O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Saúde

Investigado por: 2020-06-24

Uso correto de máscaras reduz chances de contaminação pelo coronavírus e não torna o sangue ácido

  • Enganoso
Enganoso
Especialistas negam a veracidade das afirmações feitas por um médico em vídeo que viralizou nas redes sociais. Eles garantem que as máscaras recomendadas pelas autoridades de saúde permitem as trocas de gases com o ambiente, reduzem as chances de infecção pelo novo coronavírus e não causam aumento de gás carbônico no sangue nem tornam o sangue ácido
  • Conteúdo verificado: Vídeo gravado pelo médico João Vaz e compartilhado por diversos perfis no Facebook e no WhatsApp, com a legenda: “Médico diz para que serve a máscara!! Enfim, lucidez, inteligência e seriedade”.

São enganosas as afirmações feitas em vídeo pelo médico João Vaz, no qual ele diz que o uso prolongado da máscara não tem eficácia para combater a propagação do novo coronavírus. Segundo ele, a proteção “só tem uma serventia, não para nós, mas para o vírus”. Ainda de acordo com Vaz, isso ocorreria porque, ao inspirar o ar expirado na máscara, o corpo absorveria partículas de gás carbônico, o que tornaria o sangue mais ácido e “um meio propício ideal para o vírus”.

Segundo especialistas ouvidos pelo Comprova, Vaz está “completamente errado” e o que diz “é contra qualquer racionalidade”. Leonardo Weissmann, infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, afirmou que “o uso correto de máscaras, cobrindo nariz e boca, reduz a transmissão do vírus e não causa qualquer mal ao organismo”. Ele explicou que a máscara não causa, em nenhuma situação, o aumento de gás carbônico no sangue. “Os poros das máscaras, mesmo não sendo visíveis, permitem as trocas gasosas. O indivíduo que está protegido com máscara não vai inalar seu próprio gás carbônico.”

Em documento publicado no dia 5 de junho, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lista potenciais malefícios decorrentes do uso prolongado da máscara pelo público em geral, mas não cita nenhuma desvantagem sobre a troca de gases comentada por João Vaz. Dificuldades respiratórias, lesões cutâneas e agravamento da acne estão entre os danos. No texto “Orientações Gerais – Máscaras faciais de uso não profissional”, divulgado em 3 de abril, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), agência ligada ao Ministério da Saúde, reforça que os equipamentos “não fornecem total proteção contra infecções, mas reduzem sua incidência” e recomenda o uso em locais públicos, como supermercado e farmácia.

Em entrevista ao Comprova, o médico afirmou: “É a minha opinião [o que ele diz no vídeo]”.. “Tenho 49 anos de profissão, doutorado na Alemanha, não estou para discutir com ninguém. Cada um que aprenda.” Questionado sobre a existência de estudos que comprovem suas afirmações, ele respondeu que tem “evidência pessoal com os 5.200 pacientes” que havia atendido até a data da conversa (23 de junho). Em maio, João Vaz já havia aparecido em uma verificação do Comprova que considerou suas afirmações enganosas. Dentre outras declarações, ele criticava o isolamento social e o uso de respiradores.

Como verificamos?

O passo inicial foi verificar se João Vaz é mesmo o homem que aparece no vídeo e se ele é, de fato, médico. Para isso, o Comprova fez uma busca no portal do Conselho Federal de Medicina (CFM) com o nome do médico e comparou a fotografia do cadastro com o vídeo. Em seguida, procuramos e encontramos as redes sociais do médico e confirmamos que eram a mesma pessoa.

Depois, o Comprova pesquisou sobre as diretrizes das autoridades de saúde sobre o uso de máscaras – se há qualquer contra-indicação relacionada à troca de gases na utilização prolongada. Encontramos, no site da Organização Mundial da Saúde (OMS), um documento sobre o uso de máscaras por profissionais da saúde e pelo público em geral. No site da Anvisa, também encontramos documentos online sobre o uso da proteção.

O Comprova também entrevistou médicos infectologistas para confirmar a veracidade da relação entre o uso da máscara, a inspiração de gás carbônico e a acidificação do sangue. Conversamos com Raquel Muarrek, infectologista da Rede D’Or, Leonardo Weissmann, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia e infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, e Jamal Suleiman, infectologista também do Emílio Ribas.

Tentamos contato com Claudia Vegans, autora da postagem que mais viralizou no Facebook, mas não conseguimos falar com ela. Por último, conseguimos falar com o médico João Vaz pelo número de celular citado por ele no final do vídeo.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 24 de junho de 2020.

Verificação

O que dizem as autoridades?

O Comprova buscou no site da OMS o documento em que o órgão aborda o uso prolongado de máscara por profissionais da área da saúde e pelo público em geral. O texto, publicado no dia 5 de junho, cita as desvantagens da utilização, mas em nenhum momento há referência a troca de gases ou acidificação sanguínea. Como mencionamos, entre os danos citados estão dificuldades respiratórias, lesões cutâneas e agravamento da acne. Há 10 desvantagens listadas pela instituição – os últimos pontos são “dificuldade em comunicar com clareza, potencial desconforto e falsa sensação de segurança, o que pode levar a uma menor adesão a outras medidas preventivas essenciais, como o distanciamento físico e a higiene das mãos”.

No site da Anvisa, encontramos algumas publicações referentes a esta proteção. A postagem sobre o uso de máscaras não profissionais data do dia 3 de abril e afirma que elas “atuam como barreiras físicas, diminuindo a exposição e o risco de infecção para a população em geral”.

O que dizem os especialistas?

Jamal Suleiman, infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, contou por telefone ter recebido o vídeo de alguns de seus pacientes, que perguntavam se as afirmações eram verdadeiras. Para o Comprova, ele escreveu que “a justificativa dele não faz o menor sentido. É contra qualquer racionalidade. A máscara concretamente reduz a chance de infecção”. O infectologista fez um levantamento no banco de arquivos científicos PubMed para ver se havia algum texto sobre o assunto, mas “obviamente, não tinha absolutamente nada falando disso”, conforme ele contou.

Também em entrevista por telefone, Raquel Muarrek, infectologista da Rede D’Or, afirmou, logo após assistir ao vídeo de Vaz, que “é fake”. “Esse negócio do gás carbônico não tem nada a ver, porque a respiração entra e sai [através da máscara]”, disse. De acordo com Muarrek, a proteção não retém as moléculas de gás carbônico nem o vírus. “O que ele falou é completamente errado”, completou.

Terceiro entrevistado nesta verificação, Leonardo Weissmann também é infectologista do Emílio Ribas e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia. Após assistir ao vídeo de João Vaz, ele foi enfático ao escrever: “O conteúdo deste vídeo é uma grande bobagem”. Ele explicou que o uso da máscara não torna o sangue ácido em nenhuma situação. De acordo com ele, a acidificação ocorre em pessoas que têm doenças pulmonares, independentemente da proteção.

Quem é o homem que aparece no vídeo?

O homem que aparece na filmagem, e se identifica como João Vaz, é João Carlos Luiz Vaz Marques Leziria. De acordo com o Conselho Federal de Medicina (CFM), ele é médico e sua inscrição junto ao CRM está em situação regular.

Em entrevista ao Comprova, contou ter nascido em Santos, no litoral paulista, ter 75 anos e ser “fã da hidroxicloroquina”.

Em maio, ele apareceu em outro vídeo classificado como enganoso pelo Comprova. Na gravação, ele defendia a cloroquina e criticava o isolamento social.

Vaz também foi candidato a deputado federal pelo PSDB nas eleições de 2014 e 2018, mas não foi eleito em nenhuma delas. Perguntado se vai se candidatar novamente, ele foi categórico ao dizer que não. “Chega, estou velho”, declarou.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais. Quando o material aborda assuntos relacionados à covid-19, a verificação se torna ainda mais importante, pois coloca a saúde das pessoas em risco. O vídeo checado pelo Comprova tinha mais de 572 mil visualizações no Facebook e mais de 38 mil compartilhamentos até o dia 24 de junho. A postagem no perfil pessoal no Facebook foi identificada e rotulada como informação falsa no dia 23 de junho, após verificação do site Aos Fatos, que afirmou não haver evidências de que o uso prolongado de máscaras torne o sangue ácido.

Ao dizer que a máscara deve ser usada apenas em situações específicas, como quando estamos próximos de alguém, João Vaz vai contra uma das poucas medidas eficientes já conhecidas contra o novo coronavírus, que matou mais de 52.645 pessoas no Brasil até o dia 24 de junho. Embora não haja menção política no vídeo, as afirmações de João sobre a “ineficiência” do uso prolongado da máscara segue o pensamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Com frequência, o chefe do executivo aparece sem a proteção em eventos;no dia 23 de junho, a Justiça determinou que ele passe a usar o equipamento, sob condição de ser multado em R$ 2 mil caso descumpra a decisão.

Conteúdos criticando o uso da máscara viralizam rapidamente e o Comprova já investigou outros casos, como o vídeo que afirmava, falsamente, que a proteção reduzia a imunidade.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-06-23

Homem no Ceará foi preso por crime militar e não por criticar compra de ventiladores

  • Enganoso
Enganoso
Vídeo nas redes sociais mostra entrega de mandado de prisão preventiva a um cabo da Polícia Militar, em Fortaleza
  • Conteúdo verificado: Vídeo acompanhado de legenda afirmando que um cidadão de Cascavel, no Ceará, recebeu voz de prisão por criticar o governador do estado, Camilo Santana (PT)

São enganosas as postagens nas redes sociais que alegam que um cidadão do município de Cascavel foi preso por criticar o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), sobre a compra de respiradores artificiais para o tratamento de pacientes de covid-19. O conteúdo é acompanhado de um vídeo mostrando a entrega de um mandado de prisão preventiva, sem indicar os envolvidos ou a localidade. Na legenda, aparece uma inscrição irônica: “Governo democrático é outra coisa”.

As publicações enganam ao sugerir que o caso tem relação com a pandemia de covid-19 e que teria ocorrido com um civil, quando na verdade mostram o anúncio de prisão preventiva do policial militar Paulo José Monteiro da Cunha, conhecido como Cabo Monteiro. Ele responde a uma denúncia de crime militar na Justiça do Ceará, com base nos artigos 160 e 166 do Código Penal Militar (CPM) — que tipificam como crime o desrespeito a superior diante de outro militar e críticas públicas a atos de superiores ou a qualquer resolução do governo, respectivamente.

A gravação não foi feita em Cascavel – cidade cearense localizada na Região Metropolitana –, mas na capital, Fortaleza, onde mora o Cabo Monteiro, no dia 17 de junho. Não foi possível identificar a autoria ou a publicação original, mas fica claro que as imagens foram filmadas de dentro da residência. Além disso, a denúncia apresentada pelo Ministério Público Estadual do Ceará faz referência a sete vídeos gravados e publicados pelo Cabo Monteiro entre março e abril deste ano, e nenhum deles aborda compra de respiradores.

A decisão que decretou a prisão preventiva foi expedida em 12 de junho pelo juiz Roberto Soares Bulcão Coutinho, da comarca de Fortaleza da Auditoria Militar do Estado do Ceará. De acordo com o documento, existem “indícios de materialidade e provas da autoria de crimes militares” pelo Cabo Monteiro. Para a Justiça, a alegação de liberdade de expressão não caberia no caso porque “o representado transborda em sua conduta, indo além da garantia constitucional, para, sob seu manto, proferir ofensas e tecer comentários pejorativos, que se revelam, em análise superficial exigida no presente momento, perfeitamente adequadas a tipos penais”.

A medida cautelar é justificada, na decisão, pela postagem recorrente de críticas que constituiria “séria ameaça e grave comprometimento dos primados da hierarquia e disciplina militares”. O juiz decidiu que o cabo deveria ficar em prisão domiciliar com monitoramento eletrônico e não poderia entrar em redes sociais e aplicativos de mensagem para postar conteúdos sobre temas e pessoas ligados ao meio militar e da área de segurança pública. Em caso de descumprimento, o PM poderá ser encaminhado para um estabelecimento carcerário.

Procurado pelo Comprova, o advogado de defesa do Cabo Monteiro, Carlos Bezerra Neto, afirmou que a prisão é “abusiva” e que já entrou com pedido de revogação na Justiça Militar. Para o advogado, não existem elementos suficientes que justifiquem a medida. Argumenta ainda que, mesmo se fosse condenado, dificilmente o PM seria preso, porque a soma das penas máximas equivalem a apenas dois anos de detenção.

Sobre o comentário nas redes sociais de que o vídeo mostraria um atentado à liberdade de expressão, Bezerra Neto afirma que a existência de outros dois casos recentes traz margem para esse tipo de interpretação. Ele fez referência à prisão do soldado da Polícia Militar do Ceará (PMCE) Márcio Wescley Oliveira dos Santos e ao afastamento do delegado da Polícia Civil João Henrique da Silva Neto. “Não é que achamos que seja contrário ao Código Penal Militar, mas a circunstância nos faz (sic) crer que existe algo além, talvez por ser momento eleitoral, alguma intenção de movimentar os processos dessa forma.”

O promotor Sebastião Brasilino de Freitas, da Promotoria de Justiça Militar e Controle Externo da Atividade Policial Militar do Ministério Público Estadual do Ceará, afirmou em entrevista ao Comprova que o pedido de prisão preventiva tem o intuito de “cessar o cometimento de crimes que ele (o policial) vinha fazendo”. O promotor diz ainda: “A gente prevenia e ele cometia. Tivemos que tomar uma medida severa” e acrescenta “ele (policial) como cidadão pode ter o direito, como militar não. Ele reiterava e, sendo avisado, continuava a fazer. Só teve um jeito que foi pedir a prisão e que se abstivesse de fazer movimentações nas redes sociais”.

A opção pela prisão domiciliar, explica o promotor, se deve à crise sanitária do novo coronavírus. Em casa, o soldado estaria mais resguardado de um possível contágio. No entanto, caso as medidas judiciais sejam descumpridas, o promotor explica que o MP pode acionar a Justiça e pedir o cumprimento da decisão no 5º Batalhão da Polícia Militar do Estado do Ceará (BPM), unidade localizada no Centro de Fortaleza que abriga PMs presos preventivamente ou condenados à reclusão.

Como verificamos?

O primeiro passo foi tentar identificar as pessoas que aparecem no vídeo postado por, pelo menos, quatro perfis distintos no Facebook. Um dos comentários em uma das postagens indicava que o homem em questão alvo do mandado de prisão era o “Cabo Monteiro”. A partir dessa identificação, buscamos perfis nas redes sociais com esse nome e encontramos as páginas do cabo Paulo José Monteiro da Cunha no Facebook e no Instagram.

Analisamos as imagens e confirmamos tratar-se da mesma pessoa. Em pelo menos um vídeo, o policial fala “aqui em Fortaleza”, indicando estar na capital cearense. O governo estadual confirmou, posteriormente, que a ação ocorreu em Fortaleza.

Como a postagem em questão também mencionava que o fato havia ocorrido no Ceará, partimos, então, em busca de informações junto à Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) do Ceará, ao Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE), à Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública (CGD) e ao Ministério Público Estadual do Ceará. As instituições responderam via e-mail. O titular da Promotoria de Justiça Militar e Controle Externo da Atividade Policial Militar do Ministério Público Estadual do Ceará, Sebastião Brasilino de Freitas, foi entrevistado por telefone.

Também procuramos no sistema de busca eletrônico de processos judiciais do TJ-CE o nome completo do policial Paulo José Monteiro da Cunha. Nesse sistema, é possível saber se há processos tramitando incluindo aquela pessoa. Encontramos um processo (0605788-03.2020.8.06.0001) envolvendo o Cabo Monteiro. Ele estava em sigilo até o dia 22 de junho de 2020. Depois, foi aberto pela Justiça e conseguimos acessar as informações.

Outra busca efetivada pela equipe do Comprova foi o nome completo do policial no Diário Oficial do Estado do Ceará para averiguar se havia alguma menção a ele na publicação.

