O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Política

Investigado por: 2021-06-09

Postagens atribuem a Bolsonaro obra realizada em 2015 pelo governo de São Paulo

  • Falso
Falso
São falsos posts no Facebook e Instagram que apresentam montagem contendo fotos de antes e depois de uma obra atribuída ao governo Bolsonaro. Na verdade, as imagens são de um trecho da duplicação da SP-321 (Rodovia Cezário José de Castilho), inaugurada pelo governo de São Paulo em 2015, antes de o presidente ser eleito.
  • Conteúdo verificado: Postagens que circulam no Facebook e Instagram trazem montagens contendo duas fotos de uma rodovia. A primeira imagem mostra o trecho em obras e a segunda, o trabalho já concluído. A legenda no Facebook diz que “enquanto os parasitas atacam o Presidente JB, o governo federal segue trabalhando”, dando a entender que a obra teria sido entregue pelo governo Bolsonaro. No Instagram, há sobre a montagem a frase “Imagine se no caminho do Brasil não houvesse petista…”.

É falsa uma postagem que circula no Facebook, publicada originalmente por um perfil pessoal, apresentando uma montagem contendo duas fotos de uma rodovia. A primeira imagem mostra o trecho em obras e a segunda, o trabalho já concluído. A legenda atribui a obra ao governo de Jair Bolsonaro (sem partido). Conteúdo semelhante foi publicado por um perfil de apoio à reeleição do presidente, no Instagram.

O Comprova, entretanto, identificou que as imagens são de uma rodovia estadual de São Paulo e que a foto da obra, já finalizada, foi registrada em 2015 pelo fotógrafo Edson Lopes Jr., portanto, antes da eleição de Bolsonaro. O Ministério da Infraestrutura, ao ser procurado, também confirmou não se tratar de uma obra federal.

O Comprova procurou os responsáveis pelas postagens no Facebook e no Instagram, mas não houve retorno até a publicação desta verificação.

Como verificamos?

Inicialmente, o Comprova separou as duas fotos da montagem e utilizou a ferramenta TinEye para fazer a busca reversa das imagens na internet, um mecanismo para encontrar imagens idênticas ou semelhantes que tenham sido publicadas na internet. Pelos resultados, chegou à foto original da obra pronta, que foi recortada para ser utilizada nas postagens.

A página Fotos Públicas trazia a informação de que a imagem havia sido registrada em fevereiro de 2015 em Bauru, município do Estado de São Paulo, precisamente na Rodovia Cezário José de Castilho (SP-321). Além disso, trazia crédito da fotografia, atribuindo-a ao fotógrafo Edson Lopes Jr. e à agência A2D.

Pela página do profissional, a equipe teve acesso ao número de telefone dele e entrou em contato. A imagem foi encaminhada ao fotógrafo, que afirmou não se lembrar de ter feito o registro, mas confirmou ter prestado serviços ao governo de São Paulo entre junho de 2013 e junho de 2015.

Sugeriu, ainda, que a foto fosse buscada no Flickr do governo de São Paulo, onde a reportagem a encontrou. A mesma busca via TinEye também apontou para uma notícia publicada no site do governo paulista, onde a imagem não aparece mais. O conteúdo, entretanto, trata da inauguração.

Em seguida, os verificadores iniciaram a busca pela foto que apresenta a obra em fase de execução e a encontraram ligada a uma notícia, também no site do governo de São Paulo, de onde foi deletada. As informações do texto são referentes ao andamento de obras em rodovias de Bauru e Marília.

Realizando a busca reversa por Bing, o Comprova localizou a foto em mais de uma publicação de 2017, sem créditos ou legendas, em notícias de postagens sobre São Paulo e Rondônia, utilizada como ilustração. Já a montagem foi encontrada em perfis nas redes sociais que tratam da engenharia, em diferentes lugares do mundo. Alguns sinalizavam a obra como brasileira.

Nova busca foi feita no Flickr do governo de São Paulo pela imagem original, não localizada. O Comprova então vasculhou o perfil de Geraldo Alckmin (PSDB) no Facebook, encontrando uma publicação de 17 de setembro de 2014, onde ele posa no mesmo trecho em obras. As imagens apresentam semelhanças com a utilizada no post, contendo, inclusive, alguns veículos iguais, como uma kombi e uma máquina pesada.

A legenda da publicação destaca se tratar das obras de duplicação e melhorias da SP-321, de Bauru até o aeroporto de Arealva. O post contém link que dá acesso ao site de candidatura de Alckmin, reeleito governador naquele ano, mas que foi desativado.

Por fim, a reportagem procurou a assessoria de comunicação do PSDB, do Ministério da Infraestrutura, o autor da postagem no Facebook, uma usuária que a compartilhou na plataforma e a página de apoio à reeleição do presidente no Instagram. Apenas o órgão da União retornou, afirmando que a foto não é de uma rodovia federal.

O mesmo conteúdo foi investigado pela Agência Lupa. Após a publicação, as postagens foram sinalizadas no Facebook como falsas e um link para a verificação da agência foi adicionado.

Verificação

Fotos são da duplicação da SP-321

O Comprova identificou que as duas fotos pertencem à obra inaugurada por Geraldo Alckmin, enquanto governador de São Paulo, em 28 de fevereiro de 2015, e não executadas pelo governo Bolsonaro, que teve início em 2019.

Na ocasião, conforme publicado no site do governo, foram inauguradas três obras totalizando 67 quilômetros na Rodovia Cezário José de Castilho (SP-321), com investimento de R$ 186,2 milhões.

No trecho onde a foto foi tirada, entre Bauru e o aeroporto de Arealva, foram realizados serviços de duplicação da pista, implantação de sistema de drenagem e melhorias na sinalização. As empresas responsáveis pela execução dos serviços foram a Construcap CCPS Engenharia e Comércio S/A e a Construtora Sanches Tripoloni Ltda. A inauguração foi publicada também na imprensa e no site da Prefeitura de Arealva.

Já a foto do trecho ainda em obras está associada à notícia publicada em setembro de 2014 afirmando que a duplicação na Rodovia Cezário José de Castilho (SP-321), entre Bauru e o Aeroporto Moussa Nakhl Tobias, estava mais de 65% concluída. Na ocasião, a previsão de entrega era dezembro de 2014, o que não se concretizou, ocorrendo em 2015.

No perfil de Geraldo Alckmin no Facebook, no dia 17 de setembro de 2014, foram publicadas fotos do então governador no mesmo trecho em obras. Na legenda, ele afirma ter estado nas obras de duplicação e melhorias da SP-321, de Bauru até o aeroporto de Arealva.

Governo federal nega obra

O Comprova encaminhou a montagem para a assessoria de comunicação do Ministério da Infraestrutura, questionando se havia a possibilidade de se tratar de uma obra executada pelo governo federal durante o mandato do presidente Bolsonaro, empossado em janeiro de 2019.

O órgão respondeu afirmando que as imagens não são de uma rodovia federal, deixando claro não haver interferência da União na obra.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Projeto Comprova investiga conteúdos possivelmente falsos ou enganosos sobre a pandemia de covid-19 e políticas públicas do governo federal que apresentam ampla repercussão em redes sociais.

A checagem de conteúdo é importante para ajudar as pessoas a formarem suas próprias conclusões com base em fatos. Atribuir erroneamente a responsabilidade de um investimento a um gestor público pode gerar opinião equivocada dos cidadãos sobre um governo.

As publicações aqui verificadas somavam até o dia 9 de junho de 2021 mais de 16 mil interações. Apenas no Instagram, a página responsável pela postagem tem mais de 80 mil seguidores.

O mesmo conteúdo foi analisado pela Agência Lupa, e o Comprova já fez verificações anteriores também relacionadas a obras atribuídas ao governo Bolsonaro, constatando, por exemplo, que a construção de um viaduto na BR-277, em Foz do Iguaçu (PR), não tem relação com o Ministério da Infraestrutura e que um trecho da BR 163 realmente foi asfaltado no mandato dele.

Falso, para o Comprova, é conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

 

 

Saúde

Investigado por: 2021-06-08

Indicação de defensor da cloroquina ao Nobel da Paz não pode ser confirmada e nem respalda tratamento

  • Enganoso
Enganoso
São enganosas as postagens que afirmam que o médico Vladimir Zelenko foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz por defender o uso de medicamentos como a hidroxicloroquina no tratamento contra a covid-19. As indicações são mantidas em sigilo por 50 anos e podem ser feitas por várias pessoas, como membros de assembleias e governos nacionais e professores universitários. Portanto, mesmo que a indicação fosse confirmada, ela não representaria necessariamente um apoio internacional à tese de Zelenko.
  • Conteúdo verificado: Postagens nas redes sociais segundo as quais o médico Vladimir Zelenko, conhecido por defender o uso de medicamentos como a hidroxicloroquina no tratamento contra a covid-19, foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz.

São enganosas postagens que tratam uma possível indicação do médico Vladimir Zelenko, conhecido por defender o uso da hidroxicloroquina, combinada com azitromicina e zinco, no tratamento contra a covid-19, ao Prêmio Nobel da Paz, como um respaldo ao uso do medicamento.

O Comprova investigou o conteúdo de postagens feitas por mais de 100 páginas no Facebook e também compartilhado pelo músico Roger Moreira, do Ultraje a Rigor, no Twitter. As publicações fazem referência ao site da America’s Frontline Doctors, organização de direita americana conhecida por difundir dados falsos a respeito da pandemia nos Estados Unidos – sua fundadora, a médica Simone Gold, já questionou, por exemplo, a segurança do uso de máscaras e das vacinas no combate à pandemia.

Um texto publicado no site da organização afirma que Zelenko foi “incluído em um grupo de médicos indicados ao Prêmio Nobel da Paz por seu papel no tratamento da pandemia”. Algumas dessas postagens acrescentavam ao texto: “Será que a falsa narrativa agora será a de que o Prêmio Nobel não tem credibilidade, ou algo parecido?”

Embora não tenha sido possível confirmar a indicação, ela não representa necessariamente um apoio internacional à tese de Zelenko. As indicações ao Nobel podem ser feitas por diversas pessoas, como membros de parlamentos, governos nacionais e por professores universitários. Se forem feitas dentro do prazo, todas as indicações são validadas e mantidas em sigilo por 50 anos.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) não recomenda o uso de qualquer destes medicamentos para tratar pacientes com o novo coronavírus e segue coordenando os esforços para desenvolver e avaliar medicamentos que tratem a doença. A entidade interrompeu os testes com hidroxicloroquina em pacientes graves hospitalizados com covid-19, uma vez que os dados do estudo Solidariedade mostraram que ela não é capaz de reduzir a mortalidade nesses casos.

Quanto à azitromicina, um antibiótico, a OMS ressalta que esses medicamentos são eficazes contra bactérias e não contra vírus e, por isso, não devem ser usados para prevenção ou tratamento da covid, embora possam ser usados para tratamento de infecções concomitantes em pacientes internados com a doença. Já em relação ao zinco, embora, assim como outras vitaminas e minerais, seja fundamental para o bom funcionamento do sistema imunológico, não há orientação da OMS para que seja usado na prevenção ou tratamento da covid-19.

Como verificamos?

O primeiro passo foi consultar o regulamento do Prêmio Nobel da Paz no que toca às indicações. Além de informações contidas no site oficial, entramos em contato via e-mail com os organizadores para confirmar a informação referente à indicação de Vladimir Zelenko.

Também buscamos informações sobre Zelenko em organizações médicas norte-americanas, como a American Medical Association (AMA) e a Federação dos Conselhos Médicos Estaduais dos Estados Unidos. Foram consultadas reportagens publicadas na imprensa e verificações anteriores feitas pelo Comprova, a fim de verificar sua relação com as discussões envolvendo tratamento contra a covid-19.

Por fim, buscamos informações sobre os sites em que a notícia da suposta indicação do médico para o Nobel da Paz foi publicada e entramos em contato com a America’s Frontline Doctors, organização norte-americana que publicou a notícia inicialmente, mas não tivemos resposta. Foi procurado, por meio do formulário de contato, o site The Internet Protocol, que não respondeu até a publicação deste texto.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 8 de junho de 2021.

Verificação

A publicação

Publicado no dia 15 de maio, o texto do site Aliança Brasil Oficial, ao qual Roger Moreira faz referência em seu tuíte, baseia-se em uma informação divulgada no dia 2 na página da America’s Frontline Doctors, organização de direita conhecida por difundir dados falsos a respeito do combate à pandemia nos Estados Unidos. Este mesmo texto da America’s Frontline foi compartilhado em mais de 100 posts no Facebook.

Segundo o artigo, que foi traduzido para o português pelo Aliança Brasil Oficial, a lista de indicados ao Prêmio Nobel da Paz deste ano teria 43 nomes, incluindo Vladimir Zelenko e outros médicos. O site do Prêmio, porém, informa que foram 329 indicações em 2021.

O texto ainda afirma que Zelenko “alcançou destaque mundial no tratamento de pacientes com covid-19 com hidroxicloroquina e zinco, descobrindo que a mortalidade caiu 8 vezes com o uso dessas duas substâncias” e que, segundo ele, o tratamento com esses medicamentos nos primeiros cinco dias “reduz as taxas de mortalidade em 85%”, o que não é verdade. A OMS suspendeu os testes de hidroxicloroquina em pacientes graves ao perceber, de acordo com dados do estudo Solidariedade, que a hidroxicloroquina não reduzia a mortalidade nos pacientes de covid-19.

A publicação traz diversas citações de Zelenko em uma entrevista concedida em outubro a um canal israelense na qual ele defende o uso dos medicamentos e diz que os que negam a sua tese são “culpados de assassinato em massa”. Ainda de acordo com o texto, Zelenko “salvou a vida de seus pacientes com seu ‘Protocolo de Zelenko’ desde março de 2020”.

O link para a página do America’s Frontline Doctors foi compartilhado por diversas páginas de direita nas últimas semanas. Uma delas é Por um Brasil melhor, que publicou no dia 1º de junho. “Será que a falsa narrativa agora será a de que Prêmio Nobel não tem credibilidade, ou algo parecido? Vamos aguardar”, diz a postagem.

O Prêmio Nobel da Paz

O Prêmio Nobel da Paz é, segundo informações do site oficial, concedido por um comitê eleito pelo Stortinget, o parlamento norueguês. É concedido anualmente a pessoas e organizações que atuaram pela promoção da paz no mundo.

De acordo com o regramento do prêmio, que é detalhado na página, em 2021 houve 329 indicações, das quais 234 são individuais e 95 são organizações – número, portanto, bem diferente do informado pelo America’s Frontline Doctors e replicado pelo site Aliança Brasil Oficial.

A página do Nobel também informa que os nomes dos indicados, bem como outras informações acerca deles, são mantidos em sigilo por um período de 50 anos. Isso significa que não há como saber se Zelenko ou qualquer outra pessoa ou organização foram, de fato, indicados para o prêmio.

Em resposta ao questionamento enviado por e-mail pelo Comprova, a organização do Nobel reiterou essa informação: “Ao contrário da crença comum, não existe uma lista pública dos indicados ao prêmio este ano. A lista completa de indicados elegíveis para os prêmios de qualquer ano não é divulgada por outros 50 anos – uma restrição regida pelos estatutos do Nobel”.

Na seção de perguntas frequentes do site oficial do Nobel, consta um questionamento sobre rumores envolvendo indicações de determinadas pessoas para o prêmio. Na resposta, a organização alega que, independentemente de se tratar apenas de um rumor ou de uma informação vazada, não há como saber porque os dados oficiais são guardados em segredo por cinco décadas.

Na prática, porém, ainda que Zelenko tenha eventualmente sido indicado, isso não significa que há um apoio em escala internacional à sua tese. Isso porque, também de acordo com o site oficial, uma indicação ao Prêmio Nobel da Paz pode ser feita por qualquer pessoa que se encaixe nos critérios estabelecidos nos estatutos. A lista inclui, por exemplo, membros de assembleias e governos nacionais (como ministros) e atuais chefes de Estado, além de reitores e diretores de universidades, bem como professores universitários de áreas como História, Ciências Sociais, Direito, Filosofia, Teologia e Religião, entre outros. Isso significa que o rol de pessoas habilitadas a indicar alguém ao prêmio é extenso.

Tudo indica, porém, que caso Zelenko fosse indicado ao Nobel por seus experimentos referentes à covid-19, não seria na categoria Paz e, sim, na categoria Fisiologia ou Medicina, que é concedida pela Karolinska Institutet, em Estocolmo, na Suécia. O reconhecimento é destinado a pessoas que realizaram descobertas relevantes no domínio da fisiologia ou medicina.

Quem é Vladimir Zelenko

Vladimir Zelenko nasceu em Kiev, na Ucrânia, em 1973, e se mudou junto com a família, ainda criança, para os Estados Unidos. Esta verificação do Comprova, feita em abril do ano passado, mostra que a imprensa norte-americana o considera um imigrante russo que se converteu ao judaísmo e que atua numa comunidade chamada Kiryas Joel, próxima da cidade de Nova York.

Zelenko ganhou fama nos Estados Unidos em março de 2020 depois de gravar um vídeo endereçado ao então presidente do país, Donald Trump, e o publicar em seu canal no YouTube. No vídeo, que foi removido do YouTube por violar as regras da plataforma, Zelenko se apresenta e conta em detalhes uma “experiência” que vem desenvolvendo na comunidade de Kiryas Joel, sugerindo a combinação de hidroxicloroquina, azitromicina e zinco, a ser usada em pacientes de grupos de risco.

Embora tenha ganhado fama internacional entre os apoiadores do chamado “tratamento precoce” contra a covid-19, Zelenko não aparece listado entre os médicos membros da American Medical Association (AMA). O Comprova buscou pelas credenciais médicas de Zelenko a partir de duas ferramentas de busca de médicos disponíveis na aba de Saúde do site oficial do governo dos Estados Unidos.

O link leva ao diretório MedlinePlus, da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos. Lá, o Comprova buscou pelo nome de Zelenko em dois locais: a AMA e o portal DocInfo, da Federação dos Conselhos Médicos Estaduais dos Estados Unidos). Na primeira opção, Zelenko não é listado como um membro da AMA. A Associação esclarece que, para ser membro, o médico precisa aderir aos Princípios de Ética Médica da entidade, que inclui orientações sobre covid-19.

