- Conteúdo verificado: Tuíte do deputado Arthur do Val (Mamãe Falei), que compara países que usam cloroquina no tratamento da covid-19 e outros que possuem protocolo para uso de cannabis medicinal. Ele faz a comparação e ironiza uma relação que teria sido feita pelo presidente Jair Bolsonaro, de que cloroquina era coisa de conservador e cannabis era coisa de comunista.
São verdadeiras as informações sobre uso de cloroquina e cannabis medicinal publicadas no Twitter pelo deputado Arthur do Val – Mamãe Falei (Patriota-SP), no dia 19 de maio. No tuíte, ele afirma que quatro países teriam protocolos para cloroquina – China, Venezuela, Cuba e Índia – e mais quatro com protocolos para cannabis medicinal – Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e Israel. O tuíte também cita que, segundo o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), “Cloroquina é coisa de conservador e Cannabis medicinal é coisa de comunista”. O Comprova não localizou a frase nos discursos do presidente.
Três dos quatro países mencionados pelo parlamentar têm a cloroquina no protocolo: China, Venezuela e Cuba. Dois deles – China e Cuba – são comunistas. A Índia não tem protocolo para uso de cloroquina, e sim de hidroxicloroquina. O Comprova procurou o deputado, mas ele não atendeu à tentativa de contato. Por isso, não é possível afirmar se Arthur do Val se referia aos medicamentos de forma genérica ou se tentava se referir especificamente à cloroquina.
No entanto, no discurso popular, é comum que a hidroxicloroquina seja associada à cloroquina como se fosse o mesmo medicamento. Embora ambos os remédios tenham a mesma substância em sua base – a cloroquina –, seus usos e efeitos são distintos. A hidroxicloroquina, que não tem eficácia comprovada contra a covid-19, costuma ter menos efeitos colaterais e é considerada uma droga mais segura para outros tratamentos. Ainda assim, esta verificação observou que, em alguns casos, as autoridades locais adotam o uso de ambos os medicamentos.
Em relação à cannabis medicinal, os quatro países citados no tuíte – Estados Unidos, Israel, Alemanha e Reino Unido –, de fato, têm protocolos para uso de substâncias derivadas da planta da maconha em tratamentos médicos. Nenhum deles se declara um regime comunista. É importante destacar, contudo, que os oito países mencionados no tuíte não são os únicos a fazer uso da cloroquina ou hidroxicloroquina para a covid-19 ou a terem protocolos para uso medicinal da cannabis.
O tuíte foi publicado dois dias depois de Bolsonaro ter ironizado um projeto de lei que busca regulamentar a comercialização de medicamentos com extratos de cannabis. Em Brasília, no dia 17 de maio, numa conversa com apoiadores em frente ao Palácio do Planalto, o presidente disse que vetaria o PL 399/2015, de autoria do deputado federal Fábio Mitidieri (PSD-CE), e ironizou: “Engraçado. Maconha pode, cloroquina não pode”. Ele também disse que “a esquerda sempre pega uma oportunidade para querer liberar as drogas”.
No mesmo dia da publicação do tuíte, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello elogiou o protocolo de Cuba no uso da cloroquina contra a covid-19, medicamento defendido no Brasil por Bolsonaro e que tem ineficácia comprovada contra a covid-19.
Como verificamos?
Primeiro, procuramos os protocolos relativos ao uso de cloroquina durante a pandemia de covid-19 em cada um dos países citados no tuíte do deputado: China, Venezuela, Cuba e Índia. Paralelamente a isso, buscamos informações nas agências oficiais e na imprensa sobre os protocolos relacionados ao uso da cannabis medicinal nos outros quatro países citados pelo parlamentar: Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e Israel.