Além disso, entramos em contato com a irmã do Cabo Monteiro, Jéssica Monteiro, que nas redes sociais tem um vídeo, postado no dia 18 de junho, tratando da prisão do policial. Também entrevistamos o advogado do PM, Carlos Bezerra Neto, da Associação dos Profissionais da Segurança (APS).

Outro procedimento adotado foi realizar uma busca simples e genérica no Google como os termos “Cabo Monteiro Ceará”. Detectamos que a alcunha “Cabo Monteiro” também aparece em matérias publicadas por sites de conteúdo local do Ceará como: Diário do Nordeste, O Povo, G1CE e até em um texto na página do Ministério Público Estadual do Ceará. Todas as matérias fazem referência à participação do PM na paralisação de policiais e bombeiros militares em fevereiro de 2020.

Verificação

O Comprova encontrou o vídeo publicado com descrições enganosas em diversos perfis no Facebook e no Twitter desde o dia 17 de junho. Uma das versões afirma que um cidadão de Cascavel foi preso por criticar o governador do Ceará, Camilo Santana (PT). Outra circula com o comentário “Mais um cidadão preso!” e uma figurinha representando uma pessoa calada. As postagens sugerem que as autoridades públicas estariam censurando opositores do governo do estado.

No vídeo, dois policiais aparecem do lado de fora de uma residência conversando com ao menos três pessoas dentro. Um dos policiais afirma que foi decretada prisão preventiva em modalidade domiciliar e que a pessoa deveria se “abster de fazer postagens”. A seguir, um homem dentro da casa, aparentemente filmando a si mesmo, diz: “Infelizmente, estou recebendo voz de prisão, uma decisão de juiz que agora eu estou em prisão domiciliar (…) Eu estou sendo conduzido por causa dos vídeos, se vocês tiveram a oportunidade de ver, acho que foi um vídeo de eu pedindo ao governador que parasse de gastar com plantas enquanto a população cearense está morrendo”.

A partir da análise das imagens e de uma dica contida nos comentários de uma das publicações enganosas, a reportagem identificou o homem como sendo o cabo da Polícia Militar do Ceará (PMCE) Paulo José Monteiro da Cunha. A informação foi confirmada pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS/CE).

Em nota, o órgão declarou que “o vídeo trata do cumprimento do mandado de prisão preventiva contra o cabo PM Monteiro, ocorrido no último dia 17 de junho, na sua residência, localizada no bairro Parangaba, em Fortaleza”. Ainda segundo a secretaria, a Justiça Militar Estadual determinou a prisão domiciliar do policial por crime militar, que nesse caso envolveria “críticas a autoridades militares e à instituição e incitação”. Também foi informado o número do processo.

O Comprova obteve a íntegra da decisão judicial depois que o sigilo de Justiça foi removido na segunda-feira, 22 de junho. A acusação contra o Cabo Monteiro está baseada nos artigos 160 e 166 do Código Penal Militar, criado pelo Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969. O primeiro artigo estabelece como crime “desrespeitar superior diante de outro militar”, enquanto o segundo criminaliza a ação de “publicar o militar ou assemelhado, sem licença, ato ou documento oficial, ou criticar publicamente ato de seu superior ou assunto atinente à disciplina militar, ou a qualquer resolução do Governo”.

Denúncia do MP cita sete vídeos

A denúncia foi apresentada pelo Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) em 4 de maio. Nela, a Promotoria de Justiça Militar afirma que o cabo Paulo José Monteiro da Cunha usa o Instagram para publicar “vídeos curtos em que tece críticas aos seus superiores hierárquicos e exorta aos militares que lhe ‘seguem’ uma série de práticas que, facilmente, se apresentam como ímprobas, transgressionais e criminosas”.

O documento cita, então, sete conteúdos publicados entre os dias 22 de março e 28 de abril de 2020. Neles, Monteiro faz críticas ao prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio (PDT), ao governador do estado, Camilo Santana (PT), e ao comandante-geral da Polícia Militar do Ceará, coronel Alexandre Ávila de Vasconcelos, sobre assuntos como a distribuição de materiais de higiene e equipamentos de proteção individual aos policiais, o atendimento médico de emergência a agentes feridos e gastos do poder público durante a pandemia. Não há, porém, citação a conteúdos sobre “compra de respiradores” na denúncia apresentada, ao contrário do que afirma o boato enganoso.

O termo utilizado é uma referência à investigação da Polícia Federal que encontrou indícios de irregularidades na compra de 150 equipamentos pela Prefeitura de Fortaleza e pelo Instituto Doutor José Frota (IJF) — o que faria com que o alvo da declaração fosse o prefeito Roberto Cláudio (PDT), e não Camilo Santana (PT). Em ao menos duas publicações posteriores, não citadas na denúncia, o PM de fato abordou o assunto. Ele postou uma foto do prefeito com a frase “testes rápidos e respiradores superfaturados” e uma imagem própria com a legenda “CPI dos respiradores. #EuApoio”.

Soldado também foi acusado de crime militar

O Comprova verificou que matérias de jornais como Diário do Nordeste, O Povo e o site G1CE também apontam que a Justiça Estadual do Ceará, no dia 2 de junho, decretou a prisão preventiva do soldado da Polícia Militar do Ceará (PMCE) Márcio Wescley Oliveira dos Santos. A decisão imputa ao policial a publicação de mensagens nas redes sociais com conteúdo ofensivo ao governador Camilo Santana, ao secretário da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), André Costa, e ao comandante da Corporação, coronel Alexandre Ávila.

O juiz Roberto Soares Bulcão Coutinho – o mesmo que assina a decisão referente ao Cabo Monteiro – determinou que o policial militar Márcio Wescley Oliveira dos Santos se mantivesse recolhido dentro de casa, em tempo integral, com uso de tornozeleira eletrônica. O magistrado também estabeleceu que o militar estava proibido de publicar mensagens sobre o meio militar ou da área da Segurança Pública. Em caso de descumprimento da decisão, a prisão domiciliar poderia ser revogada e o PM levado ao presídio.

Segundo o promotor Sebastião Brasilino de Freitas, Wescley continuou publicando nas redes sociais e, por isso, teve que cumprir a prisão preventiva no 5º Batalhão da Polícia Militar do Estado do Ceará (BPM).

Processos administrativos apuram conduta de policiais

A Controladoria Geral de Disciplina (CGD) instaurou processos administrativos disciplinares contra o soldado Márcio Wescley e o cabo Paulo José Monteiro. A decisão saiu no Diário Oficial do Estado do Ceará de 11 de junho. Segundo o documento, tanto o soldado Wescley quanto o cabo Monteiro praticaram “ato incompatível com a função pública, na medida em que deixa de dar fiel cumprimento aos deveres a que está subordinado, e, ao mesmo tempo, instiga os integrantes da área de Segurança Pública a se contraporem à atuação do Secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa Social, bem como ao próprio Chefe do Poder Executivo Estadual”. Os militares foram afastados preventivamente das funções por 120 dias.

Procurada pelo Comprova, a CGD repetiu em nota as informações do Diário Oficial do Estado e acrescentou que as ações estão, atualmente, em fase de instrução processual.

PMs atuaram em motim de militares em fevereiro de 2020 no Ceará

Cabo Monteiro e Soldado Wescley, alvos de processos administrativos na CGD e denúncia judicial por crimes militares, participaram em fevereiro de 2020 do motim de policiais e bombeiros militares no Ceará. A paralisação teve início no dia 18 de fevereiro e durou 13 dias. Dentre outros pontos, os policiais exigiam reajuste salarial, auxílio por risco de vida, auxílio de insalubridade e adicional noturno.

Durante o motim, batalhões foram ocupados pelos PMs amotinados em Fortaleza e Sobral. No dia 19 de fevereiro, o senador Cid Gomes (PDT), ex-governador do Ceará e aliado político do governador Camilo Santana, tentou entrar em um batalhão da PM em Sobral usando uma retroescavadeira contra uma multidão de amotinados. Na ação, ele foi baleado.

No dia 1º de março, os policiais votaram pelo encerramento do motim. No dia 2 de março, foi assinado, na sede do MP, em Fortaleza, um Termo de Acordo e Compromisso estabelecendo o fim da paralisação dos servidores militares no Ceará. Dentre os pontos pactuados entre Governo e policiais, constava que: os militares que participaram do motim teriam apoio de instituições que não pertencem ao Governo do Estado, como Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Defensoria Pública, Ministério Público e Exército, bem como teriam direito a um processo legal sem perseguição, com amplo direito a defesa e contraditório, e acompanhamento das instituições mencionadas anteriormente.

Cabo Monteiro, em matérias de jornais do Ceará, à época, é identificado como uma das lideranças do motim. Na notícia no site do MP sobre a assinatura do Termo de Acordo e Compromisso ele é designado, junto com o deputado estadual Soldado Noelio (PROS) e o vereador Sargento Reginauro Sousa (sem partido), como representantes dos militares.

Em entrevista ao programa Roda Viva, em 8 de junho, o governador Camilo Santana afirmou que há um “processo de partidarização de pessoas dentro da polícia”, mas que mantém a autoridade sobre ela. “Para aquelas pessoas que tiveram aquele comportamento no motim, eu não considero policiais, eu não considero pessoas que estão lá, fardados, para proteger a população, os que tomam aquelas atitudes. Portanto, sofrerão todo o rigor da lei aqui no meu estado, serão punidos. Eu não anistiarei nenhum policial militar que cometeu aquele crime aqui no meu estado. Exatamente para servir de exemplo.”

Por que investigamos?

O Comprova analisa somente conteúdos duvidosos sobre o novo coronavírus que obtêm grande alcance nas redes sociais. A versão do boato sobre o “cidadão de Cascavel” teve mais de 585 mil visualizações em uma semana, de acordo com plataforma de fact-checking do Facebook.

A equipe do projeto também decidiu investigar o conteúdo por se tratar de um tema de grande relevância, que é o direito à liberdade de expressão. A acusação de que uma autoridade pública está promovendo censura entre os cidadãos durante a pandemia de covid-19 é grave — assim como boatos enganosos nas redes sobre o assunto.

Por fim, o boato se insere em um cenário de disputa política no Brasil que costuma traçar os caminhos da desinformação nas redes sociais. Depois que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) criticou governadores e prefeitos por não concordar com as medidas de isolamento social, conteúdos falsos atacando lideranças regionais se multiplicaram nas plataformas.

Recentemente, o Comprova mostrou que a parceria para vacina contra a covid-19 não foi firmada no ano passado pelo governador de São Paulo, João Doria e desmentiu boato que afirmava que repasses de verbas aos estados estão relacionados ao número de mortos e infectados pelo novo coronavírus, por exemplo. Perfis nas redes também já afirmaram que uma operação da Polícia Federal no Ceará teria reduzido em 90% o número de mortes por covid-19 no estado, o que não é verdade.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado; que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-06-22

É falso que repasses de verbas aos estados estejam relacionados ao número de mortos e infectados

  • Falso
Falso
Ao contrário do que afirma um vídeo postado por um enfermeiro no YouTube, as verbas distribuídas pela União aos estados e municípios para o combate à covid-19 são para hospitais de campanha e compras de equipamentos de proteção, entre outras ações, e não há relação entre o número de infectados e de mortos com os repasses
  • Conteúdo verificado: Vídeo postado no YouTube no dia 11 de junho com o título “Denúncia – Corpos de mortos pelo covid 19 são vendidos e rende milhões”

São falsas as afirmações de um enfermeiro do Rio de Janeiro que diz, em vídeo publicado no dia 10 de junho, que corpos de vítimas da covid-19 são vendidos por milhões para governos estaduais e municipais. Ele também afirma, erroneamente, que 60% dos óbitos registrados com a doença foram por outros motivos. Segundo o Projeto Comprova verificou, a União disponibiliza verbas para que estados possam usá-las para o combate ao vírus – hospitais de campanha e compras de equipamentos de proteção, entre outras ações –, mas não há relação entre o número de infectados e de mortos com os repasses.

Procurado, o Ministério Público Federal (MPF) do Rio de Janeiro informou que não há qualquer investigação envolvendo possíveis fraudes em óbitos por covid-19 no estado. A Polícia Federal não divulga informações sobre investigações em andamento, mas não há citação de nenhuma apuração envolvendo este tema. A Polícia Civil do Rio de Janeiro e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) não se manifestaram.

Em entrevista ao Comprova, o autor do vídeo que viralizou nas redes sociais, Anthony Ferrari Penza, que vive em Cabo Frio, disse que pode confirmar suas “denúncias” com relatos de pessoas que buscaram atendimento médico. “Eu tenho provas disso, eu coloco cem pessoas para falar”, declarou Penza – sem apresentar nenhum documento.

Como verificamos?

O Comprova procurou o Ministério da Saúde e a Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro para saber quanto a União repassou ao estado para o combate à covid-19. Também questionou aos órgãos sobre os critérios usados para definir o valor repassado aos estados.

O Comprova procurou ainda o Ministério Público Federal (MPF), a Polícia Federal (PF), o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) e a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro para saber se há alguma investigação, concluída ou em andamento, sobre possíveis fraudes no registro de óbitos causados pela covid-19.

Também levantamos informações sobre Anthony Ferrari Penza, autor do vídeo. A partir de dados de sua página no Facebook, o Comprova confirmou por e-mail com a Universidade Veiga de Almeida que ele é formado em Enfermagem. Também por e-mail, o Comprova checou com o Conselho Regional de Enfermagem (Coren) do Rio de Janeiro que ele possui registro profissional. Descobriu ainda com o Coren e com o Conselho Federal de Enfermagem que Anthony tem “diversas denúncias” nas ouvidorias dos dois órgãos e que há um processo administrativo para apurar infrações.

Por fim, o Comprova entrou em contato com o autor do vídeo. Fez uma entrevista de 44 minutos e, no dia seguinte, voltou a conversar com o enfermeiro via WhatsApp.

Verificação

No vídeo, Penza afirma que governos estaduais e municipais estão lucrando a cada registro de óbito por covid-19. Ele também diz que 60% das pessoas mortas pelo novo coronavírus “não morreram de covid; morreram por estarem assustadas, morreram por causa da corrupção, morreram porque muitos falaram ‘fique nas casas'”. De acordo com as afirmações do enfermeiro, “existia e existe ainda venda de mortos pelo (sic) covid-19”.

As afirmações, no entanto, não são verdadeiras. Segundo o Ministério da Saúde, os valores repassados a estados e municípios para o combate à pandemia não são definidos de acordo com o número de mortos.

A Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro foi procurada por e-mail no dia 15 de junho. Depois, foi contactada por telefone nos dias 16, 17, 18 e 19 de junho. Mas não respondeu até o fechamento dessa verificação.

Óbitos

O Rio de Janeiro registrou 8.875 mortes causadas pelo novo coronavírus até o dia 22 de junho. Segundo uma nota técnica divulgada pelo Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) no dia 27 de março, os médicos devem incluir a covid-19 como causa da morte na Declaração de Óbito dos pacientes quando a vítima tiver testado positivo para o vírus SARS-CoV-2. “Se a morte ocorrer antes do resultado de exames confirmatórios para COVID-19, recomenda-se ao (à) Médico (a) registrar COVID-19 (suspeito)”, orienta o documento. Nesses casos, a confirmação ou descarte ficará sob responsabilidade das secretarias municipais e estaduais de Saúde.

Por e-mail, o Ministério Público Federal declarou que não há investigações relacionadas a fraude no registro de óbitos pela covid-19 no Rio de Janeiro. A Polícia Federal informou que não divulga informação sobre investigações. O Ministério Público Estadual e a Polícia Civil não responderam ao Comprova.

Quem é Anthony Ferarri Penza

Nascido no Rio de Janeiro, Anthony Ferarri Penza se formou em Enfermagem em 2014, na Universidade Veiga de Almeida, na mesma localidade. Ele diz trabalhar em hospitais de Cabo Frio, mas, na entrevista feita pelo Comprova por telefone, não disse quais são as instituições em que atua. Antes da graduação em Enfermagem, Anthony foi dono de um jornal, o “Diário Cabofriense”, que diz ter vendido “em 2012 ou 2013”.