O nome dele é encontrado apenas quando a busca é refinada para médicos não membros. A especialidade médica registrada é medicina familiar, com a observação de ter sido autodesignada. Segundo a AMA, isso não significa, necessariamente, que ele tenha sido treinado ou tenha competência para exercer essa especialidade. Zelenko tem atuação em Monroe, no estado de Nova York.

A ferramenta de busca DocInfo mostra resultados para Zelenko, com atuação em três locais, os três no estado de Nova York: Highland Mills, Cedarhurst e Monroe. Ele também aparece certificado como médico familiar, com licenças ativas, além de Nova York, no estado da Flórida. Há, ainda, o registro de sua formação: a Universidade Estadual de Nova York, na Escola de Medicina e Ciências Biomédicas de Buffalo. Ele se graduou em 2000.

Zelenko e a covid-19

Embora tenha gravado um vídeo direcionado ao ex-presidente Donald Trump sobre sua experiência no tratamento contra a covid-19, o próprio Zelenko admitiu não ter publicado a sua pesquisa. Sua teoria, no entanto, ainda é compartilhada, mesmo que comprovadamente sem eficácia contra a covid-19.

O médico afirma ter tratado 700 pessoas com uma combinação de hidroxicloroquina, azitromicina e zinco. Desses, seis precisaram de internação, sendo que dois evoluíram para um quadro de pneumonia, dois necessitaram de intubação e um morreu. A vítima morta, segundo alega o médico, havia abandonado o tratamento.

Em uma entrevista ao ex-prefeito de Nova York e advogado do então presidente Donald Trump, Rudolph Giuliani, o médico relatou ter tratado cerca de 450 pacientes com sintomas iniciais da covid-19 com o coquetel. Defendeu que o tratamento reduz o risco de internação e deve ser receitado apenas para pessoas com mais de 60 anos ou com doenças crônicas, por causa dos efeitos colaterais das drogas.

No entanto, passado pouco mais de um ano e dois meses, nem Zelenko publicou sua pesquisa em revistas especializadas, nem a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), da OMS, reconheceu a eficácia dos tratamentos propostos por ele.

Em 1º de março deste ano, especialistas internacionais do Grupo de Desenvolvimento de Diretrizes da OMS concluíram que a hidroxicloroquina não deve ser usada no tratamento precoce da covid-19. A recomendação é amparada em seis ensaios clínicos randomizados, com 6 mil participantes com e sem exposição conhecida a uma pessoa infectada por covid-19.

A conclusão consta no site da Opas. Segundo o documento, por um lado “o estudo mostrou que a hidroxicloroquina não teve efeito significativo na morte e admissão ao hospital, enquanto a evidência de certeza moderada mostrou que a hidroxicloroquina não teve efeito significativo na infecção por covid-19 confirmada em laboratório e provavelmente aumentava o risco de efeitos adversos”.

Com esses resultados, o painel considerou que a hidroxicloroquina deixa de ser prioridade nas pesquisas para encontrar medicamentos que possam prevenir a covid-19. Os resultados completos estão publicados no The BMJ.

Quem publicou antes

A publicação mais antiga sobre uma suposta indicação de Vladimir Zelenko ao Nobel da Paz foi encontrada num site chamado The Internet Protocol, no dia 27 de abril de 2021. Um link para a publicação está disponível no site oficial de Vladimir Zelenko, onde é possível ver publicações dele a respeito do coquetel com hidroxicloroquina, azitromicina e zinco e até agendar consultas.

Ao clicar no link, contudo, o usuário é levado a uma página não mais disponível. Através da ferramenta WayBackMachine, foi possível chegar ao conteúdo original, assinado por Ivan Tkachenko. No texto, o autor diz que Zelenko é um médico ucraniano-americano que trabalha nos Estados Unidos há 16 anos.

Ele faz menção a uma postagem nas redes sociais em que um grupo de pessoas anuncia uma lista de potenciais candidatos, entre eles Zelenko. O texto original informa que as indicações ao Nobel da Paz podem ser feitas por qualquer pessoa e que, no caso de Zelenko, foi feita por um grupo que se descreve como formado por “médicos, farmacêuticos, técnicos de emergência médica, veterinário, funcionário de empresa de medicamentos, toxicologistas, virologistas, imunologistas, químicos, biólogos, estudantes nas profissões acima, enfermeiras” e que “outros profissionais de hospitais e de saúde, jornalistas, altos funcionários do governo podem ser membros”.

O site The Internet Protocol tem Vladimir Zelenko no topo da lista dos membros da equipe. Conteúdo parecido, mas sem informar que um grupo muito amplo de pessoas ou entidades pode fazer indicações ao Nobel da Paz, foi publicado no site norte-americano America’s Frontline Doctors. No dia 15 de maio, o conteúdo foi reproduzido pelo site Aliados Brasil e, no último dia 27, compartilhado no Twitter pelo músico Roger Moreira.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Projeto Comprova investiga conteúdos possivelmente falsos ou enganosos sobre a pandemia que tenham alcançado alto grau de viralização nas redes sociais. O tuíte de Roger Moreira teve 4,5 mil interações no Twitter até a tarde desta terça-feira (8) e conteúdo similar foi compartilhado em mais de 100 publicações no Facebook.

Ao afirmar, sem comprovação, que Vladimir Zelenko foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz, transmite-se a ideia de que a sua defesa do uso de medicamentos como hidroxicloroquina no combate à covid-19 tem respaldo internacional, a ponto de ele disputar o mais prestigioso prêmio mundial. Além de não ser possível saber se a informação é verdadeira, uma eventual indicação não representaria consenso ou mesmo apoio em larga escala à sua tese, visto que os critérios para a realização de indicações previstos nos estatutos do Nobel são bastante abrangentes. Informações semelhantes já haviam sido verificadas pelos sites E-farsas e Boatos.org, bem como pelo Estadão Verifica, que chegaram às mesmas conclusões.

Importante afirmar que não há comprovação da eficácia desses medicamentos. Apesar disso, a circulação de textos com informações falsas ou enganosas se proliferam pelas redes, contribuindo para a desinformação e colocando em risco a saúde da população.

Em 17 de julho do ano passado, a equipe do Comprova apurou que era enganoso o texto publicado em maio do mesmo ano no site Sappno e compartilhado por páginas do Facebook como Aliança pelo Brasil e Lava Jato Notícias. O conteúdo fazia crer que um estudo havia comprovado que o uso de hidroxicloroquina e azitromicina era “seguro” e curava 98,7% dos pacientes. Na verdade, a metodologia usada é questionável, uma vez que não permite conclusões de causa e efeito em relação ao uso do medicamento e o tratamento da covid-19.

E, em 4 de janeiro deste ano, o próprio autor do estudo, Didier Raoult publicou uma carta para o Centro Nacional de Informações sobre Biotecnologia, da França, admitindo que a droga não reduzia as mortes por covid-19. Dias depois, em 18 de janeiro, Raoult voltou atrás e usou a conta no Twitter afirmando que o seu estudo comprovou, sim, a eficácia do medicamento.

Em 25 de maio deste ano, o Comprova apurou que são enganosas as afirmações de um médico cirurgião plástico sobre a eficácia da cloroquina no “tratamento precoce contra a covid-19”.

Enganoso, para o Comprova, é qualquer conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; e o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-06-08

Frase de Daniel Alves de 2019 é tirada de contexto para defender Bolsonaro e atacar Tite sobre Copa América

  • Enganoso
Enganoso
Declaração de Daniel Alves sobre a Copa América de 2019 foi tirada de contexto e usada como se o jogador estivesse defendendo Jair Bolsonaro e atacando o técnico da seleção brasileira de futebol, Tite.
  • Conteúdo verificado: Posts no Facebook que usam uma declaração do jogador Daniel Alves, feita em 2019, sobre o presidente da República ser a maior autoridade do país e a necessidade de respeitá-lo. A fala foi tirada de contexto e usada como se fosse uma manifestação atual a favor da Copa América no Brasil, em defesa de Bolsonaro e contra o técnico Tite.

São enganosas as postagens em grupos do Facebook que afirmam que o jogador de futebol Daniel Alves, lateral direito do São Paulo e ex-capitão da seleção brasileira, saiu em defesa do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e disse “tudo que o Tite merecia ouvir” sobre a realização da Copa América no Brasil. As declarações são verdadeiras, mas estão fora de contexto. Elas foram feitas em 2019, quando o Brasil venceu a Copa América no Rio de Janeiro, e não mencionam o técnico Tite, tampouco foram direcionadas a ele.

Na ocasião, Daniel Alves era capitão da seleção. Bolsonaro estava no estádio e chegou a entregar medalhas aos jogadores. No entanto, ao pisar no gramado para participar da cerimônia, recebeu vaias. Daniel Alves, em entrevista após a cerimônia, manifestou desconforto com a reação da torcida diante do presidente e deu a declaração que, agora, circula entre grupos bolsonaristas como se fosse direcionada ao técnico Tite e como se tratasse da atual edição da Copa América.

“O presidente é a maior autoridade de seu país. Como cidadão brasileiro, tenho que respeitar o presidente da República. Se gostam ou não gostam, não é o lugar de opinar. Porque ele foi eleito pelo povo. As pessoas votaram. Ele não comprou o direito de ser presidente. Eu desejo que ele melhore nosso país, aumente a esperança dos nossos cidadãos. E que as pessoas saibam que o respeito é o princípio de tudo”, disse Daniel. A declaração foi publicada na imprensa na época.

Os ataques de apoiadores de bolsonaristas ao técnico da seleção começaram no final da manhã da última sexta-feira (4), um dia depois de Tite dizer, numa entrevista coletiva, que a posição da equipe técnica e dos jogadores era “muito clara” em relação à realização da competição no Brasil em meio à pandemia. Após a entrevista, foi levantada a hashtag #ForaTite nas redes.

Atualização: No dia 10 de junho de 2021, o usuário do Facebook autor da postagem mais antiga encontrada pelo Comprova, respondeu que não foi o criador do conteúdo e que apenas usou uma postagem de outra pessoa em sua conta no Facebook, cuja origem ele desconhece. “Porém o que o Daniel postou de fato é de 2019 vale como se fosse para os dias de hoje seja pro Tite ou qualquer outro treinador que venha dirigirem nossa seleção (sic)”, escreveu.

Como verificamos?

O primeiro passo foi buscar o texto exato da suposta declaração de Daniel Alves em seus perfis oficiais no Twitter, Instagram e Facebook. O Comprova não encontrou declarações sequer similares ao conteúdo compartilhado em posts de pelo menos dois grupos e dois perfis diferentes no Facebook em nenhuma das redes sociais do jogador.

Em seguida, fizemos uma busca pela declaração no Google. Os resultados levaram a uma reportagem publicada em 8 de julho de 2019 pelo El País e, mais recentemente, em 25 de março de 2020, recuperada em um texto no site da revista Veja, que mostra uma mudança de discurso do jogador sobre o presidente.

Também consultamos duas checagens já publicadas sobre o assunto pelo Estadão Verifica, parceiro do Projeto Comprova, e pelo Boatos.Org.

Por fim, procuramos por declarações do técnico da seleção brasileira, Tite, que pudessem ter despertado a reação dos grupos bolsonaristas contra ele. Encontramos uma publicação do jornal O Povo, integrante do Comprova, e outra do Yahoo Notícias.

O Comprova procurou o autor do post feito primeiro, ainda pela manhã do dia 5 de junho, mas não obteve resposta até a publicação desta checagem. No dia 10 de junho, ele respondeu que havia copiado a postagem de outra pessoa e que, mesmo sabendo que a postagem de Daniel Alves era de 2019, ela “vale como se fosse para os dias de hoje” [Parágrafo atualizado em 11 de junho para incluir resposta de autor da postagem].

Verificação

A declaração e os posts

Em pelo menos dois grupos do Facebook de apoio ao ministro bolsonarista Tarcísio Freitas, da Infraestrutura, foi compartilhado um post contendo uma declaração entre aspas atribuída ao jogador Daniel Alves, junto com uma montagem de duas fotos: uma do atleta e outra do técnico da seleção brasileira de futebol, Tite. Junto com a declaração, aparece uma frase: “Daniel Alves diz tudo que o Tite merecia ouvir”.

A declaração do jogador de futebol é verdadeira, mas foi tirada de contexto porque não foi feita em 2021, não tem relação com a atual edição da Copa América e nem foi direcionada ao técnico. Daniel Alves fez a declaração em julho de 2019, quando o Brasil venceu a Copa América disputada no Rio de Janeiro e se mostrou desconfortável com as vaias do público presente no estádio do Maracanã ao presidente Jair Bolsonaro, que entregou medalhas aos jogadores.

Na ocasião, Daniel Alves havia dito que não se importaria com a presença do presidente da República no estádio e, após as vaias, deu a declaração à imprensa, afirmando que o presidente era “a maior autoridade do país” e que “se gostam ou não, (o estádio) não é o lugar de opinar”.

Os posts recuperam a frase na íntegra, mas enganam ao não deixar claro que as declarações foram feitas há quase dois anos e não têm relação com o atual debate sobre a realização da Copa América no Brasil.

Ataques a Tite

As postagens foram feitas no dia 5 de junho, um dia depois de o técnico Tite começar a ser atacado nas redes sociais após conceder uma entrevista coletiva no dia anterior, 3 de junho. Na coletiva, o treinador fez uma crítica velada à realização da Copa América no Brasil em plena pandemia e disse que a posição da equipe era “muito clara” sobre o assunto. A hashtag #ForaTite chegou a ficar nos trending topics do Twitter ao longo do dia 4 de junho.

Ao falar de uma posição “muito clara”, Tite se referia a um posicionamento também dos jogadores da seleção brasileira, que já vinham se manifestando sobre a possibilidade de não jogar a competição e haviam pedido uma reunião direta com o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Rogério Caboclo, antes de ele ser afastado por conta de uma denúncia de assédio sexual e moral.

A Copa América de 2021 seria realizada, por conta da pandemia, em dois países: Colômbia e Argentina. No dia 20 de maio, contudo, o ministro dos Esportes da Colômbia, Ernesto Lucena, pediu o adiamento da competição para novembro, o que não foi aceito pela Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol). A Colômbia, então, informou que a Copa América não seria mais realizada no país.

Já a Conmebol disse que os jogos seriam mantidos no outro país sede, a Argentina, mas o país também se manifestou contra a realização do torneio lá por conta da pandemia, no dia 30 de maio. Isso levou a Conmebol a cancelar o evento na Argentina e buscar outro país sede. No dia seguinte, 31 de maio, a entidade anunciou que a competição aconteceria no Brasil. O aceite do governo brasileiro à realização da Copa América aqui gerou uma onda de protestos nas redes, inclusive do narrador Luis Roberto, da Rede Globo, que disse em vídeo que a decisão era um “acinte”, um “tapa na cara dos brasileiros”.

Foi a partir desta decisão que os jogadores se reuniram com o técnico Tite no dia 3 de junho, véspera da partida contra o Equador pelas Eliminatórias da Copa do Mundo, e manifestaram a posição de não jogar a Copa América. Já havia uma animosidade anterior de grupos apoiadores de Bolsonaro contra o técnico da seleção. Na Copa América de 2019, a mesma em que foi feita a declaração de Daniel Alves, uma imagem ficou famosa ao mostrar Tite se esquivando de cumprimentar Bolsonaro ao receber a medalha de campeão da competição do presidente.

Nesta segunda-feira, 7, os atletas da seleção anunciaram que vão, sim, disputar a Copa América e que se manifestariam sobre o assunto após jogo nesta terça-feira, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo.

Alvo de apoiadores

O deputado federal José Medeiros (Podemos-MT), vice-líder do governo na Câmara dos Deputados, foi um dos perfis com mais engajamento no Twitter na onda de posts contra Tite. Uma postagem feita ainda na madrugada do dia 4 de junho teve mais de 8 mil curtidas. O parlamentar seguiu fazendo ataques ao treinador nos dias seguintes e afirmando que ele deveria ser demitido.

Outros deputados da base de Bolsonaro também se manifestaram. Coronel Armando (PSC-SC) atacou os atletas e disse que eles estavam sendo manipulados por Tite. Bibo Nunes (PSL-RS) afirmou que o protesto dos jogadores era “antipatriotismo e irresponsabilidade”. Carla Zambelli (PSL-SP) disse que partiu da equipe politizar a realização da competição no Brasil.

Filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Patriotas-RJ) chamou Tite de “hipócrita” e “puxa-saco de Lula” em um vídeo postado nas redes sociais.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos sobre a pandemia e sobre políticas públicas do governo federal que tenham viralizado nas redes sociais. Os posts verificados aqui alcançaram mais de 22 mil interações no Facebook desde o dia 5 de junho, embora dois dos posts estejam indisponíveis. Outros dois foram sinalizados pelo próprio Facebook como “sem contexto”.

Posts que tiram informações de contexto podem enganar pessoas na medida em que as faz acreditar que uma pessoa com forte engajamento nas redes e reconhecida pela trajetória no futebol – o jogador Daniel Alves – fez uma crítica direta ao técnico Tite em defesa do presidente Jair Bolsonaro. A realização da Copa América no Brasil vem sendo alvo de críticas por ter sido autorizada pelo governo em plena pandemia, mesmo que a crise sanitária tenha sido a razão para o cancelamento no Brasil e na Argentina.

O conteúdo desta checagem já foi verificado pelo Estadão Verifica, Aos Fatos e Boatos.Org.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado de contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

 

 

Saúde

Investigado por: 2021-06-08

Posts enganam ao comparar spray nasal patenteado com tratamento precoce

  • Enganoso
Enganoso
São enganosas postagens que traçam paralelo entre um spray nasal contendo hidroxicloroquina e ivermectina e o “tratamento precoce” com esses medicamentos pregado por grupos no Brasil e em outros países. O produto foi criado por um laboratório da Finlândia e teve apenas seu registro comercial aprovado nos Estados Unidos, não a sua aprovação para uso. O spray usa os componentes em doses menores e ainda não passou pela fase de testes que comprove sua eficácia para tratar a covid-19.
  • Conteúdo verificado: Postagens em sites informam a patente obtida por uma empresa finlandesa para um medicamento contra a covid-19 contendo ivermectina e hidroxicloroquina. Os textos comparam o fato ao “tratamento precoce”, no qual são prescritas as substâncias sem comprovação científica para uso desta maneira.

