O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
Filtro:

Saúde

Investigado por: 2020-07-01

É falso que Prefeitura de São Paulo tenha comprado 38 mil caixões sem licitação

  • Falso
Falso
Aquisição foi feita por pregão eletrônico e a compra das urnas já era prevista pela prefeitura, que adquiriu mais de 70 mil caixões no ano passado e optou por antecipar o recebimento neste ano em função da pandemia
  • Conteúdo verificado: Vídeo publicado em uma página no Facebook acompanhado de texto que diz que o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, “previu milhares de mortes pela covid-19 e comprou 38 mil caixões sem licitação para enterrar o povo.”

É falsa a afirmação que circula em postagem na página Fiscal do Povo Wellington, no Facebook, alegando que o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), adquiriu 38 mil caixões sem licitação durante a pandemia de covid-19. A administração municipal obteve quantidade de urnas próxima da citada no post (37.109), mas, diferentemente do informado, todas as compras foram feitas por meio de pregão eletrônico que pode ser conferido online. Cinco dias após a publicação, o texto do post verificado foi editado e o conteúdo deixou de dizer que as compras haviam sido feitas sem licitação.

O vídeo que acompanha a postagem não diz onde e quando as imagens foram feitas. Somente após contato com a assessoria de comunicação da Secretaria Municipal de Subprefeituras de São Paulo foi possível confirmar que o vídeo foi gravado no centro de logística do Serviço Funerário Municipal (SFMSP).

A postagem acompanha o comentário de que “a previsão do prefeito deu errado”. No entanto, a compra das urnas já era prevista pela prefeitura, que adquiriu mais de 70 mil caixões no ano passado e optou por antecipar o recebimento neste ano em função da pandemia.

Como verificamos?

O Comprova pesquisou sobre o Plano de Contingenciamento Funerário da Prefeitura de São Paulo e encontrou um anúncio feito por Bruno Covas, em 23 de abril, mencionando a antecipação da aquisição de 38 mil urnas funerárias “para atender a capital nos próximos meses” em função do novo coronavírus. Procuramos o Serviço Funerário Municipal para questionar a respeito da compra dos caixões e recebemos, por e-mail, links com os detalhes das licitações. Conferimos os contratos junto a publicações no Diário Oficial da Cidade (DO). Nos contratos publicados no DO havia o número de um pregão eletrônico, que pudemos checar no e-negocioscidadesp, sistema de pesquisa sobre licitações do município.

Também procuramos em outras redes sociais o vídeo apresentado na postagem. Sem encontrar registros similares, contatamos a página que fez a publicação e não obtivemos retorno até a publicação desta investigação.

Pesquisamos a identidade do autor da página por meio de buscas pelo seu nome no Google e conferindo dados apresentados em registros oficiais no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Trata-se de um ex-candidato a vereador de São Paulo que integrou coligação de oposição ao PSDB nas eleições municipais de 2016.

Por fim, levantamos os dados oficiais a respeito da pandemia na capital paulista no site do governo do Estado de São Paulo e no site da Universidade Johns Hopkins.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 1º de julho de 2020.

Verificação

Por que a prefeitura comprou 38 mil caixões?

Serviços funerários são de monopólio da Prefeitura de São Paulo – cabe a administração municipal a compra de caixões, por exemplo. A quantidade de urnas funerárias adquiridas não é excepcional. A assessoria de comunicação da Secretaria de Subprefeituras informou que, em 2019, o Serviço Funerário comprou 72.579 urnas.

Os 38 mil caixões citados na legenda do vídeo já estavam previstos desde antes da pandemia, e tiveram a compra antecipada pelo Plano de Contingenciamento Funerário do órgão municipal.

Divulgado em 23 de abril, o plano previa uma série de medidas para garantir o funcionamento adequado do Serviço Funerário Municipal durante a pandemia de covid-19. Entre as medidas, foram anunciadas a ampliação no horário de sepultamentos diários e a abertura de 13 mil covas em três cemitérios.

Dados no site do SFMSP sobre contratos e convênios mostram que neste ano a prefeitura de São Paulo fechou quatro contratos para aquisição de 37.109 urnas funerárias. Diferentemente do informado pela publicação original, todos foram adquiridos por pregão eletrônico 033/SFMSP/2019. A modalidade escolhida foi “menor preço mensal estimado por lote”. O processo foi declarado aberto no DO em 13 de dezembro de 2019, ocorreu em 6 de janeiro deste ano, as empresas vencedoras foram convocadas em 22 de janeiro e a nota de empenho foi emitida em 21 de março.

O vídeo engana ao não informar que o fornecimento dos caixões já estava contratado antes da pandemia. Dois dos contratos tiveram aditamento para aumento de 25% dos valores em função da pandemia do novo coronavírus, conforme discriminado abaixo. O que a prefeitura fez no âmbito do Plano de Contingenciamento Funerário foi antecipar a entrega das urnas funerárias, que inicialmente deveria ocorrer de abril a outubro de 2020.

São Paulo na pandemia

Até o dia 1º de julho, a cidade de São Paulo registrou 7.258 óbitos pela doença e 129.328 casos confirmados. As informações são do boletim divulgado diariamente pelo Centro de Vigilância Epidemiológica do Estado de São Paulo. É o município com maior quantidade de mortes pela covid-19 em todo o estado, seguido por Guarulhos (693 óbitos), localizado na região metropolitana de São Paulo.

A postagem foi feita no mesmo dia em que a prefeitura anunciou que a capital passaria para a fase amarela do plano de contingência, com a reabertura de novos setores da economia. Com isso, a administração municipal permite o funcionamento, em horários restritos e respeitando medidas de distanciamento social e higienização, de bares, hotéis, restaurantes, salões de beleza e barbearias.

Dados coletados pela Universidade Johns Hopkins apontam que o estado de São Paulo é a segunda pior região no mundo em número de casos confirmados da covid-19, com 281.380 diagnósticos. Apenas o estado de Nova York, nos Estados Unidos, possui mais casos, com 394.079 infectados.

Quem é o autor da postagem?

A postagem que viralizou vem da página “Wellington Fiscal do Povo”, que pertence a um homem chamado Wellington e foi registrada como “Figura Pública” no Facebook. A página se propõe a fazer denúncias sobre questões cotidianas em bairros da Zona Leste de São Paulo, com o próprio Wellington gravando vídeos e tirando fotos de buracos de ruas, registrando falta de água em residências e divulgando vagas de emprego na página, por exemplo. Vários seguidores utilizam os comentários para apontar irregularidades nas áreas onde vivem e pedem que Wellington as denuncie nas redes. A página faz diversas críticas à prefeitura.

Em 1º de julho, cinco dias após a postagem ser feita, Wellington apagou o trecho que dizia que os caixões haviam sido comprados sem licitação.

No perfil, há duas formas externas de contato com Wellington, que não apresenta sobrenome na página: um e-mail e um número de telefone. O Comprova entrou em contato com a página por meio do chat do Facebook e pelo número do WhatsApp apresentado na rede social. No aplicativo de mensagens, Wellington chegou a escrever duas respostas mas apagou logo em seguida, ignorando os questionamentos sobre quem gravou os vídeos, onde foram feitos e como havia obtido informações a respeito da suposta compra de caixões sem licitação.

Como o email fornece o sobrenome “De Paulo”, o Comprova fez buscas rápidas no Google usando nome e sobrenome e encontrou a candidatura de Wellington de Paulo, registrado como “Wellington de Paula”, ao cargo de vereador pelo PSC em 2016. Ainda, viu que o mesmo candidato já havia sido lotado nos gabinetes dos ex-deputados Lelis Trajano e Fernando Capez na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).

O histórico da página do Facebook aponta que ela foi criada em fevereiro de 2016 com o nome “Wellington de Paula” (o mesmo apresentado pelo candidato em 2016) e teve o nome alterado para Wellington de Paulo em 2019 — pouco antes de acrescentar a alcunha “fiscal do povo” no lugar do sobrenome. O perfil alega cursar “Gestão Pública” e “Gestão Hospital”.

No site do DivulgaCand de 2016, portal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no qual constam dados sobre todas as candidaturas, o Comprova encontrou o registro de Wellington, que teve a candidatura substituída antes da eleição, e confirmou nos documentos apresentados o mesmo endereço de e-mail fornecido na página do Facebook. Também conferimos se tratar do mesmo e-mail cadastrado no CNPJ apresentado pelo então candidato, disponível no site da Receita Federal.

O PSC entrou na coligação do PRB nas eleições municipais em São Paulo no ano de 2016. O candidato à prefeitura foi Celso Russomanno, com quem Wellington ostenta fotos ao lado em redes sociais. Russomanno liderou diversas pesquisas de intenção de votos, mas acabou em terceiro lugar no pleito, com 13,6% dos votos. João Doria (PSDB) foi o eleito. Ele renunciou após 15 meses para concorrer ao governo paulista em 2018, deixando o vice, Bruno Covas (PSDB), como prefeito.

As muitas críticas de Wellington à prefeitura são direcionadas a serviços e gastos públicos. Em um dos vídeos da página, Wellington reclama, em vídeo, que sua entrada no hospital de campanha do Anhembi foi barrada; ele alegou que pretendia fiscalizar o local. A gravação foi feita em junho, dois meses após um grupo de deputados estaduais invadir o local e provocar tumulto alegando que os leitos estavam vazios.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos duvidosos de grande viralização nas redes sociais e que apresentam informações duvidosas sobre a pandemia de covid-19. É o caso deste vídeo, que até 1º de julho somava mais de 426 mil visualizações, 18 mil compartilhamentos e 3,3 mil interações no Facebook. O vídeo também foi compartilhado na página Amigos do Presidente e obteve mais de 2 mil interações.

Desde o início da pandemia do novo coronavírus, o Comprova já investigou boatos de que havia covas vazias em cemitérios para simular aumento de sepultamentos. Também já foram desmentidas notícias falsas de supostas denúncias de caixões vazios, parceria por vacina realizada antes da proliferação da doença e que hospitais recebiam quantias por cada óbito registrado como covid-19.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o significado original; no caso do post, a única informação correta é de que a Prefeitura de São Paulo adquiriu 38 mil caixões.

Política

Investigado por: 2020-06-30

Publicação usa imagens antigas como sendo de obras do governo Bolsonaro

  • Falso
Falso
Imagens usadas em post que compara os governos petistas ao de Bolsonaro são anteriores à atual gestão. O Comprova também verificou que as imagens comparam locais diferentes
  • Conteúdo verificado: Meme compartilhado no Facebook com imagens que pretendem comparar a situação de vias nos 14 anos de PT com obras que seriam realizadas em 18 meses do governo de Jair Bolsonaro

É falsa a combinação de imagens amplamente compartilhada em redes sociais para mostrar uma suposta evolução de obras públicas entre os governos dos ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003 – 2011) e Dilma Rousseff (2011 – 2016), do PT, e os primeiros 18 meses de mandato do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Todas as fotografias atribuídas ao governo atual foram tiradas antes da posse de Bolsonaro.

Duas das imagens que supostamente retratam projetos de infraestrutura concluídos durante a gestão de Bolsonaro foram feitas, na verdade, nos mandatos de Lula e Dilma. Uma terceira foi publicada em um banco de imagens internacional anos antes da eleição de Bolsonaro.

As fotos comparadas nas publicações não mostram, ainda, os mesmos locais.

Como verificamos?

Para esta verificação pesquisamos a origem das seis fotos viralizadas utilizando os motores de busca reversa do Google e do TinEye.

A partir dos resultados encontrados, entramos em contato com os responsáveis pelos registros mais antigos de algumas das imagens para confirmar informações sobre o local e a data em que as fotografias foram feitas.

Também consultamos portais do governo e notícias para confirmar dados sobre as obras retratadas nas imagens.

Verificação

Estradas no Mato Grosso e no Pará

As primeiras duas fotos, que comparam uma estrada com veículos atolados na lama a uma rodovia asfaltada, não foram feitas no mesmo lugar nem mostram uma obra realizada pela gestão de Bolsonaro.

Com o mecanismo de busca reversa de imagens TinEye, encontramos registros da primeira foto em 2008. Fizemos a mesma pesquisa pelo Google, ajustando as configurações para obter resultados anteriores a 2009 — a busca encontrou esta apresentação de slides, publicada em janeiro de 2008.

Entramos em contato com a responsável pelos slides, Gislaine Manteli, por um e-mail listado na apresentação. Moradora da cidade de Nova Monte Verde, no Mato Grosso, ela informou que as fotos reunidas ali representavam a situação da rodovia MT-208 na época. Gislaine conta que os slides foram parte de uma mobilização do município para pressionar o governo estadual pela pavimentação da via.

De acordo com ela, hoje o trecho retratado nas fotos, que liga as cidades de Alta Floresta até Nova Bandeirantes, está quase completamente asfaltado. De fato, imagens de satélite do Google mostram longos segmentos pavimentados, com exceção de trechos perto de riachos.

A segunda imagem utilizada no post foi publicada no site do DNIT em 5 de fevereiro de 2010. A foto ilustra uma matéria sobre a pavimentação de 124 quilômetros da BR-163, entre Rurópolis e Santarém, no Pará. A obra foi realizada por um convênio com o Exército Brasileiro, com investimento de R$ 1,4 bilhão. Na época, o presidente era Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Esta foto já havia sido tirada de contexto em posts nas redes sociais, como mostra esta checagem da Agência Lupa.

Ferrovia fotografada em 2002 e foto de banco de imagens

A segunda comparação de fotos tampouco registra o antes e depois de uma mesma obra durante os “14 anos de PT” e os “18 meses de Bolsonaro”.

Uma busca reversa no Google pela imagem atribuída aos governos petistas, na qual é possível ver dois vagões de trem em uma área aparentemente abandonada, leva a um artigo publicado em 19 de novembro de 2008 no blog Música Sob Trilhos.

O texto, intitulado “Ferrovias no Brasil: Sucateamento completa 150 anos” é ilustrado com a imagem agora viralizada. Ao clicar na fotografia é possível identificar a marca d’água “Latuff 2002” no canto inferior direito.

Carlos Latuff, chargista carioca, manteve até 2017 um blog dedicado a compartilhar imagens de ferrovias no Brasil e no mundo.

Contactado pelo Comprova, Latuff confirmou ter tirado a imagem dos vagões de trem no final de 2002 — ano em que o país era governado por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e não pelo PT, como alegam as publicações viralizadas.

De acordo com o chargista, as imagens foram tiradas na oficina da companhia ferroviária MRS Logística no Horto Florestal, em Belo Horizonte, Minas Gerais. “São sucatas de locomotivas da antiga Rede Ferroviária Federal”, afirmou o fotógrafo.

Ao Comprova, Latuff enviou outras fotos que tirou no mesmo dia.

