ou um quadro valioso. Não é razoável pretender que, a partir do título da cerimônia, os presentes, valiosos ou não, possam incorporar-se ao patrimônio privado do presidente da República, uma vez que ele os recebe nesta pública qualidade”, argumentou o ministro Wallton Alencar em 2016.

No mesmo acórdão, o TCU cita como itens personalíssimos as medalhas personalizadas. Já em relação aos itens de consumo, são citados bonés, camisas, camisetas, gravata, chinelo e perfume.

Em entrevista à CNN, a advogada e doutora em Direito Constitucional Gabriela Araújo, assim como o ministro, avaliou que, pelo alto valor, as jóias não podem ser consideradas bens personalíssimos.

O site do Planalto também lista roupas, alimentos e perfumes entre itens personalíssimos que podem permanecer em posse de ex-presidentes após o término do mandato. Cita ainda que “presentes oferecidos por cidadãos, empresas e entidades costumam permanecer com o ex-presidente”.

Em 15 de março, o TCU determinou que o ex-presidente Bolsonaro devolva o conjunto de joias de luxo que recebeu da Arábia Saudita. A entrega deve ser feita à Secretaria-Geral da Presidência da República até o dia 20 de março. Bolsonaro também terá que devolver um fuzil e uma pistola que recebeu em 2019 dos Emirados Árabes.

“Presentes que são doados ao Estado brasileiro são patrimônio público. É preciso separar o público do privado. E no casos dessas joias, não há qualquer dúvida que elas devem ser incorporadas ao patrimônio público”, frisou o presidente do TCU, Bruno Dantas, ao final da sessão do tribunal.

Questão de ética no serviço público

O recebimento de presentes por parte de autoridades públicas, como presidente, ministros e diplomatas deve seguir o Código de Conduta da Alta Administração Federal. A regulamentação do código diz que é permitido receber presentes “quando ofertados por autoridades estrangeiras, nos casos protocolares em que houver reciprocidade ou em razão do exercício de funções diplomáticas.”

É considerado que, nesse caso, não é possível recusar o presente. Porém, a legislação determina que fim precisa ser dado a esse bem. Há três possibilidades:

  1. se for bem de valor histórico, cultural ou artístico, ele precisa ir para o acervo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN;
  2. o presente pode ser doado a entidade de caráter assistencial ou filantrópico reconhecida como de utilidade pública desde que a entidade se comprometa a usar aquele presente ou o dinheiro da sua alienação em suas atividades;
  3. o presente pode ser incorporado ao patrimônio da entidade ou órgão em que o presenteado exerce sua função.

Autoridades podem, sim, receber brindes, mas eles não podem ter valor superior a R$ 100.

Por que explicamos: O Comprova Explica tem a função de esclarecer temas importantes para que a população compreenda assuntos que estão em discussão nas redes sociais e que possam gerar desinformação. Neste caso, conhecer o que de fato diz a legislação brasileira sobre o recebimento de presentes por presidentes permite que os leitores formem opiniões sobre os políticos envolvidos com base na verdade.

Outras checagens sobre o tema: O tema das joias enviadas pelo governo saudita já foi alvo de verificação pelo Aos Fatos, que desmentiu que um ofício provasse que governo Bolsonaro seguiu rito legal para incorporar joias ao acervo público.

Política

Investigado por: 2023-03-17

Presidente da Caixa não processou ex-dirigente nem receberá indenização por assédio sexual

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Enganoso
A presidente da Caixa Econômica Federal, Maria Rita Serrano, não é beneficiária de um acordo fechado com o Ministério Público do Trabalho (MPT) para pagamento pela instituição bancária de R$ 10 milhões por danos morais coletivos como afirma postagens no Twitter e no Facebook. O acordo citado no texto faz referência a casos de assédios moral e sexual atribuídos ao ex-presidente do banco, Pedro Duarte Guimarães. O texto de um site cujo link é usado nas postagens em redes sociais afirma que Serrano é uma das vítimas, o que não é verdade. O acordo sequer foi assinado e, caso seja, o dinheiro deve ser destinado a órgãos ou entidades sem fins lucrativos que promovam direitos sociais.

Conteúdo investigado: Publicações no site Jornal da Cidade Online, no Twitter e no Facebook afirmam que a Caixa Econômica Federal deverá pagar R$ 10 milhões para encerrar um processo a que responde “em virtude de algumas funcionárias – entre elas, a própria presidente da instituição, Maria Rita (Serrano) – afirmarem na Justiça terem sido vítimas de suposto assédio sexual e moral por parte do ex-dirigente, Pedro Guimarães”.

Onde foi publicado: Twitter e Facebook.

Conclusão do Comprova: São enganosos os tuítes e comentários que, com base em um um texto publicado no site Jornal da Cidade Online, afirmam que a presidente da Caixa, Maria Rita Serrano, seja a beneficiária do acordo entre o MPT e o banco nos casos de assédio sexual denunciados por funcionárias da instituição financeira contra o ex-presidente Pedro Duarte Guimarães. O acordo é da ordem de R$ 10 milhões.

O site coloca a atual presidente da Caixa entre as vítimas dos casos de assédio sexual, o que não é verdade. Embora tenha dito que o ex-presidente do banco tentou intimidá-la quando representava os trabalhadores no Conselho de Administração da Caixa, Maria Rita Serrano não é uma das mulheres que o denunciaram por assédio sexual.

À Folha, a Caixa afirmou que a presidente do banco “não é, em nenhuma medida, beneficiária de nenhum acordo que envolva a atuação de Pedro Guimarães e, tampouco, possui ação pessoal contra ele”. A instituição diz ainda que “o autor da ação coletiva envolvendo as denúncias é o Ministério Público do Trabalho”.