É verdade que uma companhia farmacêutica da Finlândia patenteou nos Estados Unidos um remédio para covid-19 contendo hidroxicloroquina e ivermectina, mas, ao contrário do que afirmam textos em sites como Politz e Terra Brasil Notícias, isso não significa que essas substâncias sejam eficazes contra a doença provocada pelo coronavírus. A patente é apenas uma proteção comercial concedida para proteger os direitos intelectuais dos inventores de produtos e marcas. Ademais, ela não significa que o fabricante tenha obtido autorização para utilizar a droga nos Estados Unidos.

O medicamento em questão, um spray nasal, de fato, foi desenvolvido pela Therapeutica Borealis, uma empresa de Turku, cidade no sudoeste finlandês, e a obtenção da patente foi noticiada pelo site Yle, grupo de comunicação do país. O que os sites que divulgaram os textos verificados não explicam a seus leitores é que a patente foi obtida junto ao United States Patent and Trademark Office (USPTO), um órgão ligado ao Departamento de Comércio dos Estados Unidos. A entidade responsável por aprovar o uso de medicamentos no território americano é a Food and Drug Administration (FDA), a agência reguladora ligada ao governo federal dos Estados Unidos. Em contato com o Comprova, a Therapeutica Borealis informou que ainda nem solicitou ao FDA a autorização para seu spray nasal.

Os conteúdos verificados utilizam a obtenção da patente para propagar o chamado “tratamento precoce”, um combo de medicações utilizado contra a covid-19, mas sem comprovação científica e que é defendido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e muitos de seus apoiadores. Além disso, desinformam pois a utilização de hidroxicloroquina e ivermectina prevista pela empresa finlandesa difere da realizada pelos médicos que aderiram à ideia do “tratamento precoce”, como explicou ao Comprova Bruno Rezende de Souza, doutor em Farmacologia Bioquímica e Molecular.

Por fim, nenhum dos sites brasileiros republicou o trecho da reportagem original que destaca o alerta da Organização Mundial da Saúde (OMS) contra o uso de ivermectina, exceto em ensaios clínicos, devido à falta de dados que demonstrem benefícios contra a covid-19, assim como fizeram a Agência Europeia de Medicamentos e a FDA.

Como verificamos?

O Comprova iniciou a verificação analisando tuíte do usuário @PolitzOficial sobre a obtenção da patente nos Estados Unidos pela empresa finlandesa. O post destaca que a substância contém ivermectina e hidroxicloroquina e questiona se o “circo da CPI do Senado” convocará os finlandeses a prestarem esclarecimentos.

Um link no tuíte dá acesso a texto publicado no fórum Politz, que ironiza o trabalho da CPI e traz informações sobre a substância patenteada, traçando paralelo com o “tratamento precoce”.

Traz também o link da reportagem publicada pelo Yle, uma empresa nacional de mídia da Finlândia com quase um século de existência e considerada fonte confiável de notícias. O Comprova comparou os dois conteúdos e identificou que a versão brasileira omitiu importantes trechos do texto original, escrito em inglês.

A equipe verificou o site da empresa finlandesa, onde foi publicado comunicado sobre o assunto, informando o registro da patente 11.007.187. Este número foi verificado pelo Comprova junto ao USPTO.

A farmacêutica foi procurada via e-mail e o contato foi respondido pelo presidente do Conselho de Administração da Therapeutica Borealis, Kalervo Väänänen, que forneceu informações mais detalhadas sobre a substância patenteada. Pesquisamos como é feita a liberação de uso de medicamentos pela FDA, responsável pela aprovação e avaliação dos medicamentos em território norte-americano antes de serem disponibilizados ao mercado.

Por fim, conversamos com Bruno Rezende de Souza, doutor em Farmacologia Bioquímica e Molecular, que atua como professor associado no Departamento de Fisiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Os responsáveis pelas duas publicações no Brasil também foram procurados. O Terra Brasil Notícias foi procurado via e-mail e não retornou. Já o responsável pelo Politz, procurado via Twitter, afirmou não ter interesse em se explicar e ameaçou acionar a Justiça caso identifique indício de práticas de crimes contra a honra ao ser abordado por verificadores. Declarou não reconhecer a legitimidade e competência legal das agências de checagem e publicou a troca de mensagens nos perfis do Politz no Twitter e no Instagram.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 8 de junho de 2021.

Verificação

Spray nasal

O Yle, de fato, noticiou que a empresa finlandesa Therapeutica Borealis registrou patente nos Estados Unidos de um medicamento contra a covid-19 contendo “doses baixas e seguras” de ivermectina e hidroxicloroquina, além de aprotinina, comumente usada em cirurgias cardiovasculares e do fígado para reduzir o sangramento.

A patente foi concedida pelo USPTO no dia 18 de maio de 2021, pouco mais de um ano após a solicitação da farmacêutica. O USPTO faz parte do Departamento de Comércio dos EUA e é responsável por fornecer patentes e registrar marcas. Já a Food and Drug Administration (FDA) integra o Departamento de Saúde dos EUA e é a agência reguladora responsável por aprovar o uso de medicamentos no país. O spray não é aprovado pela FDA e também não consta na lista de medicamentos autorizados pela agência para uso emergencial no tratamento da covid-19.

Um comunicado sobre o assunto foi publicado no site da empresa, informando que a patente foi obtida do USPTO, no início de maio.

Tanto o documento liberado pelo órgão quanto as informações disponibilizadas no site da farmacêutica confirmam que as substâncias ativas do fármaco são, realmente, a ivermectina, a hidroxicloroquina e a aprotinina, e, de acordo com as cláusulas da patente, em dosagens baixas. O medicamento pode possuir, ainda, outros compostos como a bafilomicina e elementos combinados ou não, como amônio e camostato.

O laboratório explica que a substância deverá ser usada em spray nasal com três efeitos nos mecanismos celulares para prevenir e enfraquecer a capacidade do vírus de entrar no corpo e se replicar. “Dessa forma, é possível evitar a contração da doença e diminuir o risco de adoecimento grave”. O medicamento é tratado como “preventivo ou de ação precoce”, aliado à vacinação.

Embora a postagem do Politz compare o composto com hidroxicloroquina e ivermectina à forma como as substâncias são citadas no Brasil pelos defensores do “tratamento precoce”, a empresa inventora afirma que na substância patenteada esses componentes, junto com a aprotinina, são usados ​​de maneira nova e direcionada na membrana mucosa do trato respiratório superior. “O uso direcionado possibilita menor dosagem das substâncias ativas, tornando o tratamento mais seguro e eficaz”.

A empresa ressalta, inclusive, que todas as moléculas de medicamentos no âmbito da patente foram aprovadas para o tratamento de outras condições, mas quando utilizadas de forma sistêmica, ou seja, como pílulas ou em infusões, as quantidades dos medicamentos são altas e podem causar efeitos adversos.

O laboratório acredita que em uso local, como spray nasal, por exemplo, essa concentração mais baixa das substâncias ativas possa prevenir o progresso e a replicação do vírus.

O comunicado traz a fala do presidente do Conselho de Administração da Therapeutica Borealis, Kalervo Väänänen, afirmando que completar o desenvolvimento do medicamento em um cronograma rápido é possível, pois as moléculas utilizadas são conhecidas em termos de segurança, e o desenvolvimento pode ser direcionado, segundo ele, para testes de Fase II de eficácia e eficiência em relação a diferentes doses e mecanismos de dosagem.

A publicação destaca que a patente é um marco em direção ao mercado e o próximo objetivo é encontrar uma empresa da indústria farmacêutica estabelecida e com escala de negócios internacional para a fabricação.

Procurado pelo Comprova, Väänänen informou por e-mail que a empresa apresentou pedido via Tratado de Cooperação de Patentes (PCT) para outros países, sem definir quais são. Afirmou, ainda, não ter sido solicitada a aprovação da FDA ou de qualquer outra agência reguladora. “Vai levar pelo menos um ou dois anos para realizar todos os procedimentos necessários para a droga entrar no mercado”, disse.

Reforçou que a principal estratégia para combater a covid-19 deve ser a vacinação e que a droga, caso aprovada, deverá ser utilizada de forma preventiva ou em fase bem inicial da infecção viral, não para tratamento da doença avançada. “Como já mostrado, essas drogas são ineficazes se você já tem a doença’’, defende.

Patente não é autorização de uso

O Center for Drug Evaluation and Research (CDER) da FDA é responsável pela aprovação e avaliação dos medicamentos em território norte-americano antes deles serem disponibilizados ao mercado.

As empresas farmacêuticas que desejam vender medicamentos no país, precisam testá-los previamente em animais e humanos para, depois, enviar ao CDER a documentação com as evidências de segurança e eficácia. Uma equipe de médicos, estatísticos, químicos, farmacologistas e outros cientistas da agência são responsáveis por analisar dados, a rotulagem proposta pela empresa e verificar se os benefícios superam os riscos dos medicamentos. Caso a resposta seja sim, é liberada a venda.

Em alguns casos, a aprovação é acelerada, se a terapia medicamentosa for promissora em condições sérias de saúde ou com risco de vida e, ainda, se fornecerem melhores resultados em relação aos outros tratamentos disponíveis.

Com a pandemia do coronavírus, a FDA concedeu autorizações de uso emergencial nos Estados Unidos. Para que isso seja possível, é necessário o Secretário do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos declarar apropriado que tais medidas sejam adotadas para tratar ou prevenir doenças graves. Como a Covid-19 se trata de uma doença infecciosa e com grande impacto na saúde pública, foi permitida a liberação para tratamento médico de medicamentos não aprovados.

No caso verificado, o spray nasal obteve patente nos Estados Unidos, mas isso não significa que o produto foi aprovado para uso no país. O USPTO faz parte do Departamento de Comércio dos EUA e é responsável por fornecer patentes e registrar marcas.

“Tratamento precoce”

A publicação no fórum Politz diz que a CPI instalada no Senado em abril de 2021 para investigar supostas omissões e irregularidades nas ações do governo federal durante a pandemia e que tem questionado fortemente a atuação em relação ao tratamento precoce é “a maior palhaçada do Senado Federal digna de um circo brasileiro” e questiona se os finlandeses serão convocados para darem explicações sobre o remédio baseado em medicamentos “na qual a ‘ciência’ brasileira (e parte internacional) jura de pés juntos que não possuem eficácia contra a praga chinesa”.

Como já divulgado amplamente pelo Comprova, a hidroxicloroquina e a ivermectina não são recomendadas pelos principais órgãos mundiais de saúde como tratamento para a covid-19. No caso da cloroquina e da hidroxicloroquina, a ineficácia inclusive já está comprovada contra a doença, com ou sem a associação com o antibiótico azitromicina. Outras agências de checagem, como Lupa e Aos Fatos, também publicaram informações sobre o uso das drogas em relação à doença.

As publicações dos dois sites brasileiros desconsideram trecho da original que destaca o alerta da OMS contra o uso de ivermectina, exceto em ensaios clínicos, devido à falta de dados que demonstrem benefícios contra a covid-19, assim como a Agência Europeia de Medicamentos e a FDA. A agência reguladora americana também revogou a autorização de uso de emergência para cloroquina e hidroxicloroquina.

O Yle lembra, ainda, que a hidroxicloroquina foi anunciada como tratamento à covid-19 pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ex-presidente americano Donald Trump, citação que o Politz define como “o mais engraçado disso tudo”, afirmando que os dois “defenderam o tratamento precoce que, segundo o nosso entendimento e trackings de estudos publicados, possuem sim uma certa eficácia no combate à covid-19, a depender da dose, estágio da doença, dentre outros fatores, mas isso já foi demonstrado imensamente por nós em nossas publicações”.

O que diz o especialista?

Bruno Rezende de Souza, doutor em Farmacologia Bioquímica e Molecular e professor associado da UFMG, analisou a patente do spray nasal e explicou as diferenças dele para o tratamento precoce defendido por alguns grupos e que incluem a ivermectina e a hidroxicloroquina.

De acordo com ele, o medicamento em cápsula necessita passar pelo metabolismo de primeira passagem – do intestino para a corrente sanguínea – e pelo metabolismo de segunda passagem – fígado – para se transformar na estrutura química que irá agir nos órgãos alvos.

Muitos desses remédios usados pelos defensores do tratamento precoce, como a hidroxicloroquina, são sais que precisam passar por esses processos e, sem controle, podem interagir com outros. “Mesmo que se fale que o efeito (colateral) é muito pequeno, pode ser que a via em que essas drogas atuam seja a mesma de outra droga que realmente funcione para covid-19 e elas vão competir. A gente sabe que ela não funciona, há muitos trabalhos, pesquisas, no mundo inteiro, mostrando que não funciona”.

Acrescenta, ainda, que devido aos efeitos colaterais da droga serem pequenos as pessoas sentem-se confortáveis para testarem, mas acabam sentindo segurança e, consequentemente, se expõem mais ao vírus.

Sobre o spray nasal, ao analisar a patente, o farmacologista elogiou a ideia patenteada, destacando haver uma hipótese forte porque a sugestão não é de ingestão do medicamento como o conhecemos.

“Eles usam a premissa de dados que já existem há muito tempo. Colocam que a ivermectina funciona para isso, a hidroxicloroquina para aquilo, colocam tudo lá na patente, e falam que é de 1% a 10% do que é utilizado normalmente. É uma quantidade muito pequena, muito menor que a que está sendo utilizada aqui, bem mais diluída. A hipótese é interessante porque estão usando base de dados que são in vitro, ou seja, foram feitos com células, e mudando o pH, colocando mais ou menos hidrogênio, o vírus tem mais dificuldade para se ligar à célula. A hipótese que estão levantando é honesta, só que a ciência tem contra-intuitivo, então agora é necessário testar.”

O cientista discorda, entretanto, que os desenvolvedores conseguirão autorização para iniciar os testes pela Fase 2 (em pessoas). “Eles acham possível porque são agentes farmacológicos que já funcionam, mas esses agentes estão no mercado para cápsula, não para mucosa do nariz. A mucosa do nariz é perigosa porque é um caminho muito direto para o cérebro. A pergunta é: usando hidroxicloroquina será que vai ter como efeito perder o olfato? Será que pode ter algum efeito que vai causar um transtorno psiquiátrico? Porque você está expondo o nariz ao agente farmacológico. Tem que ser testado.”

Para isso, diz, os testes precisam ser feitos antes em animais. “Mesmo que se saiba a concentração em doses sistêmicas, em doses nasais não há nenhum resultado. Tem que ser camundongo, todos os testes em animais, para depois passar para a segunda fase e terceira fase. Tenho certeza que a FDA não vai deixar passar direto para a segunda fase.”

Bruno Rezende explica, ainda, que o spray possivelmente não protegerá o pulmão, por onde ocorre a maior parte da infecção pelo vírus. “Não significa que essa concentração de hidroxicloroquina e ivermectina vai chegar ao pulmão e proteger ele. São muitas regiões do trato respiratório que essa droga teria que atingir”.

Os sites que publicaram o conteúdo enganoso

Com mais de 145 mil seguidores no Twitter, o Politz mantém um fórum onde afirma ser “a primeira e única comunidade brasileira que oferece um espaço totalmente seguro, livre de censuras ou perseguições ideológicas”. Esta não é a primeira vez que o Comprova verifica textos publicados pela página.

Procurado pela reportagem, via mensagem direta no Twitter, o responsável pelo Politz se identificou como “Pedro” e afirmou não ter qualquer interesse em se explicar, ameaçando acionar a Justiça caso haja indício de práticas de crimes contra a honra dele ou do site ao ser abordado por verificadores.

Declarou não reconhecer a legitimidade e competência legal das agências de checagem, alegando haver posicionamento ideológico delas e cerceamento da liberdade de expressão e pensamento.

Sugeriu que fosse verificada a fonte originária disponibilizada ao final da reportagem – o que já havia sido feito pela Reportagem quando o site foi procurado – justificando que todas as publicações do Politz “seguem exatamente as fontes sempre citadas, sem tirar nem por, separando muito bem os fatos de opiniões”. Em seguida, o print da conversa foi postado no perfil do Politz no Twitter e no do Instagram.

O Terra Notícias Brasil, que também já foi verificado pelo Comprova, não respondeu o e-mail enviado pela equipe e afirma ser um site nascido da insatisfação de três irmãos com “notícias cotidianas e muitas vezes distorcidas”. Afirma publicar “notícias sempre checadas, feitas com cuidado, seriedade e carinho”.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos sobre a pandemia, caso desta verificação, e políticas públicas do governo federal que tenham viralizado nas redes sociais. O post em questão teve 1,9 mil interações no Twitter até o dia 7 de junho. Não há constatação científica de que remédios usados no tratamento precoce, como a ivermectina e a hidroxicloroquina, sejam eficazes para tratarem a covid-19.

Ao apoiar medicamentos sem eficácia comprovada, o conteúdo coloca a população em risco, já que as medidas conhecidas até o momento para prevenção e controle do novo coronavírus são o uso de máscara, a higienização constante das mãos, o distanciamento social e a vacinação.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado de contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-06-07

Site tira de contexto e-mails de Anthony Fauci sobre máscaras e origem do coronavírus

  • Enganoso
Enganoso
Postagens tiram de contexto e-mails do infectologista Anthony Fauci do início de fevereiro de 2020. Na data em que mensagens foram enviadas, ainda não havia recomendação para uso de máscaras contra covid-19. Um estudo que aponta que o SARS-CoV-2 tem origem natural seria publicado um mês depois.
  • Conteúdo verificado: Texto do site Politz que noticia o “vazamento” de e-mails do infectologista Anthony Fauci em que ele teria dito que o novo coronavírus aparenta ser fruto de engenharia genética e que máscaras são inúteis. O conteúdo foi reproduzido no Facebook e no Twitter.

