Política

Investigado por: 2023-06-14

Foto de menina interagindo com homens fantasiados de cães é de Parada LGBT+ de Montreal, em 2019

  • Enganoso
Enganoso
Post engana ao sugerir que foto de criança interagindo com homens com máscara de cachorro e sem camisa é da Parada LGBT+ de São Paulo, realizada em 11 de junho. A imagem, que mostra homens praticando "puppy play", um tipo de fetiche em que os participantes se passam por cachorro ou gato, é da Parada de Montreal, no Canadá, em 2019.

Conteúdo investigado: Post publicado pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) em 11 de junho, data da Parada LGBT+ de São Paulo, com foto de uma garota segurando bandeira de arco-íris ao lado de três homens com máscara de cachorro, ajoelhados no chão – dois deles sem camisa. Na legenda, ele escreveu: “Vestir uma criança de policial e levar pro 7 de Setembro é extremismo. Levá-la pra igreja é fundamentalismo religioso. Levar uma criança pra parada LGBT é belo e moral”.

Onde foi publicado: Twitter.

Conclusão do Comprova: É enganoso post do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) que usa foto de menina interagindo com homens com máscara de cachorro – dois deles sem camisa e com acessório de fetiche sexual no peito –, sugerindo que a cena ocorreu na Parada LGBT+ de São Paulo. Na publicação, feita em 11 de junho, dia do evento paulistano, ele escreveu: “Vestir uma criança de policial e levar pro 7 de Setembro é extremismo. Levá-la pra igreja é fundamentalismo religioso. Levar uma criança pra parada LGBT é belo e moral”. A foto é, na realidade, da edição de 2019 da Parada LGBT+ de Montreal, em Québec, no Canadá.

O comunicador Felipe Neto tuitou sobre o post de Nikolas e, em resposta, o deputado afirmou não ter mencionado que a foto teria sido tirada na capital paulista. Mas não foi o que muitos de seus seguidores entenderam, como mostram os comentários de pessoas que compartilharam o conteúdo. Veja abaixo a reprodução de duas dessas postagens. 

Em uma busca rápida pela imagem no Google foi possível descobrir tratar-se de outro evento, pois os posts mais antigos usando a mesma foto eram de 2019. Assistindo a vídeos de 2019 da Parada de Montreal, chamada de Fierté Montréal, foi possível ver os mesmos homens que aparecem na foto com máscara de cachorro. Eles praticam “puppy play”, ou “pet play”, um tipo de fetiche em que os participantes se passam por cachorro ou gato.

A reportagem contatou a organização da Fierté Montréal, mas eles responderam que não comentariam o caso.

Enganoso, para o Comprova, é todo o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O tuíte de Nikolas foi compartilhado mais de 8,1 mil vezes e teve quase 44 mil curtidas até 14 de junho.

Como verificamos: O primeiro passo foi fazer uma busca reversa da foto no Google Imagens. O resultado trouxe um tuíte de 22 de agosto de 2019 em que o usuário refere-se a paradas do Orgulho LGBT+ e diz que a imagem é em Montreal, em 2019, dando a primeira dica para a equipe do Comprova.

A reportagem, então, buscou vídeos do evento no YouTube e assistiu à parada daquele ano, conseguindo identificar os homens-cães. Nesta gravação, eles aparecem a partir dos 28’40”. Uma busca mais detalhada no Google, com termos como “Pride”, “Montreal 2019” e “pups” (cachorrinhos, em inglês), trouxe um outro tuíte, de abril de 2023, em que o autor, @lorgair, faz uma verificação da foto, dizendo não se tratar da Folsom Street, rua famosa de San Francisco, nos Estados Unidos. No fio, ele também diz que a foto foi feita na Parada LGBT+ de Montreal.

A partir daí, a reportagem contatou o perfil Pup Montreal no Facebook e conversou com Sillas Grey, dono da página e um dos membros do grupo que esteve na Parada fazendo “puppy play”. Ele colocou a reportagem em contato com um dos homens que aparecem na foto do post de Nikolas. O Comprova conversou com ele, mas não usou suas declarações pois ele não quis ter seu nome publicado por medo de retaliações.

Lendo a marca d’água de uma foto semelhante à do post de Nikolas publicada na verificação do perfil @lorgair (reprodução abaixo), a reportagem conversou com a fotógrafa Cat Myth – que registrou o momento – por mensagem privada no Instagram.

Cães-humanos

Os homens que aparecem na foto fazem parte do grupo WoofMTL (“woof” é a expressão em inglês para a onomatopeia de latido de cachorro), de Montreal. Eles são praticantes do “puppy play”.

De acordo com Sillas Grey, um dos membros do WoofMTL, o grupo é “uma reunião de seguidores de brincadeiras de cachorrinhos”. Nem ele nem os perfis do grupo cita práticas sexuais, mas, segundo reportagem do The New York Times, os praticantes do “puppy play” “fazem parte de uma comunidade maior que se interessa por bondage, dominação, submissão, sadismo e masoquismo, conhecidos coletivamente como BDSM”.