Politicamente, Penza diz que não é nem de direita, nem de esquerda, mas, nos vídeos, costuma destacar “políticos de esquerda” e chamá-los de canalhas.

No jaleco que usa nas gravações, há a inscrição “Doutor Anthony Ferreira Enfermeiro”. Nos comentários do vídeo, alguns internautas questionam o uso do título “doutor”, mas a Resolução 256/2001 do Conselho Federal de Enfermagem autoriza tal utilização por enfermeiros.

No início da pandemia, em 17 de março, ele postou um vídeo pedindo que as pessoas ficassem em casa. Ele afirmava: “Pelo amor de Deus, desculpa o meu desespero, mas é importante que eu fale isso porque nós não temos condições de atender os pacientes normais, quanto mais atender essa epidemia, ou melhor, pandemia de coronavírus”. E continuava a gravação dizendo que Cabo Frio poderia vir a ter uma “carnificina de coronavírus”. Ao ser questionado pelo Comprova sobre a mudança de postura em relação ao isolamento, Penza respondeu: “Ali era importante. Não sabemos como vai ser o vírus no Brasil e como o Brasil vai se comportar. Tanto que no Brasil como é que se comportaram estados e municípios? Apenas com corrupção”.

Vídeos

O enfermeiro contou na entrevista ao Comprova que faz o que define como “vídeos de revolta” há quatro anos. Possui um canal no YouTube desde março do ano passado. O primeiro vídeo tem 245 visualizações e o mais recente, de 11 de junho, alcançou 6.040 views. Penza disse que quem criou o canal foi sua mulher e já pediu que ela o cancelasse, por não saber mexer no site. A plataforma que ele mais utiliza para divulgar as gravações é o Facebook.

Denúncias contra o enfermeiro

Entre os comentários nos vídeos postados na página de Penza no Facebook, alguns são de usuários que questionam a veracidade do conteúdo e falam em denunciar o enfermeiro. Procurado, o Conselho Federal de Enfermagem afirmou ao Comprova, por e-mail, ter recebido “diversas denúncias” contra Anthony e que foi instaurado um processo administrativo para apurá-las no Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais. Quando o material aborda assuntos relacionados à covid-19, a verificação se torna ainda mais importante, pois coloca a saúde das pessoas em risco. O vídeo checado pelo Comprova tinha mais de 8.646 visualizações no YouTube até a publicação desta investigação e alcançou mais de 99 mil compartilhamentos no Facebook até o dia 22 de junho, quando foi apagado por Penza.

Temas relacionados ao novo coronavírus têm sido usados politicamente, seja para reforçar narrativas ou desacreditar recomendações de cientistas, entre outras razões. Embora o autor do vídeo se defina como “apolítico, nem de direita, nem de esquerda”, a gravação segue a linha de outros conteúdos que se alinham ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que vê os governos estaduais e municipais como alvo preferencial na crise política e econômica causada pela pandemia do novo coronavírus.

Ao afirmar ainda que pessoas morreram “porque muitos falaram ‘fique nas casas'”, Penza trata a orientação de distanciamento social como um erro que teria causado mortes. Além disso, faz acreditar que não é preciso seguir a recomendação de distanciamento em um país que, até 22 de junho, havia perdido mais de 50 mil vidas para o vírus.

Falso, para o Comprova, é todo o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

O site Aos Fatos fez uma verificação sobre o mesmo vídeo em 19 de junho e também o classificou como falso.

Saúde

Investigado por: 2020-06-19

Uso da cloroquina não explica a situação da pandemia no Senegal

  • Enganoso
Enganoso
Post verificado pelo Comprova selecionou e tirou de contexto trechos de entrevista em que um médico senegalês elogia a cloroquina e omite as partes em que ele fala que o sucesso no combate à pandemia no Senegal se devia a vários pontos, como distanciamento social, uso de máscara e fechamento das fronteiras, e não apenas ao uso da hidroxicloroquina
  • Conteúdo verificado: Publicação feita pelo site PlenoNews no dia 21 de abril com o título “Senegal usa cloroquina desde 1º caso e tem apenas 5 mortes”. A matéria foi compartilhada pelo pastor e deputado federal Marcos Feliciano no dia 16 de junho

Uma publicação do site PlenoNews circula nas redes sociais afirmando que o Senegal teria usado cloroquina desde o primeiro caso de covid-19 e, por isso, teria apenas cinco óbitos e uma taxa de mortes por milhão menor que a da Coreia do Sul até o dia 21 de abril. O post viralizou após compartilhamento, no dia 16 de junho, pelo pastor e deputado federal Marco Feliciano (Republicanos-SP). O texto cita como fonte uma entrevista do médico senegalês Moussa Seydi para a revista francesa Marianne.

O post é enganoso porque selecionou e tirou de contexto trechos da entrevista em que o médico elogia a cloroquina. Na mesma entrevista, Seydi afirma, no entanto, que a explicação para o, até então, sucesso no combate à pandemia no Senegal se devia a vários pontos, como distanciamento social, uso de máscara e fechamento das fronteiras, e não apenas ao uso do medicamento hidroxicloroquina.

Na mesma entrevista, o médico senegalês defendeu estudos clínicos com a droga que estavam sendo realizados à época. “Se eles [os resultados] forem confirmados a longo prazo, tanto melhor, continuaremos. Caso contrário, vamos parar”, afirmou sobre os testes Solidariedade, da OMS, e o Discovery, da União Europeia. De acordo com a OMS, os dois testes já mostraram que a hidroxicloroquina não apresenta redução na mortalidade.

Além disso, no momento em que a publicação voltou a ganhar destaque com o compartilhamento de Marco Feliciano, em 16 de junho, os números da pandemia no Senegal já não eram os mesmos do texto original, de 21 de abril. Naquela data, o Senegal tinha 377 casos confirmados e um total de cinco óbitos. Já em 16 de junho, o país africano passou para 5.090 casos confirmados e total de 60 mortes. Aumento de aproximadamente 1.250% no número de casos e de 1.100% na quantidade de óbitos.

Como verificamos?

O primeiro passo foi procurar a entrevista original. Com uma busca simples no Google, foi possível encontrar o texto, publicado em 17 de abril de 2020 no site da revista francesa Marianne.

Em seguida, tentamos descobrir se o entrevistado realmente era médico. Para isso, fizemos pesquisas no Google e encontramos diversas reportagens com Seydi publicadas em diversos meios de comunicação, como a France24 e o The Africa Report. Também encontramos uma entrevista concedida pelo médico para o Ministério da Saúde do Senegal.

Ao mesmo tempo, procuramos Moussa Seydi no Facebook e no LinkedIn. Lá concluímos que ele é coordenador no Centre Hospitalier National Universitaire de Fann, nas proximidades da capital do país, Dakar. Entramos em contato com um jornalista senegalês, que nos confirmou que Seydi comanda a resposta à pandemia no país. Esse jornalista nos passou o contato de Seydi e pudemos conversar com ele por WhatsApp.

Após entrar em contato com o médico, confirmamos os dados de contaminações e óbitos nos dois países citados na matéria do site brasileiro: Senegal e Coreia do Sul. Consultamos as bases de dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Universidade Johns Hopkins porque ambas são referência no assunto.

Com base na entrevista de Seydi para a revista Marianne, fomos atrás dos estudos Solidariedade e Discovery, citados pelo médico para saber qual o status e a qual conclusão teriam chegado.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 19 de junho de 2020.

Verificação

A entrevista original, concedida à revista Marianne é verdadeira. Contudo, a publicação brasileira analisada pelo Comprova selecionou apenas trechos desta entrevista nos quais o médico faz elogios à hidroxicloroquina. Assim, a publicação é enganosa porque não incluiu as partes da entrevista em que o médico expõe outras medidas adotadas pelo Senegal para o combate à pandemia, como o isolamento social, e tampouco as partes em que ele fala sobre a necessidade de mais testes clínicos para avaliar a eficácia do medicamento.

Questionado sobre os números baixos de mortos e casos, Seydi disse: “A explicação pode conter vários pontos. Primeiro, houve fortes medidas desde o início para fechar as fronteiras, o que impediu a proliferação de casos importados de covid-19. A proibição de grandes reuniões, como as orações de sexta-feira, também nos permitiu reduzir imediatamente o fluxo de novos casos.”

Ele ainda citou que a população senegalesa é jovem e, por isso, seriam poucos os pacientes em estado grave. “No entanto, temos preocupações com a multiplicação de casos comunitários. Esse é um perigo iminente que deve ser cuidadosamente monitorado”, acrescentou.

Uso da hidroxicloroquina

Na mesma entrevista, o médico defendeu o uso da hidroxicloroquina. “Em 19 de março, implementamos um protocolo de tratamento para os pacientes menos graves com tratamento com hidroxicloroquina. Tratamento em que, no momento, observo bons resultados em relação à redução da carga viral.”

Seydi é defensor da hidroxicloroquina. Segundo ele, o medicamento já era amplamente conhecido no país porque é utilizado para tratar a malária, doença com grande incidência no continente africano. “Tenho um produto em minhas mãos que não considero perigoso para meus pacientes. E eu posso usá-lo para tratar os doentes em caso de emergência, então eu uso. Tudo deve ser feito para que a luta contra a epidemia seja bem-sucedida.”

O antimalárico entrou no debate da pandemia após o cientista francês Didier Raoult publicar um estudo no qual afirmava que ele curaria a covid-19. Raoult cresceu em Dakar, capital do Senegal, e atualmente comanda um centro de pesquisas em Marselha, na França. Conhecido por sua heterodoxia, ele é crítico do meio científico e coleciona polêmicas. Entre elas, seu estudo com a hidroxicloroquina. Após ser publicado, outros especialistas franceses o criticaram pelo baixo número de pacientes – 36, dos quais apenas 20 foram tratados com o medicamento.

O estudo de Didier Raoult inicialmente contava com 26 pacientes tratados com a hidroxicloroquina. Os seis restantes foram retirados do relatório final porque interromperam o tratamento: um por sentir náuseas, três por terem ido para a UTI, um morreu e outro deixou de comparecer ao hospital. Dentre os 16 pacientes que não tomaram a droga, 14 testaram positivo para o vírus ao final do período de seis dias – embora o relatório inicial diga que cinco deles não tiveram seus dados coletados.

Além disso, o estudo tinha discrepâncias como a idade dos participantes e pacientes que foram tratados fora do hospital de Didier, onde o protocolo de atendimento pode ter sido diferente. Por fim, um dos pacientes tratado com a combinação hidroxicloroquina + azitromicina foi dado como curado, mas na verdade continuava com a doença.

“Este estudo tem falhas e imperfeições, mas achei seus resultados interessantes”, disse o senegalês Seydi à Marianne. Ele falou que o estudo do francês tem problemas, mas que outros estudos que o contestaram também tinham. Por isso, seria preciso esperar o resultado de outros testes, mais abrangentes, para saber o real benefício da hidroxicloroquina. Seydi cita os estudos Solidarity, da OMS, e o Discovery, da União Europeia. “Estes serão estudos certamente mais bem documentados. Isso nos permitirá questionar nossas atitudes e, assim, julgar se elas são condenáveis ​​a nível científico.”

Estudos não encontraram efeito positivo da hidroxicloroquina

“Se eles [os resultados] forem confirmados a longo prazo, tanto melhor, continuaremos. Caso contrário, vamos parar”, afirmou o médico senegalês em abril. Desde então, o projeto Solidariedade anunciou que os testes com a hidroxicloroquina foram suspensos porque não foram encontradas evidências de eficácia. De acordo com a OMS, os dados do próprio Estudo Solidariedade, do projeto Recovery, do Reino Unido, e também do projeto Discovery — que foi citado por Seydi — mostraram que o tratamento com a hidroxicloroquina não apresentava redução na mortalidade dos pacientes.

Ao ser questionado pelo Comprova em relação aos estudos, Seydi afirmou que nem o Solidariedade, nem o Discovery utilizaram o protocolo proposto pelo médico Didier Raoult. Seydi enviou um link de uma entrevista que ele concedeu ao site senegalês Dakaractu afirmando que o uso da hidroxicloroquina em conjunto com o antibiótico azitromicina poderia diminuir o tempo de internamento de 13 para 10 dias. “Por enquanto, vamos utilizar apenas os nossos estudos. Nós também vamos começar um ensaio clínico randomizado próprio”, disse Seydi.

Números da infecção

A publicação original, feita no dia 21 de abril, afirmava que o Senegal tinha registrado apenas 5 óbitos – o que resultaria em uma mortalidade de 0,3 a cada 1 milhão de habitantes. O texto comparava esse número aos da Coreia do Sul, afirmando que os sul-coreanos teriam cinco mortes a cada 1 milhão de habitantes.

Os dados da Organização Mundial da Saúde mostram que, em 21 de abril, o Senegal realmente tinha registrado apenas cinco óbitos e, considerando a população de 15,8 milhões de habitantes, tinha 0,3 mortes a cada 1 milhão de habitantes. Já a Coreia do Sul, com sua população de 51,6 milhões de habitantes, tinha 237 mortes, uma taxa de 4,6 mortes a cada 1 milhão de habitantes.

Até então, os números da publicação estavam corretos. No entanto, é importante ressaltar, também, que a pandemia do novo coronavírus começou em momentos diferentes nos dois países. A Coreia do Sul registrou o primeiro caso no dia 20 de janeiro, enquanto o Senegal só registrou a primeira infecção 42 dias depois, em 2 de março. Essa diferença ajuda a explicar a diferença entre os números.

Mesmo assim, o texto voltou a ganhar destaque depois que foi compartilhado pelo pastor e deputado federal Marco Feliciano no dia 16 de junho. Nessa data, 25 dias depois da publicação original, o Senegal já tinha registrado um aumento de mais de 1.100% no número de casos e de óbitos pela covid-19 – chegando a 5 mil casos e 60 mortes. Esses valores mostram que o país tinha 32 casos e 3,8 mortes a cada 1 milhão de habitantes.

Já a Coreia do Sul, também até o dia 16 de junho, teve um aumento de apenas 13,7% nos casos e 17% dos óbitos – chegando a 12.155 confirmados e 278 mortes no total. Isso significa que o país tinha 23 casos e 5,3 mortes a cada 1 milhão de habitantes. Entre os dias 21 de abril e 16 de junho, a evolução da doença no país africano foi muito mais expressiva do que no país asiático.

Para obter o número de mortes por milhão de habitantes, basta dividir o número de óbitos pela quantidade de habitantes e, depois, multiplicar o resultado por 1 milhão.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos sugeridos pelos leitores que tenham muita viralização. O texto investigado aqui, que também já foi checado pelo Boatos.org, teve, de acordo com a ferramenta de monitoramento CrowdTangle, quase 700 mil interações no Facebook, número impulsionado pelo compartilhamento feito pelo deputado Marco Feliciano.

No caso da pandemia causada pelo novo coronavírus, os conteúdos falsos e enganosos prejudicam o debate público, atrapalham os esforços de autoridades no assunto e, no limite, podem provocar danos a quem seguir determinadas recomendações.

Enganoso para o Comprova é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado, que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor. Pode ser, também, o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Desde o início da pandemia, esta é a oitava verificação envolvendo a hidroxicloroquina, medicamento cujo uso contra a covid-19 foi politizado após manifestações do presidente Jair Bolsonaro e do presidente dos EUA, Donald Trump, em favor de sua utilização. Trump afirmou, inclusive, que tomou hidroxicloroquina. Até o momento, não existem evidências científicas robustas que comprovem a eficácia no tratamento da covid-19.

Neste contexto, o Comprova verificou, por exemplo, postagens que enganavam a respeito do uso da droga em um hospital do Piauí e outro que confundia ao acusar cientistas brasileiros de deliberadamente usarem doses letais de cloroquina em testes para prejudicar o governo.