São enganosas publicações nas redes sociais que tiram de contexto e-mails do infectologista Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID) dos Estados Unidos e um dos principais conselheiros da Casa Branca no combate à pandemia de covid-19. Em mensagens de fevereiro de 2020, o cientista desaconselhou o uso de máscaras a uma colega e recebeu a análise preliminar de um pesquisador sobre a possibilidade de o SARS-CoV-2 ter sido criado em laboratório. Essas opiniões, no entanto, mudaram à medida em que novas informações científicas foram descobertas.

Em entrevista à CNN na última quinta-feira, 3, Fauci disse que, se soubesse naquela época que o uso de máscara é uma maneira eficiente de parar a transmissão da covid-19, não teria recomendado contra a necessidade do equipamento de proteção. O Centro de Controle de Doenças dos EUA (CDC) passou a pedir que os americanos usassem máscaras apenas em abril de 2020.

Além disso, o pesquisador Kristian Andersen, que enviou a Fauci no início de fevereiro um e-mail que dizia que o SARS-CoV-2 parecia “(potencialmente) manipulado”, esclareceu que essa opinião se baseava em análises muito preliminares. Posteriormente, o cientista estudou a sequência genética do novo coronavírus de maneira mais detalhada e concluiu em artigo publicado na Nature Medicine em março de 2020 que o patógeno “não é um produto de laboratório ou um vírus manipulado propositalmente”.

Como verificamos?

Pesquisamos na imprensa americana reportagens sobre e-mails de Anthony Fauci e encontramos publicações do jornal The Washington Post em 31 de maio e do portal Buzzfeed de 1º de junho. A última matéria disponibilizou um documento com todos os e-mails do infectologista, obtidos em um período de janeiro a junho de 2020. Buscamos nesse arquivo as mensagens citadas nos conteúdos enganosos.

Procuramos especialistas que pudessem comentar sobre as teorias de origem do novo coronavírus. Consultamos Aguinaldo Roberto Pinto, professor titular do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Giliane Trindade, professora do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (ICB/UFMG) e Flávio da Fonseca, virologista do Departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV).

Entramos em contato com o site Politz, que publicou o texto analisado aqui, e os perfis Movimento Avança Brasil e @Helenova31, que reproduziram o conteúdo no Facebook e no Twitter, respectivamente.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 7 de junho de 2021.

Verificação

E-mails foram divulgados, não vazados

É importante ressaltar que os e-mails foram obtidos por meio de Lei de Acesso à Informação. É uma ferramenta de transparência pública pela qual qualquer cidadão pode solicitar informações públicas ao governo, que é obrigado a respondê-las. No Brasil, existe desde 2011.

Os e-mails de Fauci foram obtidos por jornalistas e publicados nos veículos Washington Post, Buzzfeed e CNN na semana passada. O Buzzfeed disponibilizou um documento PDF em que é possível buscar todos os e-mails divulgados. Assim, o Comprova verificou que as correspondências citadas pelo site Politz eram verdadeiras, embora estivessem fora de contexto.

Discussão sobre origem do coronavírus

Fauci trocou e-mails em 1º de fevereiro de 2020 com o pesquisador Kristian Andersen, do laboratório Scripps Research, da Califórnia (veja na página 3.187 do documento). Os dois conversavam sobre um texto jornalístico publicado na Science, que falava sobre a corrida de cientistas para analisar a sequência genética do SARS-CoV-2 em busca da origem do vírus.

Andersen comenta que a reportagem é ótima, mas ressalta que em sua pesquisa ainda não conseguiu entender estruturas únicas do novo coronavírus. Ele diz que algumas das características “parecem (potencialmente) manipuladas”. Escrevendo na sexta-feira, o cientista adiciona que deve obter mais respostas no final da semana. E acrescenta que “ainda temos que examinar com muito mais cuidado, e há outras análises a serem feitas, então essas opiniões podem mudar”.

O e-mail não prova que o vírus tenha sido manipulado em laboratório, como inferem as postagens analisadas. Apenas reflete as considerações iniciais do cientista sobre o assunto. Em 17 de março de 2020, mais de um mês depois da troca de mensagens, Andersen e outros pesquisadores publicaram um artigo científico na revista Nature Medicine. Nele, dizem que “nossa análise claramente mostra que o SARS-CoV-2 não é um produto de laboratório ou um vírus manipulado propositalmente”.

A conclusão do estudo assinado por Andersen foi corroborada em outras pesquisas publicadas em revistas científicas de renome, como a Cell e Nature Microbiology.

Sobre o e-mail a Fauci, Andersen publicou no Twitter que a reflexão inicial é apenas parte do processo científico. O pesquisador escreveu que algumas características incomuns do vírus, como o sítio de clivagem por furina (uma estrutura que torna o patógeno mais transmissível), o levaram a crer que o vírus tivesse sido manipulado. Mas ressaltou que análises posteriores não confirmaram essa hipótese.

“O e-mail a Tony foi baseado em apenas dois dias de análises muito preliminares”, publicou o cientista no Twitter.

Andersen ressaltou que, na época do e-mail, a equipe de pesquisadores ainda não tinha acesso ao genoma do RaTG13 — um vírus encontrado em morcegos que se descobriu ser muito similar ao SARS-CoV-2. “Após nossa análise preliminar, fizemos investigações mais extensas, tanto no genoma do RaTG13 quanto de outros coronavírus, para comparar de forma mais ampla a diversidade genética da família de coronavírus”, escreveu ele no Twitter.

O pesquisador acrescentou que a equipe examinou a literatura do Instituto de Virologia de Wuhan – localizado na cidade chinesa onde foram registrados os primeiros casos de covid-19 -, buscando por vírus que pudessem ser parecidos com o SARS-CoV-2. Segundo Andersen, foram consideradas as possibilidades de emergência natural, manipulação genética e escape de laboratório.

“Muitas das análises foram completadas em questão de dias, e nos permitiram rejeitar rapidamente a hipótese preliminar de que o vírus tinha sido manipulado”, disse ele. “Este é um exemplo clássico do método científico, em que uma hipótese preliminar é descartada em favor de outra hipótese, à medida em que mais dados ficam disponíveis e análises são finalizadas”.

As evidências científicas disponíveis até o momento apontam que o cenário mais viável é que o novo coronavírus tenha origem natural – morcegos são apontados como o repositório mais provável. Um relatório publicado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em fevereiro de 2021, após expedição à China, não chegou a considerar a hipótese de criação artificial e indicou que a possibilidade de o vírus ter escapado de um laboratório era “extremamente improvável”.

Alguns cientistas, incluindo o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, defendem que a teoria de escape de laboratório deve ser melhor investigada. Em maio, 18 pesquisadores assinaram uma carta na Nature em que dizem que o vazamento acidental “permanece viável”. Depois que esta possibilidade passou a ser mais debatida, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pediu que agências de inteligência americanas investigassem as origens da pandemia.

Opinião sobre uso de máscaras mudou

Outra troca de e-mails citada no conteúdo enganoso data de 5 de fevereiro de 2020. A presidente da American University em Washington, Sylvia Burwell, entra em contato com Fauci, pois vai viajar e quer saber se deve levar uma máscara. O infectologista desaconselha o uso do equipamento de proteção, dizendo que deve ser utilizado apenas por pessoas infectadas.

“A máscara típica que você compra na farmácia não é muito eficiente em barrar o vírus, que é pequeno o suficiente para atravessar o material”, escreveu ele. “Pode, no entanto, te proteger de gotículas maiores, se alguém espirrar ou tossir em você”.

Respondendo a outra pergunta de Sylvia, sobre que tipo de doação empresários poderiam enviar à China para auxiliar no combate ao coronavírus, Fauci afirma: “o dinheiro será mais bem gasto em medidas médicas, como diagnósticos e vacinas”. Confira na página 3.027 do documento.

Os conteúdos enganosos não deixam claro que a opinião de Fauci à época condizia com as orientações da OMS e do Centro de Controle de Doenças americano (CDC). A primeira entidade só passou a recomendar oficialmente o uso de máscaras em junho de 2020. O entendimento mudou a partir de resultados de uma pesquisa encomendada pela própria OMS. O CDC começou a pedir o uso de máscaras em abril do ano passado. Havia, na época, receio de que faltassem suprimentos para trabalhadores na linha de frente no combate à covid-19.

Fauci também mudou de opinião diante de novas evidências. À CNN americana na última quinta-feira, 3, ele disse que, se tivesse as informações disponíveis hoje, não recomendaria dispensar a máscara. O infectologista afirmou que sua recomendação se baseou nos dados da época, e ressaltou que o conhecimento científico se acumula.

“Claro (que recomendaria o uso de máscaras), se soubéssemos naquela época que uma quantidade substancial de transmissão era de pessoas assintomáticas, se soubéssemos que os dados mostram que usar máscaras fora do ambiente hospitalar funciona, quando não sabíamos disso, é claro”, disse ele.

Outro e-mail citado pelo site Politz e que aborda o uso de máscaras foi encaminhado em 5 de fevereiro de 2020 a Roger Goodell, comissionário da National Football League (NFL), liga de futebol americano dos EUA. Não encontramos esse e-mail no documento divulgado pelo site Buzzfeed. Na suposta mensagem, Fauci teria brincado que não se importava se Roger usasse máscara ou não, desde que ele encontrasse uma forma de parar o avanço do time Cleveland Browns.

Agradecimento a Peter Daszak

Um terceiro e-mail citado pelo site Politz foi encaminhado ao zoólogo Peter Daszak, presidente da organização EcoHealth Alliance, que se dedica a pesquisar a emergência de doenças virais. Daszak escreve um e-mail elogioso a Anthony Fauci, para agradecê-lo pelas declarações públicas a respeito da origem do coronavírus — o infectologista americano sustentou diversas vezes que o SARS-CoV-2 surgiu na natureza, embora tenha recentemente admitido que a teoria de escape de laboratório deve continuar a ser investigada.

Fauci responde a Daszak: “Peter, muito obrigado por sua gentil mensagem”. Veja na página 1.150 do documento. O site Politz diz que o e-mail é prova que havia uma operação para “encobrimento” da verdadeira origem do SARS-CoV-2; no entanto, não há qualquer evidência disso. Os dois se corresponderam apenas uma vez no período divulgado pelo Buzzfeed.

Peter Daszak tem sido questionado nas redes sociais por sua pesquisa anterior com o Instituto de Virologia de Wuhan. Parte dos estudos foi financiada pelo órgão governamental americano Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID), dirigido por Fauci. O objetivo era analisar coronavírus surgidos em morcegos — animal do qual emergiu a SARS em 2003 e de onde cientistas indicam como repositório provável do SARS-CoV-2.

Importante lembrar que o termo “coronavírus” se refere à família de vírus que inclui os agentes que causam a covid-19, a SARS e outras doenças infecciosas.

Nas redes sociais, tem se espalhado a teoria de que esses estudos da EcoHealth Alliance incluíram uso de técnicas de “ganho de função”, o que poderia ser um indício de manipulação artificial do SARS-CoV-2. “Ganho de função” é um termo que descreve um tipo de pesquisa polêmica, em que cientistas modificam geneticamente patógenos para torná-los mais perigosos, ou mais transmissíveis. O objetivo é prever como os vírus podem se comportar. Tanto o NIAID quanto a EcoHealth Alliance negam ter feito experimentos desse tipo.

No início de maio, Fauci chamou a alegação de financiamento a pesquisas de ganho de função de “absurda”. Em audiência no Senado americano em 26 de maio, Fauci voltou a negar que o NIAID tenha concedido bolsa para estudos desse tipo com coronavírus de morcegos. O senador republicano John Kennedy perguntou ao infectologista se os cientistas que ganharam o financiamento poderiam ter mentido para ele. Fauci respondeu “nunca se sabe”, mas acrescentou que acredita que os pesquisadores são confiáveis e atenderam à delimitação da bolsa.

Em fevereiro, o site de fact-checking americano Politifact apurou que, em 2014, o NIAID concedeu uma bolsa de US$ 3,4 milhões à EcoHealth Alliance. A organização firmou uma parceria com o laboratório chinês para fazer análises genéticas de coronavírus originados em morcegos em Yunnan, outra cidade na China. Segundo Fauci, US$ 600 mil foram destinados ao Instituto de Virologia de Wuhan por meio dessa pesquisa.

O que o Politifact mostrou é que, apesar de ter existido uma bolsa de financiamento do governo americano ao laboratório chinês, não há provas de que os pesquisadores fizeram experimentos de ganho de função em coronavírus de morcegos.

“A pesquisa apoiada pela concessão da EcoHealth Alliance Inc. caracterizou a função das proteínas spike de morcegos recentemente descobertas e de patógenos de ocorrência natural e não envolveu o aumento da patogenicidade ou transmissibilidade dos vírus estudados”, disse a assessoria dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH), órgão no qual o NIAID está inserido, em nota ao Politifact.

O site de checagem americano aponta ainda que, em outubro de 2014, o governo de Barack Obama decidiu suspender o financiamento de experimentos de ganho de função. Diante disso, o NIH analisou o projeto de pesquisa da EcoHealth Alliance e determinou que não envolvia o melhoramento de vírus.

O Politifact pediu ainda que um biólogo do Instituto de Tecnologia do Massachussetts (MIT) revisasse um estudo publicado por meio da bolsa concedida à EcoHealth Alliance e ao Instituto de Virologia de Wuhan. O cientista Kevin Esvelt disse ter identificado componentes similares à definição de ganho de função na pesquisa, mas afirmou que o estudo “definitivamente NÃO levou à criação do SARS-CoV-2”, já que a sequência genética do vírus analisado era muito diferente da do agente que causa a covid-19.

Em outro e-mail de Fauci (página 3.206), o vice-diretor do NIAID, Hugh Auchincloss, diz que outra pesquisa com coronavírus de morcegos, de 2015, foi realizada antes da pausa determinada pelo governo Obama a experimentos de ganho de função. Depois da determinação governamental, o projeto foi revisado e aprovado pelo NIH. Auchincloss cita ainda que Emily Erbelding, diretora da divisão de Microbiologia do NIAID, não tinha encontrado nenhuma pesquisa relacionada a coronavírus com ganho de função financiada pela instituição.

Sobre o e-mail de agradecimento a Daszak, Fauci disse à CNN dos Estados Unidos que não é possível tirar conclusões sobre a relação entre os dois apenas pela troca de mensagens. O infectologista ressaltou que ainda acredita que a origem mais provável do novo coronavírus é animal. “Mantenho a mente completamente aberta quanto a talvez ter outras origens, talvez ter outra razão, poder ser um vazamento de um laboratório”, disse ele. “Acho que se você olhar historicamente, o que ocorre na interface entre humanos e animais é que é mais provável que o vírus tenha pulado de uma espécie a outra”.

“Você pode distorcer como quiser”, continuou Fauci. “O e-mail foi de uma pessoa agradecendo ao que quer que ele acha que eu disse, e eu disse que a origem mais provável do coronavírus é por meio de um salto entre espécies. Eu ainda acho que é, ao mesmo tempo mantenho a mente aberta sobre a possibilidade de um vazamento”.

A virologista Giliane Trindade, professora do Departamento de Microbiologia da ICB/UFMG, explica que Peter Daszak é um proeminente nome do campo de ecologia de doenças emergentes. Ou seja: ele já participava de várias pesquisas sobre animais que são reservatórios virais, como os morcegos. Que o cientista fizesse estudos na China não é um sinal de conspiração; apenas quer dizer que o país asiático tem alta população de morcegos e era um cenário favorável para a interação desses animais com seres humanos — tendo em vista a existência de mercados de carnes exóticas como o de Wuhan.

“Ele faz estudos justamente em locais de risco do planeta, onde esses vírus que estão em animais podem chegar a humanos”, diz Giliane. “Existem vários trabalhos pregressos que mostram a emergência de coronavírus na China. E não só de pesquisadores chineses. Ecologicamente, faz todo o sentido que o SARS-CoV-2 surgisse lá, de onde também veio o SARS. Por isso, intensificaram a pesquisa na região”.

“A maior parte dos betacoronavírus humanos (família à qual pertence o novo coronavírus) veio de morcegos”, explica a virologista. “O SARS-CoV-2 seria mais um que está repetindo uma história comum”.

Fauci recebeu vários e-mails sobre a origem do vírus

O que fica claro nos e-mails revelados de Fauci é que o diretor do NIAID recebia muita correspondência, de diversas fontes diferentes. Em uma delas (página 2.286), um homem chamado Adam Gaertner diz ter encontrado a receita para criação do novo coronavírus, e afirma que o patógeno é uma arma biológica.

Mas, como já mostraram checagens do Politifact e do USA Today, Gaertner não é um pesquisador, e não pode ser considerado uma fonte confiável. A primeira verificação ressaltou que Adam não citou nenhuma prova no e-mail, e que é conhecido na internet por defender o uso de ivermectina contra covid-19. Ainda não existem estudos conclusivos sobre esse medicamento no combate ao coronavírus, e as principais entidades de saúde do mundo não recomendam seu uso.

O USA Today descobriu que o e-mail de Gaertner foi copiado literalmente de um estudo de 2005 assinado por pesquisadores da Universidade da Pensilvânia. Um dos coautores da pesquisa, Graham Simmons, disse ao jornal americano que o artigo em 2005 não tem nenhuma relação com criação de coronavírus ou armas biológicas.

“Não faz o menor sentido que (o estudo) possa ser um método para produção de armas biológicas de coronavírus”, disse ele. “Fico feliz que alguém tenha encaminhado este trabalho para Tony Fauci, pois é um experimento muito legal e foi financiado pela NIH, mas a distorção é chocante”.

Outro e-mail citado pelo site Politz está na página 522 do documento divulgado pelo Buzzfeed. Na mensagem, um dermatologista chamado Michael Jacobs diz acreditar que o novo coronavírus teria sido vazado do laboratório de Wuhan. Ele também menciona a possibilidade de que o vírus tenha sido combinado com um fungo para ficar “mais grudento”.

Essa possibilidade foi descartada por Aguinaldo Roberto Pinto, professor titular do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ele disse que o método citado pelo dermatologista não faz sentido. “O vírus é de transmissão aérea. Essa já é uma forma de transmissão excelente e muito eficiente; não precisaria complexar (com um fungo)”, atesta.