Já a foto que mostraria o estado desta ferrovia durante o governo Bolsonaro foi tirada do banco de imagens iStock, da empresa norte-americana Getty Images.

Embora o site não informe onde a fotografia foi feita, ela foi publicada no repositório em 13 de agosto de 2015 — anos antes da eleição de Jair Bolsonaro.

Uma busca reversa no Google mostra que a imagem é frequentemente utilizada por empresas de construção em diversos países, como Suíça, Itália e Alemanha, para ilustrar os serviços prestados pelas companhias.

Transposição do Rio São Francisco em 2011 e 2015

A terceira dupla de fotos também não mostra uma comparação entre o governo petista e a gestão de Bolsonaro. As duas imagens foram feitas durante o período em que Dilma Rousseff foi presidente (2011-2016).

O primeiro clique é do fotógrafo Wilson Pedrosa. A imagem foi publicada em matéria do Estadão de 4 de dezembro de 2011, assinada por Pedrosa e Eduardo Bresciani. A reportagem percorreu 100 quilômetros de obras da transposição do Rio São Francisco em Pernambuco — os jornalistas encontraram canais em deterioração e canteiros abandonados pelas empreiteiras responsáveis. A foto em questão mostra um trecho entre os municípios de Betânia e Custódia, em Pernambuco.

A segunda imagem foi publicada pela primeira vez em 13 de agosto de 2015 na conta do Ministério da Integração Nacional no site de compartilhamento de fotos Flickr. A legenda informa se tratar da Estação de Bombeamento 1 do Eixo Norte do Projeto de Integração do Rio São Francisco.

O Planalto anunciou na época que a obra em questão foi inaugurada em 21 de agosto de 2015. A estrutura bombeia água do Velho Chico por 45,9 quilômetros até o reservatório de Terra Nova, em Cabrobó, em Pernambuco.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos duvidosos sobre políticas públicas do governo federal que apresentam ampla repercussão em redes sociais e aplicativos de mensagens. Este é o caso da comparação de imagens de obras, que obteve, até 30 de junho, mais de 13 mil compartilhamentos no Facebook, Instagram e Twitter.

Também é levada em consideração a relevância do conteúdo frente ao noticiário atual.

Neste caso, a viralização da combinação de fotos acontece alguns dias após o presidente Jair Bolsonaro inaugurar um trecho do Eixo Norte da transposição do Rio São Francisco — projeto de infraestrutura iniciado no primeiro mandato do ex-presidente Lula, que reivindica paternidade da obra. O tópico levou a primeiro plano o tema da evolução de obras públicas.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Esta combinação de fotos também foi verificada pela Agência Lupa.

Saúde

Investigado por: 2020-06-29

Hidroxicloroquina no início da covid-19 não descarta necessidade de UTI

  • Enganoso
Enganoso
Ao contrário do que diz médico nas redes sociais, há relatos de óbitos de pacientes que usaram hidroxicloroquina já no início dos sintomas. E não há comprovação de que o medicamento reduz o risco de morte pela covid-19
  • Conteúdo verificado: Tuíte de um médico que diz não ter visto nenhum paciente medicado com hidroxicloroquina no início dos sintomas que tenha evoluído para a fase crítica na UTI.

Um tuíte do dia 22 de junho, escrito pelo médico Allan Garcês, induz ao erro ao fazer crer que o uso da hidroxicloroquina nos primeiros sintomas de covid-19 impede que a doença siga para uma etapa mais severa. “Ainda não vi nenhum paciente que iniciou o tratamento com hidroxicloroquina no INÍCIO dos sintomas, ou seja, no INÍCIO da sua doença, que tenha evoluído para a fase crítica na UTI. FICA A DICA”, ele escreveu em seu perfil.

Estudos dos programas Solidariedade (da Organização Mundial de Saúde) e Recovery (do governo do Reino Unido) não conseguiram comprovar que a cloroquina e a hidroxicloroquina reduzam o risco de morte de pacientes com covid-19. A autoridade sanitária dos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA), suspendeu a autorização para uso emergencial dessas substâncias como tratamento do novo coronavírus no país.

No Brasil, o Ministério da Saúde permitiu o uso da cloroquina em pacientes graves no dia 23 de março e orientou o uso em casos leves no dia 20 de maio. A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e a Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (Sobrac) criticaram a liberação para uso da droga na fase inicial da doença.

Para o médico Edson Carvalho, professor da Uninove e infectologista do Hospital Unimed e do Hospital Estadual de Bauru (SP), referência no tratamento de covid-19, a “suspeita” de Garcês não tem fundamento. Carvalho, que foi procurado pelo Comprova por recomendar a hidroxicloroquina, diz que tratou “vários” pacientes com hidroxicloroquina desde o início dos sintomas e, mesmo assim, viu eles evoluírem para casos mais graves – alguns, inclusive, morreram.

Como verificamos?

O Comprova buscou identificar os primeiros estudos que sugeriram o uso da cloroquina no tratamento de pacientes com covid-19 e as revisões feitas sobre eles. Também tentou saber como estudos clínicos conduzidos pela Organização Mundial de Saúde e pelo governo do Reino Unido vêm sendo interpretados por essas organizações. A equipe procurou o posicionamento sobre o remédio do governo dos Estados Unidos e do Brasil. Por fim, levantou o posicionamento de entidades como a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e a Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (Sobrac).

Também procuramos testemunhos de pessoas que evoluíram para quadros graves da doença mesmo se tratando com a droga desde o início e, em pesquisas na internet, encontramos uma reportagem do site JCNet, de Bauru, com a história de Marília Buzalaf e seu marido, Cláudio, que, em março, ficou 21 dias no hospital – 11 deles intubado – por conta do novo coronavírus, e havia tomado hidroxicloroquina. No Facebook, descobrimos que ela é professora da Faculdade de Odontologia da USP em Bauru, no interior paulista, e, no site da instituição, conseguimos o e-mail dela. Entramos em contato e marcamos uma entrevista, realizada por telefone.

Após ouvir o relato de Marília, o Comprova pediu a ela o celular de Edson Carvalho, médico que cuidou do caso, para confirmar se o paciente havia sido realmente tratado com a hidroxicloroquina desde o começo dos sintomas.

Também tentamos, sem sucesso, falar com Allan Garcês, autor do tuíte. Ele não respondeu as mensagens diretas no Facebook nem no Instagram – seu Twitter não permite o envio de mensagens.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 29 de junho de 2020.

Verificação

O que dizem os estudos?

A cloroquina chegou a ser considerada como um possível tratamento de infecções por coronavírus nas epidemias de SARS e MERS. Na época, porém, não houve estudos em humanos que pudessem confirmar a eficácia da droga.

Em março deste ano, dias após a OMS classificar a covid-19 como uma pandemia, a medicação voltou ao debate a partir de um estudo conduzido por médicos do Sul da França que sugeriram usar a cloroquina para tratar o SARS-CoV-2. Esse estudo foi alvo de muitas críticas, seus resultados foram questionados e considerados anedóticos — termo da literatura médica que descreve casos isolados, que não representam comprovação científica. Em abril, a International Society of Antimicrobial Chemotherapy e a Elsevier, entidades responsáveis pela revista que publicou o artigo, emitiram um comunicado que reconheceu a existência de dúvidas quanto ao conteúdo do estudo e anunciaram um novo processo de revisão independente.

No dia 19 de março, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, classificou o medicamento como uma “mudança de jogo” no tratamento da covid-19 e anunciou que aprovaria o uso dele no país. Dois dias depois, o presidente Jair Bolsonaro disse que o laboratório do Exército aumentaria a produção de cloroquina no Brasil.

Em 25 de março, o Ministério da Saúde emitiu uma nota técnica autorizando o uso da cloroquina para tratar pacientes com casos graves de covid-19. Depois, em 20 de maio, o governo brasileiro passou a orientar o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no “tratamento medicamentoso precoce” de pacientes com covid-19, incluindo pessoas com sintomas leves da doença. No texto, o próprio Ministério da Saúde escreveu: “ainda não há meta-análises de ensaios clínicos multicêntricos, controlados, cegos e randomizados que comprovem o benefício inequívoco dessas medicações para o tratamento da covid-19”.

Naquela semana, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) emitiu uma nota em que “não recomenda o uso da Cloroquina e Hidroxicloroquina associadas, ou não, à Azitromicina, enquanto não houver evidências científicas definitivas acerca do seu emprego”. O texto também orienta os médicos a realizarem eletrocardiogramas nos pacientes que optarem pelo tratamento, de modo a monitorar possíveis complicações cardíacas.

A Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (Sobrac) também lançou uma nota ressaltando a “ausência de evidências que apontem claramente o benefício do uso deste esquema terapêutico”. A entidade recomenda o acompanhamento dos pacientes que usem o medicamento para “prevenir a manifestação de eventos arrítmicos potencialmente fatais que podem ocorrer devido a efeitos adversos de um destes fármacos ou da associação entre eles ou com outros fármacos que também possam predispor a distúrbios elétricos cardíacos”.

No dia 5 de junho, pesquisadores do Recovery, estudo clínico conduzido no Reino Unido para encontrar medicamentos que combatam o novo coronavírus, afirmaram não haver benefício no uso da hidroxicloroquina em pacientes com covid-19. Dez dias depois, a Food and Drug Administration (FDA), autoridade sanitária americana, revogou a autorização de uso emergencial da cloroquina e da hidroxicloroquina para o tratamento da doença nos Estados Unidos. A organização afirmou na ocasião que, após realizar estudos, descobriu ser improvável que os medicamentos sejam efetivos no tratamento da covid-19. “Além disso, à luz de eventos adversos cardíacos graves e contínuos e de outros efeitos colaterais sérios, os benefícios conhecidos e potenciais de cloroquina e hidroxicloroquina não superam mais os riscos conhecidos e potenciais para o uso autorizado”, afirmou ainda.

A Organização Mundial da Saúde chegou a incluir a hidroxicloroquina na lista de medicamentos avaliados pelo estudo clínico Solidariedade, que testou drogas para combater a covid-19 em pacientes de 35 países. A OMS, porém, encerrou os testes com a hidroxicloroquina no dia 17 de junho por não ter sido capaz de identificar redução no número de óbitos entre os pacientes que usaram a droga.

A autoria do tuíte

Médico, Allan Quadros Garcês, conhecido como Allan Garcês, foi diretor do Departamento de Articulação Interfederativa da Secretaria-Executiva do Ministério da Saúde na gestão de Luiz Henrique Mandetta. Deixou o cargo para assumir como secretário estadual da Saúde de Roraima, posição que ocupou por 43 dias, entre janeiro e fevereiro deste ano. O Comprova procurou a Secretaria de Saúde para saber o motivo da exoneração, mas não recebeu resposta até o fechamento desta verificação.

Forte defensor da hidroxicloroquina, como mostra em seus perfis nas redes sociais, Allan se lançou ao cargo de ministro da Saúde após a saída de Nelson Teich, em maio. Na época, afirmou em seu Twitter que não havia sido sondado pelo Planalto, mas sabia que seu nome havia chegado “até lá”. No mesmo post, se diz “alinhado ao governo”, como é possível verificar em seus posts – muitos de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Em 2018, ele foi candidato a deputado federal pelo PSL, mas não se elegeu. Antes, tentou se candidatar a vereador em São Luís, no Maranhão, pelo PMB em 2016, mas também não se elegeu. Em 2012, ficou como suplente da vaga de vereador pela mesma cidade, pelo PSDB.

Testemunho

Em entrevista ao Comprova, a professora de Odontologia da USP Bauru Marília Buzalaf contou que o seu marido, Cláudio, havia tido febre, dor no corpo e mal-estar por cinco dias quando procurou o Hospital Unimed, em Bauru, em março. “Falta de ar ele não teve”, disse. Ele fez o teste de covid-19 e, por ser cardíaco, acharam melhor interná-lo, mesmo sem o resultado do exame, que só sairia em cinco dias. “Naquele dia (da internação), o médico já tinha quase mandado a gente embora para casa depois de ter feito os exames”, afirmou Marília. Mesmo não considerando o caso grave, a equipe médica passou a tratar o paciente com hidroxicloroquina. O medicamento não fez efeito e, quatro dias depois, Cláudio foi para a UTI. No total, ele ficou 21 dias no hospital, até receber alta.

Casos médicos

O infectologista Edson Carvalho, que trabalha no Hospital Unimed e no Hospital Estadual de Bauru, e leciona na Uninove, disse ao Comprova que Cláudio estava na fase inicial da doença quando foi internado e passou a ser tratado com hidroxicloroquina. Acrescentou que teve vários pacientes que tomaram a droga assim que surgiram os sintomas e também tiveram o quadro agravado – alguns falecendo. O médico afirmou ainda que hoje tem “pelo menos quatro pacientes graves que tomaram o medicamento desde o começo e evoluíram com gravidade, com intubação, e que a hidroxicloroquina não fez a menor diferença no quadro clínico deles”.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais. Quando o material aborda assuntos relacionados à covid-19, a verificação se torna ainda mais importante, pois conteúdos enganosos podem colocar a saúde das pessoas em risco. O tuíte checado pelo Comprova tinha mais de 17 mil curtidas e foi retuitado 3.500 vezes.

Sem apresentar nenhuma prova, Allan Garcês engana ao insinuar que a hidroxicloroquina, se receitada no início dos sintomas de covid-19, evita que os pacientes evoluam para quadros mais graves. Desde os primeiros casos da doença no Brasil, os temas relacionados à pandemia têm sido usados para reforçar narrativas que se alinham ou contrariam o discurso do presidente da República, Jair Bolsonaro. No caso, o tuíte do médico segue a linha do chefe do Executivo, que sempre defendeu a cloroquina e a hidroxicloroquina como possíveis substâncias eficazes contra o novo coronavírus, descartando evidências científicas segundo as quais ainda não há nenhuma droga conhecida que combata com eficácia a doença. A polarização dos discursos em defesa do uso de medicamentos sem eficácia comprovada pode servir de incentivo à automedicação e causar efeitos colaterais danosos.

Desde o início da pandemia, o Comprova já realizou várias checagens sobre a cloroquina. Uma delas enganava ao afirmar que pesquisadores brasileiros usaram doses letais da medicação para matar os pacientes. Outra mentia ao afirmar que o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, proibiu o uso da substância. Recentemente também mostrou que era enganoso um conteúdo que atribuía ao uso da cloroquina a situação da pandemia no Senegal.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor ou que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Política

Investigado por: 2020-06-29

Vídeo mostra queima controlada feita pelo Ibama, não incêndio provocado para culpar o presidente

  • Falso
Falso
A ação foi, na verdade, uma queima controlada, um procedimento previsto no Código Florestal para prevenir focos de incêndio de maiores proporções. Procurado pelo Comprova, o autor apagou a postagem
  • Conteúdo verificado: Post da página “Bolsonarianos Ceará”, com um vídeo e a legenda “Ibama provoca incêndio na mata para depois o presidente ser acusado”.

