O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Investigado por: 2023-12-01

Brasil defende solução pacífica entre Venezuela e Guiana em disputa por região petrolífera

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O governo brasileiro não toma partido na atual tensão entre Venezuela e Guiana pelo controle do território de Essequibo, região com mais de 160 mil quilômetros, rica em recursos naturais e que está sob administração da Guiana. A posição oficial do Itamaraty é de busca por uma solução negociada e pacífica para o caso. O Ministério da Defesa enviou reforço de tropas do Exército Brasileiro a Roraima, na região da fronteira com os dois países. O objetivo, segundo o ministro José Múcio disse à TV Globo, é impedir que militares venezuelanos transitem pelo território brasileiro.

Conteúdo investigado: Vídeo no Instagram aborda tensão entre Venezuela e Guiana pelo domínio do território de Essequibo, administrado pela Guiana e onde foram descobertas ricas jazidas de petróleo em 2015. Ao afirmar que tropas do Exército Brasileiro se deslocaram para Roraima, na região da fronteira do Brasil com os dois países, o responsável pela gravação diz que, devido à proximidade do presidente brasileiro com o venezuelano, “a população fica na dúvida se este comboio seria para impedir a invasão venezuelana ou para apoiá-la”. Ele alega também que o episódio pode colocar em xeque a relação do Brasil com os Estados Unidos, já que uma empresa americana de petróleo atua na região.

Onde foi publicado: Instagram.

Contextualizando: Informações de que o Exército Brasileiro enviou reforço a Pacaraima (RR), na região da tríplice fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana, começaram a ganhar projeção nas redes sociais em novembro de 2023. Segundo publicação do jornal Folha de Boa Vista do dia 24, “moradores do município de Pacaraima divulgaram, nas últimas duas semanas, vídeos que registram uma movimentação anormal de tropas do Exército Brasileiro em direção à fronteira do Brasil com a Venezuela”.

Posteriormente, entre os dias 29 e 30, outros veículos começaram a publicar notícias sobre o reforço (Folha de S.Paulo, Estadão, TV Globo, Agência Brasil), que acontece em momento em que a Venezuela ameaça anexar a região de Essequibo, que corresponde a dois terços do território da Guiana, fica na fronteira entre os dois países e é rica em petróleo recursos naturais. A região é disputada entre Venezuela e Guiana desde 1841. A reivindicação do território pela Venezuela se intensificou a partir de 2015, quando foram descobertas jazidas de petróleo em Essequibo.

A controvérsia pela soberania da região remonta a 1811, quando a Venezuela tornou-se independente do domínio espanhol tendo a região de Essequibo como parte de seu território. Três anos depois, em um acordo com a Holanda, o Reino Unido assumiu o controle da área que corresponde à Guiana e, segundo denúncia da Venezuela em 1841, se apoderou do território. O impasse resultou, em 1899, em um tribunal internacional que decidiu que o território pertencia à então Guiana inglesa.

A Venezuela, porém, voltou a contestar o domínio da região de Essequibo e atualmente se apega a um acordo, firmado em Genebra, pouco antes da independência da Guiana, em 1966, que decidiu por uma solução negociada, mas que nunca saiu. A Guiana, por sua vez, reivindica a validade do acordo de 1899, não reconhecido pela Venezuela.

A escalada atual na tensão, além de motivar o reforço do Exército Brasileiro na fronteira, resultou no envio de chefes militares à Guiana pelo governo norte-americano para planejar a defesa do país. O Reino Unido também se manifestou pela ajuda militar à Guiana contra uma possível investida bélica da Venezuela.

Reforço militar é para impedir trânsito de tropas venezuelanas em território brasileiro

Segundo o G1, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, afirmou à TV Globo, em 30 de novembro, que o envio de reforço do Exército Brasileiro a Pacaraima tem o objetivo de evitar qualquer trânsito de militares venezuelanos pelo território brasileiro. Ao Comprova, o Ministério da Defesa afirmou, em nota, que tem acompanhado a situação: “As ações de defesa têm sido intensificadas na região da fronteira ao Norte do país, promovendo maior presença militar”, informou a pasta.

Itamaraty busca solução pacífica para o caso

O vídeo que viralizou no Instagram sobre o assunto diz que, devido à proximidade de Lula com Nicolás Maduro, presidente venezuelano, não se sabe se o reforço do Exército Brasileiro na fronteira seria para impedir a invasão venezuelana da Guiana ou para apoiá-la. Segundo posicionamento do Ministério das Relações Exteriores, o Brasil é neutro no caso.

Em 30 de novembro, a embaixadora brasileira Gisela Padovan, secretária de América Latina e Caribe do Itamaraty, disse que o Brasil tem conversado com as duas partes em busca de uma solução negociada e pacífica para a questão. “O nosso interesse realmente é não ter nenhuma questão militar e bélica na nossa região. A gente prima pela paz e pela cooperação e todos os esforços brasileiros, nos mais diferentes âmbitos, são nesse sentido”, disse a embaixadora.

A embaixadora ressaltou que o caso está sendo avaliado pela Corte Internacional de Justiça da Organização das Nações Unidas (ONU), e que o governo brasileiro está acompanhando as resoluções do órgão sobre o caso. “O Brasil está acompanhando e mantendo um diálogo construtivo em busca de uma solução bilateral ou pela Corte, mas uma solução pacífica”, disse Gisela Padovan.

Em meio à tensão entre os dois países, Nicolás Maduro convocou um referendo para 3 de dezembro em que os venezuelanos terão que responder se apoiam a anexação de cerca de 75% do território da Guiana para a criação da chamada “Guiana Essequiba”.

Em 1º de novembro de 2023, a Corte Internacional de Justiça decidiu que a Venezuela não pode tentar anexar a região de Essequibo, na Guiana. Porém, o governo de Caracas diz que não reconhece o órgão e que o referendo está mantido. A Corte tem o papel de resolver disputas entre Estados, mas sua atuação é mais simbólica do que prática, já que o tribunal não pode obrigar países a cumprirem suas decisões.

Como o conteúdo pode ser interpretado fora do contexto original: Da forma como foi veiculado, o vídeo e o comentário do autor dão margem à interpretação de que o envio de tropas do Exército Brasileiro para Roraima teria o objetivo de apoiar o governo venezuelano em uma possível invasão à Guiana.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova fez contato com o responsável pela conta que postou o vídeo. Ele alegou propósito informativo. Porém, quando perguntado sobre a origem da informação, critério e contexto da publicação em seu perfil no Instagram, não respondeu.

Alcance da publicação: Até o dia 1º de dezembro, o vídeo que motivou esta verificação tinha 1,7 milhão de visualizações, 159.413 mil curtidas no Instagram, 22,6 mil envios, além de 1,7 mil comentários.

Como verificamos: O Comprova buscou notícias na imprensa sobre o conflito entre Venezuela e Guiana pelo domínio de Essequibo e fez contato com o Ministério da Defesa e o Ministério das Relações Exteriores para entender a posição do Brasil na disputa e o envio de tropas do Exército para a região da tríplice fronteira. O Comprova também identificou um padre que atua há 11 anos em Pacaraima para buscar informações sobre o clima na região e fez contato com o responsável pelo vídeo que deu origem a esta verificação.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Outros conteúdos que viralizaram recentemente nas redes sociais motivaram a criação dos seguintes textos explicativos pelo Comprova: Divulgação de salários por empresas visa igualdade de gênero e não prevê exposição de dados pessoais; Desmatamento na Amazônia cai, mas queimadas crescem; e Lei que institui pau de arara como manifestação cultural não permite retorno do uso dos veículos.

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Investigado por: 2023-11-29

Divulgação de salários por empresas visa igualdade de gênero e não prevê exposição de dados pessoais

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Decreto do governo federal que regulamenta Lei da Igualdade Salarial estabelece que empresas com mais de 100 empregados deverão divulgar relatórios constando o cargo de seus trabalhadores e trabalhadoras e os valores de suas remunerações. A intenção é verificar se a legislação está sendo cumprida. Caso constatada desigualdade salarial entre homens e mulheres, a empresa será notificada e terá que elaborar um plano para mitigação do problema.

Conteúdo investigado: Publicações afirmam: “de acordo com um decreto do Governo Federal, as empresas estão agora obrigadas a divulgar os salários de seus colaboradores”. Nas postagens, não fica claro se os nomes das pessoas também serão divulgados junto com os valores nem qual é o motivo da política governamental.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter) e Telegram.

Contextualizando: A partir de 2024, empresas com mais de 100 empregados terão que divulgar o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, que deverá conter cargo ou ocupação das trabalhadoras e dos trabalhadores e os valores de todas as remunerações. A publicação deve trazer as informações com os dados pessoais anonimizados, ou seja, sem identificação.

A medida está prevista no Decreto nº 11.795, publicado no Diário Oficial da União (DOU) do dia 23 de novembro, regulamentando a Lei nº 14.611, de julho deste ano. A lei estabeleceu a obrigatoriedade de igualdade salarial entre mulheres e homens para a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função, enquanto o decreto trata dos mecanismos a serem utilizados para garantir e fiscalizar isso.

Os relatórios deverão ser divulgados a cada seis meses, sempre nos meses de março e setembro, e devem conter os valores relativos ao salário contratual; 13° salário; gratificações; comissões; horas extras; adicionais noturno, de insalubridade, de penosidade, de periculosidade, entre outros; terço de férias; aviso prévio trabalhado; descanso semanal remunerado; gorjetas; e outras remunerações previstas em norma coletiva de trabalho.

Outras informações que deverão constar nos relatórios ainda serão estabelecidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), bem como o formato e procedimento de envio, que deverá ser por meio de ferramenta informatizada. Além do envio ao MTE, os relatórios deverão ser disponibilizados ao público na internet.

Caso seja constatado que há desigualdade salarial entre homens e mulheres, funcionários da mesma empresa, ela será notificada pelo MTE e a empresa terá 90 dias para elaborar um Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Homens e Mulheres. Estes planos deverão conter as medidas a serem adotadas, bem como a implementação de ações de promoção da diversidade e inclusão no ambiente de trabalho.

Como o conteúdo pode ser interpretado fora do contexto original: Sem o contexto, o usuário que se depara com a publicação não tem como compreender do que se trata o decreto em questão e por qual motivo as empresas são obrigadas a divulgar os salários dos colaboradores. A afirmação isolada pode até gerar interpretações equivocadas sobre vazamento de dados pessoais e invasão de privacidade.

O que diz o responsável pela publicação: Foi enviada mensagem direta para o autor da publicação via X . O perfil em questão enviou como resposta links de matérias que anunciam o decreto publicado pelo governo federal. A página, que se classifica como portal de “notícias, comédia, paródia, ironia e sátira”, já compartilhou outros conteúdos alvos de investigação do Comprova.

O que podemos aprender com esta verificação: Usuários das redes sociais devem estar atentos a informações incompletas que circulam online. No caso da publicação em questão, não havia contexto suficiente para entender do que se tratava o decreto, o que dá margem para interpretações equivocadas, como por exemplo, a compreensão errônea de que os dados pessoais dos trabalhadores e trabalhadoras seriam expostos, sem respeito à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.

Alcance da publicação: No X, a publicação teve 26,8 mil visualizações, 23 comentários, 37 republicações e 329 curtidas até 29 de novembro. No Telegram, foram 8,3 mil visualizações até a mesma data.

Como verificamos: No Google, fizemos uma busca pela frase: “empresas estão agora obrigadas a divulgar os salários de seus colaboradores”. Como resultado da pesquisa, apareceu uma matéria da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), portal de notícias governamental, anunciando a publicação do decreto que regulamenta a lei da igualdade salarial. A partir disso, analisamos as informações incluídas no Decreto nº 11.795 e na Lei nº 14.611, sancionada em julho deste ano.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já realizou outras checagens sobre o tema de regulamentação de empresas privadas. Em junho deste ano, mostramos que tarifação em Pix para empresas é facultativa e existe desde 2020. Anteriormente, também mostramos que é falso que PT tenha projeto de expropriar empresas privadas.

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Investigado por: 2023-11-22

Desmatamento na Amazônia cai, mas queimadas crescem; veja dados dos governos mais recentes

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A Amazônia é frequentemente alvo de desinformação nas redes sociais. Números e imagens mostrando desmatamento e queimadas são usados, muitas vezes sem contexto, por diferentes grupos políticos para atacar opositores. O Comprova analisa dados de queimadas e incêndios na Amazônia brasileira e esclarece, a partir de análises de especialistas, o aumento de focos de incêndio no bioma em 2023.

Conteúdo investigado: Em vídeo publicado no Instagram, uma mulher aborda pessoas na rua e mostra imagens de queimadas que ela diz serem na Amazônia. Ela questiona os passantes se as fotos seriam de incêndios que ocorreram durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ou do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os respondentes indicam que seriam imagens feitas durante o governo Bolsonaro e ela afirma que são fotos de 2023 e que “a mídia não está noticiando nada”. O vídeo é acompanhado da legenda “Até ano passado, queimadas na Amazônia eram escândalo. Hoje, não dá nem notícia. Por quê?”.

Onde foi publicado: Instagram

Contextualizando: A preservação da floresta amazônica é ponto crucial no debate sobre as mudanças climáticas. No Brasil, o tema divide grupos políticos. Durante seu mandato, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi criticado dentro e fora do país pelas decisões políticas que afetaram o bioma. Ele é acusado de favorecer o agronegócio em detrimento da preservação da floresta e de ser responsável por aumentar o garimpo ilegal na região. Já neste primeiro ano de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que prometeu zerar o desmatamento ilegal até 2030, o país registra na Amazônia o maior número de queimadas para o mês de outubro em 15 anos.

Em 2023, dados oficiais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que houve uma redução do desmatamento no bioma, mas um aumento nas queimadas. Segundo especialistas ouvidos pelo Comprova, os motivos são diversos e incluem as condições climáticas — principalmente pela influência do El Niño —; queimadas para gestão da terra; e o legado de desmatamentos anteriores, que acabam deixando o solo seco e, com isso, mais propenso a incêndios.

Nas redes sociais, opositores de Lula cobram do poder público, de ativistas e até artistas posicionamento a respeito do aumento nos focos de incêndio, alegando que durante o mandato do ex-presidente Bolsonaro havia uma exigência maior de ações governamentais para controlar a degradação da Amazônia. Alguns grupos políticos afirmam ainda que a imprensa estaria deixando de noticiar os incêndios para favorecer a atual gestão.