Já o MPT informa que o acordo sequer foi fechado e que o processo tramita em sigilo. Também esclareceu que os recursos de acordos judiciais vão para órgãos ou entidades sem fins lucrativos que promovam direitos sociais selecionados a partir do Edital 2/2023.

| Captura de tela de postagem no Twitter que oferece link para a nota publicada no site Jornal da Cidade Online (feita em 17 de março de 2023 ). 

| Captura de tela de comentário na página do site Jornal da Cidade Online no Facebook (feita em 17 de março de 2023 ).

Para o Comprova, enganoso é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Um dos tuítes verificados teve 372 mil visualizações e o outro, 59,7 mil visualizações até o dia 17 de março.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o Jornal da Cidade Online através de um número de Whatsapp identificado como sendo do editor da publicação. Questionado sobre o porquê da omissão relacionada ao destino do dinheiro que seria pago no acordo de indenização entre a Caixa e o MPT, ele disse se tratar de uma multa e não de indenização. Também foram contactados os perfis responsáveis por duas postagens que viralizaram usando a matéria do Jornal da Cidade Online, mas ainda não houve retorno.

Como verificamos: Buscamos, primeiramente no Google, conteúdos a respeito de Maria Rita Serrano, o acordo fechado entre o MPT e a Caixa e o valor de R$ 10 milhões. Encontramos checagens já feitas por outros veículos, como Folha e Aos Fatos, que esclarecem que a presidente do banco não será a beneficiária do acordo.

Também pedimos informações aos dois órgãos envolvidos por e-mail. A Caixa não respondeu à solicitação, mas havia respondido dias antes à Folha de S. Paulo a respeito do mesmo tema. O MPT enviou resposta apontando que o acordo ainda não foi fechado e esclarecendo que, caso seja, o recurso será destinado a uma instituição social.

O Comprova entrou em contato com a Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) para saber se há outros processos em andamento sobre os casos de assédio sexual denunciados por funcionárias do banco.

O processo

O acordo entre o MPT e a Caixa refere-se a ação civil pública protocolada em setembro de 2022, que pede a condenação da instituição bancária por danos coletivos, por sua “responsabilidade solidária por ato de seu preposto e pela omissão na investigação de tais atos”. A quantia pedida inicialmente à instituição financeira era de R$ 305,4 milhões.

Segundo o colunista do Metrópoles Rodrigo Rangel, como o processo poderia durar anos na Justiça e o valor provavelmente seria reduzido na sentença, os procuradores e o banco decidiram fechar um acordo que prevê o pagamento imediato de R$ 10 milhões. Segundo o MPT, o acordo ainda não está assinado, e o processo corre em sigilo.

A mesma ação também pede a condenação do ex-presidente da Caixa Pedro Duarte Guimarães ao pagamento de R$ 30,5 milhões, “a título de reparação pelos danos morais coletivos já causados pela prática de assédio sexual, assédio moral e discriminação, valendo-se do cargo de presidente”. Este ato não faz parte do acordo com a instituição bancária, ou seja, o processo contra Guimarães segue em tramitação.

Há ainda pedido de condenação a cada um dos integrantes do Conselho de Administração da Caixa a pagar a quantia de R$ 3 milhões, “a título de reparação pelos danos morais coletivos já causados pela prática de assédio sexual, moral e discriminação”. Entre os conselheiros estava a citada Maria Rita Serrano, atual presidente do banco, que, na época das denúncias, integrava o Conselho como representante dos trabalhadores.

Ela afirmou ao jornal O Globo, em 2022, não ter sido vítima de assédio sexual, mas disse que havia sofrido intimidações em reuniões do conselho com o ex-presidente Guimarães. Em fevereiro deste ano, a Justiça do Trabalho negou incluir os integrantes do Conselho de Administração da Caixa no processo contra o banco e Pedro Guimarães.

O estatuto do banco, em seu inciso IX do artigo 80, não permite que alguém em litígio com a instituição assuma a presidência, como seria o caso de Serrano se ela fizesse parte de ação judicial em desfavor da Caixa.

Outras ações

Pedro Duarte Guimarães é alvo de uma ação criminal que corre em segredo de Justiça na 15ª Vara Criminal Federal do Distrito Federal, que aceitou denúncia feita pelo Ministério Público Federal (MPF). Em razão do segredo atribuído ao processo, não é possível afirmar se há responsabilização criminal do ex-presidente Pedro Duarte Guimarães nos casos de assédio moral e sexual.

O Comprova entrou em contato com a Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae), e a entidade informou não ter conhecimento de outros processos envolvendo os casos de assédio denunciados em 2022 contra Pedro Guimarães.

O que podemos aprender com esta verificação: O texto do Jornal da Cidade Online dá margem para a propagação de desinformação sobre o tema ao omitir informações importantes a respeito do acordo, como o destino do recurso. Também coloca a presidente da Caixa como uma das vítimas do ex-presidente do banco, quando ela não é uma das denunciantes dos casos de assédio sexual. Serrano afirmou ter sofrido intimidações de outra ordem.

A omissão de informações e a falta de contexto induzem ao erro e são estratégias usadas por desinformadores para desorientar o público. Os comentários da publicação permitem ver que o texto causou confusão. Uma pessoa considera ser “inacreditável” que “uma suposta vítima, hoje presidente da Caixa, manda indenizar ela mesma”.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A afirmação de que a atual presidente da Caixa seria indenizada ou beneficiada financeiramente com R$ 10 milhões de acordo entre MPT e Caixa já foi desmentida pela Folha, Terra, Aos Fatos e Boatos.org.