Um post faz acusações falsas sobre o Ibama ao afirmar que o órgão estaria promovendo um incêndio na mata “para depois o presidente ser acusado”. O autor da publicação usa um vídeo gravado de dentro de um carro em movimento que mostra um outro veículo com funcionários do Ibama queimando a mata da beira da estrada. No áudio da gravação, um homem diz estar entre as cidades de Sítio Novo e Montes Altos, no Maranhão, e insinua que o incêndio estaria sendo provocado pelo órgão para “poder derrubar o governo Bolsonaro”.

Procurado pelo Comprova, o Ibama afirmou que realizou uma ação na região no dia 20 de junho, mas que foi uma queima controlada, feita para combater focos de incêndio e prevista no Código Florestal.

O Comprova não conseguiu encontrar o autor do vídeo.

Como verificamos?

Para saber mais sobre a autoria do vídeo e confirmar o local onde ele foi gravado, o Comprova entrou em contato com a pessoa que assina as postagens na página “Bolsonarianos Ceará”, Jolnê Praxedes, por WhatsApp, pelo número disponibilizado no Facebook.

Também entramos em contato com o Ibama e enviamos o vídeo suspeito, além de consultar a Funai sobre o registro da ação e a presença de indígenas na região. O Google Maps foi utilizado para determinar o local onde o autor diz ter feito as imagens, e usamos ferramentas de busca de imagem para confirmar a aparência da viatura.

Verificação

Autoria do vídeo

A página “Bolsonarianos Ceará”, que publicou o vídeo no dia 21 de junho, é de um homem chamado Jolnê Praxedes. O Comprova entrou em contato com ele pelo WhatsApp, pelo telefone presente na própria página e nas postagens.

Perguntado sobre o vídeo, se conhecia a pessoa responsável pela filmagem ou se tinha confirmação do local onde as imagens foram feitas, Praxedes disse que participa de 80 a 100 grupos de política diferentes no WhatsApp, além de receber conteúdo de listas de transmissão, e que não se lembrava, exatamente, de onde tinha recebido o vídeo, que chegou como uma “denúncia”.

“Antes de publicar, procurei ver se tinha alguma coisa quanto à falsidade do vídeo, e não tinha. Sempre, eu procuro tomar esse cuidado”, afirmou, por mensagem de áudio. O dono da página bolsonarista ainda se dispôs, após o contato do Comprova, a apagar o conteúdo, caso a verificação demonstrasse que as informações eram falsas, e pediu que entrássemos em contato para avisá-lo do resultado da checagem. Pouco tempo depois do contato, porém, antes da publicação desta verificação, o vídeo já havia sido apagado da página do Facebook.

Também por mensagem no WhatsApp, Praxedes disse ao Comprova que a página tem outros administradores, mas ele é a única pessoa que aparece em vários vídeos, criticando pessoas vistas como “rivais” do governo de Jair Bolsonaro, como o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes.

Nos posts mais recentes, as legendas incluem uma hashtag de apoio à pré-candidatura de Praxedes à Câmara Municipal de Fortaleza. Jolnê confirmou que pretende concorrer a um cargo nas próximas eleições, pelo Podemos. Ele já chegou a se registrar como candidato a deputado federal, pelo Partido Trabalhista Cristão (PTC), em 2018, mas acabou não concorrendo.

A página do Facebook, que tem quase 72 mil curtidas, foi criada em novembro de 2017, e publica mensagens de apoio ao presidente Bolsonaro e a outros políticos aliados.

Na publicação com o vídeo sobre as queimadas, Praxedes afirma que havia encaminhado o material ao presidente. Questionado pelo Comprova, disse que não enviou por não ter o contato direto do presidente.

O que diz o Ibama?

O Comprova procurou o Ibama e o órgão afirmou, por e-mail, que a ação mostrada no vídeo realmente ocorreu entre as cidades de Sítio Novo e Montes Altos. Foi realizada no dia 20 de junho, um dia antes da postagem de Praxedes, e era uma queima controlada, “utilizada durante o período chuvoso e no início do período seco (junho e julho) em locais com maior risco de ignição de fogo” para reduzir a “quantidade de combustível na seca, diminuindo drasticamente o risco de grandes incêndios florestais”.

A instituição afirmou que esse tipo de queima está previsto no Código Florestal. O texto descreve as situações nas quais o uso de fogo na vegetação é permitido. Entre as possibilidades está o “emprego da queima controlada em Unidades de Conservação, em conformidade com o respectivo plano de manejo e mediante prévia aprovação do órgão gestor da Unidade de Conservação, visando ao manejo conservacionista da vegetação nativa, cujas características ecológicas estejam associadas evolutivamente à ocorrência do fogo”.

Segundo o Ibama, “boa parte dos incêndios florestais iniciam nas beiras de estradas e a realização das queimas nesses locais, como no caso do vídeo, é prioritária”. O órgão disse ainda que a queima do dia 20 de junho foi informada aos órgãos competentes e teve acompanhamento da Polícia Militar do Maranhão “para garantir a segurança no trânsito da estrada”.

Funai

Antes de receber o relatório sobre a queimada preventiva do Ibama, o Comprova entrou em contato com a Fundação Nacional do Índio (Funai), questionando sobre o registro da ação e a presença de indígenas na região. A instituição não respondeu até o fechamento desta verificação, mas um documento enviado pelo órgão de defesa do meio ambiente confirma que a Funai participou da ação.

 

A operação

O Ibama enviou para o Comprova, por e-mail, o relatório da operação. No documento, descreve os detalhes da ação, que contou com dois servidores do órgão, um da Funai, dois policiais militares, dois supervisores de brigadas e 11 voluntários da Aldeia São José da TI Krika. O trabalho começou às 9 horas do dia 20 de junho e terminou às 14. O documento informa, “por fim, não ter havido nenhuma intercorrência durante toda a operação”. Parte da equipe atuou observando se havia animais em risco, mas não foi registrado “nenhum dano significavo à fauna e apenas benefício à flora”.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos de ampla repercussão em redes sociais, como a postagem de Praxedes, que tinha 119 mil visualizações no Facebook até o dia 24 de junho – um dia depois, após contato do Comprova, Praxedes apagou seu post.

Os autores do vídeo e da legenda enganam ao acusar o Ibama de incendiar um trecho de mata e levam a postagem para o lado político ao dizer que seria um fogo criminoso usado “para depois o presidente ser acusado”. Postado na página “Bolsonarianos Ceará”, o post servia para reforçar a defesa do presidente Jair Bolsonaro, que, no ano passado, foi criticado quando as queimadas na Amazônia bateram recorde dos últimos sete anos. O chefe do Executivo chegou a dizer, sem provas, que ONGs poderiam ter provocado queimadas na região. Ele também acusou o ator Leonardo DiCaprio de ter dado dinheiro para “tacar fogo na Amazônia”.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

O G1 e o Boatos.org verificaram o vídeo e classificaram o conteúdo como falso.

Saúde

Investigado por: 2020-06-26

Prefeito de São Paulo não proibiu hidroxicloroquina e usou azitromicina no tratamento da covid-19

  • Falso
Falso
Ao contrário do que afirmam publicações nas redes sociais, a prefeitura de São Paulo nunca proibiu o uso de cloroquina, nem de sua forma menos tóxica, a hidroxicloroquina
  • Conteúdo verificado: Texto compartilhado por Facebook e Twitter acusando o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, de deixar “muita gente morrer a (sic) míngua” ao “proibir a Hidroxicloroquina” e depois “confessar à mídia que fez uso do remédio que negou ao povo…”

Uma publicação com informações falsas sobre o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), viralizou no Twitter e no Facebook esta semana. Um dos perfis é de uma usuária que usa o apelido de “Tubaína Paschoal” e uma foto da deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP). No post, ela afirma que Covas “deixou muita gente morrer a (sic) míngua ao proibir a hidroxicloroquina”, mas que o prefeito teria usado o medicamento para tratar a covid-19 quando foi infectado. A outra postagem, com o mesmo texto, é de uma conta que usa a foto, o nome e se descreve como uma “homenagem” ao general reformado Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional do Planalto, no Facebook.

Nenhuma das informações é verdadeira. A prefeitura de São Paulo nunca proibiu o uso de cloroquina, nem de sua forma menos tóxica, a hidroxicloroquina. O protocolo de atendimento de covid-19 no município, anunciado em 9 de abril, recomenda que o uso do medicamento seja feito com prescrição médica e consentimento do paciente ou da família. Uma recomendação técnica da Secretaria Municipal da Saúde, publicada em 17 de junho, lembra que ainda não existe um medicamento específico para o tratamento da covid-19. E, como não há evidências científicas que justifiquem o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina contra o novo coronavírus, o uso deve ser evitado em pacientes com sintomas leves.

Bruno Covas, de 40 anos, anunciou que estava com covid-19 no dia 13 de junho. O prefeito, que trata um câncer no sistema digestivo, recebeu o diagnóstico depois de um exame de rotina. Em sua conta oficial no Instagram, afirmou que não teve sintomas como febre, dor ou falta de ar e que passaria dez dias isolado, trabalhando de casa. No dia 15, Covas publicou um vídeo em que esclareceu que, mesmo assintomático, estava tomando o antibiótico azitromicina por recomendação médica. “Remédio não é de esquerda ou de direita. Lamento que alguns queiram politizar a escolha do medicamento”, disse. No dia 24, mais uma vez numa mensagem gravada, Covas anunciou que estava recuperado e voltaria ao trabalho presencialmente na prefeitura.

Como verificamos?

Entramos em contato com a assessoria de imprensa da prefeitura de São Paulo para saber sobre o estado de saúde do Bruno Covas, como tinha sido feito o tratamento contra a covid-19 e se ele tinha tomado hidroxicloroquina. Por telefone, fomos informados que os detalhes do tratamento são de caráter pessoal do prefeito. E recebemos a sugestão de buscar as informações nas redes sociais de Bruno Covas. Ele publicou vídeos com atualizações ao longo dos dez dias de isolamento domiciliar.

Buscamos mais informações e documentos técnicos no site da Secretaria Municipal da Saúde, que segue recomendações da Secretaria Estadual da Saúde e do Ministério da Saúde.

Em seguida, levantamos quais foram os primeiros estudos a sugerir o uso de cloroquina e hidroxicloroquina em pacientes com a covid-19 e que revisões foram feitas sobre eles. Também consultamos documentos da Casa Branca e do Ministério da Saúde para explicar como a droga passou a ser adotada nos Estados Unidos e no Brasil. Buscamos também o posicionamento de entidades médicas sobre o uso do medicamento no país. Procuramos ainda informações sobre os status atuais de estudos sobre uso da droga para tratar a covid-19 conduzidos pela Organização Mundial da Saúde, governo do Reino Unido e pela autoridade sanitária americana.

Por fim, tentamos localizar os autores das publicações no Twitter e no Facebook. Ambos são perfis sem autoria declarada e não verificados. Por isso, não recebem mensagens privadas de desconhecidos. O contato com o perfil Tubaína Paschoal foi tentado por mensagem aberta e não houve resposta de nenhum dos dois até o fechamento desta reportagem. Já a página de homenagem a Augusto Heleno disponibiliza um e-mail e um telefone com prefixo 88, da região de Juazeiro do Norte, no interior do Ceará. Tentamos contato, mas o número estava desligado.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 26 de junho de 2020.

Verificação

O prefeito da capital paulista anunciou que estava com covid-19 no dia 13 de junho. Em um vídeo publicado no Instagram, Bruno Covas disse que depois de quatro testes negativos, dessa vez o resultado foi positivo. “A orientação do meu médico, já que eu não tenho nenhum sintoma, é ficar dentro de casa”, contou. Covas faz tratamento para um câncer no sistema digestivo desde outubro de 2019 e, por isso, faz parte do grupo de risco para novo coronavírus.

Ao longo de dez dias, o prefeito se manteve em isolamento domiciliar, trabalhando a distância. No dia 15, mais uma vez em vídeo, Covas esclareceu que permanecia sem febre, sem dor e sem falta de ar e que, por recomendação médica, estava tomando o antibiótico azitromicina. “Medicação a gente toma aquela prescrita pelo médico. Não se trata de remédio de esquerda nem direita. É lamentável ter que politizar a questão do remédio no país, isso não contribui em nada”, lamentou.

A azitromicina é um medicamento eficaz para o combate a bactérias, e não tem ação documentada contra vírus, como SARS-CoV-2. Associada à hidroxicloroquina, a droga é prescrita, de forma experimental, a pacientes infectados com o novo coronavírus. No caso do prefeito, somente a azitromicina pode servir para evitar infecções bacterianas oportunistas, já que Covas tem o sistema imunológico prejudicado por causa do tratamento contra o câncer. Nesta verificação, publicada pelo Comprova no dia 25 de junho, o médico Erich Vinícius de Paula explica que é difícil ter certeza que junto com o vírus não haja uma infecção bacteriana associada, mas alerta: “É muito importante entender que o antibiótico não é direcionado para tratar do vírus”.

Uso de cloroquina não é proibido

“Até o momento, não há vacina nem medicamento antiviral específico para prevenir ou tratar a covid-19”, explica a Organização Pan-Americana de Saúde, braço da Organização Mundial de Saúde (OMS) para as Américas. Uma das drogas em estudo é a cloroquina, usada para o tratamento de malária e doenças autoimunes como o lúpus (leia mais abaixo).

O texto verificado afirma que o prefeito proibiu a hidroxicloroquina na cidade. Essa informação é falsa. Em 9 de abril, Covas anunciou que a cloroquina passaria a fazer parte do protocolo de atendimento de pacientes diagnosticados com covid-19 no município. “Ainda não é possível ser uma política pública, pois não temos ainda pesquisas concluídas, mas havendo prescrição do médico e a concordância do paciente, a Secretaria Municipal de Saúde passou a integrar esse [a cloroquina] medicamento no protocolo de tratamento da covid-19”, afirmou Covas. Uma recomendação técnica foi publicada em 17 de junho, sugerindo uma “análise criteriosa do quadro clínico, o monitoramento do paciente, da resposta em relação à terapêutica selecionada e as reações adversas”. A prefeitura segue uma orientação da Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo, para que a droga não seja prescrita para pacientes com casos leves. E, assim como sugere o Ministério da Saúde, a indicação deve ser feita por um médico com autorização do pacientes ou da família.

Cloroquina: o que dizem estudos e autoridades?

A cloroquina já havia sido considerada para tratamento de infecções de coronavírus após as epidemias de SARS e MERS. Mas, na época, não foram feitos testes clínicos em humanos para confirmar a eficácia da droga.