Em seguida, tentamos localizar uma lista de países que fazem uso da cloroquina para tratar pacientes com covid-19. O Comprova não conseguiu encontrar informações destes países reunidas em uma única publicação científica ou entidade ligada à medicina. Também buscamos uma relação de países que adotam protocolos para cannabis medicinal, além dos quatro citados, mas não encontramos uma relação oficial. Em matérias publicadas na imprensa, contudo, localizamos listas informais.
Já nos relatórios da 63ª sessão da Comissão de Drogas e Narcóticos da Organização das Nações Unidas (ONU), ocorrida entre os dias 2 e 4 de dezembro de 2020, em Viena, na Áustria, há uma lista de 27 países que votaram pela retirada da cannabis da lista de drogas perigosas, um passo para ampliar os estudos sobre os usos medicinais da planta.
Contudo, não é possível afirmar que esses 27 países adotem protocolos para cannabis medicinal – nem que os outros 25 países-membros da comissão, que votaram contra e mais um país, que se absteve, não adotem. O Brasil, por exemplo, tem protocolos para uso medicinal de derivados da cannabis, mas foi contra a retirada da planta da lista de drogas perigosas.
Por fim, buscamos informações na Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre a cloroquina, hidroxicloroquina e a cannabis, e declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre as substâncias. Também entramos em contato com o deputado Arthur do Val, autor do tuíte, mas ele não respondeu até a publicação desta checagem.
O Comprova fez esta verificação baseada em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 31 de maio de 2021.
Verificação
Protocolos de cloroquina
China, Cuba e Venezuela, três dos quatro países citados no tuíte do deputado Arthur do Val, de fato, possuem protocolos de uso da cloroquina para pacientes com covid-19. Já a Índia, que também é citada na publicação, não inclui a cloroquina nas orientações clínicas, mas, sim, a hidroxicloroquina – fármaco que tem cloroquina em sua composição.
O Comprova não encontrou, por meio de publicações científicas e jornalísticas, indícios de que as autoridades do país tenham, em algum momento da pandemia, orientado o uso da cloroquina. Também não foi localizada uma lista oficial de países que fazem uso da substância, mas esses quatro países não são os únicos. Os Estados Unidos, por exemplo, chegaram a autorizar o uso emergencial da cloroquina, o que foi revogado ainda em junho do ano passado. França e Itália chegaram a autorizar o uso da hidroxicloroquina, mas suspenderam em maio de 2020.
Veja abaixo como funciona o uso da cloroquina em cada um dos países citados no tuíte:
China
O governo da República da China aprova e recomenda o uso de fosfato de cloroquina como tratamento anti-covid. A utilização do medicamento e suas especificações, quanto à dosagem indicada a cada perfil de paciente, por exemplo, constam no site governamental do país em um conteúdo intitulado “What are the treatments for COVID-19?” (Quais são os tratamentos para covid-19?), embora o site não tenha dados sobre metodologia e resultados que amparem a decisão do país sobre o uso do medicamento. As informações, publicadas em 19 de março de 2020, são assinadas pelo Centro Chinês para Controle e Prevenção de Doenças. A inclusão do medicamento antimalárico nos protocolos chineses da covid-19 foi noticiada pela South China Morning Post.
Na publicação institucional, a cloroquina é indicada apenas para adultos com faixa etária de 18 a 65 anos. O texto também chama a atenção para os efeitos colaterais e a interação com outros medicamentos – sejam eles elencados no informe ou não. Ao fazer a observação, o texto destaca que a cloroquina é contraindicada para pacientes com doenças cardíacas. Como referência aos dados, o governo chinês cita o Protocolo de Diagnóstico e Tratamento para covid-19 (Versão de Teste 7) emitido pelo Escritório Geral da Comissão Nacional de Saúde e pelo Escritório da Administração Nacional de Medicina Tradicional Chinesa.
Um mês antes, em 19 de fevereiro, o mesmo site governamental publicou uma matéria anunciando que o medicamento usado contra a malária teria eficácia comprovada também contra o novo coronavírus.