O que dizem os especialistas sobre a origem do coronavírus

Aguinaldo Roberto Pinto, da UFSC, também considera pouco provável a criação do SARS-CoV-2 em laboratório. Ele diz que os vírus podem sofrer mutações, sobretudo aqueles cujo material genético é RNA, como no caso do coronavírus, e não há nada de incomum nessas alterações que pudessem comprovar a interferência humana no surgimento do agente causador da covid-19.

Ele pontua ainda que os vírus podem infectar várias espécies animais e, quando passa de uma espécie para outra, também podem se tornar outro vírus.

O professor cita como exemplo o HIV, um vírus decorrente de outro – SIV – que, originalmente, infectou macacos. Depois, passou para os seres humanos, resultando no HIV como conhecemos atualmente. “Então, não seria algo inédito o vírus passar de um bicho para outro, ou passar para humanos, e se tornar um novo vírus”, reforça.

A possibilidade de o SARS-CoV-2 ter surgido a partir do morcego ainda é investigada, afirma Aguinaldo Pinto, mas ele ressalta que é bastante plausível considerar que o coronavírus tenha surgido naturalmente, num ambiente de pouca higiene e muitos animais juntos, do que ter sido criado em laboratório.

“Não seria a primeira vez, nem vai ser a última. Como há muitas pessoas vivendo em condições precárias de higiene, novos vírus vão surgir. Na história recente, de 2000 para cá, surgiu a SARS, depois a MERS e agora o SARS-CoV-2. Tudo indica que os vírus surgiram na natureza, de forma espontânea, devido a essas condições de má higiene”, avalia o professor.

Ainda sobre a improbabilidade de o vírus ter sido criado em laboratório, Flávio da Fonseca, virologista do Departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV), afirma que tanto o SARS-CoV quanto o SARS-CoV-2 não têm cicatrizes em seus genomas. “Quando fazemos uma manipulação genética em qualquer pedaço de DNA, a gente utiliza ferramentas que deixam marcas, as cicatrizes”, diz Fonseca. “E nenhum dos vírus tem cicatriz que possa nos levar a pensar que ele foi manipulado geneticamente.”

Giliane Trindade, da UFMG, diz que as evidências disponíveis até o momento indicam que o SARS-CoV-2 tem origem natural. “Até que a ciência mostre o contrário, todas as evidências apontam que não é uma arma biológica”, disse a virologista.

Ela opina que a especulação sobre teorias pouco prováveis tira a atenção de questões realmente importantes. “O dado científico mostra que um vírus muito parecido está na natureza”, diz a virologista. “O que as pessoas deveriam estar preocupadas era como diminuir a interface da nossa sociedade com o mundo animal. Como criar esses animais sem impactar tanto nossa sociedade”.

O site

Um dos posts verificados aqui coloca link para conteúdo de um site chamado Politz, que se descreve como a “primeira e única comunidade brasileira que oferece um espaço totalmente seguro, livre de censuras ou perseguições ideológicas”.

Ao citar as máscaras, é informado no texto sobre Fauci que o Politz prefere chamá-las de focinheiras.

No Twitter, a plataforma tem 145 mil seguidores e, nesta rede, criticou a checagem feita pela Agência Lupa, reafirmando que o conteúdo publicado no site está correto, que os checadores da agência “simplesmente reproduzem quase que na íntegra o que está publicado em nossa reportagem”. Não é verdade, já que a “reportagem” do Politz é categórica ao afirmar que “os e-mails vazados de Dr. Fauci, rei dos lockdowns intermináveis e das máscaras, botam todas as políticas tomadas pelas autoridades públicas praticamente no mundo inteiro em cheque, mostrando que quem realmente estava certo, na verdade, era o próprio presidente Jair Bolsonaro e o presidente Donald Trump”.

O conteúdo do Politz foi compartilhado pelo perfil @Helenova31 no Twitter, que tem quase 17 mil seguidores. A página publica conteúdos atacando a imprensa, defendendo medicamentos como cloroquina e ivermectina e minimizando a pandemia.

O Comprova tentou entrar em contato com o perfil no Twitter e com o Politz, mas não obteve retorno.

O Politz também foi utilizado como fonte do post da página Movimento Avança Brasil, que se apresenta da seguinte maneira: “Somos livres e de bons costumes trabalhando na transformação do Brasil através da transparência de tudo que é público, com limitação e separação de poderes”. Questionado sobre o uso de fontes, um responsável pelo perfil respondeu ter utilizado reportagens da Fox News e um arquivo compartilhado com os e-mails, diferentemente do que havia publicado inicialmente.

Após contato da reportagem, além de ter alterado a fonte, o texto do post mudou de “Vazam e-mails do Dr. Fauci, da Casa Branca, afirmando que o vírus chinês aparenta ser fruto de engenharia genética e inutilidade das máscaras” para “Vazam e-mails do Dr. Fauci, da Casa Branca, onde ele disse que o vírus chinês pode ter vindo de um laboratório e possível inutilidade das máscaras”.

O Comprova perguntou ainda se a página checava as fontes de informação, já que é sabido que Fauci mudou seu posicionamento sobre o uso de máscaras ainda no início da pandemia. A resposta foi: “Você diz se checamos o que a Fox News diz? Não checamos, assim como não checamos publicações da Folha, Globo etc…”.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos sobre a pandemia e sobre políticas públicas do governo federal que tenham viralizado nas redes sociais. Os conteúdos verificados aqui alcançaram, no total, 2,4 mil reações e foram compartilhados cerca de 1,5 mil vezes até 7 de junho.

Ao tirar do contexto afirmações de um dos principais imunologistas dos Estados Unidos, as postagens tentam, seguindo a linha do ex-presidente Trump e de Jair Bolsonaro (sem partido), culpabilizar a China pela pandemia e, ainda, colocam a população em perigo ou afirmar que ele não defende o uso de máscaras. A proteção facial é, até o momento, uma das medidas eficazes conhecidas contra o vírus, ao lado de distanciamento social, restrição de circulação, higienização das mãos e, claro, a vacina. Só assim o país vai diminuir os índices de contaminação e morte pela doença.

O conteúdo desta checagem já foi verificado pela Lupa e pelo Poynter, instituto de comunicação americano.

O Comprova já fez outras verificações sobre a suposta criação do coronavírus em laboratório, como a que enganava ao dizer que a China havia testado o Sars-CoV-2 como arma biológica.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado de contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-06-04

É enganoso que União repassou R$ 420 bi para os estados combaterem a pandemia

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa a postagem no Facebook que afirma que o governo federal enviou R$ 420 bilhões aos estados brasileiros para auxiliar no combate à pandemia de covid-19. O valor, divulgado pela própria União, inclui, além do apoio para enfrentar o novo coronavírus, repasses de rotina, previstos constitucionalmente, e o auxílio emergencial, verbas que, segundo especialistas, não podem ser consideradas repasses.
  • Conteúdo verificado: Imagem circula no Facebook e, no contexto da disputa política entre o presidente Bolsonaro e os governadores, leva a crer que o governo federal enviou R$ 420 bilhões para o combate à pandemia a governadores e prefeitos. Diz a imagem: “O povo quer saber… onde está o dinheiro enviado pelo Bolsonaro? Foram mais de R$ 420 bilhões repassados pelo governo federal a estados e municípios durante a pandemia”.

É enganosa uma postagem no Facebook que afirma que o governo federal transferiu R$ 420 bilhões para estados e municípios enfrentarem a pandemia de covid-19. Embora uma publicação no site da União traga este valor como medidas de apoio aos governos locais realizadas durante a crise causada pelo novo coronavírus, até 15 de janeiro de 2021, o cálculo inclui transferências constitucionais obrigatórias, repasses de rotina para a saúde que já ocorriam independentemente da pandemia, dinheiro enviado especificamente para o combate à doença e medidas de suporte econômico não relacionadas à saúde, como a suspensão das dívidas dos entes subnacionais.

Na lista, o governo federal também descreve valores de “benefícios ao cidadão”, como programas de transferência de renda e o auxílio emergencial, que são geridos por bancos federais e pagos diretamente aos beneficiários, sem passar pelos cofres de governos estaduais e prefeituras. Segundo dois economistas especializados em contas públicas ouvidos pelo Comprova, o auxílio não pode ser considerado como repasse aos estados. Dados dos sites Tesouro Transparente e SIGA Brasil mostram que a maior parte da despesa federal com a covid-19 foi o pagamento do auxílio emergencial.

Três sites de transparência de gastos públicos consultados pela reportagem indicam que o valor enviado diretamente para governadores e prefeitos está bem abaixo dos R$ 420 bilhões. O Tesouro Transparente aponta transferências de R$ 109,8 bilhões da União para estados e municípios; incluindo valores de combate à covid-19 e auxílios financeiros para esses governos. O SIGA Brasil diz que, de todos os gastos do governo federal com o enfrentamento do novo coronavírus, apenas R$ 78,26 bilhões foram transferidos para estados, municípios e para o Distrito Federal. Por fim, o portal LocalizaSUS, do Ministério da Saúde, mostra que, em todo o ano passado, os estados receberam R$ 32,3 bilhões em recursos enviados exclusivamente para combater a doença.

O Comprova procurou dois perfis no Facebook que compartilharam o conteúdo, mas não teve retorno. Um deles bloqueou o verificador na rede social.

Como verificamos?

Buscamos na Internet menções ao repasse de R$ 420 bilhões para estados durante a pandemia e encontramos um link do site do governo federal com o mesmo valor e um detalhamento do que estava incluído nessa conta. Entrevistamos dois economistas, o professor de ciências públicas da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Piscitelli e o ex-diretor do Banco Central Carlos Eduardo Freitas, para entender se os valores descritos pelo governo, como auxílio emergencial, podem ser considerados repasses aos estados.

Consultamos nos sites de órgãos públicos Tesouro Transparente, SIGA Brasil e Localiza SUS o quanto foi transferido pela União para os governos estaduais a título de enfrentamento à pandemia em 2020. Também pesquisamos matérias de veículos de comunicação para relembrar a divergência entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e os governadores em relação ao montante de dinheiro enviado como ajuda aos estados.

Questionamos, também, a Secretaria de Comunicação do governo federal, mas não obtivemos resposta até a mais recente atualização desta reportagem.

Por fim, tentamos ouvir dois perfis do Facebook: o que publicou o conteúdo em sua linha do tempo (“vitoria.gea”) e o que compartilhou esta mesma postagem no grupo em que ela viralizou (“locutornildo”). Nenhum deles respondeu. O conteúdo original foi excluído antes da tentativa de contato do Comprova e o primeiro perfil a publicá-lo compartilhou, nos stories, uma crítica às agências de checagem, alegando que elas “defendem a censura”.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 4 de junho de 2021.

Verificação

Os R$ 420 bilhões

A cifra de R$ 420 bilhões foi divulgada pelo próprio governo federal no final de fevereiro de 2021. Ela inclui uma série de recursos pagos pela União até 15 de janeiro de 2021, não só dinheiro para o enfrentamento à pandemia. Estão incluídos nesse cálculo recursos constitucionais repassados para estados e municípios e dinheiro para a saúde (incluindo repasses de rotina e de enfrentamento à covid-19. No detalhamento por estado, além desses recursos, o governo incluiu na conta a suspensão da dívida dos governos estaduais durante a crise de saúde e benefícios repassados diretamente ao cidadão, como programas de transferência de renda e auxílios.

O economista e professor de ciências públicas da UnB Roberto Piscitelli explicou que gastos como o pagamento do auxílio emergencial não podem estar na soma de repasses aos estados, pois são considerados transferências diretas para pessoas físicas. “Não pode de jeito nenhum considerar isso um aporte de recursos aos Estados”, argumentou.

O economista e ex-diretor do Banco Central Carlos Eduardo Freitas corrobora o que diz o colega e afirma que o valor de R$ 420 bilhões precisa ser analisado. “O auxílio emergencial para os cidadãos não é considerado um repasse para os estados. Outras coisas, como postergação de dívidas, são ajudas financeiras, mas também não são repasses”, diz.

Quanto foi transferido para estados enfrentarem a covid?

O site Tesouro Transparente, mantido pela Secretaria do Tesouro Nacional, aponta que o governo federal gastou R$ 524 bilhões dos R$ 604,7 bilhões previstos para serem usados no combate à covid-19 em 2020. A maior parte desse dinheiro (R$ 293,1 bilhões) foi aplicada no auxílio emergencial. De acordo com esse portal, a União repassou R$ 44,3 bilhões para estados e R$ 30,8 bilhões aos municípios a título de auxílio financeiro. Além disso, em termos de despesas adicionais do Ministério da Saúde, foram transferidos R$ 9 bilhões para os governos estaduais e R$ 25,5 bilhões para prefeituras. Totalizando, assim, R$ 109,8 bilhões em transferências da União para governos subnacionais no ano passado.

O SIGA Brasil, painel de acompanhamento de contas públicas do Senado Federal, aponta que a União executou R$ 573,41 bilhões com o enfrentamento da pandemia de covid-19 em 2020 e 2021 (até o dia 02/06). Desse dinheiro, R$ 78,26 bilhões (o equivalente a 13,65% do total) foram transferidos para estados, municípios e para o Distrito Federal. O SIGA Brasil também aponta que a principal destinação de recursos para o enfrentamento à covid-19 em 2020 foi com o auxílio emergencial, que recebeu R$ 231,18 bilhões.

Segundo o portal LocalizaSUS, mantido pelo Ministério da Saúde, os valores de R$ 420 bilhões divulgados pelo governo federal não foram totalmente destinados ao enfrentamento da pandemia. Dos recursos voltados para a covid-19, em 2020, os estados receberam R$ 32,3 bilhões. Em 2021, até 1º de junho, foram R$ 5,4 bilhões. Somando os períodos, temos R$ 37,7 bilhões repassados exclusivamente para o combate à covid-19.

Os três portais apresentam os dados por ano consolidados, não é possível filtrar pelo que foi investido apenas até 15 de fevereiro, data citada pelo governo federal. Mas, em todos eles, o valor transferido para estados e municípios é inferior a R$ 420 bilhões.

Controvérsia

Desde janeiro, Bolsonaro e os governadores têm se desentendido em relação aos valores repassados pela União para o enfrentamento da pandemia. No final de fevereiro, o presidente chegou a divulgar o valor de R$ 600 bilhões enviado para os estados para serem aplicados na saúde (incluindo transferências obrigatórias e ajuda para a pandemia).

Em nota, 19 governadores contestaram os números. Eles alegam que o Planalto somou recursos como o Fundo de Participação dos Estados (FPE), o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e royalties, que já seriam enviados independentemente da vontade do presidente, porque esses repasses, inclusive os percentuais, são determinados pela Constituição.

Repasses eram obrigatórios?

Para o economista Carlos Eduardo de Freitas, a destinação de recursos para que os estados enfrentem a pandemia não era uma obrigação constitucional do governo federal, mas também não pode ser considerada um “beneplácito”.

“A União é responsável por todo o território nacional, então tem uma corresponsabilidade pela ordem financeira dos estados”, argumenta Freitas. “A União é a única que tem poder de emissão de moeda. Ela pode emitir dinheiro, desde que não esteja ferindo a capacidade de oferta da economia; já os estados, não. Por isso, a União tem a obrigação de repassar valores aos estados. Não está escrita na Constituição, mas está implícita. A União não pode permitir que os estados entrem em colapso”.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos sobre a pandemia e sobre políticas públicas do governo federal que tenham viralizado nas redes sociais. Os dois temas são abordados na publicação analisada aqui. Verificações sobre a covid-19 são importantes porque podem levar as pessoas a adotarem medidas que impactam a sua saúde e segurança. No caso das divergências políticas entre o governo federal e os estados, também pode levar as pessoas a questionarem a orientação de autoridades de saúde.

A publicação no grupo em apoio a Bolsonaro teve 3,9 mil curtidas, além de 988 comentários e 2,5 mil compartilhamentos.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado de contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-06-03

Tuítes tiram live de contexto para insinuar que senador defende tratamento precoce

  • Enganoso
Enganoso
São enganosos tuítes em que políticos bolsonaristas resgatam conteúdo antigo para atacar o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). O vice-presidente da CPI da Covid é critico do governo federal pelo atraso na compra das vacinas e pela promoção do “kit covid”.
  • Conteúdo verificado: Tuítes da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) e do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) que tentam desacreditar o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) que, em live de 2020, elogiou e prometeu comendas a profissionais favoráveis ao tratamento precoce no Amapá. Atualmente, ele critica esse protocolo.

São enganosos os tuítes postados no fim de maio que usam trechos de uma live em que o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) promete condecorar profissionais de saúde do Amapá que defendem o chamado “tratamento precoce” — kit de remédios sem eficácia comprovada contra o novo coronavírus e que não é recomendado pelas principais autoridades médicas de saúde no mundo.

O vídeo é verdadeiro, mas foi gravado em 9 de julho de 2020, o que não é informado pelos autores das postagens e gera desinformação. Recentemente, Rodrigues, que é vice-presidente da CPI da Covid, declarou diversas vezes não defender tais medicamentos, como cloroquina e ivermectina.

O conteúdo foi compartilhado no fim de maio pela deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) e pelo vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), políticos que defendem esse tipo de terapia até hoje, seguindo a linha do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Mesmo já havendo evidências sólidas sobre a ineficácia de algumas drogas à época da live, e não existindo comprovação científica para as demais, Rodrigues as apoiava. Na conversa, ele afirma que o protocolo médico estaria “salvando vidas” no Amapá e propõe homenagear três profissionais de saúde que participam da conversa com comendas do Congresso Nacional.

Mas declarações recentes mostram sua mudança de opinião. Em 31 de maio deste ano, por exemplo, no programa Roda Viva, da TV Cultura, ele criticou o presidente por ter insistido na “cloroquina quando precisávamos de vacinas”. “Temos que ir a fundo nesses contatos e obsessão por tratamentos que não têm eficácia”, disse.

Procurado pelo Comprova, Rodrigues justifica seu posicionamento na live porque “era necessário saudar e homenagear todos os esforços de médicos” na época, mas que, hoje, “a ciência já estabeleceu consensos”.

A reportagem tentou contatar Bia Kicis e Carlos Bolsonaro, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.

Como verificamos?