O Comprova já verificou outros textos do Jornal da Cidade Online. Um deles enganava ao afirmar que fábricas da Argentina que estariam vindo para o Brasil e um vídeo que distorcia falas de Lula a respeito da Amazônia. O canal no YouTube e os perfis de redes sociais do Jornal da Cidade Online foram desmonetizados por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2021 por disseminar informações falsas sobre o sistema eleitoral.

Política

Investigado por: 2023-03-16

Tuíte engana ao afirmar que Paulo Guedes voltou à diretoria do BTG Pactual

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso post que diz que Paulo Guedes voltou a dirigir o BTG Pactual, cargo que ele teria deixado em 2019 para assumir o Ministério da Economia na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Segundo a assessoria de imprensa do banco, o economista saiu do banco Pactual, instituição que viria posteriormente a se chamar BTG Pactual, em 1998 e desde então não tem relação com o grupo. A publicação também erra ao afirmar que o banco é dono dos postos de combustíveis BR – a proprietária é a Vibra Energia.

Conteúdo investigado: Tuíte cita “corrupção pura” ao afirmar que o economista Paulo Guedes voltou a dirigir o BTG Pactual, banco que ele havia deixado para ser ministro da Economia. A publicação também afirma que o banco é o atual “dono dos postos de combustíveis BR e da carteira de devedores do Banco do Brasil”.

Onde foi publicado: Twitter.

Conclusão do Comprova: É enganoso o post que diz que Paulo Guedes voltou à diretoria do BTG Pactual após se afastar do cargo para ser ministro da Economia de Jair Bolsonaro (PL) e que o banco é dono dos postos de combustíveis BR. A publicação exagera ao afirmar que a instituição é dona da carteira de devedores do Banco do Brasil. O BTG obteve, de fato, cessão de uma carteira, mas não de todos os créditos do BB.

Guedes, que foi um dos fundadores do banco Pactual em 1983, não estava mais na instituição – que passou a se chamar BTG Pactual em 2009 – desde 1998. Contatada pelo Comprova, a assessoria de comunicação do banco afirmou que o ex-ministro não tem “nenhuma relação” com a instituição.

Além disso, a empresa proprietária dos postos BR é a Vibra Energia, de capital aberto e que não tem o BTG Pactual no quadro de sócios, ainda segundo a assessoria do banco.

O tuíte analisado pelo Comprova também aponta que o BTG Pactual é dono de carteira de crédito do Banco do Brasil. Essa informação procede, já que o relatório de crédito foi vendido ao banco no final de 2021. À época, o procedimento foi questionado pela Controladoria-Geral da União (CGU), sob o argumento de que a cessão da carteira de crédito ao BTG ocorreu sem as “devidas justificativas” de mercado.

Aos auditores da CGU, o Banco do Brasil declarou na época que seguiu rigorosos processos de governança para a cessão e que teve assessoramento jurídico e acompanhamento do processo por um comitê de riscos.

O Comprova contatou, por e-mail, a assessoria de comunicação do Banco do Brasil e questionou se houve a cessão da carteira de crédito da instituição para o BTG. O banco estatal confirmou a existência desta operação e afirmou não haver quaisquer irregularidades na transação.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O post verificado teve 49,2 mil visualizações, 928 compartilhamentos e mais de 2,3 mil curtidas até 16 de março.

O que diz o responsável pela publicação: Contatado via mensagem privada no Twitter, o autor do perfil @gil_alcon, que se descreve como “petista, lulista e anti-fascista” repetiu que Guedes mantém relação com o BTG Pactual.

Como verificamos: O primeiro passo foi, por meio de buscas no Google, encontrar reportagens, como a da Piauí e da InfoMoney, sobre a relação de Paulo Guedes e das empresas citadas no post. Também foram consultados diferentes sites de empresas e a assessoria de imprensa do BTG Pactual.

O que podemos aprender com esta verificação: Desinformadores costumam criar teorias conspiratórias e “apresentar” informações bombásticas. Quando o conteúdo de um post que não foi publicado por veículos profissionais traz algo que parece ser muito incrível envolvendo o universo político, desconfie. Busque pelos termos usados na publicação em sites de busca e veja se sites de confiança deram a informação.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Paulo Guedes já foi o foco de outras verificações do Comprova, como a de post que engana ao afirmar que ele, quando ministro, anunciou redução em aposentadorias e outros benefícios do INSS e o que mente ao afirmar que ele publicou tuíte com críticas ao Congresso Nacional.

Política

Investigado por: 2023-03-15

Tuíte engana ao dizer que Ludmilla receberá R$ 5 milhões da Lei Rouanet por projeto que leva seu nome

  • Enganoso
Enganoso
Ao contrário do que afirmam publicações nas redes sociais, a cantora Ludmilla não vai receber quase R$ 5 milhões via Lei Rouanet para a produção de um programa de TV. Embora o projeto intitulado "Ludmilla - Solta a Batida" exista, ele não tem relação com a cantora, que não vai receber qualquer valor por sua execução. Além disso, como consta no Diário Oficial da União e no portal da Agência Nacional do Cinema (Ancine), o projeto pode captar cerca de R$ 3,9 milhões por meio da Lei do Audiovisual, e não da Lei Rouanet.

Conteúdo investigado: Tuíte do deputado estadual Bruno Engler (PL-MG) afirma que a cantora Ludmilla vai receber R$ 4,9 milhões por meio da Lei Rouanet. No post, que é acompanhado de uma foto de Ludmilla com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de uma captura de tela de um trecho do Diário Oficial da União, o parlamentar chama a cantora de “maconheira” e diz que “a pelegada está sendo paga”.