Para esclarecer a questão, o Comprova analisou dados de queimadas e desmatamentos registrados nos quatro anos de governo Bolsonaro e no primeiro ano de governo Lula (até setembro) e reuniu informações a respeito das políticas de ambos relativas ao meio ambiente. Também foram consultados especialistas para detalhar a situação do desmatamento e das queimadas na Amazônia e quais as causas dos incêndios recentes.

O governo Bolsonaro e a Amazônia

Antes mesmo de tomar posse, o ex-presidente Jair Bolsonaro já preocupava ambientalistas. Ao longo da campanha, ele falou em reduzir o trabalho de fiscalização do Ibama, liberar a mineração e agropecuária em terras indígenas e retirar o Brasil do acordo climático de Paris, o que não se concretizou. Ele queria, em suas palavras, pôr fim ao “ativismo ambiental xiita”.

Os primeiros anos do governo Bolsonaro foram marcados por recordes no número de incêndios na Amazônia. Em 2019, foram detectados mais focos de incêndio entre os meses de março e abril do que durante toda a série histórica do Projeto Queimadas, do Inpe, que começou em 1999. Em agosto do mesmo ano, o número de incêndios foi o maior em 15 anos. Foi naquele ano que aconteceu o “Dia do Fogo”, ocasião em que fazendeiros do Pará se uniram para causar incêndios e desmatar áreas para criação de gado. O caso foi noticiado internacionalmente.

Os incêndios ganharam ainda mais repercussão mundial após a nuvem de fumaça causada pelos incêndios florestais escurecer o céu de São Paulo.

Em agosto de 2019, Bolsonaro afirmou que as organizações não governamentais (ONGs), que atuam na proteção ambiental, seriam as responsáveis pelos incêndios ilegais. O então presidente disse ainda que as ONGs seriam financiadas pelo ator Leonardo Di Caprio. No dia seguinte, Bolsonaro disse que o Brasil não tinha recursos para combater os incêndios, pois a “Amazônia é maior que a Europa”. Como checado pela imprensa, a informação é enganosa.

No ano seguinte, 2020, as queimadas se mantiveram e foram somadas a um aumento no desmatamento. Segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a taxa de desmatamento entre agosto de 2020 e julho de 2021 foi 57% maior que a da temporada anterior e a pior dos últimos dez anos.

Em 2021, o então presidente afirmou, em um evento com investidores em Dubai, que a floresta amazônica, por ser úmida, não pega fogo.

Sob a gestão do ex-ministro Ricardo Sales na pasta de Meio Ambiente, funcionários de perfil técnico no Ibama e no ICMBio foram preteridos por indicados do círculo pessoal dele. Foram nomeados, particularmente, muitos policiais militares para postos relevantes.

A frase de Salles que marcou sua passagem pelo governo aconteceu em um pronunciamento na reunião ministerial de 22 de abril de 2022. Ele defendeu que o governo aproveitasse os dias de transtorno do início da pandemia de Covid-19 para “ir passando a boiada”. A sugestão era que o governo emitisse decretos e medidas provisórias para afrouxar a fiscalização ambiental diante do caos global causado pela pandemia.

Após ser alvo de uma ação de busca e apreensão pela Polícia Federal, Sales deixou o cargo e foi substituído por Joaquim Leite, que manteve, grosso modo, as mesmas diretrizes da gestão anterior.

Às Forças Armadas ficou relegado o planejamento e o combate ao desmatamento na Amazônia.

As promessas e ações de Lula para a Amazônia

Durante a campanha eleitoral de 2022, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) destacou projetos de preservação ambiental e principalmente o combate ao desmatamento na Amazônia como uma maneira de se diferenciar de Bolsonaro, mas também de obter apoio internacional.

Uma das prioridades da campanha era conseguir a liberação de recursos do Fundo Amazônia de forma rápida junto às autoridades da Noruega. No primeiro ano de governo, em setembro de 2023, ele anunciou a liberação de R$ 600 milhões para os municípios brasileiros para combater o desmatamento e os incêndios para 2025.

Com o aumento nos registros de incêndios ao longo do ano, o Comitê Orientador do Fundo Amazônia aprovou, em novembro, um incremento nos recursos disponíveis para os nove Estados da Amazônia Legal atuarem no combate a incêndios florestais e queimadas ilegais.

Dias depois, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, admitiu ao Estadão que a estrutura de combate a incêndios e a resposta à crise na Floresta Amazônica ainda são insuficientes.

Lula também prometeu, em discurso na COP27, zerar o desmatamento e a degradação de biomas até 2030.

Considerando o período compreendido somente no governo Lula – 1º de janeiro a 31 de julho –, a redução na destruição da floresta amazônica no Brasil foi de 63%. A pesquisadora do Imazon Larissa Amorim afirmou ao site O Eco que o resultado só foi possível devido à retomada da pauta ambiental pelo novo governo.

“Somente o fato de não incentivar o desmatamento ilegal, por si só, já causa um efeito, por perda daquela sensação de impunidade. O fortalecimento dos órgãos responsáveis pelas ações de combate ao desmatamento, como, por exemplo, o Ibama e o ICMBio, também são muito importantes”, disse ao site.

Do ponto de vista político, Lula enfrenta problemas para dar destaque à questão do meio ambiente. Sob pressão da bancada ruralista e com apoio de deputados do Centrão, foi aprovado um projeto de lei complementar que retirou poderes dos Ministérios de Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. A pasta, que é comandada por Marina Silva, ficou sem o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e sem a Agência Nacional de Águas (ANA).

A relação do desmatamento com o atual cenário das queimadas

Dados do Programa de Monitoramento do Desmatamento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe), mostram que houve queda no desmatamento entre agosto de 2022 e julho de 2023. Durante o período, o bioma perdeu 9.001 quilômetros de floresta — uma queda de 22,36% em comparação com o período anterior.

No entanto, a Amazônia tem sido castigada com o crescimento no número de focos de queimadas. De acordo com Inpe, entre 1º de janeiro e 20 de novembro de 2023, 91.162 focos foram registrados no bioma. Só em novembro são 11.160. O acumulado, porém, ainda é menor se comparado ao mesmo período em 2022, quando foram 110.481 focos — uma queda de 17%.

“Embora exista uma relação entre desmatamento e incêndios florestais, a dinâmica atual mostra que os incêndios podem persistir e até aumentar mesmo em um contexto de desmatamento reduzido, devido a fatores climáticos e legados do desmatamento passado”, explica o professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Celso Augusto Guimarães Santos.

Entre as condições climáticas, o El Niño é apontado como um dos fatores já que o fenômeno deixa o tempo mais seco. Outro ponto são as queimadas para gestão da terra, como a limpeza de terrenos de pastagem, que podem sair do controle devido às condições ambientais.

“Esta situação destaca a complexidade dos desafios ambientais enfrentados na Amazônia e a necessidade de abordagens de gestão e conservação que considerem tanto o desmatamento quanto às condições propícias para incêndios”, afirma.

Guimarães Santos integra um grupo de pesquisadores que publicou um artigo na revista Nature Ecology & Evolution que aponta que apenas 19% dos incêndios registrados este ano na Amazônia estão ligados ao desmatamento recente. O dado faz parte de uma pesquisa feita por cientistas de diversas instituições nacionais e internacionais.

“A fragmentação resultante do desmatamento anterior pode tornar as florestas remanescentes mais vulneráveis a incêndios, pois as bordas das florestas são mais suscetíveis a secar e queimar”, complementa.

O professor José Salatiel Rodrigues Pires, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), explica, ainda, que as queimadas são rastreadas como pontos de calor, gerados pela queima de áreas para agricultura, em áreas de pastagens secas que já haviam sido desmatadas ou em florestas secas. Nesta situação, um raio, por exemplo, pode gerar um ponto de combustão que será detectado pelo satélite, mas que nem sempre terá ligação com o desmatamento

Esta questão técnica já vigia no governo Bolsonaro, mas no cenário atual, de seca na Amazônia, se torna mais relevante. Assim, explica Pires, para ter certeza da origem da queimada, é preciso usar um conjunto de dados.

“Quando o satélite detecta um ponto de calor, ele não verifica qual o uso da terra existe nessa área (se é uma área de cana-de-açúcar, uma área de pastagem ou uma floresta desmatada queimando)”, diz. “Para poder analisar se as áreas de queimadas são áreas desmatadas, temos que cruzar essa informação com as imagens de outros satélites. Se o foco de calor está em uma área de agricultura, sabemos que foi uma queimada de manejo agrícola, mas se está em uma floresta, podemos verificar se é devido a desmatamento”, afirma.

Sem cruzar os dados, diz o pesquisador, pode-se pensar, “de forma errônea, que tudo se trata de área desmatada sendo queimada”.

A mídia não mostra as queimadas atualmente?

Ao contrário do que é dito na publicação investigada, a mídia tem relatado o atual momento na Amazônia e a relação entre as queimadas e o desmatamento. Em julho, o Nexo publicou uma reportagem que explica os motivos para o aumento nas queimadas, mesmo com a queda no desmate.

O Estadão também trouxe um conteúdo em que mostra os motivos para o aumento no número de focos de incêndio na Amazônia. O artigo, inclusive, aponta que, segundo a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, os impactos do El Niño, agravados pelas mudanças climáticas, são um desafio e, por isso, aumentou o número de brigadistas na região. Além disso, na mesma reportagem, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, admite que a estrutura de combate ao fogo é insuficiente e, por isso, solicitaria mais recursos ao Fundo Amazônia para ações como essa.

O tema também foi discutido no episódio do podcast O Assunto, do G1, em 7 de novembro. No episódio, a diretora de ciência do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Ane Alencar, apontou a seca e os índices anteriores de desmatamento como fatores que contribuem para o alastramento do fogo.

Como o conteúdo pode ser interpretado fora do contexto original: A publicação dá a entender que as queimadas na Amazônia não estão na pauta da mídia. No entanto, como mostra a verificação, o tema tem sido discutido, assim como o foi no governo passado. Atualmente, as matérias focam em explicar o motivo do aumento nos incêndios uma vez que os índices de desmatamento tem caído.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o perfil no Instagram responsável por um vídeo viral a respeito do tema, mas não houve retorno até a conclusão deste conteúdo.

O que podemos aprender com esta verificação: Formar opiniões baseadas em fatos e evidências é importante para a tomada de decisão dos cidadãos. A Amazônia é um dos biomas mais importantes do mundo e é tema de discussões na sociedade e nos diversos níveis do poder público. Diante de conteúdos que tratam o tema de forma alarmista, sem apresentar fontes de informação ou contexto e sem respaldo de especialistas, é preciso desconfiar – ainda mais no ambiente político polarizado do Brasil. Munidos de informações relevantes e atualizadas, os cidadãos podem acompanhar e fiscalizar governos para que sejam tomadas medidas para a preservação da região.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No instagram, a publicação contava com 5,6 milhões de visualizações em 21 de novembro.

Como verificamos: A reportagem buscou dados sobre desmatamento no sistema Prodes e sobre queimadas no Programa Queimadas, ambos do Inpe. Também pesquisamos por reportagens atuais a respeito da situação da Amazônia e matérias feitas durante o governo Bolsonaro. Ainda entrevistamos os pesquisadores José Salatiel Rodrigues Pires, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Celso Augusto Guimarães Santos, do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

O Comprova também demandou o Inpe, mas o órgão informou que não iria se manifestar sobre postagens de terceiros.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A Amazônia e as políticas públicas relacionadas ao bioma são alvos frequentes de desinformação. Recentemente o Comprova publicou conteúdo explicativo sobre o Fundo Amazônia. Também já mostrou que o presidente Lula não vendeu a região para uma mineradora em troca de dinheiro do Fundo e mostrou que é falso que as chuvas impedem desmatamento na Amazônia.

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Investigado por: 2023-10-26

Lei que instituiu pau de arara como manifestação cultural não permite retorno do uso dos veículos

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Uma lei sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em agosto de 2023 reconheceu a tradição do uso do pau de arara em romarias religiosas como manifestação cultural e imaterial do Brasil. Esse tipo de veículo consistia na adaptação de caminhões para o transporte de pessoas, com a inclusão de bancos e toldos em carrocerias. Embora tradicional em cidades do interior do Nordeste, a utilização é proibida desde 2014 por resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran). A lei sancionada não faz qualquer mudança quanto a isso.

Conteúdo investigado: Vídeo mostra trechos de uma solenidade do governo federal com a presença do presidente Lula e outras autoridades. O narrador do conteúdo diz que o povo nordestino “pode comemorar”, pois o “governo petista oficializou o pau de arara patrimônio cultural brasileiro”. O autor ainda cita supostos financiamentos para meios de transporte como ônibus e metrôs destinados a países como Cuba e Argentina, dando a entender que o governo estaria, ao mesmo tempo que financia obras no exterior, incentivando o transporte precário no Brasil. Na sequência, aparecem trechos de declarações de Lula, do deputado José Guimarães (PT) e do padre Cícero José da Silva, da Diocese do Crato, no Ceará, durante a cerimônia.

Onde foi publicado: Kwai e Telegram.

Contextualizando: Em 1º de agosto de 2023, o presidente Lula (PT) sancionou uma lei que torna a tradição do uso do pau de arara em romarias religiosas como manifestação cultural e imaterial do Brasil. No dia, foi realizada uma cerimônia em Brasília junto a lideranças políticas e religiosas do Ceará. Dentre os que aparecem nos registros fotográficos, estão os deputados federais José Guimarães (PT) e Yury do Paredão (sem partido), o atual prefeito de Juazeiro do Norte, Gledson Bezerra (Podemos) e o ex-gestor do município, Arnon Bezerra (PDT). O padre Cícero José da Silva, reitor da Basílica Santuário Nossa Senhora das Dores, da Diocese do Crato, também compareceu.

| Foto: Ricardo Stuckert/PR
 

No encontro, Guimarães, que é o autor da proposta, ressaltou que o transporte hoje mudou, mas ficaram “o legado e a cultura”. “Um projeto reconhecendo o transporte pau de arara como patrimônio cultural e imaterial do Brasil, essa é a natureza do projeto”, disse.