Apesar de não haver evidências científicas de eficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina contra a covid-19, apenas no tratamento de outras doenças, a OMS considera que os países são soberanos para decidir sobre seus protocolos clínicos.
Por isso, a cloroquina foi incluída, segundo o vice-chefe do Centro Nacional para Desenvolvimento de Biotecnologia da China, do Ministério da Ciência e Tecnologia (MAIORIA), Sum Yanrong, nas diretrizes de tratamento e aplicada em ensaios clínicos mais amplos.
Conforme Yanrong, os pacientes que tomaram o medicamento mostraram melhores indicadores do que seus grupos paralelos, como, por exemplo, na redução da febre e na melhora das imagens de tomografia dos pulmões. Contudo, os resultados dos testes e sua metodologia, usados para amparar a defesa do governo, não são apresentados no texto.
Venezuela
O Guia de Gestão Terapêutica para Covid-19 do governo venezuelano, atualizado em 26 de abril de 2021, inclui a cloroquina e a hidroxicloroquina entre os medicamentos usados no tratamento da covid-19.
Conforme descrição no documento sobre a cloroquina, ela é recomendada por via oral em pacientes adultos, gestantes e crianças tanto para prevenção quanto para tratamento. O documento ainda traz mais de dez efeitos colaterais provocados pelo medicamento, como transtornos cardiovasculares e do sistema imunológico.
Em 26 de maio de 2020, o Comitê Terapêutico Nacional Covid-19 publicou uma nota sobre o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina após uma publicação, quatro dias antes, na revista científica The Lancet e, consequentemente, o pronunciamento da OMS.
O estudo baseia-se em dados de quase 96 mil pacientes internados entre dezembro e abril de 2020 em 671 hospitais em todo o mundo e compara a evolução daqueles que receberam esse tratamento com a dos que não receberam.
Os autores concluíram que a hidroxicloroquina não é apenas ineficaz, mas também eleva o risco de óbito entre os pacientes com a doença. Após a publicação, a OMS decidiu suspender temporariamente os ensaios clínicos com o medicamento em vários países.
O governo venezuelano acusou o estudo publicado pela The Lancet de conter dados incompletos e da seleção inadequada de pacientes para a investigação, alegando que alguns deles já teriam a saúde acometida por alguma comorbidade. O documento oficial destaca ainda o amplo uso da cloroquina no país há décadas no tratamento de malária e doenças reumáticas, e que não há incidência de efeitos adversos graves com o uso moderado.
Cuba
O uso de cloroquina é autorizado e orientado na versão 6, de janeiro de 2021, do Protocolo de Ação Nacional para Covid-19 do governo de Cuba. O documento é constantemente atualizado pelo governo. A inclusão do medicamento no tratamento de pessoas com covid acontece desde o início da pandemia, entretanto as recomendações de uso foram detalhadas e ampliadas no decorrer das atualizações do documento.
O documento consta na plataforma COVID19CUBADATA. Nos protocolos descritos, o uso da cloroquina quase sempre está associada ao Kaletra, um medicamento que, segundo sua bula, integra o tratamento de infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV).
O documento de protocolo do governo cubano também elenca os principais efeitos adversos do uso da cloroquina, citando cefaleia, náuseas, vômitos, diarreias e outros, e, ainda, alerta para o uso associado a outros fármacos como, por exemplo, a azitromicina.
Em depoimento à CPI da Covid, no dia 19 de maio, o ex-ministro da Saúde e general Eduardo Pazuello elogiou o protocolo de Cuba para uso da cloroquina. Para reforçar sua defesa ao uso do medicamento, sem comprovação científica, ele referiu-se a Cuba como “um país mundialmente conhecido pela medicina avançada”. Além da discussão do uso da cloroquina, o presidente Jair Bolsonaro e seus aliados mostraram-se críticos ao governo cubano.
Em julho de 2020, o Comprova verificou um texto que distorcia declarações de especialista cubano para provar eficácia da cloroquina.