A prática existe em vários locais do mundo, inclusive em São Paulo, onde, em 2021, um casal de mulheres foi visto fazendo puppy play em um shopping da cidade.

Segundo Grey, atualmente, o puppy play possui diversas definições. “Alguns apreciam o carinho, a brincadeira e a parte carinhosa, o lado mais leve. Alguns buscam o domínio e o controle, o lado mais sombrio. Alguns vão procurar um pouco de ambos”, diz ele, explicando que a teoria mais aceita é a de que a prática surgiu a partir do BDSM.

Puppy play em Montreal

Na Parada LGBT+ de Montreal, o grupo WoofMTL organiza um ponto de encontro para “os adeptos do ‘puppy play’ e de outras brincadeiras antropomórficas e seus amigos para se juntar como um grupo de cachorros”, diz Sillas Grey.

Nos vídeos do evento de 2019 no YouTube, o público que está assistindo recebe o grupo de forma calorosa quando eles desfilam.

“A Parada LGBT+ tem tudo a ver com expressão, aceitação e diversidade”, afirma Grey. “Naquele dia, todos estavam sorrindo e tirando fotos. Do meu ponto de vista, parecia um momento lindo. Uma garotinha que queria acariciar um homem em uma ‘fantasia de cachorro’, pela perspectiva dela. Parecia assim, como uma criança abraçaria um personagem da Disney.”

Cat Myth, fotógrafa canadense que esteve na Parada de Montreal em 2019 e fez clique semelhante ao do post de Nikolas, contou ao Comprova não ter visto nada inapropriado ao ver uma garota brincando com os homens-cães. “Quanto às reações, não houve nada de negativo quando postei a imagem em minhas plataformas de mídia social”, disse.

Conservadorismo

Além do post de Nikolas Ferreira, outros políticos criticaram a presença de crianças na 27ª Parada LGBT+, ligando o fato à esquerda. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) tuitou uma foto de uma criança segurando um estandarte com a inscrição “Crianças trans existem”. Na legenda, escreveu: “A esquerda tenta empurrar sua agenda justamente na infância para que o estrago introduzido seja de difícil reversão”. Ele ainda diz que, no futuro, “podem retirar sua autoridade sobre seus próprios filhos e fazerem uma cirurgia ou tratamento hormonal para mudança de sexo”.

Como mostra reportagem do Poder360, a deputada estadual suplente Amanda Vettorazzo (União Brasil-SP) agiu de forma semelhante. Postou um vídeo da passagem do bloco Crianças e Adolescentes Trans Existem e questionou: “Qual a tara dessas pessoas com crianças? Eu não acho certo. E vocês?”.

A ONG Minha Criança Trans, que organizou o bloco, se pronunciou sobre os ataques em seu perfil no Instagram. “Não vamos nos intimidar e tomaremos medidas legais contra a propagação de fake news e crimes de injúria, calúnia, difamação, transfobia e incitação ao ódio e violência”, afirmou a entidade.

Parada do Orgulho LGBT+

A Parada do Orgulho LGBT+, que acontece em diversos países ao redor do mundo, partiu de um confronto entre policiais e manifestantes nos Estados Unidos, em 28 de junho de 1969, em defesa do clube gay Stonewall Inn, de Nova York.

A data do conflito se transformou na ocasião em que se comemora o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+. Os desfiles, por sua vez, começaram no mesmo dia em 1970.

O intuito dessas paradas, segundo o site oficial do evento de São Paulo, é de se manifestar socialmente, reivindicar direitos, promover a visibilidade e celebrar a diversidade, com ações políticas e afirmativas.

O que diz o responsável pela publicação: A reportagem tentou contato com Nikolas Ferreira por e-mail e telefone, mas não houve retorno até a publicação deste texto.

O que podemos aprender com esta verificação: O post checado apela para a sugestão de que a imagem teria sido tirada na Parada do Orgulho LGBT+ em São Paulo e deixa a desinformação, de fato, circular a partir dos posts causados pela própria indignação dos seguidores do perfil.

Com isso, podemos aprender que é sempre importante desconfiar de conteúdos vagos e que apelem para despertar sentimentos fortes no leitor. Dito isso, diante de qualquer assunto na internet, é importante buscar sempre fontes confiáveis (como de veículos de informação profissionais) antes de propagá-lo. Quando isso não é possível, vale sempre a busca por conteúdos similares em mais de uma fonte de informação.

Também vale ressaltar que a foto foi usada por conservadores em outros países, ou seja, uma mesma imagem pode ser usada em diferentes contextos.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A 27ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo foi alvo de várias desinformações. Entre elas, durante essa semana, circulou que um homem vestido de Jesus teria feito pole dance em uma cruz no evento (checado pela Agência Lupa, AFP Checamos e Aos Fatos) e que um outro teria usado uma camiseta com a frase “trans kids are sexy” (crianças trans são sexy, em português) (checado por Aos Fatos e Reuters).