Saúde

Investigado por: 2020-06-19

Vídeo engana ao afirmar que vírus da covid-19 existe desde 2003

  • Enganoso
Enganoso
Vídeo mostra reportagem da revista "Saúde É Vital" de 2003, que trata do vírus que causou o surto da Síndrome Respiratória Aguda Severa (Sars, na sigla em inglês) há 17 anos – e não do Sars-Cov-2, ou novo coronavírus, que causa a covid-19
  • Conteúdo verificado: Um vídeo publicado no YouTube com o título “Ainda não dá para respirar aliviado”.

É enganoso o vídeo que circula nas redes sociais com a afirmação de que o vírus que provoca a covid-19 existe desde o início dos anos 2000. O autor da gravação, que viralizou a partir de uma repostagem no YouTube do dia 22 de março, mostra a capa e as páginas de uma reportagem da revista “Saúde É Vital” de 2003. Diferentemente do que a pessoa diz, a matéria, com o título “Ainda não dá para respirar aliviado”, trata do vírus que causou o surto da Síndrome Respiratória Aguda Severa (Sars, na sigla em inglês) há 17 anos – e não do Sars-Cov-2, ou novo coronavírus, que causa a covid-19.

Em março, logo depois que o vídeo viralizou pela primeira vez, o portal “Veja Saúde”, lançado em maio a partir da união das revistas “Saúde É Vital” (que não circula mais) e “Veja”, da editora Abril, publicou um comunicado em que esclarece o erro. A mensagem ainda afirma que o vídeo “pode levar a conclusões erradas”.

O Comprova conversou, por telefone, com Luiz Claudio Rocha de Carvalho, divulgador musical conhecido como Lula Zeppeliano. Foi a partir da repostagem que ele fez do vídeo que o conteúdo viralizou pela segunda vez. À época, Carvalho foi avisado sobre o material enganoso e achou que tivesse retirado o vídeo do ar. Logo após a entrevista com o Comprova, ele retirou o post de sua página no YouTube.

Como verificamos?

O Comprova utilizou a ferramenta CrowdTangle, que avalia desempenho de postagens em redes sociais, para ver quantas vezes o vídeo do canal havia sido replicado no Facebook. O mesmo procedimento foi aplicado ao TweetDeck, que permite buscas mais amplas dentro do Twitter.

Além disso, também pesquisamos nas plataformas se o vídeo havia sido publicado de forma independente, ou seja, em outras páginas sem o link para o canal de Lula Zeppeliano — assim, conseguimos levantar que todas as postagens foram feitas após a divulgação no Youtube.

Uma rápida busca no Google levou o Comprova a encontrar uma publicação da editora Abril esclarecendo sobre a viralização da reportagem “Ainda não dá para respirar aliviado”, da revista “Saúde É Vital”, publicada em 2003 sobre o surto da Sars, doença causada por um vírus da família dos coronavírus.

Assistindo a vídeos do canal de Zeppeliano, reparamos que a voz dele não era compatível com a narração do vídeo que apresenta a reportagem de 17 anos atrás. Assim, percebemos que ele poderia não ser o autor original do conteúdo. Entramos em contato por meio de redes sociais e fizemos uma entrevista por telefone, em 19 de junho, questionando onde obteve o vídeo.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 19 de junho de 2020.

Verificação

O autor da postagem no Youtube apresentava o vídeo apenas no canal, sem divulgação em outras redes sociais como Twitter, Facebook e Instagram — as duas primeiras registraram viralização mais expressiva do conteúdo. Apesar do tom de denúncia das postagens, diversos comentários alertavam para o fato de o nome coronavírus se referir a uma família de agentes virais e não ao específico que causa a covid-19.

Outras mensagens adotaram tom conspiratório. Em uma das postagens que replicou o vídeo, o autor de uma página do Facebook escreveu: “Novo vírus Chines é bem Velho é de 2003 e mídia esconde. Reportagem da Revista Saúde de 2003 prova que a Mídia está manipulando e enganaNdo o mundo. A OMS Organização Mundial de Saúde” [sic].

Nessa publicação, o vídeo original é apresentado com a seguinte legenda: “A mega fraude. ONU, OMS e mídia mentem sobre o ‘novo vírus chinês’. Corona é de 2003”. Nos comentários, um internauta alerta para o fato de a informação ter sido desmentida pela própria revista “Saúde É Vital”.

Revista diz que vídeo leva a conclusões erradas

No site oficial da revista “Saúde É Vital”, da editora Abril, não é possível encontrar edições anteriores a 2015. Contudo, o vídeo postado no Youtube permite leitura parcial do conteúdo. No primeiro parágrafo é possível entender que o coronavírus descrito na matéria intitulada “Ainda não dá para respirar aliviado” é o que provoca a Síndrome Respiratória Aguda Severa, a Sars (sigla em inglês).

Na reportagem, a doença é tratada como “pneumonia asiática”. O texto debate a possibilidade da chegada da Sars no Brasil, o que poderia, segundo especialistas ouvidos, provocar surtos nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e de São Paulo.

A segunda página da matéria tem um box sobre uma imagem do mapa-mundi e dicas de especialistas para “escapar da doença”. Como é comum no caso de infecções virais, a principal recomendação era manter hábitos de higiene. Também era aconselhado usar máscaras e evitar locais de grande aglomeração.

A editora Abril publicou um texto em março deste ano no qual esclarece que o vídeo em que um homem filma a reportagem de uma edição de 2003, e insinua se tratar da covid-19, “pode levar a conclusões erradas”.

O texto, segundo a revista, discute as ameaças de um tipo específico do coronavírus diferente do que provoca a pandemia em 2020. O veículo reforça que o agente infeccioso debatido no texto é o que causou o surto de Sars, ou Síndrome Respiratória Aguda Severa, há 17 anos. Ou seja, diferente do mais novo tipo de coronavírus, o Sars-Cov-2, que causa a covid-19.

Ao contrário do surto da Sars de 2003, a covid-19, descoberta em dezembro passado, se espalhou por todo o mundo. A publicação ressalta que a família dos coronavírus é conhecida desde meados de 1960, e que os vírus são diferentes entre si.

O post que mais viralizou

Foi a partir da postagem de Luiz Claudio Rocha de Carvalho, conhecido como Lula Zeppeliano, que o vídeo viralizou – só a publicação dele teve mais de 10,5 mil visualizações e foi ela que repercutiu no Twitter e no Facebook.

O Comprova conseguiu o telefone do divulgador cultural ao trocar mensagens diretas com ele por Facebook e Instagram. Na entrevista, contou que havia sido avisado sobre o conteúdo do vídeo ser falso e achou que o tivesse retirado do ar.

Inicialmente, Carvalho afirmou que não se lembrava de quem tinha passado o vídeo para ele e disse não saber quem é o autor. Depois, afirmou que acredita ter recebido o conteúdo de algum apoiador do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com quem mantinha contato no Facebook. “Não estou lembrando agora, acho que foi até uma pessoa que eu bloqueei”, disse ele, que se define como contrário a governo. “Minha preocupação é sempre desmentir, mas eu dei mole [com o vídeo em questão]. Eu reposto [conteúdos] e tenho cautela, mas, às vezes, né?”.

Após as conversas, Carvalho apagou o vídeo de sua página.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos que apresentam grande alcance nas redes sociais. É o caso deste vídeo. Até 19 de junho, data de publicação dessa verificação, o vídeo do canal teve 10,5 mil visualizações no Youtube — na mesma data, a postagem foi retirada do ar. Segundo o CrowdTangle, o link para o conteúdo original possui 271 interações e 320 compartilhamentos no Facebook, entre posts públicos e privados.

O vídeo também viralizou ao ser publicado diretamente em outras redes — ou seja, sem acesso direto ao Youtube. As postagens no Twitter somaram 3.486 visualizações, 163 compartilhamentos e 248 curtidas. No Facebook, os posts tiveram 3.021 visualizações e 150 interações, entre publicações feitas por perfis, páginas e grupos.

Enganoso para o Comprova é quando um conteúdo é retirado de seu contexto original e utilizado de forma a modificar seu significado, induzindo a uma interpretação equivocada.

O vídeo é perigoso porque infere que o coronavírus citado na revista de 2003 é o mesmo que ocasiona a pandemia atual, sendo compartilhado em outras postagens que acusam órgãos de saúde de mentirem sobre a doença. A própria revista Saúde se manifestou a respeito do caso, que também foi investigado pelo Boatos.org.

Desde a confirmação dos primeiros diagnósticos de covid-19 na China, em dezembro passado, circulam narrativas de que o vírus é fruto de adulteração em laboratório ou mesmo de não causar uma nova doença, minimizando seus riscos.

O Comprova já investigou boato de que o vencedor do Nobel de Medicina teria dito que o novo coronavírus foi desenvolvido em laboratório — afirmação desmentida pelo próprio médico. Também já mostramos que uma reportagem da TV italiana RAI sobre vírus criado em laboratório chinês não tinha correlação com a pandemia de covid-19.

Outro vídeo checado pelo Comprova acusava a Organização Mundial de Saúde de manipulação, mostrando imagens de aglomerações em Genebra, na Suíça, onde fica a sede do órgão; a pandemia, lá, está sob controle após oito semanas de medidas restritivas de isolamento.

Saúde

Investigado por: 2020-06-17

Tabela com risco de transmissão de covid-19 não foi divulgada por governo americano

  • Enganoso
Enganoso
Post associa tabela a um link para o Center for Disease Control and Prevention (CDC), em inglês, mas nenhuma das informações que aparece na tabela está no texto publicado pelo órgão de saúde norte-americano. Pesquisadores alertam que ainda não há estudos suficientes para embasar o tipo de conclusão da postagem
  • Conteúdo verificado: publicação compartilhada pelo WhatsApp e em páginas de Facebook com o texto “O Center for Disease Control do governo dos EUA oficializou as evidências científicas emergentes sobre a transmissão do coronavírus”.

Um texto que circula nas redes sociais alega que um órgão do governo federal norte-americano, o Center for Disease Control and Prevention (CDC) [Centro para Controle e Prevenção de Doenças em português] , listou circunstâncias e ambientes com uma escala de risco de transmissão do novo coronavírus.

O post é enganoso ao associar a tabela a um link do CDC, em inglês. Nenhuma das informações que aparece na tabela está no texto publicado pelo órgão de saúde norte-americano.

O texto também engana o leitor porque dá a entender que há uma referência categórica na avaliação de risco de determinadas ocasiões sociais, como casamentos. Para isso, o texto usa como referência a medição de “partículas virais” de SARS-CoV-2, o novo coronavírus. Mas pesquisadores alertam que ainda não há estudos suficientes para embasar esse tipo de conclusão.

Como verificamos?

A equipe do Comprova acessou o site oficial do CDC — órgão do governo federal norte-americano responsável por orientações para a população durante a pandemia de covid-19. Buscamos a tabela que viralizou e informações semelhantes. Também consultamos o biólogo Luiz Almeida, do conselho editorial da revista Questão de Ciência — publicação digital de divulgação científica —, para avaliar a razoabilidade das informações.

Usamos sites de busca para encontrar textos com conteúdo similar ao da tabela. A pesquisa foi feita em português e em inglês. Com isso, chegamos a um post no blog do professor de Biologia Erin Bromage, da University of Massachusetts Dartmouth. Nele, Bromage explica os riscos de infecção pelo novo coronavírus em diversos ambientes e a carga viral dispersada ao respirar, falar, espirrar e tossir. Encontramos entrevistas nas quais ele explica que criou o blog para ajudar a esclarecer dúvidas de amigos e parentes e o conteúdo acabou viralizando. Entramos em contato com Bromage por e-mail e por mensagens diretas no Twitter. Ele confirmou que recebeu as perguntas e disse que iria retornar. Mas até o fechamento desta verificação, no final da quarta-feira, 17, a resposta não havia chegado.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 17 de junho de 2020.

Verificação

O CDC afirma que a principal forma de contágio é de um indivíduo para o outro. O site do órgão esclarece que o risco é maior entre pessoas que estão a menos de 1,8 metro de distância, pelas gotículas de saliva dispersadas quando uma pessoa infectada fala, espirra ou tosse. Essas gotas podem atingir uma pessoa saudável e carregar partículas do SARS-CoV-2 para os pulmões. O CDC ainda alerta que pessoas assintomáticas podem transmitir o novo coronavírus. De acordo com o site oficial do órgão de saúde, quanto maior a proximidade e o tempo de contato entre as pessoas, maior o risco. O CDC explica que o contágio por meio de superfícies contaminadas é possível, embora mais raro.

Por isso, a recomendação é: manter distanciamento social, lavar as mãos com água e sabão ou limpá-las com álcool em gel, limpar superfícies e objetos frequentemente tocados e cobrir nariz e boca com tecido (ou seja, máscaras) quando a pessoa estiver em lugares públicos. Mas o CDC não fala em números de partículas virais necessárias para o contágio e nem divulgou uma tabela com essas informações.

O texto do site do CDC possui uma marca de conteúdo revisado no último dia 16. O órgão justifica que editou o material da página para “fornecer mais clareza a todos os tipos de público”. E alega que a mudança desta semana pretendia facilitar a leitura e não era resultado “de nenhuma ciência nova”.

Ao que parece, as informações da lista que viralizou na internet brasileira vieram de um post no blog do professor universitário Erin Bromage. O biólogo é formado, tem mestrado e doutorado pela James Cook University, na Austrália e, atualmente, trabalha como professor associado do Departamento de Biologia da da University of Massachusetts Dartmouth, nos EUA. Ele não é ligado ao CDC. Em uma entrevista para a CNN norte-americana, Bromage contou que criou o blog para “dar conselhos tangíveis para amigos e familiares sobre os riscos [de contágio] com que deviam se preocupar e o que era desperdício de energia mental”.

O post do professor, em inglês, foi publicado em 6 de maio e atualizado no dia 20 do mesmo mês. Até o dia 17 de junho a publicação já tinha sido visualizada por mais de 18 milhões de pessoas em todo o mundo. No texto, Bromage explica que partículas do vírus são dispersadas por pessoas infectadas pela respiração, fala, espirro ou tosse. Ele diz que ainda não há levantamentos sobre quantas partículas são necessárias para provocar o contágio pelo SARS-CoV-2, mas, com base em estudos com outros tipos de coronavírus, estima que cerca de 1.000 partículas virais sejam suficientes para infectar uma pessoa saudável. Não há, porém, consenso sobre essa quantidade. Alguns virologistas acreditam que pode ser até dez vezes menor.

Com isso, Bromage lista quantas partículas se dispersam em diferentes situações. “A emissão de uma partícula viral pela respiração segue essa ordem: falar alto emite menos gotículas [contaminadas] que cantar. Espirro é o que mais emite. quanto mais força para um som deixar a boca, mais partículas são emitidas e maior a distância que elas alcançam”, resume.

O professor alerta que, para a infecção pelo novo coronavírus acontecer, não é preciso inalar mais de 1.000 partículas virais de uma só vez. A exposição continuada também leva ao contágio. Com isso, lista os lugares e situações em que, para ele, há maior risco de infecção, como banheiros públicos e restaurantes. “Depende da concentração de partículas no ar do tempo de exposição. Em lugares amplos com boa ventilação ou ao ar livre, a concentração de vírus é diluída em um volume maior e ar. Quanto menos vírus no ar, mais tempo você pode ficar naquele ambiente antes de se infectar”.

Sobre a transmissão e os estudos conhecidos sobre o tema, a equipe do Comprova conversou por mensagens com o biólogo Luiz Almeida, do conselho editorial da revista “Questão de Ciência”. Ele afirmou que “a transmissão é muito mais efetiva pelo ar; não importa se o ambiente é aberto ou fechado, o que vai importar são as pessoas ao seu lado, se alguma delas tem o seu vírus”. Mas não corroborou os cálculos apresentados na tabela: “Não é verdade que conseguimos concluir neste momento que há um risco maior em ambientes fechados”.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos que apresentam informações suspeitas sobre a pandemia do novo coronavírus e alcançam um grande número de pessoas nas redes sociais. É o caso do texto investigado aqui, sugerido por leitores que o receberam pelo WhatsApp. Até o dia 17 de junho, o conteúdo teve mais de mil compartilhamentos em ao menos dez publicações no Facebook. A tabela também apareceu em outras plataformas, mas com muito menos alcance. As postagens mais populares tiveram 530 interações no Twitter e apenas 12 curtidas no Instagram até o dia 17.