Índia
A Índia, que atualmente é o principal epicentro da pandemia no mundo, não usa cloroquina no tratamento de pacientes com covid. O documento “Updated Detailed Clinical Management Protocol for adult cases of Covid19”, publicado em 24 de maio de 2021, não cita o fármaco. Entretanto, autoriza e recomenda o uso de hidroxicloroquina. O documento está hospedado no site oficial do governo indiano.
Na opinião popular, a cloroquina e a hidroxicloroquina são associadas como sendo o mesmo medicamento. No entanto, elas possuem diferenças em suas estruturas químicas. Por isso, podem ser aplicadas em doses distintas. Antes da pandemia, ambos os medicamentos eram vendidos sem prescrição. No entanto, com a alta procura e necessidade de cautela no uso, a Anvisa enquadrou-os como remédios de controle especial.
No dia 24 de maio, a Índia tornou-se o terceiro país a superar 300 mil mortes por covid. O país chegou a registrar o 2º maior número diário de óbitos da pandemia, com 4.454 vidas perdidas em 24 horas.
O que diz a OMS sobre cloroquina
A OMS considera que todo país é soberano para decidir sobre seus protocolos médicos para uso de medicamentos, mas que, embora a hidroxicloroquina e a cloroquina sejam licenciadas para o tratamento de doenças autoimunes e malária, respectivamente, não há evidência científica comprovada até o momento de que esses dois medicamentos sejam eficazes e seguros contra a covid-19.
“As evidências disponíveis sobre benefícios do uso de cloroquina ou hidroxicloroquina são insuficientes, a maioria das pesquisas até agora sugere que não há benefício e já foram emitidos alertas sobre efeitos colaterais do medicamento. Por isso, enquanto não haja evidências científicas de melhor qualidade sobre a eficácia e segurança desses medicamentos, a OPAS recomenda que eles sejam usados apenas no contexto de estudos devidamente registrados, aprovados e eticamente aceitáveis”, diz comunicado oficial no site da OMS, que é atualizado constantemente.
Protocolos de cannabis medicinal pelo mundo
O deputado Arthur do Val cita, no mesmo tuíte, quatro países que não são “comunistas” e que adotam protocolos de cannabis medicinal. Os quatro países citados – Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e Israel –, de fato, possuem protocolos para uso da cannabis medicinal, mas eles não são os únicos e esses protocolos não têm relação com a covid-19.
Veja a situação em cada um deles:
Estados Unidos
A Food & Drug Administration (FDA), agência do governo dos Estados Unidos com função similar à Anvisa, no Brasil, ainda não aprovou um pedido de comercialização da cannabis para o tratamento de qualquer doença ou condição, mas aprovou um derivado da cannabis e três medicamentos relacionados à ela e que já estão disponíveis no país, desde que haja uma receita médica indicando o uso.
O canabidiol (CBD) é o derivado da cannabis aprovado pela FDA e ele está presente, em uma forma purificada, no Epidiolex, usado no tratamento de convulsões associadas à síndrome de Lennox-Gastaut ou síndrome de Dravet em pacientes com um ano de idade ou mais. O Epidiolex também é usado para tratar convulsões associadas ao complexo de esclerose tuberosa.
Já os três medicamentos aprovados são o Marinol e o Syndros, usados para tratar anorexias associadas à perda de peso em pacientes com Aids, e o Cesamet. Todos têm um componente sintético derivado ou similar ao tetrahidrocanabinol (THC), considerado o componente psicoativo da cannabis.
A FDA informa que está ciente de que derivados não aprovados da cannabis estão sendo utilizados para tratamento de uma série de doenças, como epilepsia, esclerose múltipla e câncer, mas que precisa de mais pesquisas científicas para aprovar outros produtos derivados e atestar a segurança e eficácia deles.