Em março deste ano, após a covid-19 ter sido declarada uma pandemia pela OMS, um estudo conduzido por médicos do Sul da França se tornou viral ao sugerir que a cloroquina poderia ser usada como tratamento para o SARS-CoV-2, o novo tipo de coronavírus descoberto no final do ano passado. Esse estudo foi alvo de diversas críticas e seus resultados foram questionados e considerados anedóticos, ou seja, se tratavam de casos isolados, sem comprovação científica. Mais tarde, em um comunicado, a International Society of Antimicrobial Chemotherapy e a Elsevier, responsáveis pela revista que publicou o artigo, reconheceram a existência de questionamentos quanto ao conteúdo e anunciaram um novo processo de revisão independente.

Em 19 de março, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tratou do medicamento como uma “mudança de jogo” no tratamento da covid-19 e disse que aprovaria o uso dele no país. Dois dias depois, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro anunciou que o laboratório do Exército aumentaria a produção de cloroquina.

No dia 25 de março, o Ministério da Saúde emitiu uma nota técnica autorizando o uso da cloroquina para tratar pacientes com casos graves de covid-19. Em 20 de maio, o governo brasileiro passou a orientar o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no “tratamento medicamentoso precoce” de pacientes com covid-19, incluindo pessoas com sintomas leves da doença na lista das que podem ser tratadas com a substância. Porém, o próprio Ministério da Saúde afirma no documento que “ainda não há meta-análises de ensaios clínicos multicêntricos, controlados, cegos e randomizados que comprovem o benefício inequívoco dessas medicações para o tratamento da covid-19”.

Dois dias depois, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) emitiu uma nota em que “não recomenda o uso da Cloroquina e Hidroxicloroquina associada, ou não, a Azitromicina, enquanto não houver evidências científicas definitivas acerca do seu emprego”. O texto também orienta que, para os pacientes que optarem pelo tratamento, “sejam realizados eletrocardiogramas”, de modo a acompanhar possíveis complicações cardíacas.

A Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (Sobrac) também emitiu uma nota ressaltando a “ausência de evidências que apontem claramente o benefício do uso deste esquema terapêutico”. A Sobrac recomenda o monitoramento dos pacientes que façam uso do medicamento para “prevenir a manifestação de eventos arrítmicos potencialmente fatais que podem ocorrer devido a efeitos adversos de um destes fármacos ou da associação entre eles ou com outros fármacos que também possam predispor a distúrbios elétricos cardíacos”.

No dia 5 de junho, pesquisadores do Recovery, estudo clínico conduzido no Reino Unido para encontrar medicamentos para tratar a infecção pelo novo coronavírus, afirmaram não haver benefício no uso da hidroxicloroquina em pessoas com covid-19. Dez dias depois, a Food and Drug Administration (FDA), autoridade sanitária americana, revogou a autorização para um uso emergencial da cloroquina e da hidroxicloroquina para o tratamento da doença nos Estados Unidos. A organização alegou que, após o resultado de estudos, é improvável que os medicamentos sejam efetivos no tratamento da covid-19. “Além disso, à luz de eventos adversos cardíacos graves e contínuos e de outros efeitos colaterais sérios, os benefícios conhecidos e potenciais de cloroquina e hidroxicloroquina não superam mais os riscos conhecidos e potenciais para o uso autorizado”, afirmou ainda.

A Organização Mundial da Saúde também avaliou o uso da hidroxicloroquina como um dos medicamentos para o tratamento da covid-19 através do estudo clínico Solidariedade, que já recrutou pacientes em 35 países. Mas decidiu encerrar os testes com a hidroxicloroquina no dia 17 de junho por não ter sido capaz de identificar redução no número de óbitos entre os pacientes que fizeram uso da droga.

Por que investigamos?

O Projeto Comprova verifica conteúdos sobre a covid-19 que tenham grande alcance em redes sociais e grupos de mensagem. A desinformação é perigosa em uma pandemia, pois pode custar vidas. Nesse caso, o texto que acusa o prefeito de São Paulo de tomar proibir a hidroxicloroquina — causando assim a morte de cidadãos — e depois tomar o medicamento teve 11,7 mil interações (8,1 mil curtidas e 3,7 mil compartilhamentos) até o dia 26 de junho em postagem no Twitter, feita por uma conta que usa a foto da deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP) e se descreve como uma página de “sátira” e paródia”. Mas o conteúdo postado por ela costuma ser de apoio ao presidente Jair Bolsonaro e a suas políticas de governo. As críticas ficam para políticos de esquerda ou que não fazem parte da base de apoio de Bolsonaro, como o ex-governador Ciro Gomes (PDT), o prefeito de Salvador ACM Neto (DEM) e, como no caso do post verificado, o prefeito Bruno Covas (PSDB). A publicação também engana ao dizer que Covas tomou hidroxicloroquina para tratar covid-19, estimulando o uso de uma droga que não tem eficácia comprovada cientificamente.

O conteúdo falso também repercutiu no Facebook. A postagem com o mesmo texto e a mesma foto de Covas foi publicado por um perfil que usa o nome e a foto do general reformado Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. De acordo com dados da plataforma Crowdtangle, a publicação teve ainda mais alcance, 25 mil visualizações até o dia 26, quando foi marcada como conteúdo falso pelo Facebook e, em seguida, apagada pelo autor. Neste caso a desinformação é ainda mais perigosa, porque atribui a mensagem falsamente a uma autoridade do governo federal.

Falso para o Comprova é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

A agência Aos Fatos também concluiu que o conteúdo dessas postagens é falso.

Política

Investigado por: 2020-06-26

Texto engana ao dizer que Trump indicou Weintraub ao Banco Mundial

  • Enganoso
Enganoso
Publicação também afirma equivocadamente que a instituição monitora o COAF e a Receita Federal e que, a mando do presidente americano, o ex-ministro da Educação brasileiro tenha escolta do FBI
  • Conteúdo verificado: publicação feita em um perfil pessoal no Facebook e também compartilhada em outras redes com o título “*UM PESADELO CHAMADO WEINTRAUB*”.

É enganosa a informação que circula em redes sociais de que o ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, teria sido nomeado diretor-executivo do Banco Mundial pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O texto induz a acreditar que a nomeação de Weintraub ao cargo já foi aceita e que o mandatário americano teria participação direta no processo. Ainda, fornece informações equivocadas sobre o papel da instituição, como um suposto monitoramento do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) e da Receita Federal.

Weintraub ainda não recebeu a chancela de outros países membros do Banco Mundial para assumir o cargo, conforme explicado pela própria instituição. O conteúdo viralizado nas redes também diz que o ex-ministro conta com escolta do FBI a mando de Trump, embora o Comprova não tenha encontrado nenhum registro que indique proteção especial ao ex-titular do MEC.

Como verificamos?

O Comprova fez uma busca em redes sociais, por meio das plataformas CrowdTangle e Tweetdeck, para tentar rastrear postagens relacionando indicações de Donald Trump a Abraham Weintraub e o FBI. O post mais antigo encontrado data de 20 de junho, em um grupo público do Facebook, mesmo dia em que o ex-ministro diz ter desembarcado nos EUA. Buscamos contato com o perfil do Facebook que realizou a postagem, mas não obtivemos retorno.

Levantamos, junto à assessoria de imprensa do Banco Mundial, quais as atribuições da entidade e se ela monitora instituições financeiras de outros países, como o COAF e a Receita Federal. Pesquisamos no site do órgão como funciona o processo de indicação a um cargo de diretor-executivo e quais tarefas são atribuídas a este posto.

Também apuramos como foi a entrada de Weintraub nos Estados Unidos por meio de publicações em veículos de imprensa e postagens do ex-ministro e de seu irmão em redes sociais. Buscamos no site do governo americano orientações sobre entrada de estrangeiros em meio à pandemia de covid-19 e procuramos o Departamento de Estado e o Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos, além do Itamaraty, para saber como Weintraub conseguiu chegar até o país. Apenas o Departamento de Estado respondeu aos nossos questionamentos.

Por fim, pesquisamos no site do FBI quais as responsabilidades do órgão de inteligência dentro do país e se isso inclui a escolta de autoridades estrangeiras. O Comprova também questionou a agência americana sobre uma possível proteção concedida a Weintraub, mas não obteve nenhum retorno.

Verificação

Indicado por Trump?

“Se muitos desejavam a saída do ministro da Educação de sua pasta, agora lamentam profundamente. O ex-ministro foi nomeado pelo Presidente Donald Trump como diretor executivo do Banco Mundial”, começam as publicações compartilhadas mais de 36 mil vezes em redes sociais desde o último dia 20 de junho.

Não há qualquer indício, no entanto, de que o presidente dos Estados Unidos tenha influenciado a nomeação de Weintraub ao Banco Mundial — que não é um órgão subordinado ao governo americano, mas uma instituição de desenvolvimento governada por 189 países membros.

Envolvido em polêmicas desde que assumiu o Ministério da Educação em abril de 2019, Weintraub renunciou ao cargo em 18 de junho deste ano, após desgaste político por afirmar que gostaria de ver presos os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), a quem chamou de “vagabundos”.

No vídeo em que anunciou sua saída da pasta, o economista também informou que havia recebido o convite para ser diretor do Banco Mundial, agradecendo ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por ter “referendado” a indicação.

No mesmo dia, o Ministério da Economia confirmou em nota oficial que o governo brasileiro oficializou a indicação de Weintraub para diretor executivo do grupo de países que o Brasil lidera no Banco Mundial. Não havia, no comunicado, qualquer menção ao presidente dos EUA, Donald Trump.

Questionado pelo Comprova se a indicação do ex-ministro brasileiro havia sido feita pelo mandatário norte-americano, o Banco Mundial afirmou, apenas, que “recebeu uma comunicação oficial das autoridades brasileiras” indicando Weintraub para o cargo.

A informação coincide com o processo de nomeação oficial detalhado no site da entidade.

O conselho administrativo do Banco Mundial possui 25 cadeiras. Destas, seis são indicadas diretamente pelos maiores acionistas da instituição, entre eles os Estados Unidos. O restante das cadeiras é ocupado por blocos divididos por critérios geopolíticos, chamados de “constituency”.

O grupo do Brasil é composto por oito outros países: Colômbia, República Dominicana, Equador, Haiti, Panamá, Filipinas, Suriname e Trinidad e Tobago. Estas são as nações que devem aprovar, ou não, a nomeação de Weintraub.

O nome do ex-ministro ainda não foi chancelado por estes países. Embora seja considerada uma formalidade, uma vez que o número de votos do Brasil supera o de todos os outros integrantes do “constituency”, Weintraub não foi oficializado, por enquanto, como diretor executivo do banco, como sugerem as postagens.

No último dia 24 de junho a Associação de Funcionários do Banco Mundial enviou uma carta ao Comitê de Ética da instituição pedindo a suspensão da indicação de Weintraub, até que seja conduzida uma investigação sobre falas preconceituosas do ex-ministro.

“De acordo com várias fontes, Weintraub publicou um tuíte de acusação racial que zomba do sotaque chinês (…) Weintraub deu declarações públicas contra a proteção dos direitos das minorias e a promoção da igualdade racial”, listou a associação, na carta. “Portanto, solicitamos formalmente ao Comitê de Ética que reveja os fatos subjacentes às múltiplas alegações, com vistas a suspender sua indicação até que essas alegações possam ser revisadas”, diz o pedido.

Banco Mundial monitora o COAF e a Receita Federal?

As publicações viralizadas afirmam, ainda, que o Banco Mundial tem acesso a todo o sistema financeiro do mundo e que monitora, inclusive, o COAF e a Receita Federal brasileira.

Por isso, sugerem as postagens, Weintraub teria “a chave dos segredos” e poderia monitorar todos aqueles que “tiveram laranjas” nas suas empresas ou “negociações dúbias”, se aprovado pela instituição: “Lula e seus filhos, juntos aos governadores e prefeitos corruptos”, listam as publicações.

Consultado pelo Comprova, o Banco Mundial classificou as afirmações como “incorretas”. “Ninguém do staff ou de qualquer board do Banco Mundial tem acesso a contas bancárias de terceiros”, acrescentou Juliana Braga, representante de Assuntos Externos da entidade, em Brasília.

O Banco Mundial tem como objetivo fornecer assistência financeira e técnica a países em desenvolvimento. Para isso, oferece empréstimos e créditos a juros baixos, além de bolsas. A instituição também facilita financiamentos e oferece recomendações sobre políticas.

Os diretores desta entidade se reúnem aproximadamente duas vezes por semana para supervisionar os negócios do Banco Mundial, incluindo a aprovação de empréstimos, de novas políticas, do orçamento administrativo e de estratégias de assistência a países, como explica o site da organização.

Proteção do FBI

O texto viralizado assegura, também, que Donald Trump solicitou que Weintraub seja colocado sob escolta do FBI “por tempo indeterminado”.

O FBI é uma agência de inteligência dos EUA que busca manter a segurança nacional por meio da proteção das leis do país. As investigações são focadas em violações da lei e monitoramento de possíveis ameaças. Ao todo, os EUA têm 17 agências de inteligência ligadas a departamentos distintos e com propósitos diferentes.

O Comprova entrou em contato com o FBI, tanto no escritório mantido no Brasil, dentro da embaixada de Brasília, quanto na sede em Washington, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.

De acordo com o site do Departamento Nacional de Inteligência, diferentemente do que alega a postagem a respeito de Weintraub, a proteção a presidentes, chefes de estado e outras autoridades cabe ao Serviço Secreto — braço do Departamento de Segurança Interna (DHS) e que, embora possa atuar junto do FBI, funciona de forma separada.

É tarefa do Serviço Secreto, segundo o site oficial, fornecer proteção a “chefes de estado visitantes, ou outras autoridades, e cônjuges, além de outros estrangeiros ilustres que estejam visitando o país”.

Procurado por email, o DHS não respondeu a respeito da entrada de Weintraub nos EUA e se ele recebeu proteção do serviço de inteligência.

A ida de Weintraub aos EUA

Em 20 de junho — dois dias após o anúncio da saída de Weintraub do Ministério da Educação — o irmão do então ministro, Arthur Weintraub (que ocupa cargo de assessor especial da Presidência), publicou no Twitter que Abraham havia deixado o Brasil e desembarcado em Miami. A assessoria do MEC confirmou a informação aos veículos de imprensa no mesmo dia e declarou que ele havia pagado pela própria passagem e viajado em voo comercial.

A exoneração de Weintraub só foi publicada no Diário Oficial da União após a chegada dele aos EUA. O governo admitiu que o pedido de demissão veio depois da viagem. Em 23 de junho, o Diário Oficial publicou uma retificação da data da exoneração do ex-ministro, passando a demissão de 20 para 19 de junho.