Em nota enviada ao Comprova, o deputado reiterou o posicionamento. Ele ressaltou que a lei não significa o retorno do veículo ou “qualquer tipo de regularização junto ao Código Brasileiro de Trânsito”, como enganam posts virais nas redes sociais. “Trata-se claramente de uma homenagem aos romeiros e romeiras que, por décadas, utilizaram esse transporte para o turismo religioso, criando assim uma tradição histórica que ultrapassa gerações”, afirmou. “Tentar distorcer esse fato configura, no mínimo, uma atitude de má fé e merece ser repudiada inclusive com medidas judiciais”, disse.

A Lei Nº 14.641 declara como “manifestação da cultura nacional a tradição do uso, em romarias religiosas, do transporte conhecido como “pau de arara”, como está disponibilizado no Diário Oficial de 2 de agosto deste ano. Não há qualquer menção a uma mudança no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) ou invalidação de resoluções do Conselho Nacional de Trânsito.

Desde 2014, é proibido o transporte de pessoas em pau de arara, que é uma adaptação de carrocerias de caminhões usadas para comportar passageiros durante o deslocamento. Na resolução Nº 508 de novembro de 2014, o conselho instituiu os requisitos de segurança para a circulação, a título precário, de veículo de carga ou misto transportando passageiros no compartimento de cargas.

| Foto: Rozelia Costa/Basílica Nossa Senhora das Dores (via Agência Senado)
 

A resolução revogou uma determinação anterior, emitida em 1998, que permitia o uso dos veículos em algumas situações. Por meio de nota, o Ministério dos Transportes, pasta à qual o conselho é vinculado, destacou a obrigatoriedade dos bancos revestidos com espuma, presença de encosto de cabeça e cintos de segurança para todos os ocupantes, devidamente fixados na estrutura da carroceria, além de boa qualidade da carroceria, presença de barras de apoio, proteção lateral, entre outros.

“Deste modo, esta resolução é explícita quanto aos requisitos necessários para a possibilidade de utilização destes veículos, como é o caso do projeto sancionado pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva”, apontou a pasta.

Ficou proibida, com a resolução, a utilização de veículos de carga tipo basculante e boiadeiro.

O descumprimento da medida, ou seja, o transporte de pessoas nesse tipo de veículo, acarreta ao proprietário ou condutor do veículo penalidades e medidas administrativas. Reportagem do UOL, publicada em 2022 mostrou que, apesar de proibido, o transporte ainda é usado em alguns locais.

Pau de arara faz parte da cultura de romeiros

Os veículos do tipo pau de arara eram tradicionalmente usados em diversas regiões do Nordeste e estão ligados especialmente ao êxodo rural e às romarias. Atualmente, mais de quatro milhões de pessoas utilizam todos os anos o transporte em romarias, como a de Padre Cícero, em Juazeiro do Norte, e de São Francisco das Chagas, em Canindé, ambas no Ceará, e a de Bom Jesus da Lapa, na Bahia. Diante da proibição, grupos de romeiros pedem ao Contran medidas mais simplificadas que garantam a segurança, sem descaracterizar este meio de transporte.

Padre Cícero José da Silva, reitor da Basílica Santuário Nossa Senhora das Dores, da Diocese do Crato, divulgou carta, quando houve a sanção da lei, e ressaltou o caráter cultural do transporte. “Trazemos na memória a coragem dos primeiros peregrinos que iam a Juazeiro do Norte nas carrocerias adaptadas dos caminhões e, através da experiência de fé, contribuíram para a construção da identidade religiosa e cultural da cidade, além do desenvolvimento econômico.”

A Diocese do Crato, inclusive, mantém, em seu site, registros de festas antigas que tinham o uso do transporte. “Como de costume os romeiros enfeitam os carros, ônibus, caminhões pau de arara. Colocam a imagem do padre Cícero, da Mãe das Dores, usam bandeirolas nas mais diversas cores para demonstrarem a alegria por estarem no Juazeiro do ‘Padim Ciço’. Os juazeirenses, por sua vez, ficam nas calçadas das ruas aguardando os bombons, pirulitos e pipocas jogados pelos romeiros que estão nos transportes”, escreve uma publicação de setembro de 2016.

Empréstimos e falta de água já foram esclarecidos pelo Comprova

O autor da publicação também faz alegações relacionadas a supostos financiamentos para meios de transporte como ônibus e metrôs destinados a países como Cuba e Argentina. Em janeiro deste, o presidente Lula afirmou que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) voltará a financiar projetos de desenvolvimento e engenharia em países vizinhos. A fala aconteceu durante pronunciamento em Buenos Aires, na Argentina, ao lado do então presidente argentino, Alberto Fernández.

No mesmo dia, Lula disse que ele e empresários brasileiros estariam interessados na conclusão da rede de tubulação para transporte de gás natural argentino. Ele afirmou que iria criar condições para “ajudar” nas obras, com o BNDES atuando como financiador do empreendimento. No entanto, não houve nenhuma formalização para a retomada de financiamentos neste sentido.

A ligação entre empréstimos e financiamentos a países vizinhos com um suposto descaso com o Brasil é uma crítica comum aos governos do PT. O tema é comum em peças de desinformação. O Comprova já investigou vídeo que citava 20 operações que supostamente teriam sido financiadas pelo BNDES entre os anos de 2009 e 2014 (durante os governos petistas de Lula e Dilma Rousseff). A peça apresenta informações falsas referentes aos valores financiados, além de atribuir ao banco sete construções que não tiveram acesso a recursos de linhas de crédito do banco.

Em outro caso, foi mostrado que publicação misturava dados verdadeiros com números incorretos sobre financiamentos do BNDES nos governos do PT. Também foi mostrado este ano que é enganoso que o Brasil fará empréstimo à Argentina enquanto Lula bloqueia recursos da saúde e educação.

O fornecimento de água no Nordeste do país também tem sido um tema recorrente de desinformação em posts compartilhados nas redes sociais. No vídeo alvo desta checagem, o autor cita, sem dar detalhes, que “cortaram a água” do povo nordestino.

O Comprova já demonstrou, por exemplo, como é o funcionamento do processo de captação e bombeamento de água para estados do Brasil e que o governo federal não bloqueou água na região. Também mostrou que a polarização intensifica a desinformação sobre a transposição do Rio São Francisco, a maior obra de infraestrutura hídrica do Brasil, que atende estados nordestinos.

Os autores dos conteúdos também propagam informações fora de seu contexto original, para fazer alegações enganosas e falsas a respeito deste tema . Neste sentido, o Comprova mostrou, recentemente, que protesto na Bahia não foi motivado por falta de água, nem tem relação com Governo Lula.

Como o conteúdo pode ser interpretado fora do contexto original: A postagem analisada aqui, como foi veiculada sem a devida contextualização, dá a entender que o uso do veículo poderá ser retomado no Brasil. Além disso, ao mencionar investimento em outros países, o vídeo possibilita a interpretação que haveria uma ação direta do governo federal para desfavorecer a aplicação de recursos na região em comparação com países como Argentina e Cuba.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou contato com o autor da publicação, mas não houve retorno até a publicação desta verificação.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 26 de outubro, a publicação no Kwai acumulava mais de 106 mil visualizações, 10,5 mil curtidas e 3,4 mil comentários. O conteúdo também vem sendo disseminado no Telegram.

Como verificamos: A verificação buscou no Google pelos termos “Lula + pau de arara”, o que resultou em links de reportagens publicadas na imprensa e que tratam da solenidade que marcou a assinatura da lei que torna a tradição do uso do pau de arara em romarias religiosas como manifestação cultural e imaterial do Brasil, entre as quais, a do Correio Braziliense, Metrópoles e da própria agência de notícias do governo federal.

Pelos mesmos termos, mas em busca no YouTube, localizamos a transmissão da solenidade.

O Comprova também buscou a assessoria de imprensa do deputado federal José Guimarães, autor da lei sancionada, e com o Ministério dos Transportes.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O conteúdo contextualizado pelo Comprova também já foi checado pelo Boatos.org, que mostrou ser falsa a volta do uso do pau de arara como meio de transporte. O governo federal e suas políticas são, constantemente, alvos de desinformação. O Comprova já verificou que o governo Lula assinou acordo de cooperação técnica com Autoridade Palestina, não com o Hamas; que Alckmin não sugeriu acabar com Bolsa Família; e que o presidente não instituiu banheiro unissex nas escolas.

 

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Investigado por: 2023-10-26

Entenda as acusações de antissemitismo contra Roger Waters e o uso de uniforme com referência ao nazismo em shows

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O músico britânico Roger Waters, que fez visita recente ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já foi acusado de antissemitismo, que se caracteriza por atos de preconceito, hostilidade ou discriminação contra judeus. O artista diz se opor, na verdade, às violações que entende serem cometidas por Israel contra palestinos. Nos shows, o músico costuma vestir um uniforme alusivo à SS, a tropa de Hitler, quando interpreta o que diz ser um demagogo fascista desequilibrado, personagem presente na iconografia do Pink Floyd, do qual era integrante, desde os anos 1980. Além disso, não há registro de que ele tenha sido proibido de tocar nos Estados Unidos, como alega uma publicação.

Conteúdo investigado: Publicação em canal do Telegram compartilha notícia do G1 sobre uma visita do músico britânico Roger Waters ao presidente Lula no Palácio do Planalto. A postagem xinga o petista e diz que o ex-baixista do Pink Floyd é o mais famoso antissemita do mundo. O conteúdo alega ainda que Waters faz show com uniforme nazista e que foi proibido de se apresentar nos Estados Unidos por conta disso.

Onde foi publicado: Telegram.

Contextualizando: O músico Roger Waters visitou o presidente Lula (PT) em Brasília, em 23 de outubro, um dia antes de fazer show na cidade. O encontro foi divulgado pelo próprio presidente em publicações nas redes sociais. “Há cinco anos, @rogerwaters tentou me visitar em Curitiba e foi impedido. Hoje, quando ele retorna ao Brasil, nos encontramos no gabinete da presidência no Palácio do Planalto”, escreveu o petista em post no X (antigo Twitter).

Waters é um histórico apoiador do movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções, em tradução do inglês), contra a expansão do Estado de Israel sobre territórios também reivindicados por palestinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Por conta disso, ele é recorrentemente acusado de antissemitismo por entidades judaicas. Para muitos judeus, o apoio ao BDS é uma forma de antissemitismo. Além disso, o músico foi acusado de usar termos ofensivos a judeus e criticado por usar a Estrela de Davi em um contexto negativo.

Waters afirma, no entanto, que não é nem nunca foi antissemita. Ele contesta que a definição de antissemitismo colocada sobre ele parte de pressupostos distorcidos de que toda crítica a Israel seja inerentemente antijudaica e de que o sionismo seja um elemento essencial da identidade judaica.

A alegação de que Waters veste uniforme nazista faz alusão à performance comum do músico em shows ao cantar “In the Flesh”. Nessas ocasiões, ele veste um sobretudo militar com uma braçadeira vermelha, conjunto parecido ao de militares da polícia nazista SS, e empunha uma metralhadora falsa contra os fãs.

O músico afirma que se trata, no entanto, da interpretação crítica de um personagem: o roqueiro fictício Pink, que acredita ser um ditador fascista. Ele aparece em shows e na iconografia do Pink Floyd desde os anos 1980, quando foi lançado o álbum conceitual “The Wall”, que conta com a canção “In the Flesh”.

Já sobre a alegação de que Roger Waters foi proibido de se apresentar nos Estados Unidos, não há registro que sustente isso. Um show dele em Frankfurt, na Alemanha, previsto para 28 de maio deste ano, chegou a ser cancelado provisoriamente por autoridades locais que acusavam o músico de antissemitismo. No entanto, a apresentação foi liberada posteriormente, por decisão da Justiça.

Como o conteúdo pode ser interpretado fora do contexto original: Diante do contexto da guerra entre Israel e o grupo extremista palestino Hamas, a publicação pode levar a crer que o encontro entre Lula e Roger Waters sinaliza um endosso do presidente à suposta posição antissemita do cantor.

O que diz o responsável pela publicação: O canal responsável pela publicação não disponibiliza qualquer informação que possibilite uma tentativa de contato, como endereço de e-mail ou telefone.

Alcance da publicação: A publicação compartilhada pelo canal do Telegram alcançou 4,2 mil visualizações até o dia 26 de outubro.

Como verificamos: O Comprova realizou buscas no Google pelos termos “Roger Waters faz apologia ao nazismo” e por “shows cancelados de Roger Waters”, a fim de, primeiramente, compreender o contexto da associação do artista ao antissemitismo.

Nas buscas realizadas, encontramos reportagens (G1, Veja, Agência Brasil, GZH) falando sobre o mesmo assunto: que Roger Waters utilizou um traje semelhante ao uniforme nazista em um show realizado em Berlim; e, em resposta a tal acusação, as reportagens mostram que o artista justificou o uso da roupa como protesto, e não apologia.

A equipe do Comprova também encontrou materiais publicados na página do próprio artista, nos quais ele negou seu apoio ou qualquer relação positiva com nazismo, e no canal dele no YouTube. Além disso, consultou produções acadêmicas sobre a obra de Roger Waters e do Pink Floyd (1, 2, 3).

Como Roger Waters passou a ser acusado de antissemitismo

As acusações de que Roger Waters seria antissemita são antigas. Em 2010, ele recebia as primeiras críticas após shows da turnê mundial “The Wall Live”, em que ele apresentou um cenário retratando bombas no formato da Estrela de Davi – um símbolo judaico – durante a música Goodbye Blue Sky.

 

| Print da transmissão de “Roger Waters Goodbye Blue Sky Live 2010”. Disponível aqui 

Em 2012, ele afirmou, em entrevista coletiva realizada no Brasil, que apoiava o movimento BDS e que não consumia produtos fabricados em Israel. No ano seguinte, em declaração dada nos Estados Unidos, ele afirmou que “o lobby judeu é extraordinariamente poderoso aqui e particularmente na indústria em que trabalho, a indústria da música”, fala que, na avaliação de quem o critica, reforça o imaginário antissemita do povo judeu como controlador do mundo, poderoso e conspiracionista.

Outra polêmica envolvendo o artista ocorreu em 2015, quando ele insistiu, por meio de uma carta aberta, para que Gilberto Gil e Caetano Veloso, à época em turnê conjunta, não realizassem show em Israel, pedido que não foi atendido. Além disso, ele já pediu para outros artistas que não se apresentassem no país, entre eles Neil Young, Robbie Williams e Lauryn Hill.