Nos Estados Unidos, no entanto, há estados que aprovam o uso medicinal de produtos da cannabis, mesmo que eles não tenham sido aprovados pela FDA. “É importante conduzir pesquisas médicas sobre a segurança e eficácia dos produtos de cannabis por meio de ensaios clínicos adequados e bem controlados. Agradecemos a oportunidade de conversar com estados que estão considerando apoiar a pesquisa médica da cannabis e seus derivados, para que possamos fornecer informações sobre as normas federais e científicas”, diz um trecho da aba sobre regulamentação da cannabis no site oficial da FDA.
Reino Unido
Em julho de 2018, o Reino Unido anunciou que permitiria, a partir de março de 2019, o uso de remédios derivados da cannabis, desde que houvesse prescrição médica. Cerca de um mês antes do anúncio, houve uma polêmica no país. Um garoto chamado Billy Caldwell, que tinha epilepsia, foi hospitalizado depois que autoridades britânicas apreenderam um medicamento à base de óleo de cannabis, que a família tinha comprado no Canadá. A apreensão foi feita no aeroporto de Heathrow, em Londres.
No mesmo mês, a professora Sally Davies, então chefe médica do governo do Reino Unido, encomendou uma pesquisa sobre o assunto com um painel de especialistas e decidiu retirar os medicamentos à base de cannabis da chamada “Tabela 1” que, no Reino Unido, concentra os medicamentos considerados de pouco ou nenhum potencial terapêutico.
Após a pesquisa, o escritório médico do governo publicou uma revisão informando que o Comitê Consultivo sobre o Uso Indevido de Drogas (ACMD) havia considerado os usos terapêuticos da cannabis e canabinoides para o tratamento de “dor crônica; câncer; náuseas/vômitos induzidos por quimioterapia; anorexia e perda de peso; síndrome do intestino irritável; epilepsia; espasticidade relacionada à esclerose múltipla ou lesão da medula espinhal; Síndrome de Tourette; esclerose lateral amiotrófica (ELA); Doença de Huntington; Mal de Parkinson; distonia; demência; glaucoma; traumatismo craniano; vício; ansiedade; depressão; distúrbios do sono; transtorno de estresse pós-traumático; esquizofrenia e outras psicoses.
O relatório assinado pela professora Sally Damies ainda dizia que a lista de usos potenciais da cannabis medicinal crescia ano após ano e que os medicamentos à base de cannabis deveriam ser removidos da Tabela 1 e colocados na Tabela 2, para que passassem por mais avaliações do ACMD.
Alemanha
Em janeiro de 2017, o Parlamento Alemão aprovou o uso medicinal da cannabis. A legislação aprovada obrigava os planos de saúde a custear o tratamento, desde que fosse prescrito por um médico para casos de esclerose múltipla, dores crônicas e falta de apetite ou náuseas provocadas por quimioterapia.
O parlamento autorizou que os medicamentos fossem vendidos em farmácias e, para garantir o abastecimento, o plantio foi autorizado no país. Em março daquele ano, a Alemanha criou uma agência para cultivo de maconha, com plantio supervisionado por um órgão estatal, o Instituto Alemão para Medicamentos e Produtos Sanitários.
Pouco mais de três anos após a autorização, em 29 de outubro de 2020, o Parlamento rejeitou um projeto de deputados da AfD (Alternativa para a Alemanha) que buscava colocar a cannabis em uma base científica, aplicar os procedimentos de leis de reforma de mercado sobre preços, melhorar a segurança da aplicação e isentar os planos de saúde do financiamento da cannabis medicinal.
No projeto, os parlamentares do partido de extrema-direita afirmaram que a maconha era uma droga bastante popular no país, com aprovação de cerca de 49% dos entrevistados em uma pesquisa feita no estado de Saarland, mas que não deveria ser considerada uma cura milagrosa. O objetivo era desmistificar o uso da cannabis medicinal para algumas doenças, mantê-la apenas para aquelas em que houvesse um benefício comprovado e reduzir o valor de reembolso pelos planos de saúde às pessoas que usam os medicamentos.