O Comprova colocou o conteúdo em suspeição porque o post associa a tabela a um link do CDC, em inglês, e nenhuma das informações que aparece na tabela está no texto publicado pelo órgão de saúde norte-americano.

Além disso, como não há ainda vacina e nem medicamento eficiente para combater o novo coronavírus, as medidas de prevenção mais eficientes são não-farmacológicas, como uso de máscaras e o distanciamento social.

Desde abril deste ano vários estados e municípios brasileiros tornaram obrigatório o uso de máscaras de proteção em ambientes públicos, seguindo recomendação do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em meio à polarização política que envolve todos os temas relacionados à covid-19, o uso da máscara virou quase um posicionamento político. O presidente Jair Bolsonaro já foi flagrado sem o acessório em mais de uma ocasião e, no 15 de junho, o ministro a Educação, Abraham Weintraub, foi multado pelo governo do Distrito Federal por participar de uma manifestação sem máscara. Boatos sobre máscaras contaminadas foram desmentidos pelo Comprova.

Outra fonte de discussão é o distanciamento social. A reabertura do comércio e a retomada das atividades econômicas estão no centro do debate desde que os primeiros casos de covid-19 foram confirmados no Brasil. Enquanto o presidente Jair Bolsonaro insiste em diminuir a gravidade da pandemia, estados e municípios colocaram em vigor medidas de isolamento e, alguns casos, lockdown. Nas últimas semanas, algumas das maiores cidades do Brasil — como São Paulo e Rio de Janeiro — começaram a flexibilização do isolamento social, o que indica maior probabilidade de contato entre pessoas contaminadas e não contaminadas pela covid-19. Isso assusta a população que busca formas de evitar o contágio. Com isso, publicações como a tabela verificada ganham fôlego.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano. O conteúdo investigado é enganoso porque distorce recomendações de autoridades sobre a transmissibilidade da covid-19.

O site Boatos.org também verificou esse conteúdo.

 

Saúde

Investigado por: 2020-06-17

Parceria para vacina contra a covid-19 não foi firmada por Doria no ano passado

  • Falso
Falso
Vídeo distorce declarações do governador de São Paulo em entrevista; acordo entre Instituto Butantan e laboratório chinês Sinovac Biotech foi assinado em 10 de junho de 2020
  • Conteúdo verificado: Vídeo publicado no YouTube no dia 12 de junho com o título “Dória negociou vacina chinesa antes do vírus chegar ao Brasil”

Vídeo postado no YouTube distorce declarações do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), ao apontar que ele teria negociado a vacina contra o novo coronavírus antes do início da pandemia.

Segundo o vídeo, Doria teria “confessado” que o acordo entre o Instituto Butantan e o laboratório chinês Sinovac Biotech para testes na produção de vacina contra a covid-19, anunciado na semana passada, começou a ser discutido em agosto de 2019, quando ainda não havia registro da doença. Os primeiros casos do novo coronavírus na China foram registrados em dezembro. Um dos letreiros no vídeo diz: “Doria visitou a China em agosto do ano passado. O vírus só chegou ao Brasil no final do mês de janeiro de 2020”. Já na legenda, o perfil acrescenta: “Essa é mais uma prova de que tudo foi orquestrado”.

No entanto, o conteúdo original mostra que, em nenhum momento, Doria afirmou que a assinatura do acordo ocorreu no ano passado. O governador fez apenas uma referência à Missão China, não relacionada à pandemia da covid-19, realizada em agosto, quando uma comitiva do Instituto Butantan visitou a sede da Sinovac, entre outros compromissos.

Como verificamos?

O Comprova buscou as declarações originais de João Doria e encontrou o conteúdo publicado na página do governo do estado de São Paulo no YouTube. A transmissão foi feita ao vivo, no dia 11 de junho de 2020, e mostra entrevista de autoridades a jornalistas. Os trechos podem ser vistos a partir de 10 minutos e 30 segundos de vídeo.

A reportagem entrou em contato com o Instituto Butantan e o governo de São Paulo para entender a relação entre o contrato de parceria para testes da vacina com a Sinovac e a missão empresarial paulista à China em agosto de 2019.

O governo de São Paulo e o instituto de pesquisa afirmaram que a assinatura do contrato foi feita em 10 de junho de 2020, um dia antes da coletiva. O Butantan também informou que as tratativas sobre o desenvolvimento da vacina contra a covid-19 começaram somente em abril deste ano. No entanto, o acesso ao documento foi declinado por “questões de compliance”.

Ao buscar o termo “Sinovac” no Diário Oficial do Estado de São Paulo, a reportagem encontrou apenas a publicação de um acordo de confidencialidade entre o laboratório e a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), assinado em 12 de maio de 2020 e publicado no DiO em 5 de junho. Questionada, a instituição de ensino disse que o acordo serviu para dar início a conversas sobre uma eventual participação no estudo, mas que ainda não há nada oficial a respeito.

O Comprova consultou documentos públicos e reportagens para entender a agenda e o contexto da visita empresarial à China em agosto de 2019. Também pesquisou o histórico do laboratório chinês Sinovac e o atual cenário do desenvolvimento de vacinas contra o novo coronavírus, por meio de notícias, publicações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras fontes confiáveis.

Por fim, a Sinovac foi contatada por e-mail na segunda-feira, 15, mas não retornou até o fechamento da verificação.

Verificação

O governador de São Paulo, João Doria, anunciou a parceria entre o Instituto Butantan e a empresa chinesa Sinovac para testes de vacina contra o novo coronavírus no Brasil em entrevista a jornalistas no dia 11 de junho. “Eu, ontem (10 de junho), fui ao Instituto Butantan pessoalmente e, ao lado do doutor Dimas Covas (diretor do Instituto Butantan), assinei o contrato formalizando o acordo com a Sinovac Biotech”, afirmou em evento transmitido ao vivo no canal do governo estadual no YouTube.

A seguir, o governador paulista afirma que mais de 100 vacinas estavam em desenvolvimento no mundo naquela data, mas apenas 10 atingiram a etapa de testes em humanos, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. De fato, publicação no site oficial da OMS, de 9 de junho, aponta que existiam 136 projetos de vacina contra a covid-19 em desenvolvimento e que 11 obtiveram sucesso nos testes pré-clínicos e avançaram a etapa.

Um desses projetos é a CoronaVac, liderada pela Sinovac Biotech. A vacina obteve sucesso em estudo com macacos, publicado na revista Science, e já foi testada em 743 pessoas na China. Segundo o laboratório, “mais de 90% dos voluntários desenvolveram anticorpos, sem a incidência de efeitos colaterais graves”, reporta a Bloomberg. Agora, o estudo “ingressará na fase três, que envolve amostragens populacionais maiores” — nesse caso, 9 mil brasileiros, no próximo mês. A estimativa do governo estadual é de que a vacina seja produzida em larga escala e distribuída pelo Sistema Único de Saúde (SUS) até junho de 2021, caso demonstre eficácia.

Depois de anunciar detalhes da parceria, Doria argumenta que ela foi possível em razão do “apoio e investimento do governo de São Paulo em ciência e tecnologia e também na cooperação internacional e na boa relação com as nações”. É nesse contexto, omitido pelo vídeo falso, que ele declara que o acordo assinado com a Sinovac teve início em agosto de 2019, quando visitou a China. O trecho pode ser visto a partir de 14 minutos de gravação.

Na mesma apresentação, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, questionado sobre a escolha do laboratório entre os projetos em desenvolvimento no mundo, afirma: “Essa parceria com a China, ela já é de longa data, como mencionei, foi fruto dessa visita que nós fizemos à China, nós pessoalmente fomos conhecer a Sinovac. A Sinovac tem interesses, é uma empresa privada, ela tem interesse no codesenvolvimento de outras vacinas com o Butantan, então é uma parceria já estabelecida”. A explicação dada para o acordo com a empresa chinesa foi o estágio de desenvolvimento da vacina e as características de produção, que exigiriam técnicas já executadas pelo Butantan para fornecer vacinas contra a dengue, por exemplo.

Com sede em Pequim, a Sinovac foi responsável pelo desenvolvimento da primeira vacina no mundo contra a H1N1, em 2009.

Visita à China

Em agosto de 2019, uma comitiva de empresários e representantes do governo paulista — incluindo o governador João Doria — esteve na China para a inauguração de um escritório comercial de São Paulo em Xangai; a gestão buscava investimentos externos no estado. Na ocasião, Doria declarou que a viagem se tratava de uma “oportunidade para o Brasil” e chegou a dizer que o país deveria se aproveitar da guerra comercial travada entre a China e os Estados Unidos para abocanhar novos acordos.

Após questionamentos do Comprova, o governo de São Paulo e o Instituto Butantan, em nota conjunta enviada por e-mail, negaram que o governador paulista tenha afirmado que o acordo foi assinado em agosto de 2019. O texto acrescenta que a parceria para a produção de vacinas contra o novo coronavírus só foi firmada em junho deste ano.

Questionada pelo Comprova se Doria teria visitado a Sinovac em algum momento da viagem, a assessoria de imprensa do governo de São Paulo enviou os links de todas as agendas oficiais do governador durante a Missão China para a reportagem “conferir que não houve nenhum compromisso na referida empresa”. As agendas datam dos dias 5, 6, 7, 8, 9 e 10 de agosto de 2019. Conferimos todas elas e, de fato, não há nenhum registro de visitas à sede da Sinovac.

Já a assessoria do Instituto Butantan afirmou, por telefone, que houve uma visita institucional de sua equipe à sede da Sinovac em agosto do ano passado. No entanto, o governador João Doria não estava presente. Por mensagem, a comunicação reforçou que as tratativas para o desenvolvimento da vacina só tiveram início em abril deste ano, diante da aceleração do aumento de casos do novo coronavírus em São Paulo.

Assinatura do contrato

Durante o anúncio da parceria, Doria e Dimas Covas disseram que o contrato entre governo, Instituto Butantan e a Sinovac havia sido assinado em 10 de junho — informação confirmada ao Comprova tanto pela instituição quanto pelo governo.

Em uma busca pelo Diário Oficial do Estado de São Paulo para saber se o governo já havia negociado com a farmacêutica chinesa antes de firmar o convênio, o Comprova encontrou na edição de 5 de junho de 2020 um acordo de confidencialidade entre a Sinovac Research & Development (conhecida como “Sinovac R&D”) e a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) — assinado em 12 de maio.

A Sinovac R&D é uma subsidiária da Sinovac Biotech voltada exclusivamente para a produção da vacina CoronaVac e recebeu US$ 15 milhões de financiamento em pesquisas sobre o novo coronavírus.

Embora vizinho da USP e parceiro em pesquisas, o Instituto Butantan não é subordinado à Universidade. O Butantan é reconhecido desde 1901 como instituição autônoma.

O Comprova procurou a assessoria da Faculdade de Medicina da USP para saber qual seria o acordo com a farmacêutica chinesa e se teria relação com o desenvolvimento da vacina para o novo coronavírus pelo Butantan. Por mensagem, a comunicação afirmou que a assinatura foi para discutir uma possível participação da universidade nas pesquisas, mas que o processo ainda segue na fase de tratativas e, portanto, não há nada oficial até o momento.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos que apresentam informações suspeitas sobre a pandemia do novo coronavírus e alcançam um grande número de pessoas nas redes sociais. É o caso do vídeo em questão aqui. Até a data de publicação da verificação, o vídeo do canal registrava 163 mil visualizações no YouTube. O conteúdo também teve mais de 359 mil interações no Facebook, incluindo 80,7 mil compartilhamentos.

Falso para o Comprova é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Informações falsas ou enganosas na internet podem fazer com que parte da população fique mais exposta a riscos de contaminação e a sofrer graves consequências em termos de saúde.

O conteúdo investigado é perigoso porque sugere que a covid-19 é uma manipulação política e lança dúvidas sobre uma ferramenta que pode ser útil no combate ao novo coronavírus, caso a vacina demonstre eficácia nos estudos científicos.

Conteúdos que contestam a existência do vírus e o propósito de seguir orientações de isolamento social — conforme recomendado pela Organização Mundial de Saúde —, vêm sendo replicados em sites e redes sociais. O Comprova já checou um vídeo alegando que a pandemia se tratava de uma farsa.

Outro boato alegava que o vencedor do Nobel de Medicina teria dito que o novo coronavírus foi desenvolvido em laboratório — fala desmentida pelo próprio médico. Um estudo publicado em 17 de março pelo conceituado periódico médico Nature Medicine analisou o genoma do vírus SARS-CoV-2, que provoca a covid-19, e concluiu “claramente que o SARS-CoV-2 não é uma construção de laboratório ou um vírus propositadamente manipulado.” Outro vídeo que circulava em redes sociais acusava os hospitais de “provocar a morte” de pacientes com outras doenças para registrá-las como óbitos por covid-19.

O próprio governador João Doria já teve uma frase utilizada fora de contexto por uma publicação que o acusava de inventar dados sobre países afetados pela pandemia. Em relação ao anúncio da parceria com a farmacêutica chinesa, Doria foi alvo de críticas por opositores. Algumas das postagens o acusavam de conspiração contra o governo.

A negociação da produção da vacina também foi verificada pelo Fato ou Fake, que aponta como falsa a mensagem de que Doria teria negociado o contrato para as vacinas no ano passado, quando o vírus sequer havia sido identificado.

Esta verificação tem como base as informações disponíveis até a publicação do texto.

Passo a passo

Investigado por: 2020-06-16

Os 70 dias do Comprova na checagem de informações duvidosas sobre a covid-19

  • Relatório
Relatório
Jornalistas do Comprova fazem um relato do trabalho de verificação no período em que o projeto esteve dedicado exclusivamente à checagem de conteúdos suspeitos sobre o novo coronavírus

Quando começou o expediente especial do Projeto Comprova sobre o novo coronavírus, os checadores participantes se depararam com um desafio. Além de atender à precisão e ao rigor que as investigações propostas pela coalizão sempre exigiram, os jornalistas precisaram navegar em um cenário em que as informações sobre a pandemia mudavam rapidamente e a agenda de notícias falsas acompanhava as declarações e os posicionamentos governamentais.

À medida em que a comunidade científica se esforçava para produzir estudos em velocidade inédita e os órgãos de saúde de todo o mundo se organizavam para criar protocolos de enfrentamento à covid-19, o trabalho de separar os fatos das mentiras que circulam nas redes sociais se tornou ainda mais difícil.

Além de mais desafiadora, a verificação passou a ter outro nível de importância. Nestes novos casos investigados pelo Comprova, a desinformação está diretamente relacionada à saúde das pessoas.

Boatos sobre curas milagrosas e métodos preventivos não testados podem trazer uma falsa sensação de segurança, que estimula o relaxamento de medidas de proteção que realmente funcionam — como a higiene das mãos e o distanciamento social. Mais perigoso ainda é o convite à automedicação, que pode trazer riscos reais à saúde. Sabemos que, ao desmentir desinformação sobre o novo coronavírus, estamos tocando em um dos temas mais delicados para os leitores: o medo de adoecer e de colocar as pessoas que amam em risco.

Ao longo dos 70 primeiros dias em que os veículos participantes do Comprova se dedicaram a monitorar, checar e explicar o conteúdo on-line sobre o novo coronavírus, a desinformação sobre o assunto seguiu tendências que acompanharam o debate público em torno da pandemia. Muitas das verificações publicadas abordaram temas semelhantes — sempre refletindo o que nas redes sociais era mais viral sobre a covid-19. Nos textos abaixo, separamos algumas das ondas de boatos que tivemos que navegar.