Desde 24 de maio é vetada, nos EUA, a entrada de brasileiros ou viajantes que tenham passado pelo Brasil nos últimos 14 dias. Há uma lista de exceções fornecida pelas autoridades americanas, que inclui funcionários de governos estrangeiros, de organizações internacionais ou diplomatas — categoria na qual Weintraub, então ministro, se encaixava.

As demais entradas são permitidas a cidadãos norte-americanos e seus cônjuges, assim como filhos estrangeiros ou adotivos; pais e responsáveis de cidadãos americanos com menos de 21 anos; pessoas com residência permanente e legal nos EUA; irmãos estrangeiros de cidadãos americanos desde que ambos tenham menos de 21 anos; cidadãos estrangeiros que entram no país a convite de autoridades dos EUA para auxiliar no combate ao novo coronavírus; membros de tripulações aéreas ou marítimas (neste caso, são pessoas que já viajam sem visto de imigrante).

Não foi informado como Weintraub entrou nos EUA. Sem ocupar, ainda, cargo na diretoria do Banco Mundial, sua única forma de entrar no país, mesmo vindo do Brasil, seria por meio de um visto de autoridade ou mesmo uso do passaporte diplomático (este último também oferecendo risco de veto). Em ambos os casos, ele só teria a entrada permitida caso ainda fosse ministro.

O Comprova enviou um e-mail para o Departamento de Estado dos EUA, que controla entrada de estrangeiros no país, para saber se Weintraub utilizou um passaporte diplomático ou algum tipo de visto especial. O órgão informou que questões de visto são confidenciais e que não comentaria casos individuais. Ainda, acrescentou que exceções ao veto de entrada nos EUA cabem ao Departamento de Segurança Interna (conhecido pela sigla DHS).

Também procuramos o Itamaraty para saber como ocorreu a entrada de Weintraub nos EUA. Até o fechamento deste texto, não houve retorno.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos duvidosos ligados a políticas públicas que apresentam ampla repercussão em redes sociais e aplicativos de mensagens. É o caso da postagem envolvendo o ex-ministro Abraham Weintraub. Até 25 de junho, o conteúdo teve 48.251 mil interações e 36.872 compartilhamentos no Facebook, 4,2 mil retuítes e 13,6 mil curtidas no Twitter e 709 visualizações, 33 curtidas e 8 descurtidas no Youtube.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado de seu contexto original e usado de modo a induzir outro significado. É o caso da postagem, que embora cite a indicação de Weintraub ao Banco Mundial, fornece a falsa informação de que ele já seria detentor do cargo e que teria chegado lá por indicação do presidente dos EUA, Donald Trump.

Apesar do alinhamento político e ideológico do presidente da República Jair Bolsonaro com Trump, não há nenhum indício da interferência do mandatário no processo de escolha da diretoria-executiva do Banco Mundial, conforme explicado ao longo desta investigação. Também não houve nenhuma confirmação de que Weintraub teria recebido algum tipo de tratamento especial em sua chegada aos EUA.

O conteúdo já foi considerado falso pelo site Boatos.org.

A desinformação em torno de procedimentos que envolvem organismos internacionais já foi alvo de outras checagens do Comprova. No ano passado, uma publicação creditava o atraso da entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a “retrocessos no combate à corrupção”.

Saúde

Investigado por: 2020-06-25

É falso que a covid-19 seja uma trombose causada por bactéria

  • Falso
Falso
Ao contrário do que afirmam publicações em aplicativos de mensagens e em redes sociais, a covid-19 é uma doença respiratória causada pelo vírus SARS-CoV-2 e cuja cura ainda não foi encontrada
  • Conteúdo verificado: Texto compartilhado por WhatsApp e em páginas e perfis no Facebook com o título “*Na Itália, o remédio contra o CORONAVÍRUS FOI FINALMENTE ENCONTRADO*.”

É falsa a informação que circula em aplicativos de mensagens e redes sociais alegando que um remédio para o novo coronavírus foi encontrado na Itália. O conteúdo afirma que o agente infeccioso da covid-19 é uma bactéria, e não um vírus, e que as mortes são provocadas por trombose.

Diferentemente do que alega o texto, ainda não foi encontrada uma cura para a doença e, tampouco, existem registros de que antibióticos, anti-inflamatórios e anticoagulantes sejam as únicas formas de tratamento eficaz. Além disso, o SARS-CoV-2 é um vírus.

A publicação ainda induz o leitor a acreditar que não se trata de uma infecção respiratória ao afirmar que o uso dos respiradores não é necessário em pacientes internados. O texto também insinua que internações em unidades de terapia intensiva são dispensáveis.

Como verificamos?

A verificação deste conteúdo foi realizada em duas etapas. Inicialmente, o Comprova investigou desde quando o conteúdo está circulando nas redes sociais, buscando uma pista das possíveis fontes nele indicadas. Utilizando a ferramenta TweetDeck, apuramos que a primeira menção no Twitter da covid-19 como uma bactéria que provoca trombose data do dia 25 de abril. No Facebook, a ferramenta Crowdtangle indicou que o conteúdo apareceu pela primeira vez no dia 14 de abril. Apesar do contato com os autores dessas postagens, o Comprova não conseguiu levantar de onde teria surgido a possível descoberta científica a que se referem os posts.

Na segunda etapa da verificação, o Comprova apurou se existe algum estudo ou manifestação de órgãos da saúde que associe à covid-19 uma “coagulação intravascular disseminada” (trombose) causada por uma bactéria. Nesta etapa, o Comprova consultou os estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), além de manifestações do Ministério da Saúde da Itália – onde, segundo o contéudo, médicos teriam descoberto o real agente patológico causador e a cura para a covid-19. Além disso, para conferir se medicamentos como antibióticos, anti-inflamatórios e anticoagulantes poderiam, como sugere o conteúdo, se apresentar como a cura para a doença, o Comprova consultou o Ministério da Saúde, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) .

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 25 de junho de 2020.

Verificação

Busca nas redes

Nas buscas pelo Tweetdeck, a primeira menção ao novo coronavírus como uma bactéria que provoca trombose é do dia 25 de abril no perfil de um rapaz da Argentina. O jovem, de 19 anos, alega ter encontrado a informação em um vídeo. Em contato com o Comprova por mensagem direta na rede social, o rapaz disse não se lembrar onde conseguiu o vídeo, mas afirmou que ou foi pelo Facebook ou pelo WhatsApp, pois assistiu junto de seus pais que, segundo ele, utilizam apenas as duas plataformas. Ele enviou, por e-mail, o arquivo do vídeo em questão.

O conteúdo, de oito minutos, inicia com a imagem de um post do Facebook, de 14 de abril, de um homem identificado como Fernando Héctor Petroni. No texto, ele diz, sem explicar a fonte da informação, que graças a autópsias feitas por italianos, descobriu-se que o vírus não provoca pneumonia e sim trombose e deve ser tratado com antibióticos, antiinflamatórios e anticoagulantes. A postagem é similar à que circula no WhatsApp em português e contém as mesmas informações.

Antes da mensagem, ele escreve: “Espero que se confirme e não seja uma perversa fake news”. No entanto, o vídeo não mostra este trecho da postagem. O Comprova enviou uma mensagem a Fernando pela rede social para descobrir onde ele conseguiu esta informação, mas até a publicação desta checagem não recebeu resposta.

Além de mostrar o conteúdo em redes sociais, o vídeo também apresenta áudios supostamente gravados por “profissionais panamenhos opinando sobre esta nova verdade da covid-19“. Três áudios em espanhol – uma voz masculina e duas femininas – são apresentados, com imagens da bandeira do Panamá ao fundo, acusando que a pandemia éfruto de uma conspiração.

Nenhuma das vozes se identifica, seja por nome ou profissão, ou menciona onde trabalha. Só pelos áudios, não é possível saber se são mesmo panamenhos e em que área atuam. O Comprova não encontrou o vídeo em plataformas ou redes sociais.

Usando o Crowdtangle para tentar rastrear as postagens sobre o assunto no Facebook, a mais antiga achada pelo Comprova foi justamente a de Fernando Héctor, de 14 de abril. Até 25 de junho, data do fechamento deste texto, ele tinha 4.722 amigos na rede social e 2.813 seguidores. O homem se descreve como “copensador, analista político, coaching ontológico, conferências de hipnose, PNL [sigla para Programação Neurolinguística] e filosofia budista”. Não encontramos nenhum perfil dele em outras plataformas.

Nos comentários, algumas pessoas apontam que a notícia é falsa e cobram que ele apague a postagem. Outras questionam onde ele teria encontrado as informações. O dono do perfil não respondeu a nenhum destes questionamentos.

Tanto no Facebook quanto no Twitter, foram encontradas postagens em português, inglês e espanhol com a mesma informação. Os textos apresentavam a mesma estrutura de parágrafos, com poucas alterações de palavras.

As alegações da mensagem: vírus ou bactéria?

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a covid-19 é uma “doença infecciosa causada por um coronavírus recém descoberto” (tradução livre), e não por uma bactéria como sugere a postagem. Endossando o que afirma a OMS, o Ministério da Saúde esclareceu em nota que a covid-19 é uma doença respiratória causada pelo vírus SARS-CoV-2.

O sequenciamento genético do SARS-CoV-2 foi iniciado ainda em março por cientistas brasileiros, em prol da chamada “vigilância genômica viral” no país. Como explicado pelo pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais Renato Santana de Aguiar, que fez parte da força-tarefa responsável pelo sequenciamento, esse tipo de esforço “é extremamente importante em qualquer epidemia viral, porque é por meio dele que identificamos o vírus”. Além disso, segundo o pesquisador, os ácidos nucleicos virais — que compõem o material genético do vírus — depois de identificados, são usados nos principais exames para o diagnóstico da doença.

Os testes RT-PCR, segundo a Sociedade Brasileira de Análises Clínicas, são considerados o “padrão ouro” para o diagnóstico da covid-19, e funcionam, segundo a Anvisa, por meio da detecção da presença de material genético do vírus nas amostras dos pacientes.

Na Itália, onde segundo a postagem médicos teriam descoberto que o SARS-CoV-2 seria uma bactéria, o Ministério da Saúde mantém uma página que reúne e desmente os principais boatos que envolvem a doença no país. No dia 29 de maio, em data posterior à das primeiras postagens nas redes sociais, o órgão afirmou ser falso que o agente causador da covid-19 seria uma bactéria. O que sugere que conteúdo semelhante ao desta verificação também circulou por lá.

O fato de a covid-19 ser causada por um vírus — o SARS-CoV-2 — é um consenso científico, sendo incorretas as afirmações feitas pelo autor da mensagem que viralizou.

A trombose e os sintomas

Em geral, segundo a Fiocruz, os vírus desse tipo costumam causar doenças respiratórias semelhantes a um resfriado.

No caso do novo coronavírus, porém, os sintomas das formas mais graves da doença ainda são objeto de estudo em todo o mundo. A chamada tempestade de citocinas, por exemplo, uma reação hiperinflamatória do organismo, tem sido uma das complicações nos casos mais graves. Recentemente, o corticóide dexametasona foi apontado como um possível redutor das mortes pela doença, nos casos de pacientes que necessitam de suporte respiratório.

Em maio, o Comprova verificou que era enganosa uma postagem que afirmava ser a trombose a principal causa de morte dos pacientes com a covid-19. O texto usava um estudo italiano, baseado em autópsias de vítimas do novo coronavírus realizadas em Bérgamo e Milão. Como demonstrado na verificação, porém, o fato de pacientes terem desenvolvido coágulos e problemas na circulação sanguínea não poderia ser considerado como a principal causa de morte. Segundo o diretor do departamento de anatomia patológica do Hospital Papa Giovanni XXIII, onde eram realizadas as autópsias, Andrea Gianatti, — um dos responsáveis pelo estudo —, a ideia era que anticoagulantes poderiam ser uma terapia adicional importante, já que a trombose “geralmente ocorreu após a fase mais aguda da pneumonia, isto é, depois dos sintomas mais típicos causados pelo coronavírus”.

Ainda sobre essa questão, em entrevista concedida ao Comprova por meio de áudios de WhatsApp, o Dr. Erich Vinícius de Paula, coordenador de hemostasia e trombose da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), afirmou que “dizer que a covid-19 é uma trombose é uma simplificação absolutamente incorreta”. Segundo o médico, a covid-19 é “uma doença complexa, infecciosa, que envolve uma resposta do sistema imune que atinge todo o corpo” e as complicações podem incluir tromboses. No entanto, afirma o médico, “tromboses são complicações de quase todas as doenças infecciosas”. Ele ressalta que o que existe, atualmente, é uma discussão no meio científico sobre se a covid-19 poderia ser uma doença infecciosa em que esse tipo de complicação ocorre de forma mais frequente, podendo, então, ser considerada um elemento “mais importante no conjunto de mecanismos que levam aos danos que o vírus causa no corpo”.

Sobre a afirmação de que “os respiradores nunca foram necessários, nem a unidade de terapia intensiva”, o Comprova também já publicou, em maio, a verificação de um vídeo, enganoso, que critica o uso de respiradores pulmonares. Como destacado na checagem, a estimativa é que cerca de 5% dos pacientes com covid-19 acabam precisando de ventiladores mecânicos, quando desenvolvem a síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA). Mesmo que alguns resultados de tratamentos realizados sem a utilização desse tipo de máquina demonstrem que ela pode não ser necessária em todos os casos, em outros, é essencial para salvar vidas. Já a internação de pacientes em unidades de tratamento intensivo tem ocorrido em todos os lugares do mundo onde há pacientes com quadro grave da covid-19, inclusive na Itália. A criação de protocolo para esse tipo de internação, aliás, já foi objeto de estudos científicos, como este, publicado na revista The Lancet.

Autópsias

Outra alegação da mensagem viral que verificamos foi a de que “os médicos italianos descumpriram a lei de saúde global da OMS para não realizar uma autópsia do coronavírus morto [sic]”. É importante ressaltar, primeiramente, que a Organização Mundial da Saúde é um órgão consultivo, vinculado às Nações Unidas, que atua apenas recomendando diretrizes sanitárias e fornecendo informações aos países, como o Comprova já publicou, em outra verificação. Em segundo lugar, não existe qualquer vedação à realização de autópsias de vítimas da covid-19. Ainda em março, poucos dias depois da declaração de que o mundo enfrentava, oficialmente, uma pandemia do novo coronavírus, a OMS publicou um guia para prevenção de infecções no manuseio de cadáveres das vítimas da doença. Um dos pontos tratados é justamente a realização de autópsias, e o documento recomenda a utilização de equipamentos de proteção compatíveis com os utilizados, geralmente, na autópsia de qualquer vítima de doenças respiratórias agudas. Não há, portanto, qualquer proibição a esse tipo de procedimento.