O deputado federal Mario Frias (PL-SP) também compartilhou o conteúdo no Instagram. No post, o parlamentar insinua que Ludmilla iria receber cerca de R$ 5 milhões pelo programa e diz: “O verdadeiro L de milhões!”. A publicação é acompanhada de uma montagem com uma foto da cantora junto de Lula, uma notícia da Folha sobre o pedido de apoio de Ludmilla ao então candidato à presidência pelo PT e a imagem do trecho do Diário Oficial da União.

Onde foi publicado: Twitter e Instagram.

Conclusão do Comprova: É enganoso tuíte que afirma que a cantora Ludmilla vai receber cerca de R$ 5 milhões via Lei Rouanet para a produção de “Ludmilla – Solta a Batida”, programa televisivo que narraria sua história e seria apresentado por ela.

Diferentemente do que alegam posts nas redes sociais, apesar de levar o nome da artista, o projeto “Ludmilla – Solta a Batida”, inscrito na Agência Nacional do Cinema (Ancine), não tem relação com a cantora. Ao Comprova, a produtora responsável, Filmes do Equador LTDA, informou que a ideia inicial era que o programa contasse com a apresentação de Ludmilla, mas que, por conta de compromissos de carreira, a cantora declinou do convite.

Além disso, a produção não está captando recursos pela Lei Rouanet e sim pela Lei do Audiovisual (Lei nº 8.685/93). O valor total que o projeto pode arrecadar por meio da legislação de incentivo à cultura é de R$ 3.903.621,50. A produtora tem até o fim de 2024 para fazê-lo.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 15 de março, a publicação no Twitter alcançou 275,8 mil visualizações, mais de 7 mil curtidas e 1,5 mil comentários. No Instagram, o post teve 84 mil visualizações, 91 mil curtidas e mais de 8 mil comentários.

O que diz o responsável pela publicação: Os deputados Bruno Engler e Mario Frias (PL-SP), que também compartilhou o conteúdo, foram procurados por e-mail e por mensagem direta no Instagram, mas não retornaram até a conclusão desta checagem.

Como verificamos: O primeiro passo foi buscar no Google pelas palavras-chave “Ludmilla” e “Lei Rouanet”, o que resultou em três reportagens contextualizando o assunto (Revista Caras, Revista Veja e Folha). Com a informação de que o projeto com o nome da cantora teria sido publicado no Diário Oficial da União em 13 de março, procuramos a versão completa do documento no site oficial do governo.

O Comprova também buscou no portal do governo Versalic, que permite a visualização dos projetos vinculados às leis de incentivo à cultura, por “Ludmilla”, “Solta a Batida” e “Filmes Equador”, mas não houve resultados. Mais informações a respeito do projeto foram encontradas no site da Ancine.

Na sequência, buscamos nas redes sociais manifestações de Ludmilla, que se posicionou no Twitter (1 e 2) sobre o caso. Por fim, o Comprova entrou em contato com a produtora “Filmes do Equador LTDA” e com os deputados que fizeram as postagens.

O projeto

O projeto “Ludmilla – Solta a Batida” é um reality show que tem como premissa levar ao palco aspirantes a cantoras que sejam de comunidades do Rio de Janeiro para dar a elas uma oportunidade de início de carreira em um programa de TV. Conforme informações do portal da Ancine, o projeto foi aprovado em julho de 2021.

Ao Comprova, a produtora Filmes do Equador LTDA, responsável pelo projeto, afirmou que a ideia é fazer um “docu-reality em comunidades para descobrir a nova voz da favela”.

Projeto vai captar recursos pela Lei do Audiovisual

Segundo a produtora, o valor total que o projeto pode captar a partir das leis de incentivo à cultura é de R$ 3.903.621,50. A autorização para a captação desses recursos foi publicada no Diário Oficial da União do último dia 13. A Filmes do Equador LTDA tem até o dia 31 de dezembro de 2024 para captar os recursos.

Diferentemente do que alegam os posts nas redes sociais, a produtora informou que o projeto não está inscrito pela Lei nº 8.313/91, conhecida como Lei Rouanet, e sim pela Lei nº 8.685/93 (Lei do Audiovisual).

A informação consta tanto no Diário Oficial (no trecho “Valor aprovado no art. 3ºA da Lei nº 8.685/93: R$ 3.000.000,00”) quanto na tabela de valores disponibilizada pela Ancine. Como a última atualização do portal sobre a produção “Ludmilla – Solta a Batida” é de 29 de julho de 2021, os valores aprovados para o projeto são maiores.

| Tabela no site da Ancine mostra os valores aprovados e captados pelo projeto em julho de 2021

Além dos R$ 3 milhões que a produção poderá captar pela Lei do Audiovisual, ainda há R$ 707.388,30 que podem vir por meio do artigo 39 da Medida Provisória 2.228-1/01, que, entre outros pontos, estabelece princípios gerais da Política Nacional do Cinema, institui o Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Cinema Nacional (Prodecine) e autoriza a criação de Fundos de Financiamento da Indústria Cinematográfica Nacional (Funcines).

Ludmilla não tem envolvimento com o projeto

Além de Bruno Engler, o deputado federal e ex-secretário de Cultura, Mario Frias também fez publicações no Twitter e no Instagram insinuando que Ludmilla teria captado quase R$ 5 milhões via Lei Rouanet para a produção do programa. Em resposta ao tuíte de Frias, Ludmilla o chamou de “desinformado” e “mal-intencionado”, e agradeceu o político por supostamente ajudar na divulgação de seu novo disco, batizado de “Vilã”.

Ludmilla ainda fez uma segunda publicação explicando que o projeto existe, mas que ela não tem qualquer relação com ele. No post, há a imagem de um documento da produtora afirmando que a cantora não participará do programa “nem está envolvida na captação de verba para a realização” do projeto.