Inicialmente, tentamos buscar o vídeo original nas páginas de Rodrigues, mas não o encontramos. A gravação completa foi postada no dia 24 de maio deste ano, no perfil de um dos enfermeiros citados pelo senador, e excluída pelo YouTube por violar as diretrizes da comunidade.

Pesquisamos no site do governo do Amapá e em veículos de imprensa os protocolos adotados no estado no combate ao coronavírus e, na página do Senado, quais são as comendas existentes.

Também entramos em contato com a assessoria de comunicação do governo do Amapá e com os profissionais de saúde que participaram da live verificada aqui por mensagem no Instagram, e-mail e WhatsApp. Com exceção do médico Pedromar Valadares, que respondeu por mensagem de WhatsApp, não houve resposta ao contato do Comprova.

Pesquisamos vídeos e publicações oficiais que demonstrem a atual posição do Governo do Amapá em relação ao protocolo com uso de medicamentos sem eficácia comprovada.

A assessoria de imprensa de Rodrigues respondeu o contato do Comprova com um vídeo gravado pelo senador a respeito do assunto.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 3 de junho de 2021.

Verificação

A live do senador

Em 9 de julho de 2020, o perfil oficial do senador Randolfe Rodrigues publicou um post no Facebook anunciando uma live com três profissionais que integram o Comitê Médico de Enfrentamento à Covid-19 no Amapá. Os nomes conferem com aqueles que aparecem nos tuítes de Bia Kicis e Carlos Bolsonaro.

O vídeo não está disponível nas redes do político, mas o conteúdo completo foi publicado por um dos participantes, em 24 de maio de 2021, em uma conta pessoal no YouTube. Ele foi removido posteriormente pela plataforma, por violar as diretrizes da comunidade.

O Comprova acessou e baixou o arquivo antes de ser apagado. Com ele, a reportagem pôde verificar que o conteúdo que viralizou nas redes mantém o sentido original da gravação, apesar de recortar alguns trechos específicos. De fato, Randolfe elogia o trabalho de seus convidados e o protocolo médico criado no estado que representa politicamente.

“Eles são responsáveis pelo protocolo médico que foi usado, em especial, pela prefeitura de Macapá e que foi responsável por impedir que muito mais mortes ocorressem no Amapá”, afirma o senador na abertura da live. “Estarei propondo, no Congresso Nacional, a entrega de comendas por tudo que fizeram para evitar a perda de vidas.”

O protocolo de ‘tratamento precoce’

O protocolo em questão é denominado “Enfrentamento da Covid-19 na Atenção Primária” e pode ser acessado no site da Escola de Saúde Pública do Governo do Estado do Amapá, com a data de 23 de maio de 2020.

O documento recomenda a adoção, na rede pública de saúde, do chamado “tratamento precoce”, kit composto por uma série de medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19: cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina e nitazoxanida. A publicação também orienta sobre realização de exames e procedimentos destinados a pacientes graves e que apresentem complicações.

Três dos quatro autores do protocolo médico conversaram ao vivo com o senador. Eles defendem no vídeo a adoção das terapias aos primeiros sintomas. “O tratamento precoce, para mim e para muitos pacientes que eu cuidei, fez diferença”, alega a médica cardiologista Ana Chucre — mesmo sem uma metodologia rigorosa de pesquisa que permita apontar que realmente os doentes se recuperaram graças ao uso dos remédios citados, e não por outros fatores ou mesmo pela resposta natural do organismo.

O coronel bombeiro militar e médico da Defesa Civil Pedromar Valadares Melo, especialista em endoscopia digestiva e presidente do comitê médico no Amapá, também deixa claro o posicionamento do grupo na videochamada: “Nós não somos cloroquina futebol clube, nós somos tratamento precoce futebol clube, o que inclui uma abordagem muito mais ampla”, afirma em um trecho da conversa.

O terceiro participante é o enfermeiro Patrício Almeida, que é pós-graduado em Engenharia Biomédica e Ciências Farmacêuticas e tem especialização em Epidemiologia. Ele justifica a introdução do protocolo na rede pública de saúde com base em estudos in vitro, ou seja, em células de laboratório, e in silico, por meio de simulações computacionais. As drogas também foram escolhidas com base na observação clínica e na disponibilidade, segundo ele.

Como o Comprova já mostrou em outras checagens, resultados in vitro e in silico não são capazes de apontar eficácia e segurança de um medicamento contra a covid-19. Esses estudos são chamados de pré-clínicos, assim como os testes em animais, porque apenas credenciam as drogas para serem testadas posteriormente em humanos.

Existem diversos fatores que podem fazer com que um remédio funcione nessas etapas preliminares e depois falhe no organismo humano, um ambiente muito mais complexo. É preciso que a droga chegue na quantidade e no local corretos, por exemplo, e que demonstre a mesma ação proposta pelos cientistas em uma situação real de infecção.

O que diz a ciência

Nenhum dos remédios citados é recomendado pelos principais órgãos mundiais de saúde como tratamento para a covid-19. No caso da cloroquina e da hidroxicloroquina, a ineficácia inclusive já está comprovada contra a doença, com ou sem a associação com o antibiótico azitromicina.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) contraindicou “fortemente” a adoção dessas duas drogas frente à quantidade atual de evidências demonstrando que elas não oferecem qualquer benefício aos pacientes. O mesmo posicionamento é adotado pela Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA) e pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA).

Na época em que o vídeo foi gravado, havia fortes indícios mostrando que esse tipo de terapia era inócua em pacientes internados. Já eram conhecidos, por exemplo, resultados preliminares dos programas Solidariedade (da Organização Mundial da Saúde) e do Recovery (do governo do Reino Unido em parceria com a Universidade de Oxford), com milhares de voluntários.

A distribuição para pacientes com sintomas leves e moderados também não era recomendada pelos principais órgãos de saúde naquele momento, mas ainda existia uma discussão sobre a possibilidade de funcionar nesse contexto. A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), por exemplo, apontou em um informe de 30 de junho de 2020 que os principais estudos já descartavam benefício a pacientes hospitalizados, mas ainda se aguardava estudos sobre a utilização aos primeiros sintomas.

A situação mudou em 17 de julho de 2020, quando a entidade divulgou uma atualização informando que a medicação também não era recomendada em casos leves de covid-19 diante das novas pesquisas publicadas. No final de julho, outro grande estudo brasileiro, da Coalizão Covid-19 Brasil, contraindicou a cloroquina e a hidroxicloroquina para quadros leves e moderados e alertou para o risco de efeitos colaterais, como arritmias cardíacas.

Os antiparasitários ivermectina e nitazoxanida também não tiveram eficácia e segurança comprovadas cientificamente até hoje. A ivermectina teve a ação antiviral contra o Sars-Cov-2 proposta por um estudo australiano que usou uma dose maior do que a máxima permitida para humanos, em abril de 2020. A nitazoxanida, por sua vez, foi relatada como um sucesso em pesquisas iniciais, naquele mesmo mês, pelo ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes.

Até o final de junho de 2020, de acordo com a SBI, as evidências disponíveis sobre o tratamento com essas drogas ainda eram apenas in vitro e não serviam para orientar a prática clínica, como fizeram os profissionais do Amapá ouvidos pelo senador Randolfe Rodrigues.

A eficácia ou ineficácia da ivermectina em pacientes de covid-19 ainda não está demonstrada. De acordo com a atualização mais recente da OMS, os estudos disponíveis atualmente são inconclusivos e o tratamento com a droga deve se restringir apenas a pesquisas clínicas. O mesmo posicionamento é adotado pela EMA, enquanto o Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH) aponta que ainda não existe base suficiente para recomendar contra ou a favor do medicamento.

Já a pesquisa financiada pelo governo federal com a nitazoxanida indicou que a droga é capaz de reduzir a carga viral dos pacientes tratados, mas não os sintomas. Dessa forma, em artigo publicado na revista European Respiratory Journal, os pesquisadores concluem que a droga não é uma terapia efetiva contra a covid-19. Em janeiro, o Ministério da Saúde desistiu do medicamento, ao anunciar que ele não seria distribuído na rede pública para essa finalidade.

Amapá segue apostando no kit

Reportagens da Rede Amazônica, afiliada da TV Globo no Amapá, publicadas no portal de notícias G1 em 5 de janeiro e 9 de abril de 2021, noticiam o uso de protocolos que preveem uso de medicamentos sem eficácia comprovada pelo Comitê Médico de Enfrentamento à Covid-19 do Estado do Amapá. Na primeira matéria, Patrício Almeida defende a adoção de ivermectina como medida preventiva.

Os três profissionais de saúde que participaram da live com Randolfe Rodrigues em julho de 2020 são apresentados ainda como integrantes do Comitê Médico em propaganda da live da Federação do Comércio do Amapá (Fecomércio), que ocorreu em 13 de maio de 2021. Na transmissão, Patrício Almeida volta a defender a eficácia de medicamentos sem comprovação na fase inicial da doença.

Já em uma transmissão ao vivo publicada no canal do YouTube do Conselho Regional de Medicina do Estado do Amapá (CRM-AP), em 14 de abril de 2021, os médicos Pedromar Valadares e Ana Chucre defendem o tratamento com medicamentos sem eficácia comprovada, sentados ao lado do governador do Amapá, Waldez Góes (PDT-AP). O vídeo da transmissão, que foi anexado em uma matéria no site da Secretaria do Estado da Saúde do Amapá (Sesa), conta com a participação de diversos defensores do chamado tratamento precoce, como a secretária do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro.

O Comprova questionou a Sesa sobre se ainda utiliza o protocolo e se os três médicos permanecem no Comitê Médico, mas não houve retorno até a publicação desta verificação. O médico Pedromar Valadares foi procurado e respondeu por mensagem que não tem nada a declarar. Os profissionais de saúde Ana Chucre e Patrício Almeida foram procurados por mensagem pelo Instagram e também não responderam até a publicação desta verificação.

Sem registro de comendas

Embora Rodrigues tenha afirmado na live que proporia ao Congresso Nacional a entrega de comendas para os três profissionais do Amapá, a reportagem não encontrou nenhum registro do pedido em órgãos oficiais e nenhuma publicação a respeito da homenagem.

Rodrigues diz que vai propor “a entrega de comendas aos três por tudo o que fizeram para evitar a perda de vidas” na pandemia. Uma das definições da palavra comenda, segundo o dicionário, é “distinção puramente honorífica”, ou seja, ela serve para homenagear alguém. O senador não especifica qual comenda proporia, e há diferentes tipos delas. Uma das mais importantes é a Ordem do Congresso Nacional, “destinada a galardoar as pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, que se tenham tornado dignas do especial reconhecimento do Poder Legislativo do Brasil”.

No Senado há outras comendas, e duas são específicas sobre a área da saúde. Instituída em 2016, a Comenda Nise Magalhães da Silveira “é conferida a personalidades que tenham oferecido contribuição relevante ao desenvolvimento de técnicas e condições de tratamento humanizado da saúde no Brasil”. Há também a Comenda Santa Dulce dos Pobres, “destinada a homenagear pessoas físicas ou jurídicas que tenham prestado relevantes serviços na área social da saúde”.

Dos três médicos que Rodrigues elogia na live, pelo menos um já recebeu uma homenagem oficial. Em 20 de dezembro de 2020, o governo do Amapá entregou a Pedromar Valadares a Medalha de Mérito Institucional Governador Aníbal Barcelos. Ela foi recebida em cerimônia que homenageou 23 militares – Valadares é coronel – e um civil e que contou com a participação do governador do estado, Waldez Góes (PDT). A reportagem questionou o órgão sobre o motivo da condecoração a Valadares, mas não recebeu retorno até a publicação deste texto.

Contraponto

Procurado pelo Comprova para comentar o caso, o senador Randolfe Rodrigues gravou um vídeo, que foi encaminhado na terça-feira, 1º de junho, por meio de sua assessoria. Na gravação, ele ressalta a data da live, feita em julho de 2020, e justifica o convite aos profissionais de saúde por estarem “na linha de frente da guerra contra o novo coronavírus” no Amapá.

“Era necessário saudar e homenagear todos os esforços de médicos, enfermeiros que compreendiam desde o começo, ao contrário do presidente da República, em seu pronunciamento no dia 24 de março (de 2020), que não se tratava de uma gripezinha, mas de uma gravíssima pandemia”, declara.

O senador afirma que, naquele momento, “todas as medidas contra a pandemia deveriam ser saudadas”, a exemplo do isolamento social e dos esforços dos profissionais de saúde. “Passado um ano da pandemia, a ciência já estabeleceu consensos. A OMS já estabeleceu consenso de que a forma mais eficaz de derrotar o coronavírus e superar esse momento dramático que vivemos é através de vacina no braço de todos os brasileiros, caminho que lamentavelmente o governo federal não escolheu.”

Segundo o senador, alguns optaram por salvar vidas e insistiram na luta pelas vacinas, enquanto outros insistiram em um “caminho trágico” que foi o de “infectar a todos” e resultou em 450 mil mortes de brasileiros por covid-19. O senador diz ainda que “a ciência será sempre o caminho para nos orientar na saída dessa gravíssima crise”. Ele não esclareceu se realmente entrou com o pedido de entrega das comendas no Congresso.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Projeto Comprova investiga conteúdos possivelmente falsos ou enganosos sobre a pandemia que tenham alcançado alto grau de viralização nas redes sociais. Somados, os posts verificados aqui, de Bia Kicis e Carlos Bolsonaro, receberam mais de 15,3 mil curtidas e foram compartilhados 4,8 mil vezes até 3 de junho.

Ao usar afirmações de Rodrigues feitas no ano passado, a deputada e o vereador tentam descredibilizar o senador. Atualmente, como vice-presidente da CPI da Covid, Rodrigues vem se posicionando abertamente contra remédios sem eficácia comprovada no combate ao coronavírus. A tentativa de colocá-lo como mentiroso, ou como um político que defendeu o tratamento precoce um dia, segue a narrativa do presidente, que nega os impactos da pandemia desde março do ano passado, quando ela começou.

É importante ressaltar que as únicas medidas realmente eficazes na redução dos casos de covid-19 são a vacinação, o uso de máscaras e álcool em gel, a lavagem das mãos e o distanciamento social.

Enganoso, para o Comprova, é qualquer conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; e o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Política

Investigado por: 2021-06-01

Posts fazem comparações enganosas sobre transposição do São Francisco para exaltar Bolsonaro

  • Enganoso
Enganoso
São enganosas postagens nas redes sociais que, para exaltar o governo Bolsonaro, comparam as obras do Projeto de Integração do Rio São Francisco realizadas por ele com as de gestões anteriores. Os conteúdos omitem que o atual presidente assumiu o mandato com mais de 90% das obras concluídas por administrações que o precederam. Além disso, o empreendimento não está finalizado.
  • Conteúdo verificado: Postagens em grupos de apoio ao governo federal no Facebook utilizam montagens com fotos do presidente Bolsonaro e do ex-presidente Lula para defender que o Projeto de Integração do Rio São Francisco só avançou na atual administração. Uma delas afirma que Bolsonaro assumiu a obra em 2019 e a concluiu em 2020. Outra mostra uma foto de Lula com a descrição “13 anos: só areia” e uma de Bolsonaro, legendada como “2 anos: tome água”.

Postagens nas redes sociais fazem comparações enganosas acerca das obras do Projeto de Integração do Rio São Francisco para exaltar o governo de Jair Bolsonaro (sem partido). Os conteúdos omitem que o atual presidente assumiu o país com mais de 90% das obras concluídas por administrações anteriores.

Uma imagem analisada pelo Comprova mostra uma lista com “resultados” da obra no período entre 2005 e 2020. O material não especifica o empreendimento e se refere apenas à “Água para o Nordeste”. A coincidência de datas do início e de inaugurações de trechos do projeto, entretanto, sugerem que o post trata da transposição do Rio São Francisco.

O conteúdo diz que, até 2018, outros governos não tinham concluído a obra e insinua que, após um ano de gestão Bolsonaro, o projeto foi finalizado. Mas não é verdade. Notícias e documentos oficiais indicam que ao menos 92,5% da execução física dos dois eixos estruturantes do projeto estavam prontos quando o atual presidente assumiu o comando do país. Um deles, inclusive, foi inaugurado no governo de Michel Temer.

Vale ressaltar ainda que o empreendimento não está completo. Também faltam conclusões de obras hídricas complementares, que devem viabilizar a integração das águas do Velho Chico com rios e barragens receptoras. Por outro lado, o atual governo investiu recursos e deu continuidade a projetos associados à transposição do Rio São Francisco.

Como verificamos?

O primeiro passo da reportagem foi procurar por informações oficiais sobre o andamento das obras do Rio São Francisco no site do Ministério do Desenvolvimento Regional. A página da pasta serviu para reunir dados acerca da estrutura do projeto e de seus dois eixos estruturantes.

Em seguida, a reportagem consultou notícias publicadas na imprensa sobre o tema, incluindo verificações antigas do Comprova e de agências de checagem de fatos sobre conteúdos semelhantes. A partir da busca, foi possível identificar notícias sobre adiamentos, inaugurações e investimentos nas obras.

Também identificamos documentos oficiais, como relatórios da Controladoria Geral da União e do antigo Ministério da Integração Nacional, a respeito das execuções da transposição do Rio São Francisco. Com isso, apuramos a porcentagem de conclusão dos eixos estruturantes do empreendimento nos governos antecessores da gestão Bolsonaro.

O Comprova, então, questionou o Ministério do Desenvolvimento Regional para obter mais detalhes do avanço da transposição do Rio São Francisco durante o mandato do atual presidente. Também solicitamos informações acerca de valores investidos e uma previsão para o término das obras pendentes.

A reportagem ainda buscou dados mais detalhados sobre investimentos e identificou um pedido de resposta da Lei de Acesso à Informação. Por fim, o Comprova comparou os dados com os apresentados no portal do orçamento do Senado Federal, chamado Siga Brasil.

Verificação

Os eixos

A transposição do Rio São Francisco consiste na construção de equipamentos hídricos, como canais, reservatórios e estações de bombeamento, com a finalidade de integrar suas águas com outras bacias hidrográficas dos estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte.