Remédios para a covid-19

A postagem, assim como outros conteúdos verificados pelo Comprova, sugere que um remédio para a covid-19 teria sido, finalmente, encontrado. No entanto, até o momento, não existem evidências contundentes de que exista um remédio eficaz para a doença. Os medicamentos administrados aos pacientes com covid-19 tratam os sintomas da doença até que o organismo possa produzir a resposta imunológica adequada para combate ao vírus.

Para compreender a que servem medicamentos antibióticos, anti-inflamatórios e anticoagulantes no tratamento dos pacientes com sintomas da covid-19, o Comprova consultou alguns órgãos da área da saúde.

Em nota, o Ministério da Saúde esclareceu que, até o momento, não há nenhum medicamento, substância, vitamina, alimento específico ou vacina que possa prevenir a infecção pelo coronavírus ou ser utilizado com 100% de eficácia no tratamento. E que a pasta divulga publicamente orientações sobre o uso de medicamentos no tratamento dos pacientes com a covid-19.

Na entrevista concedida ao Comprova, o médico Erich Vinícius de Paula também esclareceu que os medicamentos antibióticos, anti-inflamatórios e anticoagulantes não podem ser apresentados como a cura para a covid-19, mas como parte do tratamento dos pacientes — ao contrário do que afirma a postagem.

Segundo o médico, “a orientação para os pacientes passa pelo uso de oxigênio nos casos graves e um tratamento que chamamos de suporte”, que envolve um uso combinado desses três tipos de medicamento. Ele ainda esclareceu que “os antibióticos são usados na maioria dos casos graves porque é muito difícil excluir que junto com o vírus não haja uma infecção bacteriana associada, mas é muito importante entender que o antibiótico não é direcionado para tratar do vírus”

Em relação ao uso dos antiinflamatórios, o médico afirmou que é preciso atenção. “Nós não estamos falando [no tratamento da covid-19] daqueles antiinflamatórios comprados na farmácia para dor, que são usuais. Mas de drogas que têm o efeito de bloquear o sistema imunológico porque parte dos problemas da covid não são consequência direta do vírus mas sim da resposta do nosso sistema imunológico ao vírus e, quando ela é muito intensa, pode ao invés de nos proteger, nos causar problema.”

Sobre os anticoagulantes, ressaltou que “assim como em qualquer outra infecção se utilizam anticoagulantes para a prevenção da [ocorrência de] trombose. A maioria dos pacientes que está internado em uma UTI, [com um quadro da covid-19] grave ou qualquer outro problema como um AVC ou um infarto, eles vão usar anticoagulantes para a prevenção da trombose”. O médico ainda citou que existem estudos em andamento, inclusive no Brasil, para avaliar se clinicamente seria benéfico o uso de uma dosagem maior de medicamentos anticoagulantes em pacientes com a covid-19, uma vez que ainda não está claro se a doença induz a uma maior ocorrência de tromboses quando em comparação com outras infecções. Alertou, no entanto, que a recomendação da maioria das sociedades médicas de todo o mundo é que uma dose maior de anticoagulantes só deve ser ministrada aos pacientes no contexto de estudos clínicos. Recomendação essa endossada pela própria ABHH e pela Sociedade Brasileira de Trombose e hemostasia.

O Comprova consultou, ainda, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que informou que a indicação de tratamentos não faz parte de seu escopo.

A situação na Itália

Em abril, a Itália vivia um momento delicado no combate ao novo coronavírus. Na data da primeira postagem encontrada pelo Comprova, de 14 de abril, o país contabilizava 21.067 óbitos e era o segundo com a maior quantidade de mortes pela doença, atrás apenas dos Estados Unidos (então com 25.831 mortes). Os dados são da Universidade Johns Hopkins, referência internacional no levantamento de informações sobre a covid-19.

A situação atual da doença é diferente daquela do mês de abril. Dados do Ministério da Saúde italiano mostram que o pico da pandemia no país ocorreu entre os dias 20 e 25 de março e, desde então, o número diário de registros de casos e de óbitos vem diminuindo. Em 23 de junho, a Itália registrou 122 novos casos da doença, menor crescimento diário desde 26 de fevereiro, e 18 óbitos, menor número desde 2 de março.

Apesar da desaceleração, as autoridades italianas ainda pedem cautela à população — o país chegou a adotar, entre 9 de março e 4 de maio, medidas restritivas de isolamento social.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos de ampla repercussão em redes sociais. No caso desta checagem, as principais publicações no Facebook somaram 469 interações e 449 compartilhamentos até o dia 25 de junho. Como se trata de uma informação publicada em várias línguas e diferentes plataformas — Facebook, WhatsApp e Twitter — é difícil precisar o real alcance da postagem, em especial no aplicativo de mensagens.

No entanto, trata-se de uma informação que está classificada como falsa no próprio Facebook e já foi investigada por Agência Lupa, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), AFP, Aos Fatos e Boatos.org. Fora do país, o conteúdo também foi verificado por veículos como Chequeado (Argentina), Maldito Bulo (Espanha), Reuters (Reino Unido) e Boomlive (Índia).

Para o Comprova, falso é um conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

A postagem é perigosa, pois induz o leitor a informações comprovadamente errôneas, como o fato de existir um remédio específico para o tratamento da covid-19 — a Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta que ainda não foi encontrada uma cura para o novo coronavírus e que, embora a doença ainda seja objeto de estudos, já foi comprovado que é provocada por um vírus (SARS-Cov-2) e não uma bactéria.

Desde o início da pandemia, o Comprova já verificou mais de um conteúdo alegando cura ou tratamentos certeiros para a doença. Uma das checagens falsas apontava resultados em supostos estudos sobre tratamento com corticóide, enquanto outra sugeria “tratamento sem internação e sem sofrimento”. Um vídeo também afirmava que a descoberta de um anticorpo, em Israel, seria a solução contra o novo coronavírus.

Informações enganosas ou falsas sobre autópsias que indicam diagnósticos distintos também são recorrentes. O Comprova já investigou um texto que afirmava que a principal causa das mortes na Itália não era a covid-19; o conteúdo fazia menção ao tratamento com uso de anticoagulantes.

Saúde

Investigado por: 2020-06-24

É falso que hospitais recebem R$ 18 mil por cada óbito registrado como covid-19

  • Falso
Falso
A definição dos valores destinados pelo Ministério da Saúde para ações de enfrentamento à pandemia não toma como base o número de pacientes infectados ou mortos
  • Conteúdo verificado: Vídeo compartilhado no Facebook por um médico e no qual um homem não identificado afirma que hospitais recebem R$ 18 mil a cada registro de óbito por covid-19.

São falsas as afirmações feitas em um vídeo postado no Facebook pelo médico Édison Carmo, de Minas Gerais, dizendo que hospitais recebem R$ 18 mil para cada registro de óbito pelo novo coronavírus.

No vídeo, um homem não identificado mostra uma declaração de óbito de um morador do interior do Rio Grande do Sul. No documento, consta que ele tinha suspeita de covid-19. O autor do vídeo diz, mais de uma vez, que conversou com “o médico” que assinou a declaração e que ele teria confirmado que a informação foi incluída apenas para que o hospital pudesse receber o valor. Ao fazer a postagem, Carmo insinuou que isso estaria por trás do elevado número de óbitos no país. “Entendem agora o altíssimo número de mortes por covid-19?”, questionou.

As informações não são verdadeiras porque a definição dos valores destinados pelo Ministério da Saúde para ações de enfrentamento à pandemia não toma como base o número de pacientes infectados ou mortos. A vítima em questão sequer foi atendida em um hospital e, sim, em uma Unidade Básica de Saúde (UBS). Além disso, tudo indica que o autor do vídeo não teve qualquer contato com a profissional que assinou a declaração de óbito — uma médica mulher. A inclusão da suspeita no documento atendeu a uma recomendação de órgãos de saúde.

Como verificamos?

A equipe do Comprova usou as informações que aparecem na declaração de óbito mostrada no vídeo para identificar a vítima: Henrique José Pena, de 81 anos. A morte ocorreu na cidade de Ipê, na Serra Gaúcha. Com essas informações, entramos em contato com a prefeitura do município, que enviou uma nota sobre o caso. A assessoria de imprensa também forneceu o contato de um sobrinho da vítima, com quem conversamos por telefone.

Depois tentamos encontrar a médica que assina a declaração, Heloisa Joanette Dossin, identificada pelo número de sua inscrição profissional, que consta do documento. A prefeitura informou que ela trabalha para o município por meio do programa Mais Médicos, do governo federal, mas está em férias no momento. De acordo com o registro do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (CRM-RS), Heloisa é pediatra com endereço na cidade de Caxias do Sul, a 54 quilômetros de Ipê. Tentamos contato pelo telefone que aparece no registro, sem sucesso. A assessoria do município nos forneceu, então, o contato da Vigilância Epidemiológica, que esclareceu as circunstâncias da morte de Pena e as razões pelas quais foi incluída na declaração a suspeita de covid-19. Além disso, conversamos por telefone com um funcionário da Funerária Anziliero, de Ipê, para esclarecer se Pena havia sido enterrado sem velório, o que se confirmou.

Em seguida, buscamos mais informações sobre Édison do Carmo, autor da postagem por meio da qual o vídeo viralizou. Édison é médico cardiologista e mora em Patos de Minas, cidade no interior de Minas Gerais — a 1.500 quilômetros de Ipê. Conseguimos falar com ele por meio de um dos números de telefone que consta na base do Conselho Federal de Medicina.

Também solicitamos esclarecimentos ao Ministério da Saúde sobre como funcionam os repasses federais para ações de enfrentamento à pandemia nos estados e municípios. O órgão se manifestou por nota.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 24 de junho de 2020.

Verificação

No vídeo, um homem, que não aparece na imagem, mostra a declaração de óbito de Henrique José Pena, de 81 anos, e diz que ele “infartou dormindo”. Na sequência, chama a atenção para o bloco em que é indicada a causa mortis, no qual consta, dentre outros, “suspeita de covid-19”. Segundo o autor do vídeo, em função disso, o paciente não pôde ser velado. “Aí a família tinha que ir na casa, colocar o cara no saco e ir direto pro cemitério sem ter velório, sem ter nada”, diz. O homem afirma ter cobrado explicações do médico que assinou a declaração. Segundo ele, o profissional teria informado que os hospitais recebem R$ 18 mil a cada registro de óbito por covid-19.

As afirmações não são verdadeiras. Em nota, o Ministério da Saúde reiterou ao Comprova que os repasses de recursos para o enfrentamento à pandemia não são definidos de acordo com o registro de mortos.

Conforme é possível verificar no próprio vídeo, a declaração de óbito é de um morador de Ipê, no Rio Grande do Sul. Também por meio de nota, a Secretaria de Saúde do município informou que o paciente em questão morreu em casa e, como não houve assistência médica, não foi possível precisar a causa da morte.

Por conta disso, a Secretaria alega ter seguido a uma resolução editada no dia 6 de abril pelo Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers) em conjunto com a Secretaria Estadual de Saúde, o Conselho das Secretarias Municipais de Saúde (Cosems-RS) e a Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre. Os órgãos recomendam que, em situações de casos suspeitos de covid-19, os médicos registrem “claramente a sequência de diagnósticos”, bem como “as outras condições clínicas significativas que contribuíram para a morte e que não entraram na sequência que determinou a morte.”

A declaração de óbito

Por telefone, a Vigilância Epidemiológica de Ipê, município de 6,6 mil habitantes na região gaúcha de Campos de Cima da Serra, confirmou que a declaração de óbito mostrada no vídeo é verdadeira. Henrique José Pena, de 81 anos, faleceu em sua residência na madrugada do dia 16 de junho. Como em Ipê não há hospital, o óbito foi registrado na Unidade Básica de Saúde (UBS) da localidade. Um sobrinho de Henrique, Mário Pena, também confirmou a veracidade do documento, mas não quis dar entrevista, sob alegação de que o episódio já trouxe muito desgaste à família.

A afirmação feita pelo autor do vídeo de que teria conversado com “o médico” responsável pelo atestado não se sustenta porque a inscrição que consta no documento é de uma médica. Trata-se da pediatra Heloísa Joanette Dossin, que atua na rede municipal de saúde por meio do programa Mais Médicos, do governo federal.

Conforme informações da Vigilância Epidemiológica, Pena morava sozinho e o último contato que teve com outras pessoas foi no fim da tarde do dia anterior à morte — que, conforme a declaração, se deu por parada cardiorrespiratória. Como não havia ninguém que pudesse informar se ele vinha apresentando sintomas respiratórios e em função de suas comorbidades — que incluíam problemas cardíacos, problemas renais e anemia severa —, a equipe decidiu coletar material biológico e encaminhar para exame no Laboratório Central do Estado (Lacen), em Porto Alegre. Embora a suspeita tenha sido incluída na declaração, o teste deu negativo para covid-19.

Apesar disso, em função da suspeita, Pena foi enterrado no mesmo dia da morte sem ser velado, conforme afirmação feita no vídeo. Segundo informou por telefone um funcionário da Funerária Anziliero, Plínio Anziliero, ele foi enterrado no mesmo dia do óbito e o procedimento seguiu a orientação do Ministério da Saúde: o corpo foi colocado dentro de um saco, com caixão lacrado e sem velório.

O Comprova não conseguiu contato direto com a médica Heloísa Dossin, mas tanto a assessoria de imprensa do município quanto a Vigilância Epidemiológica negaram que qualquer informação sobre o caso tenha sido repassada para pessoas de fora da Prefeitura. Alegaram ainda que não sabem quem é o autor do vídeo e desconhecem como ele teve acesso à declaração de óbito.

Quem é Édison Carmo

O responsável por compartilhar o vídeo é o cardiologista Édison Bernardo do Carmo, com inscrição ativa junto ao Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais. Morador do município de Patos de Minas, ele trabalha no Instituto do Coração do Alto Parnaíba e mantém um consultório particular.

Em seu perfil no Facebook, onde costuma publicar conteúdos de apoio ao governo Bolsonaro e críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF), indica como um de seus locais de trabalho o Instituto Dante Pazzanese, em São Paulo. Por telefone, porém, ele informou que apenas cursou residência médica no hospital paulista. Atualmente, devido às orientações de distanciamento social e por integrar os grupos de risco (tem 61 anos), Carmo disse que está atendendo somente no consultório, sem frequentar Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs).

Questionado a respeito da publicação, ele alegou desconhecer a origem do vídeo e disse que não sabe quem é o sujeito que fala na gravação. Carmo alegou que compartilhou o vídeo após recebê-lo via WhatsApp de um colega, mas não tem lembrança de quem se trata, e que não imaginava a repercussão. Disse, inclusive, que se arrependeu de postar e que, quando decidiu apagar, a publicação já havia sido retirada pela própria rede social.

Por que investigamos?