Ao Comprova, a Filmes do Equador LTDA informou que a ideia inicial era que o programa fosse apresentado pela própria Ludmilla, mas que agora vai contar com a participação de outro artista. Também afirmou que o nome do projeto, que faz referência à cantora e a uma música dela, será alterado.

“Ela [Ludmilla] foi convidada para participar, aceitou num primeiro momento e depois sua carreira tomou rumos diferentes e ela declinou do convite. Ludmilla não vai receber nenhum valor porque ela não tem nenhuma ligação com o projeto neste momento.”

Quem publicou o conteúdo

Bruno de Castro Engler Florencio de Almeida é natural de Curitiba (PR) e foi eleito deputado estadual de Minas Gerais pelo PL em 2022. Seis anos antes, Engler foi eleito suplente na disputa pelo cargo de vereador de Belo Horizonte, pelo PSC. Em 2018, foi eleito deputado estadual de Minas Gerais pelo PSL e, em 2020, tentou concorrer novamente para prefeito da capital do estado.

De acordo com informações do site da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, Engler é coordenador do “Movimento Direita Minas, dedicado à retomada cultural e à promoção dos valores conservadores em Minas Gerais”.

Natural do Rio de Janeiro, Mario Luis Frias é deputado federal de São Paulo pelo PL e ex-Secretário Especial de Cultura do governo de Jair Bolsonaro (PL). Em 2022, Frias foi um dos políticos que teve postagens nas redes sociais com afirmações falsas envolvendo o presidente Lula removidas por decisão do ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Paulo de Tarso Sanseverino. Além de político, Mario Frias é ator e apresentador de televisão.

O que podemos aprender com esta verificação: É comum que disseminadores de desinformação descontextualizem conteúdos legítimos para criar ou sustentar narrativas enganosas. O uso de documentos verdadeiros em contextos diferentes, mesmo sem a intenção de enganar, também pode dar legitimidade a falsas narrativas e reforçar falsas evidências. No caso dos posts verificados, apesar de o documento utilizado ser real, ele foi retirado do contexto original, induzindo o leitor a uma interpretação desconectada dos fatos apurados pela verificação.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O assunto da verba supostamente recebida por Ludmilla foi tratado em notícias da Revista Caras, do grupo UOL, da Revista Veja e da Folha.

Em relação à legislação de incentivo à cultura, o Comprova já mostrou que é enganoso que Lei Paulo Gustavo tenta liberar R$ 4,3 bilhões da Lei Rouanet e que Zeca Pagodinho não recebeu milhões de reais pela Lei Rouanet por musical.

Política

Investigado por: 2023-03-13

É falso que Marinha tenha penalizado Lula por autorizar navios do Irã no Brasil

  • Falso
Falso
É falso o post segundo o qual um “general da Marinha” teria aplicado sanções contra o presidente Lula (PT) porque o governo autorizou que navios iranianos atracassem na costa brasileira. A publicação usa um vídeo de uma cerimônia na Assembleia Legislativa de São Paulo em comemoração ao Dia do Marinheiro, em 16 de dezembro de 2022 – ou seja, quando o petista nem tinha assumido e não poderia ter dado tal autorização, que ocorreu em 2023. Além disso, o chefe do Executivo é o comandante supremo das Forças Armadas, então, não poderia ter recebido uma sanção de alguém abaixo dele.

Conteúdo investigado: Post no Facebook com legenda afirmando “Urgente: General da Marinha Aplica Sanções em LUL4 Por Navios Iranianos”. O vídeo em questão mostra, porém, uma cerimônia na Alesp aparentemente sem relação com a questão dos navios iranianos.

Onde foi publicado: Facebook.

Conclusão do Comprova: Post mente ao afirmar, na legenda, que um general da Marinha teria aplicado sanções a Lula por navios iranianos. O vídeo usado no conteúdo é de uma cerimônia em comemoração ao Dia do Marinheiro, na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), em 16 de dezembro de 2022, quando o petista nem havia assumido como presidente ainda. A decisão de aceitar que embarcações vindas do Irã atracassem em águas brasileiras foi tomada pelo governo brasileiro em janeiro.

O post também erra ao afirmar que um oficial da Marinha pode aplicar sanções ao chefe do Executivo. Conforme o artigo 142 da Constituição, as Forças Armadas, das quais a Marinha faz parte, ficam “sob a autoridade suprema do presidente da República”. Portanto, não cabe a qualquer integrante da Marinha, Exército ou Aeronáutica aplicar sanção a alguém que está em posição hierárquica superior.

Além disso, o post utiliza o termo “general da Marinha”, referindo-se a um posto que não existe na Marinha, como mostra o site da Marinha do Brasil. General é uma graduação dada a integrantes do Exército, enquanto que, na Marinha, o posto equivalente é o de almirante de esquadra, vice-almirante ou contra-almirante.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O vídeo com a informação falsa teve 63 mil visualizações, 1,4 mil compartilhamentos e 4,4 mil curtidas até o dia 10 de março.

O que diz o responsável pela publicação: Contatado pela reportagem via mensagem direta no Facebook, o Canal Direita Cristã não respondeu até a publicação deste texto.

Como verificamos: O Comprova analisou os discursos proferidos no vídeo postado. Ao final do seu discurso, o vice-almirante Guilherme da Silva Costa agradece ao deputado Castello Branco (PL-SP) pela homenagem aos marinheiros. Em seguida, a imagem em plano aberto foi verificada em pesquisa pelo Google Lens e se confirmou tratar de um evento no Plenário Juscelino Kubitschek, da Alesp. O Comprova também entrou em contato com a Marinha e o Ministério de Relações Exteriores.