Israel
Israel foi o primeiro país a investir em pesquisas sobre o uso medicinal da cannabis, ainda na década de 1960. O químico búlgaro Raphael Mechoulam, professor da Universidade Hebraica em Jerusalém, começou a estudar as propriedades da planta e isolou dois componentes: o tetrahidrocanabinol (THC) – psicoativo – e o canabidiol (CBD) – terapêutico. Em 1973, o país permitiu o uso terapêutico da cannabis com prescrição médica e, em 1990, o Ministério da Saúde começou a gerar autorizações para que pacientes cultivassem ou recebessem maconha para fins terapêuticos.
Em 2013, o país criou a Agência de Maconha Medicinal de Israel e, em 2016, o governo investiu US$ 2,13 milhões de dólares em 13 projetos de estudos da maconha e custeou ensaios clínicos por todo o país. Em abril de 2019, quando o uso medicinal já era autorizado para pacientes que sofriam de Mal de Parkinson, epilepsia, câncer e outras doenças terminais, segundo essa matéria publicada pela Forbes, Israel descriminalizou a posse de maconha e plantas similares.
Na ocasião, o ex-primeiro-ministro israelese Ehud Barak presidia a Cannoc/Interculture, uma empresa de cannabis medicinal, e disse, numa conferência de produtores em abril daquele ano, em Tel Aviv, que Israel estava mudando seu lema para “a terra do leite, mel e maconha”. Em abril de 2019, o Ministério da Saúde informou que mais de 550 fazendas já haviam entrado com pedido de licença para cultivar cannabis com fins medicinais em Israel, diz a reportagem.
Este especial produzido pela Folha mostra que Israel vem incentivando o avanço científico da cannabis e que o país já produz a planta para consumo interno e para exportação. Em setembro do ano passado, quando o especial foi publicado, o país tinha 61 mil pacientes registrados para uso de cannabis medicinal e esperava ter uma receita de US$ 635 milhões com taxação de maconha para fins recreativos.
Uso da cannabis medicinal pelo mundo
O Comprova não localizou, em organizações internacionais, uma lista de países que regulamentem o uso da cannabis medicinal. No entanto, reportagens publicadas no Brasil em 2018, 2019 e 2020 listam a situação em alguns países. Em 2018, o GaúchaZH listou Canadá e Uruguai entre os países que legalizaram o consumo da maconha; Bolívia, Equador, França, Portugal, Espanha, Holanda e Geórgia como países que descriminalizaram o uso pessoal; e Brasil, Peru, Chile, Paraguai, Finlândia, Polônia, Áustria, Romênia, Grécia, Itália e Reino Unido entre os que liberaram apenas o uso medicinal. Há, ainda, países que descriminalizaram o uso pessoal e autorizaram o uso medicinal, mas não legalizaram a maconha: Alemanha, Austrália, Bélgica, Argentina, Colômbia, México e Estados Unidos.
Segundo reportagem publicada pela Folha em dezembro de 2019, 38 países regulamentaram a cannabis medicinal de alguma forma. Entre eles, estão Brasil, Estados Unidos, Canadá, Argentina, Chile, Peru, Portugal, Alemanha, França, Holanda, Bélgica, República Tcheca, Colômbia, Uruguai, Nova Zelândia, Austrália, Tailândia e Israel.
Já a revista Época publicou, em dezembro de 2020, uma lista de países que liberaram o uso medicinal da maconha. Além da Argentina, que havia autorizado o uso naquele mesmo mês, também Canadá, Uruguai, Chile, Colômbia, Equador, México, Estados Unidos, Holanda, Itália, Portugal, Alemanha, Dinamarca e Bélgica.
Nos dias 2, 3 e 4 de dezembro do ano passado, em Viena, na Áustria, a Comissão de Narcóticos das Nações Unidas votou e aprovou a retirada da cannabis da lista de drogas perigosas e o reconhecimento das propriedades medicinais da planta, dois anos após a Organização Mundial de Saúde reconhecer as propriedades terapêuticas da maconha.