Em entrevista de 2017, Roger Waters disse não ter problemas com o povo judeu, mas, sim, com a atuação do Estado de Israel contra palestinos. Ele afirmou, na ocasião, ser “fundamentalmente contra a ideia de pessoas serem subjugadas e privadas de seus direitos. Expressei esse meu posicionamento, e aí sugeriram que eu fosse antissemita, o que não é verdade. Irei para o meu túmulo defendendo os direitos das pessoas comuns”, disse.

Em fevereiro de 2023, Polly Samsom, mulher de David Gilmour, guitarrista do Pink Floyd, tuitou que Waters é “antissemita até o seu núcleo podre”. Ela ainda afirmou na ocasião que o músico é mentiroso, ladrão, hipócrita, sonegador de impostos, dublador, misógino, doente de inveja, megalomaníaco e apologista de Vladimir Putin, presidente da Rússia.

A publicação ocorreu dias depois de Roger Waters ter dito que estava aberto a ouvir o que Putin teria a dizer, apesar de ter chamado ele antes de gangster, e que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, também seria culpado pela guerra na Ucrânia. Gilmour republicou a postagem da esposa na ocasião afirmando que cada palavra dela era comprovadamente “verdadeira”.

Em posicionamento mais recente, Waters afirmou ser colocada sobre ele uma noção distorcida de antissemitismo, por não ser contrário ao povo judeu, mas se opor a violações de direitos humanos que entende terem sido cometidas por Israel contra palestinos.

“Sei que o povo judeu é um grupo diversificado, interessante e bastante complicado, tal como o resto da humanidade. Muitos são aliados na luta pela igualdade e justiça, em Israel, na Palestina e em todo o mundo”, escreveu ele em comunicado divulgado em 29 de setembro de 2023.

A manifestação foi publicada em resposta ao documentário “The Dark Side of Roger Waters”, da organização não governamental britânica Campaign Against Antisemitism (Campanha contra o Antissemitismo, em tradução do inglês).

O filme traz acusações de um produtor musical e de um saxofonista que trabalharam com Waters sobre declarações antissemitas dele na rotina pessoal. Por exemplo, ele é acusado de ter chamado seu agente de “judeu de merda”.

A produção também exibe trechos de e-mail atribuído ao ex-músico do Pink Floyd, de 2010, em que ele propõe lançar um porco inflável sobre a plateia nos shows com a Estrela de Davi e um termo antissemita em inglês extremamente ofensivo estampados, entre outros símbolos e expressões.

O assunto ainda retornou aos holofotes devido ao conflito protagonizado por Israel e Hamas, grupo extremista palestino que controla a Faixa de Gaza. O Hamas, sigla do árabe “Ḥarakah al-Muqawamah al-‘Islamiyyah”, significa Movimento de Resistência Islâmica.

Conforme já explicado anteriormente pelo Comprova, o grupo fundamentalista islâmico é considerado terrorista por países como Estados Unidos, Japão e as nações vinculadas à União Europeia. O Hamas foi criado durante a Primeira Intifada palestina, um movimento contra a ocupação israelense da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. Em sua carta fundadora, de 1988, o grupo rechaça a existência do Estado de Israel.

Não há registro de apoio expresso de Roger Waters ao Hamas, mas, sim, ao povo palestino, que não é representado em sua totalidade pelo grupo extremista. Em 2020, contudo, ele concedeu entrevista à agência de notícias Shehab, afiliada ao Hamas, na qual afirmou que “o sionismo é uma mancha feia e que precisa ser gentilmente removida por nós”.

Em entrevista recente à TV Brasil, o músico britânico chamou de genocídio a contraofensiva de Israel sobre a Faixa de Gaza, termo que já havia utilizado em situações anteriores para tratar do conflito. Afirmou ainda que os ataques eram promovidos pelo governo de Israel, e não pelo povo israelense.

Suposto uniforme nazista retrata personagem dos anos 80

A performance de Waters com uniforme que remonta à SS, citada pela postagem verificada pelo Comprova, ocorre durante os shows do artista no momento em que ele canta a canção “In The Flesh”, que abre o álbum conceitual “The Wall”, do Pink Floyd, de 1979.

Todo o álbum conta a trajetória de uma estrela do rock chamada Pink e explora temas do existencialismo pós-guerra, como totalitarismo, liberdade, loucura e subversão. “In The Flesh”, especificamente, relata a ocasião em que o roqueiro fictício se torna um ditador fascista.

Esse personagem também aparece no filme “The Wall”, de 1982, com o mesmo uniforme preto alusivo à SS e com a braçadeira vermelha que exibe, em vez de uma suástica nazista, dois martelos cruzados. Desde o lançamento do longa-metragem, a figura de Pink é interpretada por Roger Waters em shows.

| Personagem Pink no filme “The Wall”, de 1982 (Foto: Reprodução)

Ao repetir a performance em um show em Berlim, na Alemanha, em 17 de maio deste ano, a polícia local abriu investigação por suspeita de incitação ao ódio público. Waters disse à época que as acusações de apologia ao nazismo usavam de má-fé e que os elementos de sua performance eram claramente uma declaração em oposição ao fascismo, injustiça e fanatismo em todas as suas formas.

“A representação de um demagogo fascista desequilibrado tem sido uma característica dos meus shows desde ‘The Wall’, do Pink Floyd, em 1980”, comunicou, em nota, na ocasião.

Waters não foi proibido de tocar nos EUA

A publicação investigada alega que Roger Waters foi proibido de fazer shows nos Estados Unidos após usar o traje semelhante ao uniforme de militares da polícia nazista. A afirmação, no entanto, não é verdadeira. O Departamento de Estado dos Estados Unidos chegou a fazer críticas ao cantor após a polêmica performance em Berlim.

O órgão classificou a apresentação como “profundamente ofensiva ao povo judeu”. Além disso, a embaixadora Deborah Lipstadt, enviada especial do país para monitorar e combater o antissemitismo, publicou um tuíte condenando a performance de Waters, que chamou de “desprezível distorção do Holocausto”.

Apesar das duras críticas que recebeu, não há qualquer registro sobre a suposta proibição aos shows do ex-baixista do Pink Floyd no país. A turnê “This Is Not a Drill” teria início em 2020, mas foi adiada por conta da pandemia. Na época, a Liga de Baseball dos Estados Unidos anunciou o cancelamento das publicidades dos shows em suas plataformas após sofrer críticas de organizações judaicas.

Mesmo com a polêmica, a turnê passou pelos Estados Unidos entre julho e outubro de 2022, ou seja, antes da apresentação que foi alvo de críticas, em Berlim.

Durante a passagem pela Europa, Waters chegou a ter um show cancelado em Frankfurt, na Alemanha. A apresentação estava prevista para acontecer em 28 de maio, no Festhalle, uma casa de eventos que, durante a Segunda Guerra Mundial, funcionou como centro de detenção do regime nazista.

O conselho da cidade, ao justificar o cancelamento, classificou o cantor como “um dos antissemitas mais conhecidos do mundo”. Outras cidades alemãs também consideraram suspender as apresentações.

No entanto, após o cantor recorrer, a Justiça decidiu manter o show em Frankfurt. O tribunal afirmou que, por questões contratuais, a cidade não poderia impedir o concerto de acontecer. Além disso, considerou que, apesar do uso de símbolos durante o show, não havia indícios de uso de propaganda nazista.

Na apresentação de Berlim naquele mesmo mês de maio, uma mensagem exibida em um telão minutos antes de o músico subir ao palco citou a decisão do tribunal de Frankfurt. “Apenas para ser claro, eu condeno o antissemitismo sem qualquer reserva”, dizia o texto, em tradução do inglês.

Também no show de Berlim, foi exibido no mesmo telão o nome de Anne Frank, adolescente alemã judia vítima do Holocausto, durante uma homenagem a ativistas políticos que foram vítimas de autoridades e governos que Roger Waters considera autoritários. A conta do governo de Israel no X publicou na ocasião que o músico teria profanado a memória da garota e dos 6 milhões de judeus mortes pelo regime nazista.

A homenagem de Waters em Berlim também fez menção, entre outros nomes, a Sophie Scholl, ativista anti-nazista morta por se opor ao regime de Hitler; Shireen Abu Akleh, jornalista palestino-americana morta pelo exército de Israel; Mahsa Amini, jovem morta pela polícia da moralidade do Irã; e George Floyd, afro-americano assassinado por estrangulamento por um policial branco nos Estados Unidos.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Com a escalada do conflito entre o grupo extremista Hamas e Israel, começaram a surgir diversas peças de desinformação envolvendo a posição do Brasil na guerra. O Comprova já verificou que o ministro Silvio Almeida registrou reuniões com embaixador do Irã, país que apoia o grupo extremista, e diplomacia de mais 20 países; que vídeo mostra turistas estrangeiros no Ceará, não integrantes da facção no Brasil; que Biden não disse que Lula deveria se preocupar com comida para brasileiros em vez da guerra; e que o governo Lula assinou acordo de cooperação técnica com Autoridade Palestina, não com o grupo terrorista.

 

 

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Investigado por: 2023-10-13

Famílias retiradas de São Félix do Xingu ocupavam território indígena de forma irregular, segundo Justiça Federal

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Vídeo que circula no TikTok afirma que governo federal estaria expulsando famílias que vivem há mais de 50 anos no território indígena Apyterewa, no município de São Félix do Xingu, no estado do Pará. Entretanto, o território passou por uma ação de desintrusão da terra, em cumprimento a um conjunto de decisões judiciais da Justiça Federal e do Supremo Tribunal Federal (STF). A operação consistiu na retirada de não indígenas que, segundo a Justiça, ocupam irregularmente parte das terras indígenas. O objetivo da operação foi devolver aos povos originários a posse e o direito de uso exclusivo de seus territórios. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) abriu processo de cadastro e seleção das famílias que ocupam o território de forma irregular. O Incra informou que, caso os núcleos estejam aptos a integrar o Programa Nacional de Reforma Agrária, serão assentados em novas áreas. Até o momento, 95 famílias foram cadastradas.

Conteúdo investigado: Homem em vídeo afirma que o governo federal está expulsando famílias de um assentamento na região do Território Indígena Apyterewa, no município de São Félix do Xingu, no Pará. Na gravação, ele alega que o governo disse “não a todos os recursos que foram feitos para um acordo” e que mais de 2 mil famílias que sobrevivem no lugar estão sendo expulsas da região. As pessoas, conforme o autor do vídeo, teriam como provar que ocupam a região há 50 anos e que agora “querem que se torne terra dos originários, dos índios”.

Onde foi publicado: TikTok.

Contextualizando: No dia 2 de outubro, em cumprimento de um conjunto de decisões da Justiça Federal e do STF, foi realizada mais uma ação de desintrusão da Terra Indígena (TI) Apyterewa, situada no Pará. O objetivo da operação foi devolver aos povos originários a posse e o direito de uso exclusivo de seus territórios.

A operação consistiu na retirada de não indígenas que, segundo a Justiça, ocupam irregularmente parte das terras. O território foi homologado em 2007, antes mesmo que a tese do Marco Temporal fosse criada em 2009, com parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre a demarcação da reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima. Nesta época, foi usado o critério de que os povos indígenas só teriam direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. A tese foi considerada inconstitucional pelo STF em 21 de setembro de 2023.

No começo dos anos 2000, mais de mil famílias não indígenas ocuparam a terra indígena Apyterewa. Entre agosto de 2011 e maio de 2012, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) abriu processo de cadastro e seleção destas famílias.

Durante o novo processo de desintrusão, o Incra afirmou que disponibilizou uma equipe para cadastro das famílias que ocupam a área irregularmente. Até a quarta-feira,11, foram cadastradas 95 famílias, mas levantamento preliminar apontou que 10% dos cadastrados já haviam sido beneficiados pelo Incra e voltaram para a terra indígena. “O cadastro será colocado no banco de dados do Incra para avaliar a aptidão ao Programa Nacional de Reforma Agrária. As famílias aptas serão assentadas em novas áreas”, explicou por meio de nota.

O Instituto ressaltou que é responsável somente pelo cadastro para possível reassentamento, não cabendo ao órgão avaliar indenizações. Isso acontece por se tratar de uma terra indígena demarcada e a decisão judicial já está transitada em julgado para retirada dos invasores.

A operação é resultado de pedido feito pelo Ministério Público Federal (MPF) do Pará ao STF, no final de 2021, para suspender decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que impedia a realização de operações para a retirada de pessoas consideradas pelo órgão como invasores da terra indígena. A sentença foi favorável à ação de reintegração de posse. Localizada no município de São Félix do Xingu, o local é de posse tradicional da etnia Parakanã. Conforme o MPF, a área vem sofrendo com o aumento gradual no número de invasores, desde sua homologação. A estimativa é que mais de 3 mil pessoas não pertencentes à etnia estejam residindo ilegalmente na região, ocupada por aproximadamente 1,4 mil indígenas.

Apesar de homologada em 2007, a TI Apyterewa é reconhecida como de posse tradicional dos indígenas desde 1992. Há pelo menos 30 anos o território é alvo de invasões para fins de grilagem de terras e mineração ilegal. Na ação de desintrusão, voltada para a retirada de não indígenas, as ocupações são classificadas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em duas categorias: de boa-fé e má-fé, conforme a Resolução nº. 220/2011.

Os ocupantes de boa-fé são aqueles que se instalaram no território até 31 de dezembro de 2001, data de publicação da Portaria nº 1.192/2001 do Ministério da Justiça, primeira a fixar os limites atuais da TI Apyterewa em 773 mil hectares. Conforme entendimento judicial, essas pessoas têm direito a receber indenização pelas modificações realizadas, por não saberem que se tratava de terra indígena. No entanto, todos os que ocuparam o território a partir de 2002 são considerados de má-fé, já que teriam conhecimento da área pertencente aos Parakanã. Por isso, o MPF aponta que essas famílias recebem “tratamento jurídico de invasores sem direito a indenização”.

Como o conteúdo pode ser interpretado fora do contexto original: Fora do contexto original, o vídeo pode causar interpretações distintas da realidade, sugerindo o confisco de terras de forma ilegal. Na publicação, um homem que aparece no vídeo afirma que pessoas que vivem no local há mais de 50 anos estão sendo expulsas pelo Governo Federal.