Problemas com dados

O recente apagão de dados sobre a covid-19 do Ministério da Saúde — a pasta mudou o horário de divulgação de estatísticas e deixou de informar o total de mortos e infectados pelo vírus — evidenciou a crença, por parte de integrantes do governo e do próprio presidente Jair Bolsonaro, de que os números da pandemia estavam exagerados.

Esse pensamento, que não tem base na realidade, também permeou vários dos conteúdos enganosos desmentidos pelo Comprova nos últimos 70 dias. Virologistas e epidemiologistas calculam que o número de vítimas da covid-19 é muito maior do que o registrado oficialmente e apontam um problema de subnotificação de casos. Um estudo adotado pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) estima que o número real de infectados seja entre oito e dez vezes maior que o divulgado oficialmente.

Os boatos falsos sobre supernotificação se tornaram mais frequentes à medida em que os números de contágio pelo novo coronavírus se tornavam mais alarmantes. Entre as primeiras verificações publicadas pelo expediente especial do Comprova, ainda no final de março, estava a que explicava que na Itália ainda não tinham sido registrados óbitos de crianças e outra que esclarecia que a “etapa de máxima de infecção” pelo vírus no Brasil estava próxima. Naquela semana, o país tinha pouco mais de 4,6 mil pacientes da covid-19 e 165 mortos. Nesta terça-feira, 16, o número de casos é 196 vezes maior e o de óbitos, 270 vezes mais alto. São 904.734 casos e 44.657 óbitos, segundo levantamento do consórcio de veículos de imprensa com dados das secretarias estaduais de saúde.

Nas semanas seguintes, em que a curva epidemiológica brasileira se tornou cada vez mais íngreme, o Comprova identificou mais exemplos de conteúdos virais que buscavam minimizar a gravidade da pandemia. Entre os exemplos estão vídeos que mostravam leitos vazios; a acusação falsa de que o governo da Bahia estaria “inventando” casos de covid-19; e a distorção de dados de registros de óbitos em cartórios para negar a existência da pandemia.

Chama a atenção ainda que algumas das peças de desinformação desmentidas pelo Comprova tinham como objetivo negar a realidade de alguns dos estados com situação mais crítica de contágio pelo novo coronavírus.

Sobre São Paulo, a unidade da federação com maior número de casos, espalhou-se o boato falso de que o Hospital das Clínicas não teria pacientes da covid-19. Também viralizou a mentira de que o cemitério Vila Formosa, na capital paulista, teria covas vazias para simular o aumento no número de enterros. A respeito do Amazonas, estado com segunda maior taxa de casos por habitante, viralizou uma foto fora de contexto sobre caixões vazios, além de uma acusação sem fundamentos de fraude nos registros da covid-19.

O presidente Jair Bolsonaro tem repetidamente minimizado a gravidade da covid-19, à qual já se referiu como “histeria”, “gripezinha” e “resfriadinho”. Em 20 de abril, ao comentar o aumento no número de mortes pelo novo coronavírus, ele disse que não era “coveiro”. Em 28 de abril, o presidente voltou a desprezar a alta no registro de óbitos ao declarar: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”.

Isolamento social

O isolamento social foi uma medida adotada por governadores dos estados para diminuir o contágio da covid-19. A ideia é que o máximo de pessoas possível fique em casa e evite aglomerações. Para possibilitar a medida, shoppings, bares e restaurantes foram fechados em várias partes do país. Só serviços considerados essenciais – como supermercados, farmácias, postos de gasolina e hospitais – continuaram funcionando.

O presidente Jair Bolsonaro não concorda com a ideia. Defende que a cura não pode ser pior que a doença e que a paralisação dos serviços resultará em uma recessão econômica. Acredita que a retomada das atividades econômicas é essencial para o reaquecimento da economia. Para o presidente, o isolamento deve ser feito de forma “vertical”, ou seja, apenas por pessoas idosas ou com comorbidades.

Em apoio às ideias de Bolsonaro, boatos falsos sobre o isolamento se propagaram pela internet. Em 15 de abril, o Comprova verificou uma notícia falsa sobre pesquisadores de Harvard concluírem que o isolamento poderia piorar a situação da pandemia.

Em 17 de abril, foi publicada uma verificação sobre uma possível mobilização nacional para a reabertura do comércio. O vídeo, que divulgava a Semana Nacional de Reabertura do Comércio” e a “Semana Bolsonaro”, tinha informações enganosas sobre a retomada das atividades comerciais no país.

Em 1º de maio, a equipe apurou que outro vídeo usava informações falsas para dizer que o lockdown – medida mais rígida de isolamento – foi inútil e que o pico da covid-19 havia ficado para trás. Até hoje não se sabe com certeza quando o Brasil vai chegar ao pico das infecções.

As divergências de opiniões sobre o isolamento social foram uma das principais razões para o racha entre os Executivos federal e estaduais. A ruptura foi ainda mais visível com os governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC). Isso porque os dois políticos – que apoiaram Bolsonaro no 2º turno das eleições de 2018 – demonstram interesse em concorrer ao Planalto em 2022.

No vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, divulgado por determinação da Justiça, Bolsonaro disse que os governadores estão se aproveitando da pandemia da covid-19 para endossar o discurso contra o governo federal. Na ocasião, Bolsonaro chamou Doria de “bosta” e Witzel de “estrume”.

Ao entrar no foco das discussões sobre a medida, o governador de São Paulo virou tema de desinformação. Um boato usou uma frase de Doria para levantar dúvidas sobre a extensão da pandemia. Uma publicação com grande circulação no Twitter sugeria erroneamente que o governador tucano teria inventado o número de países afetados pela covid-19.

Em meio ao imbróglio com os governos estaduais, Bolsonaro se reuniu com os governos municipais para ouvir seus pleitos em troca de apoio. Em 22 de março, o presidente e o então ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta conversaram com os prefeitos sobre os pleitos municipais no tratamento do coronavírus. Dois dias depois, em 24 de março, o Comprova verificou um texto que dizia sem provas que governadores e prefeitos usam a pandemia para driblar as leis.

Boatos também seguiram agenda internacional

O Projeto Comprova checou, no período do expediente especial, 15 boatos que citavam entidades internacionais ou protocolos e situações epidemiológicas da covid-19 em outros países. A desinformação internacionalizada sobre a doença mobilizou uma em cada quatro publicações realizadas pela coalizão, em média. O surgimento dos boatos seguiu a agenda pública de evolução dos casos no exterior, a incorporação das medidas de restrição, além de ter sido impulsionado pela politização da pandemia.

Itália, Israel e China foram os países mais mencionados nos conteúdos inverídicos checados, ao lado da Organização Mundial da Saúde (OMS). Não à toa. A Itália foi o primeiro país do Ocidente a registrar de forma massiva casos de covid-19. Em março, quando o Projeto Comprova entrou na fase de investigação de conteúdos ligados ao novo coronavírus, o país era o segundo mais afetado pelo vírus no mundo, atrás da China, primeiro a registrar a enfermidade.

No dia 25 de março, em uma das primeiras postagens do expediente especial, o Comprova mostrou que o governo italiano não havia registrado óbitos de pessoas com menos de 30 anos até o dia 24 de março. A postagem que deu origem à verificação fazia uma correlação direta entre a realidade na Itália e um pronunciamento do presidente da República, Jair Bolsonaro, no qual ele minimizou a epidemia e sugeriu que os governadores descumprissem as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), entre elas a de fechar escolas e universidades. Na ocasião, Bolsonaro chegou a correlacionar os números da Itália à quantidade de idosos e ao clima do país.

Entre fevereiro e março, quando foram confirmados os primeiros casos e mortes por covid-19 no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro minimizou por mais de uma vez a pandemia e seus efeitos. Os posicionamentos acompanharam uma onda de desinformação sobre a origem do vírus. O Comprova, por exemplo, mostrou que uma reportagem da TV italiana RAI sobre vírus criado em laboratório chinês não tinha correlação com a pandemia de covid-19. A alegação verificada foi publicada no Twitter, em 25 de março, pelo ex-vice-premiê da Itália Matteo Salvini, e aparece em artigos e postagens compartilhados no Facebook, Twitter e YouTube.

As publicações eram enganosas. A reportagem em questão fala sobre um grupo de cientistas que criou uma versão híbrida de um coronavírus de morcego na China cinco anos atrás. Em março de 2020, o periódico Nature publicou um estudo que afirma não haver evidências de que esse experimento tenha relação com a pandemia atual.

A onda de desinformação sobre a origem do vírus foi embasada, entre outros fatores, em casos de xenofobia contra asiáticos, que motivaram publicações de autoridades brasileiras durante a pandemia, desencadeando uma crise diplomática com a China. No dia 18 de março, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) publicou um tweet ligando a criação do novo coronavírus à China. Após a publicação, o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, repudiou a declaração e exigiu a retirada imediata e um pedido de desculpas ao povo chinês, também por meio do Twitter.

O perfil oficial da embaixada da China no Brasil, na mesma rede, classificou como “absurdas e preconceituosas” as declarações de Eduardo Bolsonaro e emitiu uma nota oficial. As falas motivaram pedidos de desculpas do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). O ministro das relações exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, chegou a emitir nota afirmando que as críticas de Eduardo Bolsonaro não refletiam a posição do governo brasileiro. A crise se estendeu até abril, quando o ministro da Educação, Abraham Weintraub, voltou a apontar o país asiático como origem do novo coronavírus, motivando mais um posicionamento da embaixada da China no Brasil.

No dia 3 de abril, o Comprova checou uma corrente afirmando que o novo coronavírus não chegou às grandes cidades chinesas, como Pequim e Xangai. O material apresentava uma série de dados falsos para tentar comprovar que o vírus é um “atentado terrorista” produzido pela China para “criar pânico no mundo”. O Comprova apresentou dados da OMS e da Universidade Johns Hopkins para mostrar a quantidade de casos nas duas cidades, além de atestar os impactos econômicos da pandemia no país e as mudanças provocadas por medidas de isolamento. Confirmando a onda de desinformação sobre a China, o Comprova verificou que eram descontextualizadas as postagens mostrando o prédio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) com a bandeira chinesa, bem como um áudio afirmando que a China teria contaminado máscaras.

Boatos sobre a Organização Mundial da Saúde (OMS)

A onda de desinformação aproveitando contextos internacionais mesclou boatos envolvendo a China e a OMS, também alvo de críticas de autoridades durante a pandemia. A conduta da entidade foi questionada, no dia 26 de março, pelo secretário de direitos humanos da Procuradoria-Geral da República (PGR), Ailton Benedito. Em artigo, Benedito acusou a OMS de crimes contra a humanidade e disse que a entidade era comandada por um “serviçal da ditadura comunista”. Apesar de não citar nomes, as acusações seguiram uma tendência de críticas ao diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus.

No dia 7 de abril, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, publicou críticas à entidade no Twitter, afirmando que ela era centrada na China. O Comprova checou, no dia 31 de março, um vídeo descontextualizado de uma fala do diretor-geral da OMS, usado para referendar a posição de Jair Bolsonaro sobre o enfrentamento à pandemia. Em sua colocação, Adhanom pediu aos governos para considerar os impactos econômicos de um lockdown para as pessoas mais pobres. A fala, no entanto, não significava que a instituição tivesse deixado de apoiar o isolamento social, o que foi esclarecido pelo diretor-geral. Em maio, o Comprova voltou a verificar uma declaração retirada de contexto do porta-voz da OMS, também dentro da agenda de críticas ao isolamento social.

Medidas tomadas por Israel também foram tema de desinformação

Ainda no que diz respeito às condutas internacionais para lidar com o contexto de pandemia, outro lugar alvo da criação de conteúdos inverídicos foi Israel. Em uma live no Facebook, do dia 19 de março, o presidente Jair Bolsonaro chegou a afirmar que em um mês Israel teria uma vacina contra o novo coronavírus. O país foi o segundo visitado por Bolsonaro, em viagens para diálogos bilaterais, depois que ele assumiu a Presidência. Desde então, o governo brasileiro tem demonstrado interesse em promover alianças entre as duas nações. A bandeira de Israel tem sido, inclusive, utilizada por apoiadores do governo brasileiro em protestos durante a pandemia.

No dia 27 de março, o Comprova publicou uma verificação desmentindo que o país do Oriente Médio tivesse controlado o novo coronavírus sem a necessidade de distanciamento social. Os boatos atribuíam a Israel “a melhor situação do mundo no controle do coronavírus”.

As mensagens que circularam no Whatsapp estavam amparadas em um vídeo em que o ministro da Defesa israelense, Naftali Bennett, apoia o isolamento prioritário de idosos. Contudo, desconsideram outras postagens subsequentes sobre as medidas adotadas. O Comprova mostrou um gráfico da evolução de casos em Israel, em que 3.035 casos de covid-19 tinham sido computados até o dia 27 de março. Da mesma forma, mostrou que Israel adotou medidas como o isolamento social por 14 dias de qualquer pessoa que tivesse voltado do exterior e determinou o fechamento de escolas e universidades.

Em maio, Israel voltou a ser tema de desinformação. Dessa vez, associado à onda de conteúdos inverídicos sobre a cura da covid-19. Um vídeo analisado pelo Comprova, cujo título confirmava que o país havia descoberto a cura para a doença provocada pelo novo coronavírus, na verdade fazia referência ao isolamento de um anticorpo que neutraliza o vírus, realizado por um laboratório ligado ao governo israelense. Na época, a instituição afirmou que o achado científico era um avanço, mas que ainda não significava uma vacina – o que foi reiterado pelo ministro da Defesa de Israel, Naftali Bennett.

Medicamentos e tratamentos

Com a corrida global para a descoberta de uma vacina ou um tratamento eficaz contra o novo coronavírus, boa parte das verificações realizadas pelo Comprova durante o expediente especial esteve diretamente ligada ao tema.

Um medicamento, em especial, foi assunto de inúmeros conteúdos falsos ou enganosos: a hidroxicloroquina (e a cloroquina). A menção constante à substância não é nenhuma surpresa, se considerada a aposta e a insistência do governo federal na sua utilização como a principal política de saúde diante da pandemia da covid-19.

Em março, a possibilidade de uso do medicamento foi apontada em um estudo conduzido pelo francês Didier Raoult e, após ganhar repercussão nas redes sociais e em alguns veículos de comunicação americanos, passou a ser defendida pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Pouco dias depois, o presidente Jair Bolsonaro começou a fazer o mesmo e, em 26 de abril, chegou a falar sobre estudos que supostamente atestavam a eficácia da hidroxicloroquina durante uma reunião do G20. Em 06 de abril, o Comprova publicou a primeira verificação relacionada diretamente à substância.

De lá pra cá, outras 6 verificações (1, 2, 3, 4, 5, 6) – entre as 60 publicadas, ao todo, pelo Comprova — envolveram, diretamente, boatos e materiais enganosos sobre o uso da cloroquina. No Planalto, as menções ao medicamento também foram – e são – constantes. Bolsonaro anunciou que o Exército estava produzindo o medicamento, entrou em atrito com os dois últimos Ministros da Saúde por causa do tema – que acabou por contribuir para a queda de Nelson Teich à frente da pasta — e, recentemente, aceitou uma doação do governo Trump de milhões de doses da droga, que serão usadas de forma “preventiva”.

Para além do protagonismo da cloroquina, o conteúdo ligado aos tratamentos e medicamentos – mesmo que com base em outras drogas – seguiu duas tendências: a primeira, a tradução de estudos científicos sem reconhecimento dos pares, que atestavam a eficácia deste ou daquele método de combate à doença, ou a descontextualização desse tipo de pesquisa; a segunda, a divulgação de relatos e opiniões pessoais, muitas vezes de médicos, contrárias ao posicionamento oficial de órgãos que representam os especialistas e sem o devido embasamento. Foi nesse último tipo de conteúdo, baseado em experiências pessoais, aliás, que percebemos a maior relutância, por parte dos autores, em aceitar o resultado das verificações.