Dos 53 países-membros da Comissão de Narcóticos, 27 votaram a favor da retirada da cannabis da lista de drogas perigosas e 25 votaram contra. Apenas um país se absteve, a Ucrânia. Mas isso não significa que os países que votaram a favor da proposta liberaram o uso, nem que aqueles que votaram contra não tenham autorizado.
O Brasil, por exemplo, que autoriza o uso medicinal de derivados da cannabis, votou contra a proposta, junto com Afeganistão, Argélia, Angola, Bahrein, Burkina Faso, Chile, China, Costa do Marfim, Cuba, Egito, Hungria, Iraque, Japão, Cazaquistão, Quênia, Quirguistão, Líbia, Nigéria, Paquistão, Peru, Federação Russa, Togo, Turquia e Turcomenistão.
Os que votaram a favor e aprovaram a retirada da cannabis da lista de drogas perigosas foram: Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Colômbia, Croácia, República Tcheca, Equador, El Salvador, França, Alemanha, Índia, Itália, Jamaica, México, Marrocos, Nepal, Holanda, Polônia, África do Sul, Espanha, Suécia, Suíça, Tailândia, Reino Unido, Irlanda do Norte, Estados Unidos e Uruguai.
O que diz a OMS sobre a cannabis medicinal
Sobre a cannabis medicinal, a OMS recomendou, em uma reunião do Comitê de Perigos em Dependência de Drogas da organização, em 2019, uma reclassificação da cannabis e de outras substâncias derivadas para uma lista de drogas menos perigosas. Um tratado de 1961 classificou as drogas em quatro listas diferentes, sendo que a maconha se encontrava na lista mais restritiva, das drogas consideradas mais perigosas.
No entanto, segundo a OMS, houve um avanço significativo nas pesquisas que mostraram que a cannabis tinha efeitos medicinais, como mostra essa checagem feita pelo Estadão Verifica.
Essa recomendação, feita em 2019, precisava ser validada em uma votação pela Comissão de Narcóticos da Organização das Nações Unidas (ONU), o que aconteceu em dezembro de 2020, com a aprovação por 27 votos a favor e 25 contra, com uma abstenção.
Por que investigamos?
O Comprova checa conteúdos possivelmente falsos ou enganosos sobre a pandemia ou o governo federal que tenham alcançado alto grau de viralização.
O post do deputado Arthur do Val teve 4,2 mil curtidas no Twitter, além de ter sido retuitado 464 vezes até a tarde desta segunda-feira (31). Desde o início da pandemia, o uso de medicamentos para a covid-19 tem sido politizado. Bolsonaro e seus apoiadores vêm indicando a utilização de remédios sem comprovação científica de eficácia contra a covid-19, ao mesmo tempo em que desencorajam as vacinas.
Diversas listas de países que adotam cloroquina e hidroxicloroquina em protocolos clínicos contra a covid-19 circulam pela internet e são citadas em discursos em defesa dos medicamentos.
No dia 19 de maio, em depoimento à CPI da Covid, no Senado Federal, o ex-ministro da Saúde e general Eduardo Pazuello afirmou que 29 países têm protocolos de uso de cloroquina. Entre os países citados estão China e Cuba, ambos verificados pelo Comprova nesta apuração.
Também em depoimento à Comissão que investiga ações do governo federal durante a pandemia, a secretária de Gestão do Trabalho do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, chegou a citar a existência de uma lista de países que fazem o uso da cloroquina em pacientes contaminados. Ela, no entanto, não fez referência à fonte da lista. Mayra Pinheiro é conhecida como “Capitã Cloroquina” por sua defesa aberta ao uso do medicamento durante a pandemia.
Comprovado, para o Comprova, é um fato verdadeiro; evento confirmado; localização comprovada; ou conteúdo original publicado sem edição.