Contudo, o Comprova apurou que a retirada das pessoas faz parte de uma operação, em cumprimento de um conjunto de decisões da Justiça Federal e do STF, para retirar não indígenas que, segundo a Justiça, ocupam irregularmente parte das terras indígenas.

Ainda segundo a Justiça, o objetivo da operação foi devolver aos povos originários a posse e o direito de uso exclusivo de seus territórios.

O Incra abriu processo de cadastro e seleção das famílias que ocupam o território de forma irregular. O Incra informou que, caso os núcleos tenham aptidão para integrar o Programa Nacional de Reforma Agrária, serão assentados em novas áreas.

Por isso, antes de compartilhar qualquer conteúdo na internet, é importante conferir se as afirmações de vídeos divulgados nas redes sociais foram publicadas em canais oficiais ou por meio de veículos de comunicação.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com a autora da postagem, mas não recebeu respostas até o momento da publicação desta reportagem. Já o homem que aparece nos vídeos não foi identificado até a publicação deste material.

Operação tentava tirar invasores de terras indígenas

Forças de segurança deflagraram, nesta segunda-feira, 2 de outubro, uma desintrusão de invasores de terras indígenas no Pará. Cerca de 150 agentes da Força Nacional e outros 60 policiais federais iniciaram a primeira etapa da operação de retirada de não indígenas da TI Apyterewa.

Segundo o governo federal, foram 9,7 mil itens apreendidos e o valor de R$ 1,8 milhão aplicado em multas aos infratores. Ao todo, três pessoas foram presas. O levantamento é resultado das ações realizadas no período de 1º a 7 de outubro. O objetivo era combater a ocupação ilegal na região. “Com apoio da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Governo Federal cumpre decisão judicial para garantir aos povos das duas Terras Indígenas o direito de usufruir de seu território de forma plena e integral”, afirma o governo.

Do total de itens apreendidos estão: 6 armas de fogo, 9 mil metros de arame, 150 metros de fio de alta-tensão, 202 botijões de gás, 145 litros de agrotóxico, 113 litros de gasolina, 8 máquinas leves e 2 pesados, 1 trator, 1, caminhão, 1 veículo, 2 motocicletas, 3 antenas de internet, além de maconha (70 gramas) e 3,5 metros cúbicos de madeira.

Em um trabalho conjunto, a equipe da operação também fiscalizou 15 estabelecimentos, entre comércios e propriedades, constatando 12 empregados sem registro e dois mantidos em condições de trabalho análogas à escravidão. Em nenhuma das inspeções foi constatada formalização de trabalho pelos empregadores. Foram realizadas ainda 5 notificações, 3 prisões e 1 Termo Circunstanciado de Ocorrência, referente a porte de anfetamina.

Conforme informações do jornal O Globo, um comunicado foi entregue aos invasores para que desocupassem imediatamente a área de maneira voluntária levando pertences e animais antes de a operação ter início. O panfleto cita o artigo 231 da Constituição Federal, sobre a demarcação, proteção e respeito aos bens das terras ocupadas pelos povos indígenas como obrigação da União.

Além de Secretaria Geral, Ministério dos Povos Indígenas, Funai, Força Nacional e Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), também participam da operação Incra, Ibama, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), Comando Militar do Norte, Ministério do Trabalho e Emprego.

Território é alvo de invasão e desmatamento

O Incra informou que a Terra Indígena Apyterewa está localizada no município de São Félix do Xingu e tem área aproximada de 773 mil hectares. Ainda segundo o órgão, na TI existem 20 comunidades indígenas com uma população total estimada em 1.383 indígenas, de acordo com o censo do IBGE de 2022. O Incra comunicou que os principais atos ilícitos realizados na terra indígena, são a grilagem de terra, desmatamento e mineração ilegais.

O MPF ressalta que a permanência de ocupantes não indígenas na área aumenta o risco de conflitos e desmatamento na região. “O Ministério Público Federal está envolvido nessas ações para desintrusão das terras indígenas há mais de uma década, e é nosso interesse que isso ocorra da melhor forma possível, garantindo que todas as pessoas – todos os cidadãos brasileiros, indígenas ou não indígenas – tenham seus direitos assegurados, de forma tranquila e pacífica”, afirmou a coordenadora da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6CCR), Eliana Torelly, por meio de comunicado no site.

De acordo com levantamento do Imazon, o território é o que registrou a maior área de floresta desmatada na Amazônia Legal em 2022. Este é o 4º ano seguido que a TI Apyterewa ocupa a posição. Foi registrado um desmate de 80 km2 de vegetação em 2022. Somente nos últimos quatro anos, foram desmatados 324 km2, uma área superior ao território de Fortaleza, capital do Ceará.

Marco Temporal foi considerado inconstitucional

De acordo com a tese do Marco Temporal, rejeitada pelo STF no dia 21 de setembro de 2023, a data da promulgação da Constituição Federal, 5 de outubro de 1988, poderia ser utilizada para definir a ocupação tradicional de terras por comunidades indígenas, orientando as demarcações de territórios no Brasil.

A tese, que foi defendida por ruralistas, retrata a disputa pela posse de terra no país. Apesar da rejeição do STF, o Congresso aprovou, no dia 27 de setembro, o projeto de lei 2.903/2023 que fixa o ano de 1988 para determinar o reconhecimento de terras indígenas. O Comprova explicou o que é o Marco Temporal e o que muda com a decisão do STF e do Congresso.

Alcance da publicação: O vídeo compartilhado no TikTok somou 11,2 mil curtidas, 1778 comentários, além de 5,8 mil compartilhamentos até 13 de outubro.

Como verificamos: O Comprova consultou o Instituto Socioambiental (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) para compreender informações a respeito do número de habitantes, situação jurídica, área demarcada e hectares.

Também foram consultadas informações veiculadas pela imprensa relacionadas ao território de São Félix do Xingu, além de notas publicadas pelo Ministério Público Federal, Governo Federal, Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O Incra respondeu aos questionamentos.

O Comprova também solicitou o posicionamento e informações da autora da publicação com relação às afirmações do vídeo. Utilizamos o Google Reverse para tentar identificar o homem que aparece na postagem. Contudo, a ferramenta não o reconheceu. Também não conseguimos identificar o autor do vídeo.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para publicações que obtiveram maior alcance e engajamento e que induzem a interpretações equivocadas. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O território de São Félix do Xingu é alvo de disputa de terras e tornou-se objeto de desinformação em vídeos compartilhados nas redes sociais. O Estadão Verifica desmentiu o boato de que o presidente Lula teria fazendas na região. Com relação à demarcação de terras indígenas, o Comprova Explica detalhou o que é o Marco Temporal e o que está em risco para os povos originários.

 

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Investigado por: 2023-10-06

Mudança de metodologia de repasse é confundida com falta de recursos para o Plano Safra

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Vídeo que circula no Instagram afirma que não há recursos para empréstimos ao produtor rural no Plano Safra 2023/2024 e que os repasses feitos em julho foram inferiores ao verificado no mesmo mês de 2022, apesar do valor recorde previsto neste ano. A autora cita dados não consolidados à época e tira informações de seu contexto. Na comparação entre os meses citados por ela, houve, na verdade, aumento de repasse para a agricultura empresarial e perda em menor grau à produção familiar. Além disso, operando sob nova metodologia, os recursos do Plano Safra passaram a ser liberados de forma trimestral e, diante da alta demanda por crédito, os valores previstos para o primeiro trimestre foram, de fato, rapidamente absorvidos, gerando interrupção de algumas linhas de crédito. No entanto, houve antecipação de valores e retomada das linhas de crédito.

Conteúdo investigado: Publicação no Instagram afirma que não há dinheiro para o Plano Safra 2023/24. Ela alega que, embora tenha sido anunciado um valor recorde à iniciativa pelo governo federal, a concessão de crédito pelas instituições bancárias que operam as linhas do plano está travada por falta de recursos. A autora do conteúdo afirma também que a agricultura familiar perdeu, na comparação de julho de 2023 com o mesmo mês de 2022, 47% dos recursos do Plano Safra, enquanto os médios e os grandes produtores teriam 36,8% a menos, o que estaria travando a cadeia produtiva do agronegócio no país. No fim do vídeo, ela questiona: “Onde vamos parar? Onde estão os recursos do Plano Safra?”.

Onde foi publicado: Instagram.

Contextualizando: Lançado no fim de junho, o Plano Safra 2023/2024 teve recorde de recursos previstos para empréstimos a produtores rurais – R$ 435,82 bilhões (R$ 364,22 bilhões para agricultura e pecuária empresarial e R$ 71,6 bilhões para a produção familiar).

Nesta edição, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) alterou a metodologia para repasse dos recursos aos agentes financiadores, que são bancos e cooperativas de créditos. Agora, os valores são repassados a cada trimestre mediante o planejamento informado pelas instituições ao governo, e não mais por livre demanda dos produtores.

Esse contingenciamento, aliado à forte demanda por crédito no mês de julho, fez com que os recursos previstos para o primeiro trimestre fossem rapidamente consumidos nos primeiros trinta dias do programa, o que interrompeu algumas linhas de financiamento. Como resultado, o mês de julho de 2023, comparado com o mesmo mês de 2022, registrou queda de 8% no número total de contratos. O montante de recursos disponibilizados, no entanto, teve alta de 15%.

Se considerarmos apenas a produção empresarial (médios e grandes produtores), houve alta de 12% no número de contratos e de 21% no volume de recursos concedidos, e não queda de 36,8% do dinheiro. Já em relação somente à produção familiar, cujo crédito é repassado via Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), o mês de julho registrou quedas de 15% no volume de contratos e de 10% dos recursos concedidos, e não um montante 47% menor de verba.

Os percentuais, portanto, diferem dos apresentados no vídeo verificado. Isso porque, na época em que ele foi divulgado, os dados de julho ainda não haviam sido consolidados, informação que não é mencionada no conteúdo.

A informação divulgada – “não tem dinheiro para o Plano Safra” – também carece de contextualização. Após a interrupção de algumas linhas de financiamento, o governo federal antecipou recursos que estavam previstos para o trimestre seguinte.

Considerando-se os dois primeiros meses com dados consolidados (julho e agosto), o Plano Safra 2023/2024 registra aumento de 2,5% no número de contratos, de 21% no valor contratado e de 18% no valor médio por contrato. Já no Pronaf, há aumento de 1,2% no número de contratos e queda de 9,8% no valor do crédito concedido. Os dados de setembro ainda não foram fechados.

Como o conteúdo pode ser interpretado: Da forma como os dados foram divulgados, há margem para a interpretação de que há irregularidades no repasse dos recursos do Plano Safra 2023/2024.

O que é o Plano Safra?

O Plano Safra oferece linhas de crédito para o financiamento das atividades de pequenos, médios e grandes produtores rurais no Brasil. Criado pelo governo federal em 2003, ele começa a valer no dia 1º de julho de cada ano, com validade até junho do ano seguinte, acompanhando o calendário das principais safras do país.

O programa oferece diferentes linhas de crédito, com taxas de juros subsidiadas, destinadas aos distintos tipos de produtores rurais. A intenção é estimular o aumento da produção agropecuária. Cada grupo de produtores (pequenos, médios e grandes) recebe um volume diferente de recursos e taxas de juros de financiamento distintas.

Repasses passaram a ser trimestrais

O Plano Safra 23/24 trouxe como novidade a liberação de recursos para as linhas de crédito de forma trimestral. A intenção por trás da nova metodologia é poder realizar uma avaliação das aplicações das instituições financeiras a cada trimestre, e remanejar o crédito onde for necessário. “Na medida que uma instituição fale que vai gastar determinada quantidade e não gaste, a gente não precisa esperar até o fim da safra para poder saber isso”, explica Guilherme Rios, assessor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

Entretanto, a demanda pelos recursos do Plano Safra não é linear, ou seja, a necessidade por crédito é mais alta em alguns meses do que em outros. A liberação de crédito de maneira trimestral teve por consequência o rápido esgotamento dos recursos que haviam sido previstos para o 1º trimestre. De acordo com Rios, a demanda é maior nos meses de julho e agosto, levando ao esgotamento temporário de algumas linhas de crédito no início de agosto. As linhas foram retomadas com a antecipação dos recursos do 2º trimestre, a partir do dia 25 do mesmo mês.

“Os bancos informam ao governo o que eles pretendem gastar a cada trimestre e o governo faz o repasse. A demanda foi tão alta que os bancos não esperavam. Então, o recurso que eles planejaram por trimestre acabou logo ali no fim de julho e começo de agosto, e a gente ficou algumas semanas sem algumas linhas de crédito. O que o governo fez? Ele teve que adiantar os recursos do segundo trimestre do plano safra para poder cobrir”, esclarece Rios.

Percentuais reais são diferentes do que autora citou

Em contato com o Comprova via WhatsApp, a autora da publicação no Instagram afirmou que os percentuais citados por ela sobre a queda de recursos do Plano Safra, na comparação de julho de 2023 com o mesmo mês de 2022, haviam sido divulgados por Bruno Lucchi, diretor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em entrevista à jornalista Kellen Severo no programa Hora H do Agro, da Jovem Pan News, em edição exibida em 26 de agosto de 2023.

Lucchi faz de fato menção aos percentuais, mas tratando de queda no número de contratos, e não de recursos disponibilizados. O Banco Central, que faz o levantamento dos dados do Plano Safra, faz uma separação entre as duas coisas, uma vez que cada contrato tem valores diferentes cedidos.

No dia anterior, em 25 de agosto de 2023, a jornalista Kellen Severo já havia mencionado os mesmos percentuais durante um comentário no Jornal da Manhã, também da Jovem Pan News, que foi transcrito em um artigo para o portal do veículo. Foram exibidas sobre sua fala duas cartelas com infográficos, com dados que teriam como fonte o Banco Central (BC) e a CNA.

A primeira delas trata de números de contratos e do volume de crédito concedido para a agricultura familiar com o Plano Safra, o que ocorre por meio da linha de crédito do Pronaf.

Captura de tela da edição de 25 de agosto de 2023 do Jornal da Manhã, da Jovem Pan News, feita em 4 de outubro de 2023 (Crédito: Jovem Pan News/Reprodução)

Já a segunda cartela exibe dados do crédito cedido a médios e grandes produtores, excluindo os agricultores familiares.