O objetivo é abastecer rios perenes que perdem muito volume durante temporadas de estiagem e, assim, garantir a segurança hídrica a municípios dessas regiões. Para isso, a obra foi dividida em dois eixos que se integram com rios receptores e outros empreendimentos que estendem o fluxo das águas do Velho Chico.

O eixo leste percorre uma distância de aproximadamente 220 km, do município de Floresta, em Pernambuco, até o leito do rio Paraíba, em Monteiro, na Paraíba. Já o eixo norte é constituído por 260 km de canais que transportam as águas do reservatório de Milagres, em Pernambuco, até o reservatório de Jati, no Ceará.

Neste ponto, a obra se integra ao Cinturão das Águas, um projeto hídrico ainda inacabado executado pelo governo do estado em parceria com o Governo Federal. Futuramente, a obra vai transportar as águas do Velho Chico até o Açude de Castanhão e abastecer a região metropolitana de Fortaleza. O eixo norte também se integrará a rios receptores e barragens que abastecem municípios do Rio Grande do Norte.

De 2007 a 2021

Em junho de 2020, Bolsonaro inaugurou um dos trechos finais do eixo norte, em Penaforte, no Ceará. O evento marcou a chegada das águas da transposição ao estado.

Um relatório da Controladoria Geral da União (CGU), publicado em novembro de 2017, indica que, mais de um ano antes de Bolsonaro chegar à presidência, todos os segmentos do eixo norte já tinham ao menos 92,5% de execução física concluída. O eixo leste do empreendimento foi inaugurado pelo ex-presidente Michel Temer no mesmo ano.

Outro documento, do Ministério da Integração Nacional, que à época, novembro de 2016, chama-se Ministério do Desenvolvimento Regional, aponta que, naquele ano, os eixos norte e leste apresentavam 87,7% e 84,4% de suas estruturas físicas concluídas, respectivamente. A primeira estação de bombeamento da parte norte, por exemplo, foi entregue no ano anterior, ainda no governo Dilma.

Mesmo com as inaugurações, a estrutura dos eixos do empreendimento não está totalmente concluída. Segundo o site do Ministério do Desenvolvimento Regional ainda restam serviços complementares, como melhorias de estradas de acesso e instalação de equipamentos auxiliares de monitoramento.

Ao Comprova, a pasta afirmou que a “previsão é concluir o projeto entre o fim deste ano e início de 2022”. O ministério ressaltou que todas as estruturas necessárias para a funcionalidade do eixo leste estão concluídas e o trecho está em pré-operação, restando apenas serviços que não interferem no seu funcionamento.

“Já no eixo norte, o caminho das águas até o Reservatório Caiçara, na Paraíba, totalizando cerca de 260 km, está concluído. Após o Reservatório Caiçara, encontra-se em execução um trecho de 8 km até o Reservatório Engenheiro Ávidos”, destacou a pasta.

O ministério ainda acrescenta que o eixo norte se encontra em testes e comissionamento, “fase em que pode ser identificada a necessidade da realização de serviços de manutenção e reparos nos canais e estruturas”.

O que foi feito na gestão Bolsonaro?

De acordo com a pasta, desde 2019, foram investidos cerca de R$ 2,5 bilhões em obras, ações, operação e manutenção dos eixos norte e leste da transposição do Rio São Francisco, e no Ramal do Agreste, uma obra complementar que levará as águas do Velho Chico ao interior de Pernambuco.

“Além de avanços estruturantes fundamentais para garantir a conclusão da obra, foi necessário concentrar esforços na recuperação de etapas que já apresentavam 100% de execução física, mas que exigiram intervenções e reparos no sistema, a exemplo do Dique Negreiros e do Reservatório de Jati, no Eixo Norte; da Barragem Cacimba Nova, no Eixo Leste.”, diz o comunicado.

A pasta destacou ainda a abertura de licitação para a construção do Ramal do Apodi.

Cifras

Por meio da ferramenta de busca de pedidos e respostas via Lei de Acesso à Informação, o Comprova localizou em junho de 2020 o retorno do Ministério do Desenvolvimento Regional a um pedido de dados detalhados sobre o orçamento da Transposição do Rio São Francisco.

Segundo o relatório, até junho de 2020, o investimento somente na execução dos eixos estruturantes da obra somava, aproximadamente, R$ 10,88 bilhões. A reportagem confirmou que as cifras batem com os valores detalhados no portal Siga Brasil, do Senado Federal.

Além das despesas com os eixos estruturantes da obra, o documento ainda cita uma série de ações associadas ao projeto de Integração do Rio São Francisco, algumas delas complementares, como a manutenção da integração com as bacias do Nordeste Setentrional; recuperação de reservatórios estratégicos; e a construção dos sistemas adutores dos ramais do Agreste Pernambucano, de Entremontes e do Piancó.

Um levantamento do Comprova com dados do Siga Brasil mostra que os maiores investimentos em recuperação de reservatórios estratégicos aconteceram em 2018 e 2019.

Assim como a ação “manutenção da integração com as bacias do Nordeste Setentrional recuperação de reservatórios estratégicos”, que foi iniciada em 2015.

Obra marcada por atrasos

Com um orçamento estimado inicialmente em R$ 4,2 bilhões, a ordem para o início do empreendimento foi assinada em 2007 por Geddel Vieira Lima, então ministro da Integração Nacional do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), informa uma matéria da Folha de S. Paulo. O escopo e estudos técnicos do empreendimento, no entanto, foram realizados já no primeiro mandato do petista, quando a pasta era chefiada por Ciro Gomes.

Os governos dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Itamar Franco também discutiram propostas de transposição do Rio São Francisco, mas as iniciativas não saíram do papel. Uma reportagem da Agência Senado indica que a ideia é ainda mais antiga. No século XIX, o imperador Dom Pedro II e políticos da época chegaram a debater projetos similares para combater a estiagem no nordeste brasileiro.

Em 2010, o ex-presidente Lula chegou a prometer a entrega dos dois eixos do empreendimento até 2012, indica uma notícia do G1. Já no governo Dilma, a conclusão das obras foi adiada para dezembro de 2015. Como mostra uma verificação antiga do Comprova, o projeto teve problemas de planejamento e execução.

Em 2012, o governo federal informou que a obra foi iniciada ainda com um projeto básico. Somente durante a execução da obra, foi consolidado um projeto executivo. Um dos problemas destacados pelo Ministério da Integração Regional, na época, foi a desistência por parte de construtoras que atuavam nas obras do empreendimento.

Já a Confederação Nacional da Indústria (CNI) listou, em relatório publicado em 2018, uma série de outros entraves, como atrasos em licenciamentos ambientais, morosidade em processo de desapropriação e judicialização de licitações.

Imagem compara fotos em contextos e localidades diferentes

Outro conteúdo viral nas redes sociais compara imagens de Lula e de Bolsonaro em obras de transposição do Rio São Francisco. Sem detalhar o contexto das fotos, o boato adiciona à imagem do petista o texto “13 anos: só areia”, enquanto atribui a Bolsonaro a chegada de água em regiões atendidas pela obra.

Uma matéria do Estadão Verifica mostra que a imagem de Lula foi capturada em 2009, nas obras do eixo leste do empreendimento, em Cabrobó, no Pernambuco. Já a imagem de Bolsonaro foi registrada em 2020 durante o evento que marcou o acionamento da comporta que liberou as águas da barragem de Jati para o Cinturão das Águas, no Ceará. As duas cidades estão distantes 116 quilômetros.

Por que investigamos?

Em sua 4ª fase, o Comprova checa conteúdos possivelmente falsos ou enganosos sobre a pandemia ou políticas públicas do governo federal que tenham alcançado alto grau de viralização, como o caso de postagens envolvendo o Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF), maior obra de infraestrutura hídrica do país.

Foram analisadas ao menos três postagens com teores semelhantes, comparando a execução da obra durante o governo Bolsonaro e os anteriores, com ampla repercussão no Facebook. Juntas, somam mais de 120 mil interações entre reações, comentários e compartilhamentos.

O Comprova já fez outras verificações relacionadas ao projeto. Em outubro de 2020, o Estadão Verifica checou a origem das mesmas fotos utilizadas nas postagens aqui verificadas. O Aos Fatos também já precisou desmentir informações falsas veiculadas sobre a obra.

Enganoso, para o Comprova, é conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Política

Investigado por: 2021-06-01

É enganoso que Lei Paulo Gustavo tenta liberar R$ 4,3 bilhões da Lei Rouanet

  • Enganoso
Enganoso
Textos publicados em sites e divulgados no Facebook vinculam erroneamente um projeto apresentado pela bancada do PT no Senado que homenageia o comediante Paulo Gustavo, uma das vítimas da covid-19, à Lei Rouanet. O projeto, na verdade, versa sobre o Fundo Nacional de Cultura (FNC), cujos recursos não têm ligação com o sistema de incentivos fiscais para empresas privadas pelo qual a lei se tornou conhecida.
  • Conteúdo verificado: Texto publicado em sites na internet afirma que partidos de esquerda estão usando o nome do ator Paulo Gustavo, morto em maio deste ano vítima da covid-19, para tentar aprovar a Lei Complementar 73/2021 no Senado e “liberar bilhões da Lei Rouanet”.

São enganosos os textos segundo os quais a “esquerda usa o nome de Paulo Gustavo para tentar liberar bilhões da Lei Rouanet”. Os textos em questão se referem a um projeto de lei que, de fato, existe, e foi apresentado pela bancada do PT, um partido de esquerda, e que homenageia o ator Paulo Gustavo, morto no início de maio vítima de complicações da covid-19. A verba à qual o projeto se refere, no entanto, não tem relação com recursos da Lei Rouanet, legislação de incentivo à cultura rotineiramente alvo de conteúdos falsos e enganosos.

O projeto dos senadores petistas (PLP 73/2021) versa, na realidade, sobre o Fundo Nacional de Cultura (FNC), que foi criado em 1986, antes da Lei Rouanet, e apenas ratificado por ela, em 1991. Ao contrário da Lei Rouanet, que concede incentivos fiscais para empresas que patrocinam eventos culturais, o FNC prevê o repasse de recursos do orçamento diretamente a projetos culturais específicos, por meio de editais. O objetivo do projeto é evitar que os recursos previstos no FNC e não utilizados sejam usados para outros fins.

Como verificamos?

O Comprova iniciou a verificação buscando as últimas notícias sobre a chamada Lei Paulo Gustavo e sua possível relação com a Lei Rouanet. Depois, foi ao site do Senado para ler a íntegra do PLP 73/2021 e entender do que se trata o projeto de lei complementar.

A equipe chegou ao texto verificado por meio de um compartilhamento feito no Facebook que teve milhares de interações. Conversamos com o usuário da rede social que fez o compartilhamento do texto, publicado no blog Por Dentro da Política. Em seu perfil no Facebook, ele se identifica como editor-chefe do site Por Dentro da Política. No contato com o Comprova, o homem afirmou que replicou a publicação por se tratar de um texto de autoria de um site de sua confiança, e citou o “Jornal da Cidade Online”.

Na sequência, encontramos no Jornal da Cidade Online um artigo com o mesmo título usado pelo Por Dentro da Política. Os textos são muito parecidos. Entramos, então, em contato com o Jornal da Cidade Online, que não nos deu retorno até a publicação desta reportagem.

Também conversamos com a assessoria de imprensa do senador Paulo Rocha (PT-PA), um dos autores do projeto de lei. Solicitamos o contato do especialista que desenvolveu o relatório do projeto e nos encaminharam o telefone de Marcos Souza, assessor da Liderança do PT no Senado, com quem conversamos por telefone.

A Secretaria Especial de Cultura foi procurada por e-mail, mas não retornou conforme prometido.

Verificação

Recursos são da Lei Rouanet?

Os conteúdos verificados aqui argumentam, entre outras coisas, que um projeto de lei que tramita no Senado seria uma estratégia para a esquerda “mamar nas tetas do governo pela conhecida lei Rouanet” e consistiria em um “novo golpe para tentar arrecadar bilhões” com o apoio “da classe artista que adora uma boquinha (sic)” . Para isso, a esquerda estaria, afirmam, usando o nome do ator Paulo Gustavo para tentar liberar R$ 4,3 bilhões para o setor cultural. Essas informações são, no entanto, enganosas.

De fato, o projeto em questão existe e é capitaneado por parlamentares de esquerda. Trata-se do Projeto de Lei Complementar (PLP) 73/2021. Ele tem as assinaturas dos senadores Paulo Rocha (PT-PA), Paulo Paim (PT-RS), Jean Paul Prates (PT-RN), Rogério Carvalho (PT-SE), Humberto Costa (PT-PE) e Zenaide Maia (PROS-RN).

A ligação do projeto com a Lei Rouanet é, entretanto, apenas marginal. Aprovada em 1991, no governo de Fernando Collor, a Lei Rouanet é alvo de conteúdos falsos e enganosos há anos, uma situação que persiste até hoje. Essa legislação é a principal ferramenta de fomento à cultura no país e funciona por meio de incentivos fiscais: a Secretaria de Cultura do governo federal autoriza que determinados projetos recebam recursos de empresas para patrocinar eventos culturais e essas empresas podem abater o valor do patrocínio do Imposto de Renda. Não há, portanto, repasses diretos de recursos do orçamento para os responsáveis pelos eventos culturais.

O PLP 73/2021, que tramita no Senado, tem relação com o Fundo Nacional de Cultura, o FNC. Este fundo foi criado em 1986 e apenas ratificado pela Lei Rouanet, que buscava justamente reorganizar o financiamento da cultura no Brasil. Os recursos aos quais se refere o projeto dos senadores petistas, portanto, não são provenientes da Lei Rouanet, ao contrário do que afirma a publicação em questão.

Objetivos da Lei Paulo Gustavo

Os valores sobre os quais o projeto da Lei Paulo Gustavo versa são oriundos do FNC e do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) – R$ 3,8 bilhões do superávit financeiro obtido pelo fundo e R$ 342 milhões da reserva de contingência do orçamento de 2021.

No caso dos orçamentos desses fundos, quando não havia a execução dos recursos até o final do ano, o montante costumava ser devolvido ao Tesouro Nacional, mas com um carimbo de vínculo –, ou seja, continuava pertencendo ao fundo e sendo cumulativo ao longo dos anos. Isso mudou com a aprovação da PEC Emergencial, em março deste ano, e agora o Poder Executivo pode usar, até o fim de 2023, o superávit financeiro de alguns fundos públicos, incluindo o FNC e o FSA, para pagar a dívida pública.

Os valores que constam no PLP foram calculados até 31 de dezembro do ano passado, conforme consta na tabela 6-A da Portaria Nº 772 da Secretaria do Tesouro Oficial, publicada em 29 de março de 2021 e que contém o balanço patrimonial das fontes de recurso público.

O objetivo do projeto é fazer a redistribuição desses recursos em ações emergenciais voltadas ao setor cultural, a exemplo do que fez a Lei Aldir Blanc de apoio à cultura ao longo de 2020. Para tanto, o projeto altera dois artigos da Lei Rouanet (4º e 5º) que versam sobre o FNC, removendo a obrigatoriedade de que créditos programados no fundo sejam objeto da limitação de empenho de recursos e incluindo mais fontes de recursos a ele.

Na época da aprovação da PEC, em março passado, o PT argumentou que a aprovação do artigo sobre os fundos públicos foi irregular e, ao lado da Rede, levou o caso ao STF. Uma semana após a aprovação da PEC, a Secretaria do Tesouro Nacional publicou a Portaria Nº 759/2021, que disciplina os procedimentos para centralização e posterior liberação das fontes de recursos oriundos do superávit financeiro dos fundos públicos.

O fato, segundo Marcos Souza, assessor parlamentar do PT e um dos responsáveis pela confecção do PLP 73/2021, acionou o alerta da bancada petista. “Fomos correr buscando uma forma de salvar esses recursos para serem direcionados à cultura, porque foram, eram e são da cultura, eles estão carimbados. É muito injusto usar isso para abater dívida, ainda mais em um momento em que a pandemia não acabou e os efeitos dela sobre o setor cultural são gravíssimos”, afirmou ao Comprova.

O projeto da Lei Paulo Gustavo foi alvo de críticas do Secretário Especial da Cultura, Mario Frias, e do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro. No Twitter, os dois pediram aos seguidores que votassem contra o projeto na consulta pública em andamento no site do Senado. A Secretaria Especial de Cultura foi procurada pelo Comprova via assessoria de comunicação, por e-mail, para comentar o assunto, mas não retornou até a publicação dessa verificação.

Lei Rouanet

A Lei Rouanet, citada na publicação verificada, é hoje a principal ferramenta de fomento à cultura no país, conforme define a própria Secretaria Especial da Cultura do governo federal. Sendo uma lei de incentivo fiscal, não há repasses diretos de recursos do orçamento da Secretaria de Cultura – antes Ministério da Cultura e hoje rebaixada a uma secretaria ligada ao Ministério do Turismo – para os responsáveis pelos projetos. Cabe à Secretaria apenas autorizar a captação por parte dos idealizadores dos projetos junto às empresas.

Por meio da lei, empresas e pessoas físicas podem patrocinar espetáculos – exposições, shows, livros, museus, galerias e várias outras formas de expressão cultural – e abater do Imposto de Renda o valor total ou parcial do aporte destinado ao patrocínio.

Os projetos patrocinados necessitam oferecer uma contrapartida social, como a distribuição de parte dos ingressos gratuitamente, além de promover ações de formação e capacitação junto às comunidades.

Quem analisa as propostas de projetos é a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), formada por membros da sociedade civil e do poder público, com representantes de todas as regiões brasileiras e das principais áreas culturais e artísticas. Depois que colocados para análise, os projetos são avaliados pela CNIC, que emite parecer favorável ou contrário para a aprovação, que embasam a decisão final da Secretaria de Cultura.

Atualmente, a secretaria é alvo de ação civil pública movida pela Ordem dos Advogados do Brasil, que aponta estar ocorrendo uma “operação tartaruga” na aprovação de projetos submetidos à Lei Rouanet. A ação foi protocolada no dia 11 de maio à 1ª Vara Federal Cível da Justiça Federal do Distrito Federal.