O Projeto Comprova apura textos, imagens e vídeos com desinformações sobre a pandemia de covid-19. O post de Facebook do dia 22 de junho em que Édison do Carmo compartilhou o vídeo com informações falsas foi visualizado 21 mil vezes antes de ser apagado pelo Facebook.

Uma busca na plataforma CrowdTangle mostrou que o registro mais antigo do vídeo no Facebook é também do dia 22 de junho, publicado pela página “Olavo Tem Razão” menos de uma hora antes do post de Carmo. O perfil é de seguidores do escritor Olavo de Carvalho, guru do presidente Jair Bolsonaro, e publica mensagens de apoio ao governo. Foram 15 mil visualizações até o dia 24 de junho.

A pandemia de covid-19 está no centro do debate político brasileiro. De um lado estão estados e municípios, que precisam lidar diretamente com problemas causados pela doença, como hospitais lotados e falta de equipamento. Do outros, apoiadores do presidente e grupos de direita minimizam o impacto do novo coronavírus no país, alinhados com o discurso de Bolsonaro, que já chamou a covid-19 de “gripezinha” e afirmou que o Brasil não ia sofrer com os efeitos dela. No dia 24 de junho, o Brasil era o segundo país com mais casos confirmados de covid-19 em todo o mundo: 1.145.906, de acordo com levantamento da Universidade John Hopkins. O país também é o segundo em número de mortes: foram 52.645 óbitos até 24 de junho, ainda segundo a universidade americana.

Com isso, surgem boatos que acusam governos estaduais e municipais de inflar o número de mortes para prejudicar o governo federal ou para desviar verbas. Há menos de uma semana, o Comprova já verificou um outro vídeo com acusações de que os governos recebem pelo número de mortos. Outros conteúdos desmentidos alegavam fraude nos registros de óbitos em cartórios, caixões vazios no Amazonas e redução no número de sepultamentos em São Paulo.

A Serra gaúcha, onde fica o município de Ipê, foi uma das mais atingidas pela covid-19 no Rio Grande do Sul. No dia 13 de junho, três dias antes da morte de Henrique José Pena, a região foi classificada pelo governo do estado como bandeira vermelha. Isso significa que há risco epidemiológico alto e, portanto, restrições mais rígidas para conter o novo coronavírus.

As prefeituras da região, que concentra pólos de turismo e distritos industriais, anunciaram a abertura de 31 novos leitos de UTI distribuídos por quatro cidades. Com isso, a Serra foi reclassificada para a laranja, ou seja, com médio risco epidemiológico.

As agências de checagem Lupa e Boatos.org também verificaram o vídeo com desiformações sobre a morte de Henrique José Pena. A conclusão foi a mesma: a denúncia de pagamento por mortos de covid-19 é falsa.

Falso para o Comprova é todo o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira. Neste caso, o autor do vídeo usou uma declaração de óbito verdadeira para criar uma narrativa falsa.

Saúde

Investigado por: 2020-06-24

Uso correto de máscaras reduz chances de contaminação pelo coronavírus e não torna o sangue ácido

  • Enganoso
Enganoso
Especialistas negam a veracidade das afirmações feitas por um médico em vídeo que viralizou nas redes sociais. Eles garantem que as máscaras recomendadas pelas autoridades de saúde permitem as trocas de gases com o ambiente, reduzem as chances de infecção pelo novo coronavírus e não causam aumento de gás carbônico no sangue nem tornam o sangue ácido
  • Conteúdo verificado: Vídeo gravado pelo médico João Vaz e compartilhado por diversos perfis no Facebook e no WhatsApp, com a legenda: “Médico diz para que serve a máscara!! Enfim, lucidez, inteligência e seriedade”.

São enganosas as afirmações feitas em vídeo pelo médico João Vaz, no qual ele diz que o uso prolongado da máscara não tem eficácia para combater a propagação do novo coronavírus. Segundo ele, a proteção “só tem uma serventia, não para nós, mas para o vírus”. Ainda de acordo com Vaz, isso ocorreria porque, ao inspirar o ar expirado na máscara, o corpo absorveria partículas de gás carbônico, o que tornaria o sangue mais ácido e “um meio propício ideal para o vírus”.

Segundo especialistas ouvidos pelo Comprova, Vaz está “completamente errado” e o que diz “é contra qualquer racionalidade”. Leonardo Weissmann, infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, afirmou que “o uso correto de máscaras, cobrindo nariz e boca, reduz a transmissão do vírus e não causa qualquer mal ao organismo”. Ele explicou que a máscara não causa, em nenhuma situação, o aumento de gás carbônico no sangue. “Os poros das máscaras, mesmo não sendo visíveis, permitem as trocas gasosas. O indivíduo que está protegido com máscara não vai inalar seu próprio gás carbônico.”

Em documento publicado no dia 5 de junho, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lista potenciais malefícios decorrentes do uso prolongado da máscara pelo público em geral, mas não cita nenhuma desvantagem sobre a troca de gases comentada por João Vaz. Dificuldades respiratórias, lesões cutâneas e agravamento da acne estão entre os danos. No texto “Orientações Gerais – Máscaras faciais de uso não profissional”, divulgado em 3 de abril, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), agência ligada ao Ministério da Saúde, reforça que os equipamentos “não fornecem total proteção contra infecções, mas reduzem sua incidência” e recomenda o uso em locais públicos, como supermercado e farmácia.

Em entrevista ao Comprova, o médico afirmou: “É a minha opinião [o que ele diz no vídeo]”.. “Tenho 49 anos de profissão, doutorado na Alemanha, não estou para discutir com ninguém. Cada um que aprenda.” Questionado sobre a existência de estudos que comprovem suas afirmações, ele respondeu que tem “evidência pessoal com os 5.200 pacientes” que havia atendido até a data da conversa (23 de junho). Em maio, João Vaz já havia aparecido em uma verificação do Comprova que considerou suas afirmações enganosas. Dentre outras declarações, ele criticava o isolamento social e o uso de respiradores.

Como verificamos?

O passo inicial foi verificar se João Vaz é mesmo o homem que aparece no vídeo e se ele é, de fato, médico. Para isso, o Comprova fez uma busca no portal do Conselho Federal de Medicina (CFM) com o nome do médico e comparou a fotografia do cadastro com o vídeo. Em seguida, procuramos e encontramos as redes sociais do médico e confirmamos que eram a mesma pessoa.

Depois, o Comprova pesquisou sobre as diretrizes das autoridades de saúde sobre o uso de máscaras – se há qualquer contra-indicação relacionada à troca de gases na utilização prolongada. Encontramos, no site da Organização Mundial da Saúde (OMS), um documento sobre o uso de máscaras por profissionais da saúde e pelo público em geral. No site da Anvisa, também encontramos documentos online sobre o uso da proteção.

O Comprova também entrevistou médicos infectologistas para confirmar a veracidade da relação entre o uso da máscara, a inspiração de gás carbônico e a acidificação do sangue. Conversamos com Raquel Muarrek, infectologista da Rede D’Or, Leonardo Weissmann, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia e infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, e Jamal Suleiman, infectologista também do Emílio Ribas.

Tentamos contato com Claudia Vegans, autora da postagem que mais viralizou no Facebook, mas não conseguimos falar com ela. Por último, conseguimos falar com o médico João Vaz pelo número de celular citado por ele no final do vídeo.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 24 de junho de 2020.

Verificação

O que dizem as autoridades?

O Comprova buscou no site da OMS o documento em que o órgão aborda o uso prolongado de máscara por profissionais da área da saúde e pelo público em geral. O texto, publicado no dia 5 de junho, cita as desvantagens da utilização, mas em nenhum momento há referência a troca de gases ou acidificação sanguínea. Como mencionamos, entre os danos citados estão dificuldades respiratórias, lesões cutâneas e agravamento da acne. Há 10 desvantagens listadas pela instituição – os últimos pontos são “dificuldade em comunicar com clareza, potencial desconforto e falsa sensação de segurança, o que pode levar a uma menor adesão a outras medidas preventivas essenciais, como o distanciamento físico e a higiene das mãos”.

No site da Anvisa, encontramos algumas publicações referentes a esta proteção. A postagem sobre o uso de máscaras não profissionais data do dia 3 de abril e afirma que elas “atuam como barreiras físicas, diminuindo a exposição e o risco de infecção para a população em geral”.

O que dizem os especialistas?

Jamal Suleiman, infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, contou por telefone ter recebido o vídeo de alguns de seus pacientes, que perguntavam se as afirmações eram verdadeiras. Para o Comprova, ele escreveu que “a justificativa dele não faz o menor sentido. É contra qualquer racionalidade. A máscara concretamente reduz a chance de infecção”. O infectologista fez um levantamento no banco de arquivos científicos PubMed para ver se havia algum texto sobre o assunto, mas “obviamente, não tinha absolutamente nada falando disso”, conforme ele contou.

Também em entrevista por telefone, Raquel Muarrek, infectologista da Rede D’Or, afirmou, logo após assistir ao vídeo de Vaz, que “é fake”. “Esse negócio do gás carbônico não tem nada a ver, porque a respiração entra e sai [através da máscara]”, disse. De acordo com Muarrek, a proteção não retém as moléculas de gás carbônico nem o vírus. “O que ele falou é completamente errado”, completou.

Terceiro entrevistado nesta verificação, Leonardo Weissmann também é infectologista do Emílio Ribas e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia. Após assistir ao vídeo de João Vaz, ele foi enfático ao escrever: “O conteúdo deste vídeo é uma grande bobagem”. Ele explicou que o uso da máscara não torna o sangue ácido em nenhuma situação. De acordo com ele, a acidificação ocorre em pessoas que têm doenças pulmonares, independentemente da proteção.

Quem é o homem que aparece no vídeo?

O homem que aparece na filmagem, e se identifica como João Vaz, é João Carlos Luiz Vaz Marques Leziria. De acordo com o Conselho Federal de Medicina (CFM), ele é médico e sua inscrição junto ao CRM está em situação regular.

Em entrevista ao Comprova, contou ter nascido em Santos, no litoral paulista, ter 75 anos e ser “fã da hidroxicloroquina”.

Em maio, ele apareceu em outro vídeo classificado como enganoso pelo Comprova. Na gravação, ele defendia a cloroquina e criticava o isolamento social.

Vaz também foi candidato a deputado federal pelo PSDB nas eleições de 2014 e 2018, mas não foi eleito em nenhuma delas. Perguntado se vai se candidatar novamente, ele foi categórico ao dizer que não. “Chega, estou velho”, declarou.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais. Quando o material aborda assuntos relacionados à covid-19, a verificação se torna ainda mais importante, pois coloca a saúde das pessoas em risco. O vídeo checado pelo Comprova tinha mais de 572 mil visualizações no Facebook e mais de 38 mil compartilhamentos até o dia 24 de junho. A postagem no perfil pessoal no Facebook foi identificada e rotulada como informação falsa no dia 23 de junho, após verificação do site Aos Fatos, que afirmou não haver evidências de que o uso prolongado de máscaras torne o sangue ácido.

Ao dizer que a máscara deve ser usada apenas em situações específicas, como quando estamos próximos de alguém, João Vaz vai contra uma das poucas medidas eficientes já conhecidas contra o novo coronavírus, que matou mais de 52.645 pessoas no Brasil até o dia 24 de junho. Embora não haja menção política no vídeo, as afirmações de João sobre a “ineficiência” do uso prolongado da máscara segue o pensamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Com frequência, o chefe do executivo aparece sem a proteção em eventos;no dia 23 de junho, a Justiça determinou que ele passe a usar o equipamento, sob condição de ser multado em R$ 2 mil caso descumpra a decisão.

Conteúdos criticando o uso da máscara viralizam rapidamente e o Comprova já investigou outros casos, como o vídeo que afirmava, falsamente, que a proteção reduzia a imunidade.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-06-23

Homem no Ceará foi preso por crime militar e não por criticar compra de ventiladores

  • Enganoso
Enganoso
Vídeo nas redes sociais mostra entrega de mandado de prisão preventiva a um cabo da Polícia Militar, em Fortaleza
  • Conteúdo verificado: Vídeo acompanhado de legenda afirmando que um cidadão de Cascavel, no Ceará, recebeu voz de prisão por criticar o governador do estado, Camilo Santana (PT)

São enganosas as postagens nas redes sociais que alegam que um cidadão do município de Cascavel foi preso por criticar o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), sobre a compra de respiradores artificiais para o tratamento de pacientes de covid-19. O conteúdo é acompanhado de um vídeo mostrando a entrega de um mandado de prisão preventiva, sem indicar os envolvidos ou a localidade. Na legenda, aparece uma inscrição irônica: “Governo democrático é outra coisa”.

As publicações enganam ao sugerir que o caso tem relação com a pandemia de covid-19 e que teria ocorrido com um civil, quando na verdade mostram o anúncio de prisão preventiva do policial militar Paulo José Monteiro da Cunha, conhecido como Cabo Monteiro. Ele responde a uma denúncia de crime militar na Justiça do Ceará, com base nos artigos 160 e 166 do Código Penal Militar (CPM) — que tipificam como crime o desrespeito a superior diante de outro militar e críticas públicas a atos de superiores ou a qualquer resolução do governo, respectivamente.

A gravação não foi feita em Cascavel – cidade cearense localizada na Região Metropolitana –, mas na capital, Fortaleza, onde mora o Cabo Monteiro, no dia 17 de junho. Não foi possível identificar a autoria ou a publicação original, mas fica claro que as imagens foram filmadas de dentro da residência. Além disso, a denúncia apresentada pelo Ministério Público Estadual do Ceará faz referência a sete vídeos gravados e publicados pelo Cabo Monteiro entre março e abril deste ano, e nenhum deles aborda compra de respiradores.

A decisão que decretou a prisão preventiva foi expedida em 12 de junho pelo juiz Roberto Soares Bulcão Coutinho, da comarca de Fortaleza da Auditoria Militar do Estado do Ceará. De acordo com o documento, existem “indícios de materialidade e provas da autoria de crimes militares” pelo Cabo Monteiro. Para a Justiça, a alegação de liberdade de expressão não caberia no caso porque “o representado transborda em sua conduta, indo além da garantia constitucional, para, sob seu manto, proferir ofensas e tecer comentários pejorativos, que se revelam, em análise superficial exigida no presente momento, perfeitamente adequadas a tipos penais”.

A medida cautelar é justificada, na decisão, pela postagem recorrente de críticas que constituiria “séria ameaça e grave comprometimento dos primados da hierarquia e disciplina militares”. O juiz decidiu que o cabo deveria ficar em prisão domiciliar com monitoramento eletrônico e não poderia entrar em redes sociais e aplicativos de mensagem para postar conteúdos sobre temas e pessoas ligados ao meio militar e da área de segurança pública. Em caso de descumprimento, o PM poderá ser encaminhado para um estabelecimento carcerário.