O vídeo

O vídeo da postagem investigada aqui mostra, além do discurso do vice-almirante Guilherme, a participação de um mestre de cerimônias em um púlpito com o logo da Alesp. A partir de 4 minutos e 20 segundos, há discurso do presidente do Sociedade Amigos da Marinha de São Paulo (SOAMAR/SP) e representante do Iate Clube de Santos, Mario Walace Simonsen. Ele inicia sua fala dizendo que a cerimônia se dá em comemoração ao Dia do Marinheiro, em alusão à data de nascimento do almirante Joaquim Marques Lisboa, Marquês de Tamandaré e patrono da Marinha do Brasil, no dia 13 de dezembro.

Segundo o site da Alesp, o ato solene foi promovido pelo deputado Castello Branco (PL-SP). O vídeo completo da cerimônia está no canal oficial da Alesp no YouTube. Os discursos completos foram verificados e não há qualquer alusão aos navios iranianos e nem mesmo ao presidente Lula (PT), se tratando apenas de falas elogiosas à história da Marinha e da corporação.

Navios iranianos no Brasil

Em 13 de janeiro, o governo brasileiro concedeu permissão para que os navios de guerra iranianos Iris Makran e Iris Dena atracassem no porto do Rio de Janeiro entre 23 e 30 de janeiro, como mostra publicação no Diário Oficial.

Dias depois, o Brasil cedeu à pressão do governo dos Estados Unidos, que não tem relações diplomáticas com o Irã, e recuou da permissão, que coincidiria com a visita de Lula a Joe Biden, em Washington.

Depois, em 23 de janeiro, o governo brasileiro autorizou a vinda dos navios entre 26 de fevereiro e 4 de março.

A decisão foi criticada pelo governo Biden, que a considerou “lamentável”, embora soberana, conforme a Folha publicou.

O Comprova tentou contato com o Ministério das Relações Exteriores, mas não obteve resposta. Em entrevista à GloboNews, Maria Laura Rocha, secretária-geral do órgão, afirmou que a vinda das embarcações se deu por conta da comemoração dos 120 anos de relações diplomáticas entre Brasil e Irã e que “as tensões entre Estados Unidos e Irã são problema” desses países. Ela também afirmou que isso não deve causar atrito nas relações do Brasil com o governo norte-americano. “Quando você tem um bom relacionamento de verdade, você pode discordar em algumas coisas”, afirmou.

O que podemos aprender com esta verificação: Desinformadores costumam apresentar seus conteúdos com expressões que chamam a atenção, como a palavra “bomba”, utilizada no conteúdo verificado aqui. Então, devemos considerar que posts que começam dessa forma, se não são de veículos profissionais, devem logo suscitar dúvidas. Desconfie e busque pelos termos usados na publicação em sites de busca. Outro ponto de atenção é que o perfil escreve “Lul4”, com um número quatro no lugar da letra “a”, e não Lula. Quando vir conteúdos assim, desconfie também, já que esta é uma tática usada por quem quer desinformar. Ela é utilizada para evitar que as publicações sejam facilmente encontradas, mantendo-as fora do radar dos algoritmos das redes sociais e, assim, dificultando que sejam removidas ou tenham alcance reduzido.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O mesmo conteúdo foi checado pelo Estadão Verifica. Publicações que citam o Exército já foram investigadas pelo Comprova, como o vídeo que inventa acusações de comandante do Exército contra Alexandre de Moraes e post que mente ao afirmar que Exército e Itamaraty identificam ameaça externa na fronteira do Brasil. Mais recentemente, em sua quinta fase, o Projeto Comprova já apurou posts envolvendo Lula, como o que afirma falsamente que ele mandou idosos caminharem para compensar reoneração de combustíveis.

Política

Investigado por: 2023-03-10

É falso que Lula desligou bombas da transposição do São Francisco; vídeo mostra ciclista em outro local

  • Falso
Falso
É falso que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha cortado o abastecimento de água para os nordestinos e que, agora, ciclistas usem os canais da transposição do Rio São Francisco para pedalar, já que as estruturas estão secas. O vídeo usado na publicação não foi feito em um canal da transposição, e sim em um trecho em obras do Cinturão das Águas do Ceará (CAC) na cidade do Crato. A obra é do governo do estado e ainda não está concluída.

Conteúdo investigado: Vídeo que mostra ciclista pedalando dentro de um canal, cuja legenda e hashtags afirmam que o presidente Lula cortou o abastecimento de água para nordestinos na transposição do Rio São Francisco.

Onde foi publicado: TikTok e site Terra Brasil Notícias.

Conclusão do Comprova: São falsos os conteúdos que usam o vídeo de um ciclista pedalando dentro de um canal sem água para acusar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de ter interrompido o abastecimento de água dos nordestinos por meio do desligamento da transposição do Rio São Francisco. O abastecimento através da transposição não foi interrompido por ordem do governo federal e o local onde o ciclista pedala não é um canal da transposição, e sim do Cinturão das Águas do Ceará (CAC), uma obra do governo do estado.

O trecho mostrado no vídeo fica na cidade do Crato (CE), por onde passam os lotes 3 e 4 do trecho 1, que ainda não foram entregues. Embora não seja uma parte do Projeto de Integração do São Francisco (PISF) – o nome oficial da obra de transposição – o Cinturão das Águas é a principal estrutura que levará água do Eixo Norte da transposição, partindo do reservatório do Jati, até o Açude Castanhão, o maior do Ceará.

O vídeo foi feito no dia 25 de fevereiro de 2023 em um ponto das obras próximo ao Açude Thomaz Osterne, também conhecido como Açude do Umari, a cerca de 20 quilômetros de distância da sede do município do Crato, que fica na região do Cariri. O autor do conteúdo original é Fabiano Almeida, dono de uma oficina de bicicletas chamada Fó Bike – Oficina dos Campeões.