Captura de tela da edição de 25 de agosto de 2023 do Jornal da Manhã, da Jovem Pan News, feita em 4 de outubro de 2023 (Crédito: Jovem Pan News/Reprodução)

Na altura em que os gráficos foram veiculados, no entanto, os dados do Plano Safra referentes ao mês de julho de 2023 não estavam consolidados na Matriz de Dados do Crédito Rural, página do Banco Central dedicada a essa divulgação. Conforme o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) informou ao Comprova, a consolidação dos dados só é realizada a partir do terceiro dia útil do mês posterior ao mês subsequente. Ou seja, os números de julho de 2023 só teriam um retrato fiel a partir de 5 de setembro de 2023. Antes disso, segundo o Mapa, os dados consultados no BC variam diariamente, “levando a incorreções se a comparação for realizada, antes do fechamento, com o mesmo período do ano anterior”.

O Mapa também cedeu ao Comprova um balanço consolidado do Plano Safra nos dois meses comparados, a partir de dados do Sistema de Operações do Crédito Rural e do Proagro (Sicor), do Banco Central. O documento está disponível no site do governo federal.

Em julho de 2022, o Pronaf teve 144.753 contratos e concedeu R$ 6,939 bilhões em crédito, números que batem com os dados brutos da agricultura familiar divulgados pela Jovem Pan News para aquele mês. No entanto, em julho de 2023, foram assinados 123.291 contratos, e não cerca de 76,2 mil, e concedidos R$ 6,247 bilhões em crédito, e não cerca de R$ 5,04 bilhões.

Assim, de um período a outro, houve quedas de 15% no volume de contratos e de 10% dos recursos concedidos à agricultura familiar pelo Plano Safra, percentuais menores dos que foram divulgados pelo veículo e em parte replicados pela autora no post no Instagram.

Também em julho de 2022, foram fechados 190.990 contratos pelo Plano Safra, mas referentes a todas as linhas de crédito dele, incluindo o Pronaf, e não apenas às que atendem médios e grandes produtores, como apontou a Jovem Pan News. Eles totalizaram R$ 37,662 bilhões em recursos naquele mês.

Já em julho de 2023, foram assinados 175.168 contratos, e não cerca de 120,4 mil, que somaram R$ 43,382 bilhões, e não cerca de R$ 36,39 bilhões apresentados pelo veículo. Houve, portanto, na comparação entre os dois períodos, queda de 8% no número total de contratos e alta de 15% no montante de recursos disponibilizados.

Por fim, se considerada apenas a agricultura empresarial (médios e grandes produtores), ou seja, todas as linhas de crédito com exceção do Pronaf, houve alta de 12% no número de contratos, que foram de 46.237 para 51.877, e de 21% no volume de recursos concedidos, que passou de cerca de R$ 30,723 bilhões para R$ 37,135 bilhões de julho de 2022 em comparação com o mesmo mês de 2023.

Razão para a queda no Pronaf: taxa de juros

Apesar do valor recorde de financiamento no Plano Safra 2023/2024, o número de contratos e o volume de crédito liberado registraram queda no segmento da agricultura familiar, ao considerarmos apenas o mês de julho. Segundo o assessor técnico da CNA e o professor Omar Jorge Sabbag, do curso de Engenharia Agronômica da Universidade Estadual Paulista (Unesp), um dos fatores que explicam a queda nos números é a alta taxa de juros que, quando não subsidiada pelo governo, se torna desvantajosa para o produtor familiar. Com isso, ele acaba deixando de contratar o crédito.

Rios explica que essa é a maior dificuldade para que os empréstimos do Plano Safra cheguem até o produtor. Para isso, é necessário que haja verba disponível para que o governo subsidie parte dos juros praticados pelo agente financiador para que a taxa seja menor para o produtor – a esta operação dá-se o nome de juros equalizáveis. Caso contrário, o produtor da agricultura familiar, que depende desse subsídio, deixa de contratar o empréstimo. Ou seja, como diz Omar Sabbag, o crédito “trava”: está disponível, mas não em execução.

“Por mais que seja anunciado um volume de R$ 435 bilhões, não necessariamente todo o montante vai estar disponível”, diz Guilherme Rios. “Eu dependo dos recursos de subvenção para equalização das taxas do Pronaf, do custeio e do investimento. Neste ano, o volume que foi anunciado para essas subvenções dentro da Lei Orçamentária Anual já acabou. A gente espera do governo uma suplementação da parte equalizada, para que não falte recursos para o produtor.”

O patamar de juros equalizáveis previsto no Pronaf do Plano Safra 2023/24 é de 4% ao ano. Portanto, para que essa taxa seja atingida, é necessária a subvenção do governo. O professor dá um exemplo hipotético: “Vamos fazer uma analogia: eu vou lhe emprestar R$ 10 mil, e digo: ‘lhe cobro 15% de juros’. Aí vem, digamos, um parente seu e se predispõe a cobrir metade desses juros. Só que chega um determinado momento que esse seu parente não consegue mais subsidiar. O dinheiro permanece disponível comigo, mas, se o seu parente não subsidiar a metade, você vai ter que me pagar 15% de juros. Aí eu lhe pergunto: você vai conseguir bancar? O mais provável é que você desista do empréstimo”.

Outros fatores para redução de contratos no Pronaf

Além da dificuldade na obtenção de juros subsidiados, Sabbag cita outros obstáculos que atingem principalmente o produtor da agricultura familiar. Um deles é a dificuldade de comprovar junto ao agente financiador a capacidade de pagamento do crédito que se pretende contratar:

“É preciso apresentar um projeto técnico que demonstre a capacidade de pagamento para aderência ao crédito. Nele, constam diversas informações, como o croqui da área e a descrição das principais atividades. Enfim, não é algo simples. O médio e grande produtor tem uma assessoria mais robusta para produzir esse projeto técnico. Já o pequeno produtor está mais vulnerável”.

Há, ainda, o problema do endividamento, como mostrou matéria do Brasil de Fato.

“Muitas das vezes o produtor familiar não consegue ter um controle adequado da produção. Ele pode chegar ao final de uma safra com um lucro abaixo do esperado e ter prejuízo diante das taxas de juros que precisa pagar. Assim, ele chega endividado na safra seguinte e, automaticamente, o banco o classifica como restrito a crédito. Aí o financiamento do Plano Safra ‘trava’ para ele.”

O professor ainda cita outros empecilhos de ordem burocrática para acesso ao financiamento, como dificuldade em obter licenças ambientais, específicas para cada tipo de produção, e o Cadastro Ambiental Rural (CAR): “O CAR é uma espécie de RG do produtor e é um dos documentos exigidos para a contratação do crédito. Em relação a ele, há uma assimetria informacional. O produtor sabe que tem direito, mas muitas das vezes não sabe como obtê-lo, que órgão deve procurar”.

Dados do acumulado julho/agosto em 2022 e 2023

De acordo com a Matriz de Dados do Crédito Rural do Banco Central, no acumulado de julho e agosto de 2023 em comparação com o mesmo período de 2022, houve aumento de 2,5% no número de contratos, de 21% no valor contratado e de 18% no valor médio por contrato. Os dados brutos podem ser conferidos nas tabelas abaixo:

Considerando-se apenas os dados do Pronaf, os números registram, na comparação entre julho e agosto de 2022 com o mesmo período de 2023, aumento de 1,2% no número de contratos. Porém, há queda de 9,8% no valor do crédito concedido.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No Instagram, foram 91.5 mil visualizações, 4.1 mil likes e 181 comentários.

Como verificamos: O Comprova consultou dados referentes ao Plano Safra no site do governo federal, em matérias publicadas na imprensa e em portais de entidades do setor como a CNA. Foram consultados o professor Omar Jorge Sabbag, do curso de Engenharia Agronômica da Unesp, e o assessor técnico da CNA, Guilherme Rios. O Comprova ainda fez contato com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e analisou dados sobre o crédito rural no site do Banco Central. Além disso, entramos em contato com a autora da publicação original para questionar onde os dados por ela divulgados haviam sido consultados.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já checou outros conteúdos relacionados ao agronegócio. Em julho, foi verificado que o Brasil se comprometeu a diminuir a emissão de gás metano e não a reduzir produção agropecuária, como afirma post. Anteriormente, também verificamos que vídeo engana ao atribuir ao PT proibição de plantio de soja em Mato Grosso e que não há registro público de declaração de Lula nem do MST sobre eliminar agronegócio da Terra.

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Investigado por: 2023-09-28

Lula não instituiu banheiro unissex nas escolas; resolução de conselho não é impositiva

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Postagens têm circulado nas redes sociais afirmando que a Resolução nº 2, de 19 de setembro de 2023, do Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Trans., Queers, Intersexos (CNLGBTQIA+), ligado ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), seria de autoria do governo Lula e que o presidente teria decretado a instalação de banheiros unissex em escolas. A medida em questão não tem força de lei ou decreto, apenas enumera orientações para futuras políticas públicas sobre as condições de garantia de acesso e permanência de pessoas travestis, mulheres e homens transexuais, e pessoas transmasculinas e não binárias nas instituições de ensino. Não há menção ao termo “unissex” em qualquer parte do documento.

Conteúdo investigado: Vídeos e publicações de deputados federais afirmam que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teria decretado a instalação de banheiros unissex em escolas e instituições de ensino de todo o Brasil, incluindo para menores de idade. Nas postagens, utiliza-se também uma frase dita pelo presidente durante a campanha eleitoral de 2022, de que a ideia de banheiro unissex teria “saído da cabeça de satanás”. Um dos autores dos posts ainda coloca que “Lula quer que sua filhinha entre no mesmo banheiro com um marmanjo de 40 anos”.

Onde foi publicado: YouTube e X (antigo Twitter).

Contextualizando: O governo Lula não decretou que as escolas do Brasil deverão ter banheiros unissex. Publicações de congressistas brasileiros sugerem que orientações contidas na Resolução nº 2 de 2023 serão instituídas no país. Mas o documento, além de não prever a criação de banheiros unissex coletivos em estabelecimentos de ensino, não tem caráter de lei. A resolução foi elaborada pelo Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Trans., Queers, Intersexos (CNLGBTQIA+), ligado ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. O órgão tem participação de representantes da sociedade civil e sua função é debater e propor políticas públicas – mas nada obriga o governo a adotá-las.

A resolução foi publicada no Diário Oficial da União em 22 de setembro. No mesmo dia, o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) disse que o “governo Lula impõe banheiros unissex para todas as escolas públicas do país”. O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) falou que “o ministro do Lula de Direitos Humanos instituiu o banheiro unissex em escolas de todo o país”. Filipe Barros (PL-PR) e Carlos Jordy (PL-RJ) citaram a resolução e afirmaram o mesmo. O deputado federal André Fernandes (PL-CE) explicou que a resolução não tem caráter de lei, mas afirmou que “Lula quer que sua filhinha entre no mesmo banheiro com um marmanjo de 40 anos”.

De acordo com Luís Renato Vedovato, professor de Direito Internacional e Direitos Humanos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), um conselho tem como função assessorar um ministério, para escutar a população representada e produzir orientações para essa pasta, que podem ou não ser aceitas como base para futuras políticas públicas. Em nota, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República reforçou que a resolução não tem caráter de lei nem de obrigatoriedade, e que não há decreto ou ordem para o cumprimento do tema.

O documento do CNLGBTQIA+ estabelece parâmetros que garantem condições de acesso e permanência de pessoas travestis, mulheres e homens transexuais, e pessoas transmasculinas e não binárias nos sistemas e instituições de ensino como um todo. De acordo com Amanda Souto, advogada e integrante do conselho, a resolução não sugere a instauração de banheiros unissex, mas sim destaca o direito da pessoa utilizar o banheiro de acordo com sua identidade de gênero. O texto propõe ainda, “sempre que possível, a instalação de banheiros de uso individual, independentemente de gênero, para além dos já existentes masculinos e femininos nos espaços públicos”, para “minimizar os riscos de violências e/ou discriminações”.

Como o conteúdo pode ser interpretado: Ao sugerir que uma resolução tem peso de lei ou decreto, as publicações distorcem o contexto do documento e podem confundir a população. O texto da resolução, na realidade, traz orientações para futuras políticas públicas, que podem ou não ser acatadas pelo presidente ou pelos ministérios.

O que dizem os responsáveis pelas publicações: O Comprova entrou em contato com os parlamentares citados acima por terem compartilhado o conteúdo.

André Fernandes e Felipe Barros disseram que o artigo 5º, que defende o direito ao uso de banheiros de acordo com a identidade de gênero, comprovaria a determinação de banheiro unissex.

“O governo está mentindo se falar que não se trata de banheiro unissex coletivo”, falou Fernandes. Já Barros lembrou que “As próprias entidades LGBT, como a ANTRA [Associação Nacional de Travestis e Transexuais], comemoraram a publicação da resolução por garantir o uso de banheiros de acordo com o gênero de cada estudante”.

Sergio Moro defende que a resolução segue a orientação ideológica do governo e que “ao permitir o ingresso em banheiros segundo a autodeclaração de gênero pelo estudante, a resolução, sem usar o termo unissex, permite que banheiros masculinos e femininos sejam utilizados independentemente do gênero biológico”.

Nikolas Ferreira e Carlos Jordy não se manifestaram até a publicação desse texto.

Resolução não tem caráter de lei

A Secom do governo explicou, em nota à imprensa, que a resolução não possui caráter legal ou de obrigatoriedade. “A resolução apenas formula orientações quanto ao reconhecimento institucional da identidade de gênero e sua operacionalização”, informa.

As orientações que constam na resolução nº2/2023 são de autoria dos membros do conselho. Instituído em 6 de abril de 2023 pelo decreto nº 11.471, o CNLGBTQIA+ substituiu o Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD), que, segundo comunicado da Secretaria de Comunicação Social, deixou de ter foco nesse grupo nos últimos anos. Em caráter excepcional, a primeira composição do conselho não aconteceu de forma eleitoral, como trata o decreto, mas através de indicação do ministro Silvio Almeida, chefe do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, a partir de lista de entidades composta por meio de chamamento público. Os representantes foram empossados em 17 de maio deste ano, durante cerimônia alusiva ao Dia de Enfrentamento à Violência contra as Pessoas LGBTQIA+.