Por Alessandra Monnerat, Alice Souza, Ana Luiza Bongiovani, Karla Torralba e Mahila Ames

Saúde

Investigado por: 2020-06-12

OMS não se desculpou por reviravoltas com hidroxicloroquina

  • Enganoso
Enganoso
Texto distorce declarações de representantes da OMS para dar a entender que a entidade se arrependeu de ter interrompido as pesquisas com o medicamento
  • Conteúdo verificado: post do site Jornal da Cidade Online, de 7 de junho, com o título “OMS pede desculpa pelo erro na controvérsia sobre a hidroxicloroquina”

Um texto do Jornal da Cidade Online engana o leitor ao distorcer declarações de representantes da Organização Mundial de Saúde (OMS). O artigo afirma que o diretor-executivo do Programa de Emergências em Saúde da OMS, Mike Ryan, “pediu desculpas pelo erro na controvérsia sobre a hidroxicloroquina”, dando a entender que a entidade se arrependeu de ter interrompido as pesquisas com o medicamento. Não foi isso que Ryan disse.

Em uma entrevista coletiva na sede da organização, no dia 5 de junho, o diretor-executivo foi questionado sobre a polêmica envolvendo a paralisação e subsequente retomada de pesquisas da OMS com hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19. Ele respondeu que “isso é ciência bem feita”.

Ryan acredita que o enorme interesse público por assuntos relacionados à pandemia de covid-19 faz que com os desdobramentos sejam noticiados 24 horas por dia. E, para o público leigo, avanços e retrocessos normais no processo científico acabam parecendo confusos. “Eu sei que, às vezes, pode passar a impressão de que a comunidade científica está confusa ou que está mandando sinais conflitantes e, por isso, nós pedimos desculpas a todos vocês. Mas nós precisamos seguir a ciência”, disse.

O Comprova considerou o texto verificado enganoso porque em nenhum momento um representante da OMS pediu desculpas por ter paralisado temporariamente os estudos com hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a covid-19 que tenham alcançado grande viralização. A postagem verificada foi compartilhada mais de 500 vezes superando 400 mil interações de acordo com o CrowdTangle, uma ferramenta de monitoramento de conteúdos compartilhados em redes sociais.

Desde os primeiros casos de covid-19 no Brasil, os temas relacionados à pandemia têm sido usados para reforçar narrativas que se alinham ou contrariam o discurso do presidente da República, Jair Bolsonaro. A contrariedade do presidente às medidas mais restritivas de isolamento adotadas por governadores e prefeitos, o questionamento às medidas sugeridas pela OMS e o incentivo ao uso de medicamentos de eficácia ainda não comprovada são alguns dos temas recorrentes em páginas e perfis em redes sociais que apoiam Bolsonaro.

O conteúdo verificado pelo Comprova se insere nesse contexto. A polarização dos discursos em defesa do uso de medicamentos sem eficácia comprovada pode servir de incentivo à automedicação e causar efeitos colaterais danosos.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor ou que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

O primeiro passo foi encontrar a declaração original de Mike Ryan, feita em uma entrevista coletiva no dia 5 de junho. A partir de 19 minutos e 47 segundos, o diretor-executivo responde sobre as “mensagens conflitantes” que a mudança de postura da entidade pode passar ao público leigo. A cientista chefe da entidade, Soumya Swaminathan, fala logo em seguida, a partir de 23 minutos e 45 segundos. Ela explica que as idas e vindas são normais no processo de pesquisa científica. A transcrição do áudio, em inglês, está disponível no site da OMS.

Procuramos a assessoria de imprensa da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), braço da OMS para as Américas. Por e-mail, solicitamos informações sobre as credenciais de Mike Ryan e de Soumya Swaminathan e pedimos esclarecimentos sobre as diretrizes da entidade para o uso de cloroquina e de hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. Também questionamos se a organização tem alguma relação com o estudo realizado com dados da empresa americana Surgisphere e retirado do ar pelo periódico científico “The Lancet”.

Em seguida, conversamos com pesquisadores da área médica para explicar como funciona o processo de pesquisa de um novo medicamento ou vacina. Em entrevista concedida ao Comprova, o médico Reinaldo Guimarães, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), afirmou que se trata de um procedimento longo, com várias etapas e que é comum ocorrerem retratações de pesquisas após novas checagens serem realizadas por outros pesquisadores.

Por fim, realizamos uma pesquisa sobre o site que publicou o texto verificado, o Jornal da Cidade Online e sua relação com a disseminação de desinformação.

Verificação

A polêmica começou por causa de um estudo, publicado no dia 22 de maio, afirmando que a cloroquina e a hidroxicloroquina não mostravam eficácia no combate ao novo coronavírus e alertando para os riscos de arritmia cardíaca trazidos pelos medicamentos. A publicação levou a OMS a suspender os testes clínicos que a entidade já realizava com hidroxicloroquina. Mas no dia 2 de junho a “The Lancet” publicou uma “nota de preocupação” em relação ao estudo. No novo texto, 150 pesquisadores levantaram questões sobre a metodologia e de integridade dos dados. As informações são de uma empresa de saúde norte-americana, a Surgisphere. O dono da companhia, Sapan Desai, foi um dos autores do artigo. Desde então, surgiram evidências de que os dados foram manipulados.

As críticas levaram a “The Lancet” a retirar o estudo do ar. O “New England Journal of Medicine” também retratou um estudo sobre covid-19 com base em dados da Surgisphere.

Depois da retratação, a OMS resolveu retomar sua pesquisa com hidroxicloroquina. O “Estudo Solidariedade” é um ensaio clínico, lançado pela organização em março de 2020, para investigar um tratamento eficaz para a covid-19. Uma das drogas pesquisadas é a hidroxicloroquina, mas outros medicamentos — como Remdesivir, Lopinavir/Ritonavir e Lopinavir/Ritonavir combinado com Interferon beta-1a — são analisados.

O grupo tinha resolvido fazer uma pausa temporária no braço de hidroxicloroquina do estudo em 23 de maio por causa de preocupações sobre a segurança do medicamento. Os dados de mortalidade disponíveis foram revisados pelo Comitê de Segurança e Monitoramento de Dados do Estudo Solidariedade. Os membros não encontraram motivos para modificar o protocolo do estudo, que foi retomado em 3 de junho.

Por e-mail, a OPAS — braço pan-americano da organização — afirmou que “a OMS não tem histórico de colaboração com a Surgisphere”. E completou: “A prioridade da OMS é focar nas evidências geradas por ensaios clínicos randomizados de última geração”.

No dia 5 de junho, durante entrevista coletiva, uma repórter da revista norte -americana “Politico” perguntou ao diretor-executivo do Programa de Emergências em Saúde da OMS, Mike Ryan, sobre as “mensagens conflitantes” que essas mudanças de posição passam ao público. Ryan explicou que a decisão de paralisar os estudos com hidroxicloroquina foi tomada para não colocar os pacientes em risco. Mas, ao contrário do que afirma o texto verificado, o diretor-executivo não se desculpou pela paralisação — e nem pela retomada da pesquisa com a hidroxicloroquina. “Nós precisamos seguir a ciência. Precisamos seguir as evidências e estamos totalmente dedicados a garantir que as pessoas que participam de testes clínicos estão entrando em testes seguros e planejados com o seu bem estar em mente”. Ryan defende que “isso é ciência bem feita”. Foi nesse momento que fez o “pedido de desculpas” a que o texto verificado se refere. “Eu sei que às vezes pode passar a impressão de que a comunidade científica está confusa e, por isso, pedimos desculpas a todos vocês.”

A declaração foi acompanhada pela cientista chefe da OMS, a pediatra Soumya Swaminathan. “É um processo normal na ciência”, garantiu. “É bastante normal ter resultados um pouco diferentes vindos de estudos diferentes é por isso que o mundo científico normalmente exige mais de um teste para que o efeito de qualquer droga ou vacina seja realmente confirmado. (…) É nossa responsabilidade explicar para o público que cada um dos resultados não significa que estamos mudando as recomendações ou nos contradizendo. Porque é assim que a ciência progride.”

Esta resposta foi questionada no texto do “Jornal da Cidade Online”: “Normal??? Parece que a OMS deve novo pedido de desculpas…”.

O médico Reinaldo Guimarães, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), afirmou ao Comprova, em entrevista por telefone, que retratações em pesquisas científicas são comuns e que existe uma base de dados mundial, chamada Retraction Watch, onde é possível consultá-las.

“Alguém, não sei realmente quem foi, analisou novamente os dados que levaram a OMS a dizer que [a hidroxicloroquina] não era eficaz e encontrou algum tipo de problema. Na verdade, o que a OMS fez foi retirar a recomendação até que isso se esclareça”, afirmou o médico.

Para entender o porquê de um estudo ser retratado, Guimarães explica que é necessário entender como ele é feito. Uma medicação só pode ter a eficácia comprovada após cumprir um longo processo. O desenvolvimento se inicia em laboratório, após uma série de estudos, com resultados feitos in vitro, ou seja, num ambiente controlado. Se a eficácia funcionar ali, a etapa seguinte envolve testes em animais e, depois, testes em humanos.

Na etapa de testagem entre humanos, são três fases: a primeira em indivíduos saudáveis, a segunda em pequenos grupos de pacientes e a terceira em quantidade maior. Nessa fase, os estudos são feitos de forma que metade dos pacientes faz uso da medicação e a outra metade recebe um placebo, substância que não causa reações no organismo. A escolha de quem toma o quê é aleatória. Os pacientes não sabem se receberam o medicamento ou o placebo e os médicos que aplicam as substâncias também não são informados sobre qual paciente recebeu qual elemento. Este processo é chamado duplo cego randomizado.

A partir da aprovação de todas essas etapas, a medicação deve ser encaminhada para uma agência reguladora, que recebe do fabricante um dossiê completo e o analisa. Caso o documento seja considerado satisfatório, o medicamento recebe um registro para ser comercializado no país da dita agência — no caso do Brasil, os remédios devem ser registrados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Se um medicamento for indicado para o tratamento de outra doença, ele deve ser reavaliado pela agência e ter a bula modificada.

“O que aconteceu com a retratação dos estudos sobre cloroquina é que todas as informações que chegavam à OMS eram relativas a ensaios clínicos, que são os testes feitos em seres humanos. As informações que foram chegando à OMS diziam que a cloroquina não era eficaz. Particularmente, quando essas informações vinham a partir dos estudos clínicos randomizados [ou seja, na terceira fase de testes com humanos]”, explicou Guimarães. “O estudo retratado é um estudo publicado que levou a uma recomendação, mas foi retirado porque havia lá um problema qualquer que eles estão continuando a estudar”, resumiu.

Pesquisas com cloroquina

A cloroquina — e sua versão menos tóxica, a hidroxicloroquina — é um medicamento usado para o tratamento de malária e lúpus. Seu uso para o combate ao novo coronavírus começou a ser defendido em fevereiro pelo pesquisador francês Didier Raoult, diretor do Instituto Mediterrâneo de Infecções em Marselha com base em estudos realizados na China. Desde então o estudo de Raoult foi desacreditado, mas a propaganda para o uso da cloroquina permaneceu. Ela foi impulsionada, principalmente, pela propaganda feita pelo presidente norte-americano Donald Trump, que declarou tomar hidroxicloroquina para evitar a covid-19.

O desdobramento mais recente foi um novo estudo da Universidade de Minnesota, nos EUA, divulgado pelo New England Journal of Medicine no dia 03 de junho. Os pesquisadores acompanharam 821 norte-americanos e canadenses com risco de alto a moderado de contrair covid-19. De acordo com padrões científicos internacionais, parte dos voluntários recebeu uma dose diária de hidroxicloroquina ao longo de cinco dias. Outro grupo recebeu placebo. A conclusão foi de que a hidroxicloroquina não foi eficiente para prevenir a infecção pelo novo coronavírus. “Foi decepcionante, mas não surpreendente”, declarou em entrevista o pesquisador responsável pelo estudo, David Boulware.

Orientações para o uso da cloroquina

A OMS não recomenda o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento de pacientes infectados pelo novo coronavírus. Ainda por e-mail, representantes da organização lembraram que “não há evidência científicas que os medicamentos sejam eficazes e seguros no tratamento de covid-19”. E lembram: “A maioria das pesquisas até agora sugere que não há benefício e já foram emitidos alertas sobre efeitos colaterais do medicamento”. Para a OPAS e a OMS, as drogas só podem ser usadas apenas “no contexto de estudos devidamente registrados, aprovados e eticamente aceitáveis”.

Aqui no Brasil, os Conselhos Federais de Medicina (CFM) e de Enfermagem (Cofen) e a Associação Médica Brasileira (AMB) publicaram orientações e recomendações reforçando que ainda não há evidências que comprovem a eficácia do medicamento.

O Ministério da Saúde lançou um protocolo para o manuseio de medicamentos para pacientes com covid-19 na rede pública desde os casos com sintomas mais leves. O documento sugere o uso da cloroquina ou da hidroxicloroquina associadas ao antibiótico azitromicina desde o primeiro dia, com doses que aumentam de acordo com a gravidade e com o tempo de infecção. Há uma série de exames que precisam ser realizados antes que as drogas sejam indicadas, como eletrocardiograma e diagnóstico para covid-19. O texto também ressalta que faltam estudos para embasar o uso dos medicamentos. “Não há meta-análises de ensaios clínicos multicêntricos [testes em humanos feitos em mais de um centro de estudos], controlados, cegos e randomizados que comprovem o benefício inequívoco dessas medicações para o tratamento da covid-19”, diz. Por fim, o protocolo é claro ao deixar a decisão final sobre o uso da cloroquina nas mãos do médico e do paciente, que precisa assinar um Termo de Ciência e Consentimento.

Contexto

Mesmo sem eficácia comprovada, o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina tem sido defendido pelo presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores desde o começo da epidemia, alinhados com o discurso do presidente Donald Trump.

A insistência de Bolsonaro para a recomendação do uso da cloroquina levou à demissão de dois ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em 16 de abril, e Nelson Teich, em 15 de maio. Desde então, a pasta está nas mãos do general Eduardo Pazuello, promovido de secretário-executivo a ministro interino no dia 3 de junho. Foi sob o comando dele que o Ministério da Saúde publicou o protocolo para uso da cloroquina no combate ao novo coronavírus.

Os Estados Unidos lideram as estatísticas de covid-19, com 2.031.173 casos confirmados e 114.065 mortes até o dia 12 de junho, de acordo com levantamento da Universidade Johns Hopkins. O presidente Trump passou a antagonizar a OMS e, em 29 de maio, anunciou que o país estava deixando a organização. Ele disse que a “China tem controle total da OMS” e criticou a organização por dar “direcionamentos errados” ao mundo sobre o novo coronavírus.

A OMS é uma das agências da Organização das Nações Unidas (ONU), criada em em 1948 para dar atenção a questões relativas à saúde. O Brasil é um dos membros fundadores da organização. Inspirado no discurso de Trump, o presidente Bolsonaro também passou a fazer críticas e disse que a entidade “perdeu a credibilidade”. O presidente brasileiro defende o uso da cloroquina e insiste em minimizar os efeitos da pandemia e estimular a reabertura de país, contrariando governadores e prefeitos. O Brasil é o segundo país com maior número de casos confirmados de covid-19, com 802.828. Foram 40.919 mortes até o dia 12 de junho, também de acordo com levantamento da Universidade John Hopkins.

Alcance

O texto foi publicado pelo Jornal da Cidade Online em 7 de junho. Até o dia 12 já tinham sido registradas mais de 97,4 mil interações no site. A página de Facebook também repercutiu o texto, com 55 mil compartilhamentos e 5,7 mil comentários.

Alguns seguidores repassaram o texto pelo Twitter. A postagem que teve mais viralização teve 1,7 mil curtidas até o dia 12.