Procurado pelo Comprova, o advogado de defesa do Cabo Monteiro, Carlos Bezerra Neto, afirmou que a prisão é “abusiva” e que já entrou com pedido de revogação na Justiça Militar. Para o advogado, não existem elementos suficientes que justifiquem a medida. Argumenta ainda que, mesmo se fosse condenado, dificilmente o PM seria preso, porque a soma das penas máximas equivalem a apenas dois anos de detenção.

Sobre o comentário nas redes sociais de que o vídeo mostraria um atentado à liberdade de expressão, Bezerra Neto afirma que a existência de outros dois casos recentes traz margem para esse tipo de interpretação. Ele fez referência à prisão do soldado da Polícia Militar do Ceará (PMCE) Márcio Wescley Oliveira dos Santos e ao afastamento do delegado da Polícia Civil João Henrique da Silva Neto. “Não é que achamos que seja contrário ao Código Penal Militar, mas a circunstância nos faz (sic) crer que existe algo além, talvez por ser momento eleitoral, alguma intenção de movimentar os processos dessa forma.”

O promotor Sebastião Brasilino de Freitas, da Promotoria de Justiça Militar e Controle Externo da Atividade Policial Militar do Ministério Público Estadual do Ceará, afirmou em entrevista ao Comprova que o pedido de prisão preventiva tem o intuito de “cessar o cometimento de crimes que ele (o policial) vinha fazendo”. O promotor diz ainda: “A gente prevenia e ele cometia. Tivemos que tomar uma medida severa” e acrescenta “ele (policial) como cidadão pode ter o direito, como militar não. Ele reiterava e, sendo avisado, continuava a fazer. Só teve um jeito que foi pedir a prisão e que se abstivesse de fazer movimentações nas redes sociais”.

A opção pela prisão domiciliar, explica o promotor, se deve à crise sanitária do novo coronavírus. Em casa, o soldado estaria mais resguardado de um possível contágio. No entanto, caso as medidas judiciais sejam descumpridas, o promotor explica que o MP pode acionar a Justiça e pedir o cumprimento da decisão no 5º Batalhão da Polícia Militar do Estado do Ceará (BPM), unidade localizada no Centro de Fortaleza que abriga PMs presos preventivamente ou condenados à reclusão.

Como verificamos?

O primeiro passo foi tentar identificar as pessoas que aparecem no vídeo postado por, pelo menos, quatro perfis distintos no Facebook. Um dos comentários em uma das postagens indicava que o homem em questão alvo do mandado de prisão era o “Cabo Monteiro”. A partir dessa identificação, buscamos perfis nas redes sociais com esse nome e encontramos as páginas do cabo Paulo José Monteiro da Cunha no Facebook e no Instagram.

Analisamos as imagens e confirmamos tratar-se da mesma pessoa. Em pelo menos um vídeo, o policial fala “aqui em Fortaleza”, indicando estar na capital cearense. O governo estadual confirmou, posteriormente, que a ação ocorreu em Fortaleza.

Como a postagem em questão também mencionava que o fato havia ocorrido no Ceará, partimos, então, em busca de informações junto à Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) do Ceará, ao Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE), à Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública (CGD) e ao Ministério Público Estadual do Ceará. As instituições responderam via e-mail. O titular da Promotoria de Justiça Militar e Controle Externo da Atividade Policial Militar do Ministério Público Estadual do Ceará, Sebastião Brasilino de Freitas, foi entrevistado por telefone.

Também procuramos no sistema de busca eletrônico de processos judiciais do TJ-CE o nome completo do policial Paulo José Monteiro da Cunha. Nesse sistema, é possível saber se há processos tramitando incluindo aquela pessoa. Encontramos um processo (0605788-03.2020.8.06.0001) envolvendo o Cabo Monteiro. Ele estava em sigilo até o dia 22 de junho de 2020. Depois, foi aberto pela Justiça e conseguimos acessar as informações.

Outra busca efetivada pela equipe do Comprova foi o nome completo do policial no Diário Oficial do Estado do Ceará para averiguar se havia alguma menção a ele na publicação.

Além disso, entramos em contato com a irmã do Cabo Monteiro, Jéssica Monteiro, que nas redes sociais tem um vídeo, postado no dia 18 de junho, tratando da prisão do policial. Também entrevistamos o advogado do PM, Carlos Bezerra Neto, da Associação dos Profissionais da Segurança (APS).

Outro procedimento adotado foi realizar uma busca simples e genérica no Google como os termos “Cabo Monteiro Ceará”. Detectamos que a alcunha “Cabo Monteiro” também aparece em matérias publicadas por sites de conteúdo local do Ceará como: Diário do Nordeste, O Povo, G1CE e até em um texto na página do Ministério Público Estadual do Ceará. Todas as matérias fazem referência à participação do PM na paralisação de policiais e bombeiros militares em fevereiro de 2020.

Verificação

O Comprova encontrou o vídeo publicado com descrições enganosas em diversos perfis no Facebook e no Twitter desde o dia 17 de junho. Uma das versões afirma que um cidadão de Cascavel foi preso por criticar o governador do Ceará, Camilo Santana (PT). Outra circula com o comentário “Mais um cidadão preso!” e uma figurinha representando uma pessoa calada. As postagens sugerem que as autoridades públicas estariam censurando opositores do governo do estado.

No vídeo, dois policiais aparecem do lado de fora de uma residência conversando com ao menos três pessoas dentro. Um dos policiais afirma que foi decretada prisão preventiva em modalidade domiciliar e que a pessoa deveria se “abster de fazer postagens”. A seguir, um homem dentro da casa, aparentemente filmando a si mesmo, diz: “Infelizmente, estou recebendo voz de prisão, uma decisão de juiz que agora eu estou em prisão domiciliar (…) Eu estou sendo conduzido por causa dos vídeos, se vocês tiveram a oportunidade de ver, acho que foi um vídeo de eu pedindo ao governador que parasse de gastar com plantas enquanto a população cearense está morrendo”.

A partir da análise das imagens e de uma dica contida nos comentários de uma das publicações enganosas, a reportagem identificou o homem como sendo o cabo da Polícia Militar do Ceará (PMCE) Paulo José Monteiro da Cunha. A informação foi confirmada pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS/CE).

Em nota, o órgão declarou que “o vídeo trata do cumprimento do mandado de prisão preventiva contra o cabo PM Monteiro, ocorrido no último dia 17 de junho, na sua residência, localizada no bairro Parangaba, em Fortaleza”. Ainda segundo a secretaria, a Justiça Militar Estadual determinou a prisão domiciliar do policial por crime militar, que nesse caso envolveria “críticas a autoridades militares e à instituição e incitação”. Também foi informado o número do processo.

O Comprova obteve a íntegra da decisão judicial depois que o sigilo de Justiça foi removido na segunda-feira, 22 de junho. A acusação contra o Cabo Monteiro está baseada nos artigos 160 e 166 do Código Penal Militar, criado pelo Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969. O primeiro artigo estabelece como crime “desrespeitar superior diante de outro militar”, enquanto o segundo criminaliza a ação de “publicar o militar ou assemelhado, sem licença, ato ou documento oficial, ou criticar publicamente ato de seu superior ou assunto atinente à disciplina militar, ou a qualquer resolução do Governo”.

Denúncia do MP cita sete vídeos

A denúncia foi apresentada pelo Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) em 4 de maio. Nela, a Promotoria de Justiça Militar afirma que o cabo Paulo José Monteiro da Cunha usa o Instagram para publicar “vídeos curtos em que tece críticas aos seus superiores hierárquicos e exorta aos militares que lhe ‘seguem’ uma série de práticas que, facilmente, se apresentam como ímprobas, transgressionais e criminosas”.

O documento cita, então, sete conteúdos publicados entre os dias 22 de março e 28 de abril de 2020. Neles, Monteiro faz críticas ao prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio (PDT), ao governador do estado, Camilo Santana (PT), e ao comandante-geral da Polícia Militar do Ceará, coronel Alexandre Ávila de Vasconcelos, sobre assuntos como a distribuição de materiais de higiene e equipamentos de proteção individual aos policiais, o atendimento médico de emergência a agentes feridos e gastos do poder público durante a pandemia. Não há, porém, citação a conteúdos sobre “compra de respiradores” na denúncia apresentada, ao contrário do que afirma o boato enganoso.

O termo utilizado é uma referência à investigação da Polícia Federal que encontrou indícios de irregularidades na compra de 150 equipamentos pela Prefeitura de Fortaleza e pelo Instituto Doutor José Frota (IJF) — o que faria com que o alvo da declaração fosse o prefeito Roberto Cláudio (PDT), e não Camilo Santana (PT). Em ao menos duas publicações posteriores, não citadas na denúncia, o PM de fato abordou o assunto. Ele postou uma foto do prefeito com a frase “testes rápidos e respiradores superfaturados” e uma imagem própria com a legenda “CPI dos respiradores. #EuApoio”.

Soldado também foi acusado de crime militar

O Comprova verificou que matérias de jornais como Diário do Nordeste, O Povo e o site G1CE também apontam que a Justiça Estadual do Ceará, no dia 2 de junho, decretou a prisão preventiva do soldado da Polícia Militar do Ceará (PMCE) Márcio Wescley Oliveira dos Santos. A decisão imputa ao policial a publicação de mensagens nas redes sociais com conteúdo ofensivo ao governador Camilo Santana, ao secretário da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), André Costa, e ao comandante da Corporação, coronel Alexandre Ávila.

O juiz Roberto Soares Bulcão Coutinho – o mesmo que assina a decisão referente ao Cabo Monteiro – determinou que o policial militar Márcio Wescley Oliveira dos Santos se mantivesse recolhido dentro de casa, em tempo integral, com uso de tornozeleira eletrônica. O magistrado também estabeleceu que o militar estava proibido de publicar mensagens sobre o meio militar ou da área da Segurança Pública. Em caso de descumprimento da decisão, a prisão domiciliar poderia ser revogada e o PM levado ao presídio.

Segundo o promotor Sebastião Brasilino de Freitas, Wescley continuou publicando nas redes sociais e, por isso, teve que cumprir a prisão preventiva no 5º Batalhão da Polícia Militar do Estado do Ceará (BPM).

Processos administrativos apuram conduta de policiais

A Controladoria Geral de Disciplina (CGD) instaurou processos administrativos disciplinares contra o soldado Márcio Wescley e o cabo Paulo José Monteiro. A decisão saiu no Diário Oficial do Estado do Ceará de 11 de junho. Segundo o documento, tanto o soldado Wescley quanto o cabo Monteiro praticaram “ato incompatível com a função pública, na medida em que deixa de dar fiel cumprimento aos deveres a que está subordinado, e, ao mesmo tempo, instiga os integrantes da área de Segurança Pública a se contraporem à atuação do Secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa Social, bem como ao próprio Chefe do Poder Executivo Estadual”. Os militares foram afastados preventivamente das funções por 120 dias.

Procurada pelo Comprova, a CGD repetiu em nota as informações do Diário Oficial do Estado e acrescentou que as ações estão, atualmente, em fase de instrução processual.

PMs atuaram em motim de militares em fevereiro de 2020 no Ceará

Cabo Monteiro e Soldado Wescley, alvos de processos administrativos na CGD e denúncia judicial por crimes militares, participaram em fevereiro de 2020 do motim de policiais e bombeiros militares no Ceará. A paralisação teve início no dia 18 de fevereiro e durou 13 dias. Dentre outros pontos, os policiais exigiam reajuste salarial, auxílio por risco de vida, auxílio de insalubridade e adicional noturno.

Durante o motim, batalhões foram ocupados pelos PMs amotinados em Fortaleza e Sobral. No dia 19 de fevereiro, o senador Cid Gomes (PDT), ex-governador do Ceará e aliado político do governador Camilo Santana, tentou entrar em um batalhão da PM em Sobral usando uma retroescavadeira contra uma multidão de amotinados. Na ação, ele foi baleado.

No dia 1º de março, os policiais votaram pelo encerramento do motim. No dia 2 de março, foi assinado, na sede do MP, em Fortaleza, um Termo de Acordo e Compromisso estabelecendo o fim da paralisação dos servidores militares no Ceará. Dentre os pontos pactuados entre Governo e policiais, constava que: os militares que participaram do motim teriam apoio de instituições que não pertencem ao Governo do Estado, como Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Defensoria Pública, Ministério Público e Exército, bem como teriam direito a um processo legal sem perseguição, com amplo direito a defesa e contraditório, e acompanhamento das instituições mencionadas anteriormente.

Cabo Monteiro, em matérias de jornais do Ceará, à época, é identificado como uma das lideranças do motim. Na notícia no site do MP sobre a assinatura do Termo de Acordo e Compromisso ele é designado, junto com o deputado estadual Soldado Noelio (PROS) e o vereador Sargento Reginauro Sousa (sem partido), como representantes dos militares.

Em entrevista ao programa Roda Viva, em 8 de junho, o governador Camilo Santana afirmou que há um “processo de partidarização de pessoas dentro da polícia”, mas que mantém a autoridade sobre ela. “Para aquelas pessoas que tiveram aquele comportamento no motim, eu não considero policiais, eu não considero pessoas que estão lá, fardados, para proteger a população, os que tomam aquelas atitudes. Portanto, sofrerão todo o rigor da lei aqui no meu estado, serão punidos. Eu não anistiarei nenhum policial militar que cometeu aquele crime aqui no meu estado. Exatamente para servir de exemplo.”

Por que investigamos?

O Comprova analisa somente conteúdos duvidosos sobre o novo coronavírus que obtêm grande alcance nas redes sociais. A versão do boato sobre o “cidadão de Cascavel” teve mais de 585 mil visualizações em uma semana, de acordo com plataforma de fact-checking do Facebook.

A equipe do projeto também decidiu investigar o conteúdo por se tratar de um tema de grande relevância, que é o direito à liberdade de expressão. A acusação de que uma autoridade pública está promovendo censura entre os cidadãos durante a pandemia de covid-19 é grave — assim como boatos enganosos nas redes sobre o assunto.

Por fim, o boato se insere em um cenário de disputa política no Brasil que costuma traçar os caminhos da desinformação nas redes sociais. Depois que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) criticou governadores e prefeitos por não concordar com as medidas de isolamento social, conteúdos falsos atacando lideranças regionais se multiplicaram nas plataformas.

Recentemente, o Comprova mostrou que a parceria para vacina contra a covid-19 não foi firmada no ano passado pelo governador de São Paulo, João Doria e desmentiu boato que afirmava que repasses de verbas aos estados estão relacionados ao número de mortos e infectados pelo novo coronavírus, por exemplo. Perfis nas redes também já afirmaram que uma operação da Polícia Federal no Ceará teria reduzido em 90% o número de mortes por covid-19 no estado, o que não é verdade.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado; que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.