“Ele é formado por 19 representantes de organizações da sociedade civil, 19 do governo e tem sete instituições convidadas com direito a voz, mas não a voto”, conta a advogada Amanda Souto, integrante convidada do conselho. Dentre as cadeiras da sociedade civil, estão representadas as seguintes organizações:

  • Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT);
  • Aliança Nacional LGBTI+;
  • Articulação Brasileira de Gays (ARTGAY);
  • Articulação Brasileira de Jovens Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais;
  • Articulação Brasileira de Lésbicas;
  • Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação;
  • Associação Nacional de Travestis e Transexuais;
  • Central Única dos Trabalhadores;
  • Coletivo LGBTI+ Sem Terra;
  • Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação;
  • Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros;
  • Instituto Brasileiro Transmasculinidade;
  • Liga Brasileira de Lésbicas;
  • Mães da Resistência;
  • Rede Nacional de Lésbicas e Bissexuais Negras Feministas;
  • Rede Nacional de Negras e Negros LGBT;
  • Rede Nacional de Operadores de Segurança Pública LGBTI;
  • União Nacional LGBT.

Luís Renato Vedovato explica que os conselhos podem ser criados por lei ou por decreto e servem para assessorar os ministérios do governo. “Eles vão fazer o papel de ouvir a população específica e a partir da oitiva dessa população eles vão montar sugestões para o ministério”.

Nesse sentido, o professor de Direito Internacional e Direitos Humanos da Unicamp e da PUC-Campinas explica que uma resolução de um conselho pode servir de amparo para as políticas públicas no futuro, mas que isso não significa que ela é determinante.

“Pode ser que o conselho chegue à conclusão de algo, dizendo que o melhor caminho seria aquele, mas o ministério respectivo pode entender que não é o caso e também depois mesmo que o ministério entenda que é o caso o Presidente da República pode não seguir esses parâmetros”, explica o professor.

Resolução não sugere banheiro unissex

Souto negou que o conselho discutiu a implementação de banheiros unissex. Segundo ela, o que o CNLGBTQIA+ defende é o direito ao uso do banheiro de acordo com a identidade de gênero da pessoa. Nesses casos, por exemplo, um estudante trans que se identifica como mulher teria a possibilidade de utilizar o banheiro feminino.

No entanto, no inciso I do Artigo 6º da resolução, os conselheiros orientam que escolas tenham “banheiros de uso individual, independente de gênero, para além dos já existentes masculinos e femininos nos espaços públicos”, visando minimizar riscos de violência ou discriminações desse grupo. Não há no documento qualquer menção ao termo “unissex” ou que sugere um banheiro de uso coletivo independentemente de gênero da pessoa.

| Trecho da Resolução nº 2/2023

A advogada explica que a Resolução nº 2/2023 visa garantir o respeito às pessoas LGBTI+ no ambiente escolar, e que além da questão do banheiro, traz recomendações sobre outros aspectos pertinentes à essa população, como o uso do nome social.

Resolução não foi produzida ou decretada por Lula

Nas publicações nas redes sociais, há referências sobre uma fala do presidente Lula durante o período eleitoral de 2022. Em 19 de outubro daquele ano, em evento de lançamento da carta aos eleitores evangélicos, o petista desmentiu conteúdos que o associavam a instauração de banheiros unissex: “Agora inventaram a história do banheiro unissex. Gente, eu tenho família, eu tenho filha, eu tenho netas, eu tenho bisneta. Só pode ter saído da cabeça de Satanás a história de banheiro unissex”. A acusação também foi negada pelo então candidato em entrevista concedida ao Flow Podcast.

Com a resolução, as publicações passaram a relacionar a orientação como algo instituído por Lula. “Nem o Ministro nem o Presidente tiveram qualquer participação ou influência na produção da Resolução”, destacou Silvio Almeida em ofício enviado à Advocacia Geral da União (AGU). No documento, o ministro solicitou a tomada de providências administrativas, cíveis e penais por parte da AGU contra os deputados que publicaram que a proposta era de autoria do governo federal.

Resolução não contraria verificação anterior do Comprova

Em 29 de maio de 2023, o Comprova publicou uma verificação mostrando ser falso que Lula esteja implementando banheiros unissex no país. Na ocasião, um vídeo publicado no Kwai, TikTok e X mostrava imagens de homens e mulheres dividindo um banheiro coletivo para insinuar que o governo federal estivesse transformando todos os banheiros públicos do Brasil em unissex.

À época, o projeto entrou em contato com o MDHC que, por meio da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, informou que não havia “nenhuma iniciativa nesse sentido em curso”.

Tanto Souto quanto Vedovato ressaltam que a resolução não tem o peso de lei, e é criada para servir de base para futuras decisões sobre o grupo que o conselho em questão – no caso, a população LGBTQIA+ – representa. A formulação desse documento é apenas uma indicação aos ministérios e ao presidente da República para futuras formulações de políticas públicas.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 27 de setembro, o vídeo no YouTube publicado pelo deputado Nikolas Ferreira contava com 185 mil visualizações e 34 mil curtidas. Já as publicações dos parlamentares Carlos Jordy, Filipe Barros, André Fernandes e Sergio Moro no X somavam, juntas, 1,3 milhão de visualizações, 47,9 mil curtidas e 15 mil compartilhamentos.

Como verificamos: Em primeiro lugar, pesquisamos pela resolução citada nos conteúdos no Diário Oficial da União. Em seguida, buscamos informações sobre a resolução nos canais oficiais do governo federal, como a Secom e a Advocacia-Geral da União (AGU).

Via WhatsApp, contatamos Amanda Souto Baliza, advogada e integrante convidada do CNLGBTQIA+, e Luís Renato Vedovato, professor de Direito Internacional e Direitos Humanos da Unicamp e da PUC-Campinas. Por fim, também entramos em contato com os responsáveis pelas publicações.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para publicações que obtiveram maior alcance e engajamento e que induzem a interpretações equivocadas. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Na última semana, boatos.org, Agência Lupa e Aos Fatos também publicaram verificações de conteúdos sobre a resolução.

Outras resoluções de conselhos já foram alvo de desinformação. Em agosto, recomendações da Resolução nº 715 do Conselho Nacional de Saúde foram interpretadas de maneira equivocada e enganaram sobre aspectos relacionados ao candomblé e à “mudança de sexo” para menores de idade.

 

Atualização: Este Contextualizando foi atualizado em 29 de setembro de 2023 para um ajuste no texto do quarto parágrafo da seção “Resolução não tem caráter de lei”.

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Investigado por: 2023-09-21

Vigilância Sanitária fiscalizou cozinha improvisada no RS para apurar denúncia e orientar voluntários

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Um vídeo que circula nas redes sociais confunde usuários ao dizer que a Vigilância Sanitária teria feito uma "batida" em uma cozinha de voluntários que distribuía alimentos às vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul. A secretária de Saúde do município de Roca Sales, onde ocorreu a ação, informou que a fiscalização foi motivada por uma denúncia e teve como objetivo orientar sobre o uso de toucas, luvas e armazenamento de carnes. A Secretaria Estadual de Saúde, que recebeu a denúncia, também reforçou que a inspeção não teve caráter punitivo, apenas informativo. Voluntárias que atuavam no local durante a fiscalização criticaram a abordagem, mas confirmaram que se tratava de uma visita para orientação.

Conteúdo investigado: Vídeo publicado no TikTok por um deputado estadual de Santa Catarina mostra uma ação da Vigilância Sanitária em um espaço improvisado para distribuir comida para vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul. A publicação do parlamentar é acompanhada do seguinte texto: “Absurdo! Vigilância Sanitária fazendo batida em cozinha de voluntários, improvisada para atender as vítimas da catástrofe que assola o Rio Grande do Sul”. Na gravação, uma mulher xinga e critica a intervenção dos agentes.

Onde foi publicado: TikTok, Instagram, Facebook e YouTube.

Contextualizando: Em 12 de setembro, agentes da Vigilância Sanitária do município de Roca Sales, no Rio Grande do Sul, e da Vigilância em Saúde do estado fiscalizaram uma cozinha improvisada, que distribuía alimentos a vítimas das enchentes que atingiram o estado, após receberem uma denúncia.

Ao Comprova, a secretária de Saúde do município, Raquel Oestreich, explicou que a visita buscava orientar os voluntários, sem “intenção punitiva”. A versão foi corroborada pela Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul, em nota enviada.

O Comprova também conversou com Carolina Mazzotti, voluntária que atua na cozinha improvisada e estava no local no momento da inspeção. Ela, inclusive, fez uma transmissão ao vivo enquanto ocorria a visita dos agentes. Mazzotti disse que, inicialmente, os voluntários acreditaram que o local seria fechado. No entanto, depois foi informada de que o motivo da intervenção era uma denúncia e que a visita tinha o objetivo de orientar as pessoas.

Como a publicação pode ser interpretada: A publicação pode ser vista como uma atitude do governo para atrapalhar a ajuda a pessoas afetadas por uma tragédia como a que a população do Rio Grande do Sul enfrenta. Nos comentários, muitos usuários se mostraram indignados com a situação e criticaram a atitude dos agentes.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Em 19 de setembro, o conteúdo somava mais de 383 mil visualizações entre as quatro plataformas onde foi publicado, além de acumular 6 mil interações, divididas entre comentários, curtidas e compartilhamentos.

Como verificamos: Inicialmente, o Comprova fez uma busca no X (antigo Twitter) pelas palavras “vigilância + sanitária + voluntária” e encontrou um vídeo da visita da Vigilância Sanitária que continha o nome de usuário do Instagram de uma das voluntárias, identificada como Carolina Mazzotti. Em seguida, o Comprova entrou em contato com a mulher, que concedeu uma entrevista. A verificação conversou com a secretária de Saúde do município onde ocorreu a vistoria e procurou a Secretaria Estadual de Saúde, que enviou uma nota sobre o ocorrido. Além disso, entrou em contato com o deputado estadual de Santa Catarina autor da publicação e com o deputado estadual Capitão Martim (Republicanos-RS), coordenador do Gabinete de Crise instaurado pela Câmara Legislativa do estado para apoiar vítimas das enchentes, e que posteriormente publicou um vídeo sobre a situação.

Vídeos registraram a fiscalização

O vídeo investigado foi gravado em 12 de setembro, em Roca Sales. Uma mulher filma o local onde estão sendo preparadas marmitas para serem entregues à população afetada pelas chuvas na cidade. Ela diz que os agentes foram “fazer batida”.

“As mulheres trabalhando, tá? Saíram de seus lares. Todo mundo aqui no voluntariado e quem me chega aqui? A Vigilância Sanitária. Para fazer batida, gente”, narra a mulher. “Olha o estado que está essa cidade e chega a Vigilância Sanitária para fazer um fiasco aqui”, emenda.

Uma live, feita pela voluntária Carolina Mazzotti, no Instagram, documentou a passagem dos fiscais da Vigilância Sanitária pela cozinha. Na transmissão, de cerca de 25 minutos, é possível verificar que os agentes não impediram o funcionamento do local, nem impuseram alguma punição. Próximo da metade do vídeo, a própria voluntária confirma isso: “Pessoal, a Vigilância Sanitária veio aqui porque teve uma denúncia. Eles estão bem tranquilos aqui, a gente mostrou para eles o que a gente está fazendo. […] Os rapazes da vigilância foram legais, tá? Foram bacanas. Eles estão conversando com nós. […] Eles vão dar algumas orientações para nós, de vigilância, de como proceder nesses casos”.

No mesmo perfil, está disponível um vídeo postado por Capitão Martim, deputado estadual no Rio Grande do Sul pelo Republicanos. No vídeo, ele aparece ao lado da mulher que fez a live durante a fiscalização. A postagem foi feita após a viralização do vídeo inicial e tenta esclarecer a situação: “A Vigilância Sanitária veio para questão de orientação. Mas o que ficou decidido nesse momento, qualquer ação da Vigilância Sanitária vai passar pelo Gabinete de Crise. E a Vigilância Sanitária está mais do que nunca para orientar”, afirma o deputado.

O Comprova entrou em contato com a assessoria de Capitão Martim para mais esclarecimentos, mas não obteve resposta até o fechamento desta verificação.

Ação buscava orientar voluntários

A secretária de Saúde de Roca Sales, Raquel Oestreich, esclareceu que a Secretaria Estadual de Saúde recebeu uma denúncia e pediu para que o funcionário da Vigilância Sanitária do município os acompanhasse até o local. A visita se daria para passar orientações sobre o uso de luvas, toucas, armazenamento de carnes, entre outras questões. “Vieram de fato vistoriar, óbvio que sem intenção punitiva, somente orientativa. Mas não foram bem recebidos no momento. No meu ponto de vista, a Vigilância fez o correto de averiguar e encontrou tudo dentro do adequado para a situação do momento”, disse Oestreich.

Questionada pelo Comprova sobre a ação, a Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul emitiu uma nota informando que a Vigilância em Saúde tem atuado nos municípios do Vale do Taquari, atingidos pelas chuvas, distribuindo hipoclorito de sódio para “limpeza de superfícies e para purificar a água para consumo humano, reduzindo as chances de contaminação por vírus, parasitas e bactérias, que causam doenças”. O órgão reforçou que a vistoria tinha como objetivo a orientação aos voluntários, “sem caráter punitivo”. “Inclusive com relato de que pessoas que atuavam no local eram proprietários de restaurantes na região. Reforça a importância do trabalho conjunto que vem sendo realizado por equipes técnicas e voluntários”, destaca.

Críticas à abordagem

O Comprova também entrevistou a voluntária Carolina Mazzotti. Ela informou que a confusão se deu porque, com a chegada dos fiscais, as pessoas que prestavam serviço no local acreditaram que a cozinha seria interditada. Mas, depois, foi esclarecido que houve uma denúncia e que o intuito era de passar orientações para os voluntários.