Ele postou o vídeo no TikTok e no Instagram, onde deixou claro na legenda que o local é um trecho em obras do Cinturão das Águas.

| Reprodução do Instagram.

O conteúdo, porém, foi republicado por canais bolsonaristas que alegaram que o local fazia parte da transposição do Rio São Francisco, que a obra teria sido entregue pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e que, após Lula assumir o governo, os canais teriam secado. Nada disso é verdade. Na realidade, nenhum dos eixos da transposição passa por Crato e o governo Lula não mandou desligar a transposição, como já mostraram checagens feitas pelo Estadão Verifica, UOL Confere, Reuters, Aos Fatos, Agência Lupa, Agência Tatu e Fato ou Fake.

Embora a obra do Cinturão das Águas conte com repasses federais desde 2013, ela é executada pelo governo do Ceará. Em julho de 2022, a obra tinha 73,27% da execução concluída.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Em apenas duas publicações no TikTok, este conteúdo alcançou mais de 940 mil visualizações. Uma das postagens foi apagada depois de ter tido, sozinha, mais de 925 mil visualizações.

O que diz o responsável pela publicação: O Projeto Comprova não conseguiu contato com os autores das publicações falsas no TikTok. Já o formulário de contato do site Terra Brasil Notícias, que teve outro conteúdo recentemente checado pelo Comprova, apresenta erro e não permite o envio de mensagem.

Como verificamos: O primeiro passo foi localizar o vídeo original e identificar quem era o ciclista que aparecia nas imagens. Uma busca no TikTok pelos termos “ciclista transposição” retorna dezenas de resultados com teor desinformativo. A mesma busca no Google levou a um texto publicado pelo site Terra Brasil Notícias, que também desinforma, mas direciona à publicação original feita no TikTok pelo perfil identificado como @fabianofobike.

A publicação de Fabiano no TikTok não tem inscrições na imagem, nem legenda que identifique o local da gravação. Através de outros vídeos no perfil, o Comprova identificou que Fabiano, provavelmente, mora na cidade do Crato, no Ceará: há um vídeo mostrando ruas da cidade e outro, exibindo uma placa de carro. Por meio do aplicativo Sinesp Cidadão, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, foi possível identificar que a placa era de um Chevrolet Onix branco, modelo 2021, do Crato.

Como não era possível enviar mensagens para Fabiano pelo TikTok, o Comprova procurou pelo perfil com o mesmo nome em outras redes sociais, até localizá-lo no Instagram. O mesmo vídeo, postado lá no dia 25 de fevereiro de 2023, confirmava, na legenda, que as imagens tinham sido feitas nas obras do Cinturão das Águas do Ceará na cidade do Crato.

A partir da imagem do perfil no Instagram, o Comprova fez uma busca reversa e localizou endereço e contato da oficina Fó Bike e, por telefone, conseguiu falar com Fabiano, que confirmou ser ele o ciclista nas imagens. Ele ainda identificou o local do vídeo como sendo as obras do Cinturão das Águas no Crato e confirmou que o vídeo foi feito nos canais em construção perto do Açude do Umari, na mesma cidade. Os trechos foram identificados por meio de imagens de satélite do Google Earth Pro, Planet.com e EOS.com.

Por fim, foram contatadas a Secretaria dos Recursos Hídricos do Ceará (SRH), responsável pelas obras do Cinturão das Águas, e o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR), que responde pela transposição do São Francisco. Também foram acessadas outras checagens sobre falsas alegações de que o presidente Lula mandou desligar a transposição do Rio São Francisco assim que assumiu a Presidência da República.

Vídeo não mostra canais da transposição do Rio São Francisco

O canal praticamente sem água que aparece no vídeo aqui investigado não é do Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF), também chamado de transposição do São Francisco, e sim do Cinturão das Águas do Ceará. O CAC, como é conhecido, é uma obra do governo do Ceará e não faz parte do PISF, mas é a principal estrutura que levará água do Eixo Norte da transposição, partindo do reservatório do Jati, até o Açude Castanhão, o maior do Ceará.

As obras do CAC ainda não estão totalmente concluídas: o Trecho 1 é dividido em cinco lotes e, até agora, três estão prontos e funcionando – os lotes 1 e 2 vão do Jati até Missão Velha, enquanto o lote 5 é formado por túneis no percurso. Há dois lotes que passam pelo município do Crato, o 3 e o 4. Por lá, as obras foram retomadas em setembro de 2020. A última atualização sobre andamento desses dois lotes é de fevereiro de 2021: o lote 3 tinha 29,45% das obras concluídas e o lote 4 tinha 7,91%. É entre esses dois lotes que o vídeo usado pelas publicações aqui investigadas foi feito.

| Imagem de satélite captada no dia 7 de março de 2023 pelo site EOS.com mostra canais em construção entre a sede do município e o Açude do Umari.

| Outra imagem captada em 23 de maio de 2021 pelo Google Earth Pro mostra um dos trechos do Canal executado.

De acordo com Fabiano Almeida, que aparece nas imagens, é comum que ciclistas da região pedalem nos canais enquanto a obra não fica pronta. Ele disse ao Comprova que as pessoas que usaram seu vídeo não compartilharam a informação correta. “O pessoal pega e não diz as coisas direito, mas no Instagram tem a legenda certinho falando que é no Cinturão das Águas, fica aqui no Crato”, afirma.