Saúde

Investigado por: 2020-06-12

Post distorce informações sobre eficácia da ivermectina

  • Enganoso
Enganoso
Médico defende uso do medicamento em pacientes com a covid-19 mas diz que é irresponsável post em grupo de Facebook que afirma que ele descobriu a cura para a doença
  • Conteúdo verificado: Publicação feita em 6 de junho por uma usuária no grupo de Facebook Aliança pelo Brasil independente

É enganosa a afirmação que a combinação de ivermectina e azitromicina é a cura para a covid-19, conforme post do dia 6 de junho que viralizou no Facebook. A autora da postagem em um grupo chamado Aliança pelo Brasil independente escreve “Temos outro remédio contra covid-19! Ivermectina + azitromicina e tchau coronavírus! Definitivamente, Deus é brasileiro!” ao comentar um texto do site Terra Brasil Notícias. A publicação não menciona a azitromicina, mas, afirma, no título: “Medicamento ivermectina elimina 97% do covid-19 dentro da célula em 48h, diz infectologista”.

O médico a que se refere a publicação é Fernando Suassuna, “um dos entusiastas do uso do medicamento” que, no texto, sugere o uso da droga como medida profilática. Em entrevista ao Comprova, Suassuna confirmou que realiza um estudo com o medicamento, mas disse que a pesquisa ainda está em fase preliminar. Declarou ainda que sua fala foi deturpada por alguns blogueiros.

Procuradas pelo Comprova, as autoridades da área da saúde não reconhecem o uso do medicamento para prevenção ou tratamento da covid-19. Por e-mail, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou que a ivermectina “não está registrada contra essa doença, portanto não é reconhecida pela agência como eficaz contra ela”. Também por e-mail, o Conselho Federal de Medicina (CFM) esclareceu que “não existem evidências robustas de alta qualidade que possibilitem a indicação de uma terapia farmacológica específica para a covid-19”. Em pesquisa no site do Food and Drug Administration (FDA), autoridade sanitária americana, o Comprova encontrou a recomendação de que pessoas não devem tomar ivermectina para prevenir ou tratar a covid-19.

Até a publicação desta verificação, o Comprova não conseguiu entrevistar Dedez Amaral, autora do post. Sua publicação foi na página Aliança pelo Brasil Independente, que se define como um “grupo oficial de apoio ao novo partido do Presidente Jair Messias Bolsonaro”.

Por que investigamos?

Posts e vídeos com link para reportagens com conteúdo que distorcem a realidade viralizam rapidamente nas redes sociais e trazem risco à população. Este post, leva a uma matéria que afirma que a “ivermectina elimina 97% do covid-19 dentro da célula em 48h”, desinforma ao fazer com que os leitores acreditem que a doença causada pelo novo coronavírus possa ser curada por uma droga cuja eficácia não está cientificamente comprovada.

No dia 9 de junho, a publicação, feita três dias antes, já tinha mais de 9.330 compartilhamentos e 576 comentários. Alguns internautas escreveram que já haviam comprado o remédio na farmácia e, outros, estavam perguntando onde achar. São pessoas que podem acreditar na cura, se automedicar e achar que não precisam mais se proteger do vírus.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

A verificação foi realizada em várias etapas. Primeiro, o Comprova tentou apurar quem é a autora do post, se ela de fato trabalha para o Ministério da Saúde e se é possível identificar em seu perfil no Facebook alguma interação com páginas e conteúdos duvidosos sobre a pandemia.

Na sequência, o Comprova investigou se a associação dos medicamentos ivermectina e azitromicina é realmente eficaz para o tratamento de pacientes com a covid-19. Buscamos estudos científicos e opiniões de especialistas que pudessem revelar os possíveis benefícios desses medicamentos. Foram consultados, também, o Conselho Federal de Medicina e autoridades sanitárias do Brasil e dos Estados Unidos.

Em um terceiro momento, a investigação do Comprova se debruçou sobre a figura do médico Fernando Suassuna, apontado pela reportagem como entusiasta e defensor do uso da ivermectina para o tratamento da covid-19. Investigamos se ele realmente disse ter tido resultados promissores com o uso do medicamento em um lar de idosos localizado em Natal e se esse protocolo estaria de acordo com as orientações dos órgãos de saúde da cidade e do Rio Grande do Norte.

Por fim, a verificação se ateve ao portal que publicou a notícia veiculada no post do Facebook, a fim de verificar sua veracidade. Analisamos se o portal já havia publicado outros conteúdos sobre a pandemia e qual o tom das reportagens. Investigamos, também, as redes sociais e o canal de YouTube do portal.

Verificação

Quem é a autora do post

Segundo o perfil da autora do post no Facebook, ela é funcionária do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro. O Comprova enviou mensagem privada pedindo o contato, mas não teve resposta. Dedez Amaral respondeu a um comentário em um post recente, mas, depois, não retornou. Também encontramos um perfil no Instagram, mas está fechado e sem atividade.

Mesmo sem saber se o nome é verdadeiro (ou se “Dedez” é um apelido), entramos em contato por e-mail com o Ministério da Saúde, que respondeu não ter autorização para “informar sobre servidores” (print abaixo).

No perfil da autora do post no Facebook, é possível descobrir que ela apoiou Jair Bolsonaro durante a eleição presidencial. Em um outro post, em março do ano passado, se solidarizou quando o ex-presidente Lula perdeu o neto.

A ivermectina

De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a ivermectina está registrada como “medicamento contra infecções causadas por parasitas”. A Food and Drug Administration (FDA), órgão de vigilância sanitária dos Estados Unidos, libera o uso da ivermectina para o tratamento de vermes intestinais e de parasitas tópicos, como piolho e rosácea. Também é usada para o tratamento de parasitas em animais.

A primeira publicação sobre o uso da droga no tratamento de pacientes com covid-19 ocorreu na Austrália. A Universidade de Monash publicou um artigo no dia 3 de abril mostrando que a droga poderia eliminar o Sars-CoV-2, em uma cultura de células in vitro, dentro de 48 horas. O próprio estudo já ressalva, porém, que esse resultado não prova a eficácia da medicação contra a infecção em humanos pelo novo coronavírus e que era preciso aguardar novos testes.

Em e-mail enviado ao Comprova no dia 4 de junho, o Departamento de Medicina, Enfermagem e Ciências da Saúde da instituição explicou que o estudo apenas mostrou que a ivermectina tem efeito em eliminar o vírus em laboratório. E foi taxativo: “a ivermectina não pode ser usada em pacientes com covid-19 até que outros testes tenham sido conclusivos em estabelecer a eficácia do medicamento em níveis seguros para dosagem em humanos”.

Até o início de junho, havia um único estudo clínico sobre o uso da ivermectina para tratar pacientes com o novo coronavírus. O artigo tinha como autor principal o médico Amit Patel, então vinculado ao Departamento de Bioengenharia da Universidade de Utah. O estudo administrou em 704 pacientes com covid-19 (outros 704 foram selecionados como grupo de controle) em 169 hospitais na América do Norte, Europa e Ásia. Mas a pesquisa foi retirada do ar porque os dados foram coletados pela empresa Surgisphere; a mesma cuja metodologia de coleta dos dados levou a retratação de um estudo sobre a segurança da hidroxicloroquina publicado pela The Lancet. Em sua conta no Twitter, o médico Amit Patel disse não ter mais vinculação com a Universidade de Utah e não saber o que aconteceu com a Surgisphere.

Quem é Fernando Suassuna

Segundo os sites do Conselho Federal de Medicina e do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Norte, Fernando Suassuna é médico inscrito desde 1978 com especialidade nas áreas de infectologia e de alergia e imunologia. De acordo com a plataforma de currículos acadêmicos Lattes, mantida pelo CNPq, Suassuna é formado em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e mestre pela Universidade Federal de Pernambuco. Em 1983, fez um intercâmbio de três meses na Université Laval, em Quebec, no Canadá. Foi professor da UFRN, da Universidade Potiguar (UnP) e de cursos pré-vestibulares. Também trabalhou como infectologista no Hospital Giselda Trigueiro, no Rio Grande do Norte, e em clínicas privadas.

Suassuna defendeu o uso da ivermectina para tratar pacientes com covid-19 em entrevistas aos sites Tribuna do Norte, no dia 06 de junho, e Agora RN, no dia 08.

Na pesquisa do Google, o Comprova encontrou o site do infectologista Fernando Suassuna, que mora em Natal. No Facebook, o Comprova localizou o perfil o médico. As duas páginas apontavam para o mesmo número de contato da clínica.

Por telefone, o médico Fernando Suassuna confirmou ao Comprova que tem conduzido um estudo sobre o uso da ivermectina para tratar pacientes com covid-19, mas afirmou estar em fase observacional e que nenhum artigo foi publicado até o momento. Ele disse desconhecer o site Terra Brasil Notícias. Mas contou que, após ter dado entrevista à Tribuna do Norte, viu que alguns blogueiros haviam “deturpado” a fala dele, como se a cura da doença tivesse sido descoberta; o que o médico classificou de “irresponsável”.

Segundo Suassuna, ele ministrou a ivermectina em 116 idosos de três asilos de Natal: o Lar Jesus Misericordioso, o Instituto Juvino Barreto e o Lar do Ancião Evangélico, conhecido como LAE. Nos três locais, o medicamento teria sido prescrito após a confirmação de um primeiro caso de paciente com o novo coronavírus. Segundo o médico, não houve óbitos. Um idoso foi internado e 24 desenvolveram a doença na forma leve. “A gente tem mais 17 asilos para continuar o trabalho. Quando aparece um caso, a gente toma conta. A gente faz o tratamento, acompanha. E espera que esse seja o modelo para grupos de risco. Para evitar que eles vão para o hospital e levem ao colapso do sistema”, afirmou.

Fernando Suassuna disse que o estudo tem sido acompanhado por seis infectologistas do comitê municipal para enfrentamento da pandemia. Mas negou que seus estudos comprovem a cura da covid-19 porque ainda estão em fase inicial.

Além disso, o médico disse ter conhecimento de que o estudo clínico americano está sendo contestado. Mas afirmou que os resultados positivos em Natal estão sendo verificados in loco.

O uso da ivermectina em Natal

O Comprova procurou, então, a Prefeitura de Natal e o Governo do Rio Grande do Norte para saber se a ivermectina está sendo adotada no estado para o tratamento de pacientes com covid-19. Por email, a Secretaria Municipal de Saúde enviou uma cópia do protocolo de manejo para síndromes gripais frente à pandemia do novo coronavírus, que foi publicado no Diário Oficial do Município no dia 03 de junho.

O protocolo da Prefeitura de Natal prevê o uso da ivermectina em dois contextos. O primeiro é o tratamento de pacientes que, em função de questões alérgicas ou de possíveis efeitos colaterais, não possam fazer uso da cloroquina ou da hidroxicloroquina como tratamento para a covid-19.

O segundo é como medida profilática destinada a profissionais com elevado nível de exposição ao Sars-CoV-2 (como profissionais de saúde, policiais, bombeiros) ou indivíduos com fatores de risco para desenvolver a forma grave da covid-19 (portadores de síndrome metabólica, obesos, diabéticos, HAS isolada ou idosos).

Se a ivermectina for usada para profilaxia, o protocolo recomenda o acompanhamento médico da função hepática. A medicação não pode ser adotada por nutrizes e gestantes. O documento também desestimula o uso profilático em pacientes jovens saudáveis “para que se alcance a imunidade de rebanho [coletiva] progressivamente”.

Também por e-mail, a Secretaria Estadual de Saúde enviou uma nota ao Comprova. O Estado “não prevê o uso de Ivermectina no tratamento da covid-19 por não existir recomendação científica e não ter uma eficácia comprovada em vivo”. Além disso, o governo estadual “não recomenda nem sugere a utilização no tratamento até que esta droga se mostre comprovada cientificamente eficaz”.

A Secretaria Estadual de Saúde afirma ainda que a adoção da ivermectina pelo município de Natal foi feita “sem evidência científica nem recomendação do Ministério da Saúde”. O governo do Estado diz que pode rever sua posição se algum dos estudos em andamento comprovar a eficácia da ivermectina no combate ao novo coronavírus.

Em uma das entrevistas, Fernando Suassuna afirma que o Conselho Regional de Medicina vinha debatendo o uso da ivermectina. No dia 20 de maio, o Conselho lançou as recomendações para o uso de medicamentos para tratamento do novo coronavírus. Todos os medicamentos citados no documento exigem o consentimento do paciente para serem ministrados. O texto cita a ivermectina como uma das substâncias estudadas para combater a covid-19. Mas a droga só é opção para pacientes que estejam em tratamento hospitalar. O Comprova ligou para a entidade para entender mais sobre as orientações e a recepcionista pediu que a demanda fosse encaminhada por e-mail. Não houve resposta até o fechamento da verificação.

O que dizem as autoridades?

No dia 05 de junho, o Comprova consultou autoridades sanitárias sobre o uso da ivermectina em pacientes com covid-19 como parte de outra verificação sobre a droga. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirma que a ivermectina “não está registrada contra essa doença, portanto não é reconhecida pela agência como eficaz contra ela”.

No dia 10 de abril, a Food and Drug Administration (FDA), autoridade sanitária dos Estados Unidos, divulgou uma carta aberta em que alerta as pessoas a não usar remédios à base de ivermectina destinados a animais como tratamento contra a covid-19 (print abaixo). Segundo a FDA, as pessoas não devem tomar ivermectina para prevenir ou tratar a doença. Também não há nenhuma autorização da FDA para o uso emergencial da droga nos Estados Unidos em função da pandemia.

O site do National Center for Biotechnology Information, vinculado à US National Library of Medicine, afirma que a nota da FDA foi publicada porque o estudo da Austrália vinha sendo “difundido com grande interesse em sites voltados amédicos e veterinários”. O texto é assinado por Mike Bray, editor da Antiviral Research.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) não comenta casos específicos, mas, por e-mail, afirmou ao Comprova que “não existem evidências robustas de alta qualidade que possibilitem a indicação de uma terapia farmacológica específica para a covid-19” e que “muitos medicamentos têm sido promissores em testes através de observação clínica, mas nenhum ainda foi aprovado em ensaios clínicos com desenho cientificamente adequado, não podendo, portanto, serem recomendados com segurança”. Acrescenta ainda que os médicos “devem observar o Código de Ética Médica”, segundo o qual devem evitar o sensacionalismo, entendido como “utilização da mídia, pelo médico, para divulgar métodos e meios que não tenham reconhecimento científico”.

Contexto

Mesmo sem eficácia comprovada, a ivermectina vem sendo defendida por médicos em conteúdos que costumam viralizar nas redes sociais. Muitos desses materiais contêm informações distorcidas, dando a impressão de que existe uma cura para a covid-19, contrariando o que dizem autoridades de saúde, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O órgão afirmou ao Comprova que a ivermectina “não está registrada contra essa doença, portanto não é reconhecida pela agência como eficaz contra ela”. O Conselho Federal de Medicina (CFM) disse que não comenta casos específicos, mas afirmou ao Comprova que “não existem evidências robustas de alta qualidade que possibilitem a indicação de uma terapia farmacológica específica para a Covid-19“.

Grande parte dos brasileiros já completou mais de três meses em casa e não vê a hora de sair. Ao ler que há uma cura, essas pessoas podem relaxar o isolamento, apontado como a única medida capaz de frear o avanço da doença até o momento – estimuladas pelo presidente, que descumpre as regras de distanciamento social e pelos governos estaduais, que começam a reabrir o comércio em algumas cidades.

No momento em que cientistas do mundo inteiro correm contra o tempo para descobrir a cura da covid-19 e controlar o novo coronavírus, alguns sites tentam se destacar usando informações enganosas sobre curas milagrosas, que atrapalham o processo.

Isso tudo no momento em que o Brasil registrou 802.828 casos confirmados e 40.919 óbitos por covid-19 até a tarde de 11 de junho, de acordo com informações do Ministério da Saúde. Até a data, 311.064 pessoas haviam se recuperado e 390.033 estavam em acompanhamento.

Alcance

A postagem original foi compartilhada por mais de 9.600 pessoas no Facebook. Havia 586 comentários e 2.700 reações (apenas uma negativa).

Por meio da busca de imagem reversa do Google, foi possível encontrar o link replicado em outros sites, como Agora RN, Blog do BG e Blog Max Bezerra. E, de acordo com a ferramenta CrowdTangle, no total, o texto teve 55.960 interações na internet.