Ela, no entanto, criticou a abordagem dos agentes: “Eles vieram em um horário em que estava extremamente corrido. Tiraram a chefe, que era a única que conseguia comandar a cozinha, e fizeram essas coisas ali que vocês estão vendo no vídeo. Então, no final, eles falaram que tiveram uma denúncia e que vieram fiscalizar”, disse.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o deputado estadual de Santa Catarina, Jessé Lopes (PSL), por WhatsApp. Ao ser questionado sobre a postagem, o deputado afirmou que, antes de fazê-la, verificou o contexto do vídeo. “Temos um integrante da nossa equipe que já morou na região e tem contatos e amigos lá. Foi gravado por morador local voluntário. Foi gravado em um posto de combustível”, argumentou. O parlamentar informou também que buscou saber o motivo da fiscalização e que “segundo a Vigilância Sanitária, a ação foi habitual e discricionária”.

O que podemos aprender com esta verificação: O vídeo é narrado com um tom de indignação e dentro de um contexto sensível, que envolve uma tragédia ocorrida no estado. Sempre busque mais informações ao se defrontar com conteúdos em vídeo cujo local da gravação ou a autoria não é possível identificar. Esses são alguns indícios de que o conteúdo pode se tratar de uma desinformação. Informe-se pelos canais oficiais do município ou estado e consulte veículos de comunicação de sua confiança.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A agência Lupa verificou o mesmo vídeo. O Comprova já checou outros conteúdos relacionados às enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul. Recentemente, foi verificado que doações em Lajeado não foram interrompidas para aguardar a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou Geraldo Alckmin (PSB) e que as barragens no Vale do Taquari não têm comportas que poderiam controlar o fluxo de água.

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Investigado por: 2023-09-06

Pedido de recuperação judicial da 123 Milhas não tem relação com políticas do governo Lula

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Publicações na internet confundem ao sugerir que a empresa de turismo 123 Milhas entrou com pedido de recuperação judicial devido a políticas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). De acordo com a empresa, a medida foi necessária para renegociar uma dívida de R$ 2,3 bilhões ocasionada por fatores como alta nos preços das passagens e do combustível de aviação, além de milhares de ações judiciais ingressadas contra a companhia, após o cancelamento de uma promoção que vendia passagens aéreas e pacotes de viagem com datas flexíveis a um preço menor.

Conteúdo investigado: Texto associa o pedido de recuperação judicial da empresa de turismo 123 Milhas a políticas econômicas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A publicação afirma que a medida é “tendência” no país devido “ao desgoverno que comanda o Palácio do Planalto” e cita uma pesquisa do Serasa que indica um aumento de 82,1% nos pedidos de recuperações judiciais. O conteúdo foi compartilhado com a legenda: “Gigante do turismo não suporta o cerco e pede recuperação judicial. Sem alternativa”.

Onde foi publicado: Website, X (antigo Twitter) e Telegram.

Contextualizando: Uma publicação feita pelo site Jornal da Cidade Online associa o pedido de recuperação judicial da empresa de turismo 123 Milhas a políticas econômicas do governo Lula (PT), mas a própria empresa admite que a crise foi provocada pela alta nos preços das passagens e do combustível de aviação, além de outros fatores, como as mudanças feitas pelas companhias aéreas para restringir a negociação de passagens por meio de milhas.

O pedido de recuperação da empresa foi acatado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) em 31 de agosto de 2023. Em nenhum momento o nome de Lula ou qualquer política do governo federal é mencionada no requerimento.

Ao Comprova, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, afirmou que “não possui qualquer relação com o pedido de recuperação judicial apresentado pela empresa 123 Milhas ao Poder Judiciário”.

Como a publicação pode ser interpretada: A inserção de personagens estranhos ao contexto em uma determinada situação pode levar ao entendimento de que há uma correlação entre ambos. É o caso de comentários feitos no X e que responsabilizam o governo atual pela situação que levou a empresa a pedir a recuperação judicial.

O que diz o responsável pela publicação: Por e-mail, a administração do site em que o texto foi publicado disse que o “Jornal da Cidade Online em momento algum diz que a 123 Milhas pediu recuperação judicial por conta de um ‘cerco’ do governo Lula”. “O que fizemos foi a constatação de que no ano de 2023 houve um aumento exponencial de pedidos de recuperação judicial. A fonte é o Serasa”, complementa.

Como é o modelo de negócio da 123 Milhas

Fundada em 2016, em Belo Horizonte (MG), pelos irmãos Ramiro Julio Soares Madureira e Augusto Julio Soares Madureira, a 123 Milhas atua como intermediadora na emissão de passagens aéreas e pacotes de viagens nacionais e internacionais. O negócio é baseado na compra de milhas que não serão utilizadas por clientes de programas de fidelidade e, posteriormente, na emissão das passagens por meio desses programas.

A empresa é conhecida por oferecer bilhetes por preços abaixo dos praticados pelo mercado. Isso é possível porque a companhia, com a aquisição das milhas, consegue comprar passagens e serviços em grandes quantidades, o que possibilita negociar os produtos a preços menores.

Em 2021, a empresa criou o programa Promo123, que vendia passagens aéreas e pacotes de viagem com datas flexíveis. Nessa modalidade, o cliente indicava o período em que pretendia viajar e adquiria a passagem por um valor abaixo do oferecido pelas companhias aéreas e demais agências de viagens.

No entanto, a emissão do bilhete ocorreria somente após a compra. Segundo a empresa, o modelo permitiria escolher “o melhor momento” para adquirir os serviços por um preço mais vantajoso.

O UOL noticiou que, no mesmo ano do lançamento do programa, a 123 Milhas se tornou o maior anunciante do Brasil, com investimento de R$ 2,37 bilhões em publicidade, de acordo com o ranking Agências & Anunciantes, publicado pelo Meio & Mensagem, em parceria com a Kantar Ibope Media. A 123 Milhas afirma atender uma média de 5 milhões de clientes por ano.

O pedido de recuperação judicial

A 123 Milhas entrou com um pedido de recuperação judicial no TJ-MG em 29 de agosto. A solicitação ocorreu após a crise desencadeada pelo anúncio da suspensão da emissão de passagens de pacotes de viagens adquiridos na modalidade promocional, com embarques previstos de setembro a dezembro deste ano.

Desde que comunicou aos clientes que não cumpriria com as emissões de passagens, a 123 Milhas passou a ser alvo de ações judiciais cíveis e coletivas, bem como de notificações e investigações por parte da Senacon, do Ministério Público Federal (MPF), do Procon-SP e outros órgãos de defesa do consumidor.

Em nota divulgada à imprensa, a companhia afirmou que a medida tem como objetivo “assegurar o cumprimento dos compromissos assumidos com clientes, ex-colaboradores e fornecedores”.

“A Recuperação Judicial permitirá concentrar em um só juízo todos os valores devidos. A empresa avalia que, desta forma, chegará mais rápido a soluções com todos os credores para, progressivamente, reequilibrar sua situação financeira”, diz a nota.

Em 30 de agosto, as empresas do grupo — composto pela 123 Milhas, Novum e Art Viagens — enviaram à Justiça uma lista de credores com uma dívida que totaliza mais de R$ 2,29 bilhões. O documento inclui pessoas físicas, dívidas trabalhistas e empresas de todos os portes, incluindo instituições financeiras, empresas de tecnologia e de turismo.

O pedido de recuperação judicial da 123 Milhas acompanha um requerimento de tutela para suspensão das cobranças das dívidas (que prevê o não pagamento aos credores por 180 dias). Este seria o prazo para que a empresa formulasse um plano de pagamento gradual.

No dia 31 de agosto, o TJ-MG aceitou o pedido do grupo. A juíza da 1ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte, Cláudia Helena Batista, determinou um prazo improrrogável de 60 dias para as empresas apresentarem um plano de recuperação, sob pena de decretação de falência.

A magistrada também definiu que sejam apresentadas as contas demonstrativas mensais, enquanto a medida estiver em vigor.

Pedido não tem relação com políticas do governo Lula

Na petição que fundamenta o pedido de recuperação judicial, as empresas do grupo afirmam que estão “enfrentando a pior crise financeira” desde suas respectivas fundações, decorrente da “cumulação de fatores internos e externos” que impuseram um aumento considerável dos passivos das companhias nos últimos anos.

Entre as razões que levaram à crise elencadas estão fatores como o aumento dos preços das passagens após a pandemia de covid-19, acompanhado da alta no combustível de aviação, o que impossibilitou a emissão das passagens já adquiridas pelos clientes.

A dificuldade de cumprir com os serviços prometidos no programa Promo123 e a alta taxa de juros sobre as suas dívidas também são apontadas como razões que desencadearam o pedido de recuperação.

“Por exemplo, se acreditava que para cada voo vendido, o cliente também adquiriria outros produtos atrelados à viagem (reservas de hospedagem, passeios etc.), mas isso acabou não ocorrendo na prática”, argumenta o grupo.

O documento enviado à Justiça explica que a 123 Milhas estimava uma redução do preço das passagens diante de um esperado aumento na oferta de voos pelas companhias aéreas após o período de restrições impostas pela pandemia.

“Isso, contudo, infelizmente não se concretizou, havendo, na verdade, um aumento significativo da demanda (muito maior do que a oferta) por voos nacionais e internacionais, o que, aliado ao aumento do preço do combustível de aviação, ocasionado pela queda do real em relação ao dólar e a alta da inflação, fez com que o preço das passagens e pacotes se elevasse, fazendo com que a 123 Milhas não conseguisse adquirir tais produtos nos termos contratados com seus clientes”.

Segundo o Poder360, a empresa ainda cita a Azul Linhas Aéreas na lista de razões da crise econômico-financeira. De acordo com a agência de viagens, a Azul rescindiu um contrato que lhe dava vantagens competitivas aos preços das passagens e isso “inviabilizou o cumprimento de suas obrigações”.

Por fim, as empresas alegam que o modelo de aquisição das passagens, por meio de pontos e milhas, deixou de ser vantajoso diante de fatores como: “(i) precificação das passagens pelas companhias aéreas, que passaram a exigir maior quantidade de pontos/milhas para se emitirem passagens; e (ii) criação de novas regras pelas companhias aéreas em seus programas de fidelidade, que restringiram de forma drástica a utilização de pontos/milhas pelos seus participantes”.

Ainda segundo a petição, todos esses elementos afetaram as operações da companhia e resultaram na suspensão dos pacotes promocionais já adquiridos, decisão que desencadeou uma enxurrada de reclamações e processos.

Não há, no decorrer do documento, qualquer menção a políticas do governo Lula que poderiam ter influenciado no cenário de crise.

O Comprova procurou a Secretaria de Comunicação da Presidência, que encaminhou a demanda ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Por meio da Senacon, o órgão informou que não possui relação com o pedido de recuperação judicial apresentado pela empresa.

“O pedido de recuperação judicial é uma medida prevista na legislação brasileira, que permite a uma empresa em situação financeira delicada buscar a reestruturação de suas atividades e dívidas com o objetivo de garantir a sua continuidade. Este procedimento é solicitado pela própria empresa ao Poder Judiciário, visando encontrar soluções para os desafios econômicos enfrentados”, disse.

“Neste contexto, a Senacon monitora e fiscaliza o cumprimento das normas de defesa do consumidor pelas empresas, mas não interfere nos processos de recuperação judicial, que são da alçada do Poder Judiciário”.

O Comprova também entrou em contato com a 123 Milhas por e-mail, mas não obteve resposta até o fechamento desta verificação.

CPI das Pirâmides Financeiras

Em 6 de setembro, o sócio e administrador da 123 Milhas, Ramiro Júlio Soares Madureira, foi ouvido na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga esquemas de pirâmides financeiras. Proibida no Brasil, a prática funciona baseada no recrutamento de novos participantes com o objetivo de custear benefícios pagos aos mais antigos, com promessas de retorno expressivo em pouco tempo.

A agência de viagens entrou na mira dos parlamentares depois que anunciou a suspensão na emissão de passagens e de pacotes promocionais até o fim do ano por conta de dificuldades financeiras.

No depoimento à CPI, Madureira pediu desculpas pelos prejuízos causados e disse que o mercado se comportou de forma diferente do esperado. Segundo ele, isso impossibilitou a viabilidade da linha promocional da empresa. O sócio da 123 Milhas também negou que o seu modelo de negócio seja uma pirâmide financeira.

A CPI ainda deve ouvir os depoimentos do outro sócio da empresa, Augusto Júlio Soares Madureira, e de outras oito pessoas envolvidas no caso.

Dados de pedidos de recuperação judicial

O texto que associa o requerimento da 123 Milhas à gestão do presidente Lula traz dados de uma pesquisa que aponta um aumento de 82,1% nos pedidos de recuperações judiciais no Brasil.

A informação é verdadeira e se baseia em um levantamento da Serasa Experian referente a julho de 2023, quando 102 empresas solicitaram a medida. Em julho de 2022, foram 56 pedidos.

A pesquisa também indica que esse foi o terceiro número mais alto registrado no ano, atrás apenas dos meses de maio e fevereiro. Veja a comparação mês a mês:

Conforme o levantamento, “Micro e Pequena Empresa” foi o porte que liderou os pedidos de recuperação judicial, registrando 62 requerimentos. Em seguida aparece “Média Empresa”, com 30 pedidos, e “Grande Empresa”, com 10.

Na divisão por setores, o ranking é liderado pelas empresas de “Serviço” (41), “Comércio” (38), “Indústria” (20) e “Primário” (1).

A pesquisa é realizada a partir do levantamento mensal das estatísticas de falências (requeridas e decretadas) e das recuperações judiciais e extrajudiciais registradas mensalmente na base de dados da Serasa Experian, provenientes dos fóruns, varas de falências e dos Diários Oficiais e da Justiça dos estados brasileiros.

Ao Comprova, a Serasa Experian informou que “realiza levantamentos econômicos sem qualquer relação ou comentários a respeito do governo ou políticas econômicas”.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 6 de setembro, a publicação alcançava 3,8 mil visualizações no Telegram e 7,5 mil visualizações no X.

Como verificamos: O primeiro passo foi pesquisar notícias sobre o pedido de recuperação judicial da 123 Milhas (G1, Folha, CNN Brasil). Em seguida, encontramos o pedido da empresa na íntegra e a decisão da Justiça. Também entramos em contato com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a 123 Milhas, a Serasa e o responsável pela publicação do conteúdo.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já realizou checagens de outros conteúdos publicados pelo site Jornal da Cidade Online (1, 2 e 3). Recentemente, o projeto mostrou que vídeo exagera tamanho de lista de espera por transplante para enganar sobre Faustão e SUS, e que publicação engana ao comparar dados de empregos de Lula e Dilma com Bolsonaro.