Ele nega que o lugar esteja sem água agora, após o início do governo Lula, e explica que, na verdade, ainda não há estrutura suficiente para que a água corra pelos canais. “Ali não tem como ter água ainda, não, porque eles vão fazendo por etapa, fazem um trecho, depois fazem outro trecho. Aquela parte ainda não tem como ter água porque acho que depois que fizer aquilo ali é que eles vão colocar os canos, tem uns canos bem grandes”, afirma Fabiano.

A Secretaria dos Recursos Hídricos do Ceará confirmou as declarações do ciclista. Procurada, a assessoria de comunicação da pasta consultou técnicos, que informaram que o trecho que aparece nas imagens fica mesmo nas obras ainda em execução no Crato e que, por não estarem concluídas, ainda não é possível ter água correndo pelos canais que passam pela cidade.

Governo Lula não interrompeu fornecimento de água pela transposição

Assim como é falso que o vídeo mostra canais da transposição do São Francisco secos, também não é verdade que o governo Lula interrompeu o fornecimento de água pela transposição assim que assumiu o governo para prejudicar os nordestinos.

Conteúdos como esse circulam desde o final de janeiro e usam, em geral, imagens de canais do CAC como se fosse a transposição, para atacar o atual governo, como já mostrou, por exemplo, o Estadão Verifica aqui e aqui. Além de os posts não mostrarem a realidade, eles desconsideram que a vazão de água do PISF liberada para cada estado atendido pelo projeto não é contínua, e sim feita sob demanda.

“A oferta de água pelo Projeto de Integração do São Francisco, determinada pela outorga, é intencionalmente flexível para harmonizar as necessidades da bacia doadora e otimizar, de modo adaptativo, as vazões disponíveis ao planejamento dos Estados”, diz o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, em nota.

O MIDR explica que os Estados elaboram o Plano Operativo Anual (PGA) com as demandas de água a serem atendidas pelo PISF. Esse plano é submetido à Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA) para aprovação e posterior publicação do Plano de Gestão Anual. O PGA desde ano foi publicado no Diário Oficial da União do dia 10 de fevereiro, por meio da Resolução nº 145/2023.

O documento diz que o plano do Ceará é receber uma vazão média de 10 mil m³/s no Reservatório do Jati entre os meses de fevereiro e julho deste ano. Apesar do planejamento, o MIDR disse que o governo do Ceará ainda não demandou água do PISF em 2023, e o Monitoramento Operacional do Sistema PISF-CAC diz que a última vez que houve vazão de água da transposição para o Cinturão das Águas foi em novembro do ano passado.

“No Ceará, os pedidos de água acontecem, prioritariamente, durante o período chuvoso, pois as transferências de água são feitas pelos leitos dos rios, que neste período se encontram com água corrente e facilitam o trânsito do recurso hídrico, além de sofrer menos perdas através da evaporação. A falta da água do PISF, neste momento, não compromete o abastecimento hídrico do Estado”, disse a SRH.

Estação de bombeamento passa por reparo de problema detectado em setembro de 2022

Há um trecho da transposição, no Eixo Norte, em que o bombeamento não está ocorrendo, mas a interrupção foi feita para o reparo em um problema detectado em setembro do ano passado. O problema afeta o conjunto de motobombas da Estação de Bombeamento EBI 3, no reservatório Negreiros, em Salgueiro (PE).

“A suspensão foi necessária após ocorrência de vibração excessiva, que ocasionou desgaste relevante e prematuro nos rolamentos. A medida foi tomada, visando a preservação do bem público e segurança dos trabalhadores envolvidos na operação”, disse o MIDR, em nota. O ministério acrescentou que acionou o fabricante para providenciar a substituição dos rolamentos danificados.

O MIDR não informou quando o reparo vai ser concluído, mas disse não medir esforços para normalizar o serviço.

O que podemos aprender com esta verificação: A transposição do Rio São Francisco tem sido alvo de desinformação há bastante tempo. As obras se arrastaram por quatro governos federais até ser concluída na gestão passada, de Jair Bolsonaro – 90% já havia sido executado quando ele assumiu. Nas redes, apoiadores do, agora, ex-presidente tentaram inflar sua responsabilidade sobre o projeto e,desinformam ao afirmar que o novo presidente, Lula, desligou as bombas da transposição com a intenção de deixar os nordestinos sem água.

Retirar de contexto conteúdos legítimos para usá-los em um contexto diferente para apoiar narrativas enganosas é uma tática comum dos disseminadores de desinformação. Conteúdos legítimos usados em falsos contextos são verossímeis e mais facilmente aceitos pelos incautos. A dificuldade em identificar os pontos exatos dos canais da transposição e a semelhança entre eles e uma obra auxiliar do governo do Ceará, o Cinturão das Águas, ainda em obras, facilita a ação de quem desinforma, porque nem sempre é possível reconhecer facilmente de qual obra se tratam os vídeos, enquanto todos eles são disseminados como se fossem trechos da transposição do São Francisco.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Desde janeiro deste ano, diversas agências de checagem vêm desmentindo conteúdos que afirmam que o governo Lula mandou desligar as bombas da transposição do Rio São Francisco, sob o argumento de que o governo federal quer que os nordestinos voltem a depender de cisternas e carros-pipa. Conteúdos assim foram desmentidos pelo Estadão Verifica (aqui e aqui), UOL Confere, Reuters, Aos Fatos, Agência Lupa, Agência Tatu e Fato ou Fake.

O Estadão também desmentiu alegações de que o governo do Ceará tinha mandado recolher tubulações de água na região de Trairí, de que além de o governo federal desligar a transposição, havia fraude em GPS de carros-pipa, de que o governo federal tinha cortado verba da Operação Carro-Pipa e de que caminhões-pipa estão sendo alugados atualmente no Nordeste por R$ 155 mil.