O documento questiona, entre outras coisas, a meta estabelecida pela secretaria, para 2021, de análise mensal de 120 propostas na Lei Rouanet, acusando-a de ser uma “operação tartaruga” no setor, apontando redução de um terço do número de projetos aprovados em relação a 2020.

Por que investigamos?

Em sua 4ª fase, o Comprova checa conteúdos possivelmente falsos ou enganosos sobre a pandemia ou políticas públicas do governo federal que tenham alcançado alto grau de viralização, como o caso do post verificado.

A publicação do blog Por Dentro da Política somou, no grupo Conservadores, do Facebook, 3.844 interações até o dia 1º de junho, sendo 2,2 mil reações, 1 mil comentários e 644 compartilhamentos. Na página do Jornal da Cidade Online na mesma plataforma a publicação teve 4.236 interações, sendo 2,3 mil reações, 936 comentários e 1 mil compartilhamentos.

A Lei Rouanet há anos é alvo de conteúdos falsos ou enganosos nas redes sociais, e já foi assunto de verificações feitas pelo Comprova em 2019 e 2020.

Ao longo de 2020, a Lei Aldir Blanc, que dispõe sobre ações emergenciais destinadas ao setor cultural durante a pandemia de coronavírus, passou a ser vítima de postagens semelhantes.

As informações falsas ou enganosas em torno das leis de incentivo à cultura confundem o cidadão acerca do real objetivo delas e também sobre a origem e aplicação de recursos públicos.

Enganoso, para o Comprova, é conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-05-31

São verdadeiros exemplos de países com protocolos para cloroquina e cannabis em tuíte de deputado

  • Comprovado
Comprovado
É verdadeira a comparação, feita em um tuíte pelo deputado Arthur do Val (Mamãe Falei), de países que usam cloroquina no tratamento da covid-19 e outros que possuem protocolo para uso de cannabis medicinal.
  • Conteúdo verificado: Tuíte do deputado Arthur do Val (Mamãe Falei), que compara países que usam cloroquina no tratamento da covid-19 e outros que possuem protocolo para uso de cannabis medicinal. Ele faz a comparação e ironiza uma relação que teria sido feita pelo presidente Jair Bolsonaro, de que cloroquina era coisa de conservador e cannabis era coisa de comunista.

São verdadeiras as informações sobre uso de cloroquina e cannabis medicinal publicadas no Twitter pelo deputado Arthur do Val – Mamãe Falei (Patriota-SP), no dia 19 de maio. No tuíte, ele afirma que quatro países teriam protocolos para cloroquina – China, Venezuela, Cuba e Índia – e mais quatro com protocolos para cannabis medicinal – Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e Israel. O tuíte também cita que, segundo o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), “Cloroquina é coisa de conservador e Cannabis medicinal é coisa de comunista”. O Comprova não localizou a frase nos discursos do presidente.

Três dos quatro países mencionados pelo parlamentar têm a cloroquina no protocolo: China, Venezuela e Cuba. Dois deles – China e Cuba – são comunistas. A Índia não tem protocolo para uso de cloroquina, e sim de hidroxicloroquina. O Comprova procurou o deputado, mas ele não atendeu à tentativa de contato. Por isso, não é possível afirmar se Arthur do Val se referia aos medicamentos de forma genérica ou se tentava se referir especificamente à cloroquina.

No entanto, no discurso popular, é comum que a hidroxicloroquina seja associada à cloroquina como se fosse o mesmo medicamento. Embora ambos os remédios tenham a mesma substância em sua base – a cloroquina –, seus usos e efeitos são distintos. A hidroxicloroquina, que não tem eficácia comprovada contra a covid-19, costuma ter menos efeitos colaterais e é considerada uma droga mais segura para outros tratamentos. Ainda assim, esta verificação observou que, em alguns casos, as autoridades locais adotam o uso de ambos os medicamentos.

Em relação à cannabis medicinal, os quatro países citados no tuíte – Estados Unidos, Israel, Alemanha e Reino Unido –, de fato, têm protocolos para uso de substâncias derivadas da planta da maconha em tratamentos médicos. Nenhum deles se declara um regime comunista. É importante destacar, contudo, que os oito países mencionados no tuíte não são os únicos a fazer uso da cloroquina ou hidroxicloroquina para a covid-19 ou a terem protocolos para uso medicinal da cannabis.

O tuíte foi publicado dois dias depois de Bolsonaro ter ironizado um projeto de lei que busca regulamentar a comercialização de medicamentos com extratos de cannabis. Em Brasília, no dia 17 de maio, numa conversa com apoiadores em frente ao Palácio do Planalto, o presidente disse que vetaria o PL 399/2015, de autoria do deputado federal Fábio Mitidieri (PSD-CE), e ironizou: “Engraçado. Maconha pode, cloroquina não pode”. Ele também disse que “a esquerda sempre pega uma oportunidade para querer liberar as drogas”.

No mesmo dia da publicação do tuíte, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello elogiou o protocolo de Cuba no uso da cloroquina contra a covid-19, medicamento defendido no Brasil por Bolsonaro e que tem ineficácia comprovada contra a covid-19.

Como verificamos?

Primeiro, procuramos os protocolos relativos ao uso de cloroquina durante a pandemia de covid-19 em cada um dos países citados no tuíte do deputado: China, Venezuela, Cuba e Índia. Paralelamente a isso, buscamos informações nas agências oficiais e na imprensa sobre os protocolos relacionados ao uso da cannabis medicinal nos outros quatro países citados pelo parlamentar: Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e Israel.

Em seguida, tentamos localizar uma lista de países que fazem uso da cloroquina para tratar pacientes com covid-19. O Comprova não conseguiu encontrar informações destes países reunidas em uma única publicação científica ou entidade ligada à medicina. Também buscamos uma relação de países que adotam protocolos para cannabis medicinal, além dos quatro citados, mas não encontramos uma relação oficial. Em matérias publicadas na imprensa, contudo, localizamos listas informais.

Já nos relatórios da 63ª sessão da Comissão de Drogas e Narcóticos da Organização das Nações Unidas (ONU), ocorrida entre os dias 2 e 4 de dezembro de 2020, em Viena, na Áustria, há uma lista de 27 países que votaram pela retirada da cannabis da lista de drogas perigosas, um passo para ampliar os estudos sobre os usos medicinais da planta.

Contudo, não é possível afirmar que esses 27 países adotem protocolos para cannabis medicinal – nem que os outros 25 países-membros da comissão, que votaram contra e mais um país, que se absteve, não adotem. O Brasil, por exemplo, tem protocolos para uso medicinal de derivados da cannabis, mas foi contra a retirada da planta da lista de drogas perigosas.

Por fim, buscamos informações na Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre a cloroquina, hidroxicloroquina e a cannabis, e declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre as substâncias. Também entramos em contato com o deputado Arthur do Val, autor do tuíte, mas ele não respondeu até a publicação desta checagem.

O Comprova fez esta verificação baseada em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 31 de maio de 2021.

Verificação

Protocolos de cloroquina

China, Cuba e Venezuela, três dos quatro países citados no tuíte do deputado Arthur do Val, de fato, possuem protocolos de uso da cloroquina para pacientes com covid-19. Já a Índia, que também é citada na publicação, não inclui a cloroquina nas orientações clínicas, mas, sim, a hidroxicloroquina – fármaco que tem cloroquina em sua composição.

O Comprova não encontrou, por meio de publicações científicas e jornalísticas, indícios de que as autoridades do país tenham, em algum momento da pandemia, orientado o uso da cloroquina. Também não foi localizada uma lista oficial de países que fazem uso da substância, mas esses quatro países não são os únicos. Os Estados Unidos, por exemplo, chegaram a autorizar o uso emergencial da cloroquina, o que foi revogado ainda em junho do ano passado. França e Itália chegaram a autorizar o uso da hidroxicloroquina, mas suspenderam em maio de 2020.

Veja abaixo como funciona o uso da cloroquina em cada um dos países citados no tuíte:

China

O governo da República da China aprova e recomenda o uso de fosfato de cloroquina como tratamento anti-covid. A utilização do medicamento e suas especificações, quanto à dosagem indicada a cada perfil de paciente, por exemplo, constam no site governamental do país em um conteúdo intitulado “What are the treatments for COVID-19?” (Quais são os tratamentos para covid-19?), embora o site não tenha dados sobre metodologia e resultados que amparem a decisão do país sobre o uso do medicamento. As informações, publicadas em 19 de março de 2020, são assinadas pelo Centro Chinês para Controle e Prevenção de Doenças. A inclusão do medicamento antimalárico nos protocolos chineses da covid-19 foi noticiada pela South China Morning Post.

Na publicação institucional, a cloroquina é indicada apenas para adultos com faixa etária de 18 a 65 anos. O texto também chama a atenção para os efeitos colaterais e a interação com outros medicamentos – sejam eles elencados no informe ou não. Ao fazer a observação, o texto destaca que a cloroquina é contraindicada para pacientes com doenças cardíacas. Como referência aos dados, o governo chinês cita o Protocolo de Diagnóstico e Tratamento para covid-19 (Versão de Teste 7) emitido pelo Escritório Geral da Comissão Nacional de Saúde e pelo Escritório da Administração Nacional de Medicina Tradicional Chinesa.

Um mês antes, em 19 de fevereiro, o mesmo site governamental publicou uma matéria anunciando que o medicamento usado contra a malária teria eficácia comprovada também contra o novo coronavírus.

Apesar de não haver evidências científicas de eficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina contra a covid-19, apenas no tratamento de outras doenças, a OMS considera que os países são soberanos para decidir sobre seus protocolos clínicos.

Por isso, a cloroquina foi incluída, segundo o vice-chefe do Centro Nacional para Desenvolvimento de Biotecnologia da China, do Ministério da Ciência e Tecnologia (MAIORIA), Sum Yanrong, nas diretrizes de tratamento e aplicada em ensaios clínicos mais amplos.

Conforme Yanrong, os pacientes que tomaram o medicamento mostraram melhores indicadores do que seus grupos paralelos, como, por exemplo, na redução da febre e na melhora das imagens de tomografia dos pulmões. Contudo, os resultados dos testes e sua metodologia, usados para amparar a defesa do governo, não são apresentados no texto.

Venezuela

O Guia de Gestão Terapêutica para Covid-19 do governo venezuelano, atualizado em 26 de abril de 2021, inclui a cloroquina e a hidroxicloroquina entre os medicamentos usados no tratamento da covid-19.

Conforme descrição no documento sobre a cloroquina, ela é recomendada por via oral em pacientes adultos, gestantes e crianças tanto para prevenção quanto para tratamento. O documento ainda traz mais de dez efeitos colaterais provocados pelo medicamento, como transtornos cardiovasculares e do sistema imunológico.

Em 26 de maio de 2020, o Comitê Terapêutico Nacional Covid-19 publicou uma nota sobre o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina após uma publicação, quatro dias antes, na revista científica The Lancet e, consequentemente, o pronunciamento da OMS.

O estudo baseia-se em dados de quase 96 mil pacientes internados entre dezembro e abril de 2020 em 671 hospitais em todo o mundo e compara a evolução daqueles que receberam esse tratamento com a dos que não receberam.

Os autores concluíram que a hidroxicloroquina não é apenas ineficaz, mas também eleva o risco de óbito entre os pacientes com a doença. Após a publicação, a OMS decidiu suspender temporariamente os ensaios clínicos com o medicamento em vários países.

O governo venezuelano acusou o estudo publicado pela The Lancet de conter dados incompletos e da seleção inadequada de pacientes para a investigação, alegando que alguns deles já teriam a saúde acometida por alguma comorbidade. O documento oficial destaca ainda o amplo uso da cloroquina no país há décadas no tratamento de malária e doenças reumáticas, e que não há incidência de efeitos adversos graves com o uso moderado.

Cuba

O uso de cloroquina é autorizado e orientado na versão 6, de janeiro de 2021, do Protocolo de Ação Nacional para Covid-19 do governo de Cuba. O documento é constantemente atualizado pelo governo. A inclusão do medicamento no tratamento de pessoas com covid acontece desde o início da pandemia, entretanto as recomendações de uso foram detalhadas e ampliadas no decorrer das atualizações do documento.

O documento consta na plataforma COVID19CUBADATA. Nos protocolos descritos, o uso da cloroquina quase sempre está associada ao Kaletra, um medicamento que, segundo sua bula, integra o tratamento de infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV).

O documento de protocolo do governo cubano também elenca os principais efeitos adversos do uso da cloroquina, citando cefaleia, náuseas, vômitos, diarreias e outros, e, ainda, alerta para o uso associado a outros fármacos como, por exemplo, a azitromicina.

Em depoimento à CPI da Covid, no dia 19 de maio, o ex-ministro da Saúde e general Eduardo Pazuello elogiou o protocolo de Cuba para uso da cloroquina. Para reforçar sua defesa ao uso do medicamento, sem comprovação científica, ele referiu-se a Cuba como “um país mundialmente conhecido pela medicina avançada”. Além da discussão do uso da cloroquina, o presidente Jair Bolsonaro e seus aliados mostraram-se críticos ao governo cubano.

Em julho de 2020, o Comprova verificou um texto que distorcia declarações de especialista cubano para provar eficácia da cloroquina.

Índia

A Índia, que atualmente é o principal epicentro da pandemia no mundo, não usa cloroquina no tratamento de pacientes com covid. O documento “Updated Detailed Clinical Management Protocol for adult cases of Covid19”, publicado em 24 de maio de 2021, não cita o fármaco. Entretanto, autoriza e recomenda o uso de hidroxicloroquina. O documento está hospedado no site oficial do governo indiano.

Na opinião popular, a cloroquina e a hidroxicloroquina são associadas como sendo o mesmo medicamento. No entanto, elas possuem diferenças em suas estruturas químicas. Por isso, podem ser aplicadas em doses distintas. Antes da pandemia, ambos os medicamentos eram vendidos sem prescrição. No entanto, com a alta procura e necessidade de cautela no uso, a Anvisa enquadrou-os como remédios de controle especial.

No dia 24 de maio, a Índia tornou-se o terceiro país a superar 300 mil mortes por covid. O país chegou a registrar o 2º maior número diário de óbitos da pandemia, com 4.454 vidas perdidas em 24 horas.

O que diz a OMS sobre cloroquina

A OMS considera que todo país é soberano para decidir sobre seus protocolos médicos para uso de medicamentos, mas que, embora a hidroxicloroquina e a cloroquina sejam licenciadas para o tratamento de doenças autoimunes e malária, respectivamente, não há evidência científica comprovada até o momento de que esses dois medicamentos sejam eficazes e seguros contra a covid-19.

“As evidências disponíveis sobre benefícios do uso de cloroquina ou hidroxicloroquina são insuficientes, a maioria das pesquisas até agora sugere que não há benefício e já foram emitidos alertas sobre efeitos colaterais do medicamento. Por isso, enquanto não haja evidências científicas de melhor qualidade sobre a eficácia e segurança desses medicamentos, a OPAS recomenda que eles sejam usados apenas no contexto de estudos devidamente registrados, aprovados e eticamente aceitáveis”, diz comunicado oficial no site da OMS, que é atualizado constantemente.

Protocolos de cannabis medicinal pelo mundo

O deputado Arthur do Val cita, no mesmo tuíte, quatro países que não são “comunistas” e que adotam protocolos de cannabis medicinal. Os quatro países citados – Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e Israel –, de fato, possuem protocolos para uso da cannabis medicinal, mas eles não são os únicos e esses protocolos não têm relação com a covid-19.

Veja a situação em cada um deles:

Estados Unidos

A Food & Drug Administration (FDA), agência do governo dos Estados Unidos com função similar à Anvisa, no Brasil, ainda não aprovou um pedido de comercialização da cannabis para o tratamento de qualquer doença ou condição, mas aprovou um derivado da cannabis e três medicamentos relacionados à ela e que já estão disponíveis no país, desde que haja uma receita médica indicando o uso.

O canabidiol (CBD) é o derivado da cannabis aprovado pela FDA e ele está presente, em uma forma purificada, no Epidiolex, usado no tratamento de convulsões associadas à síndrome de Lennox-Gastaut ou síndrome de Dravet em pacientes com um ano de idade ou mais. O Epidiolex também é usado para tratar convulsões associadas ao complexo de esclerose tuberosa.

Já os três medicamentos aprovados são o Marinol e o Syndros, usados para tratar anorexias associadas à perda de peso em pacientes com Aids, e o Cesamet. Todos têm um componente sintético derivado ou similar ao tetrahidrocanabinol (THC), considerado o componente psicoativo da cannabis.

A FDA informa que está ciente de que derivados não aprovados da cannabis estão sendo utilizados para tratamento de uma série de doenças, como epilepsia, esclerose múltipla e câncer, mas que precisa de mais pesquisas científicas para aprovar outros produtos derivados e atestar a segurança e eficácia deles.

Nos Estados Unidos, no entanto, há estados que aprovam o uso medicinal de produtos da cannabis, mesmo que eles não tenham sido aprovados pela FDA. “É importante conduzir pesquisas médicas sobre a segurança e eficácia dos produtos de cannabis por meio de ensaios clínicos adequados e bem controlados. Agradecemos a oportunidade de conversar com estados que estão considerando apoiar a pesquisa médica da cannabis e seus derivados, para que possamos fornecer informações sobre as normas federais e científicas”, diz um trecho da aba sobre regulamentação da cannabis no site oficial da FDA.

Reino Unido

Em julho de 2018, o Reino Unido anunciou que permitiria, a partir de março de 2019, o uso de remédios derivados da cannabis, desde que houvesse prescrição médica. Cerca de um mês antes do anúncio, houve uma polêmica no país. Um garoto chamado Billy Caldwell, que tinha epilepsia, foi hospitalizado depois que autoridades britânicas apreenderam um medicamento à base de óleo de cannabis, que a família tinha comprado no Canadá. A apreensão foi feita no aeroporto de Heathrow, em Londres.

No mesmo mês, a professora Sally Davies, então chefe médica do governo do Reino Unido, encomendou uma pesquisa sobre o assunto com um painel de especialistas e decidiu retirar os medicamentos à base de cannabis da chamada “Tabela 1” que, no Reino Unido, concentra os medicamentos considerados de pouco ou nenhum potencial terapêutico.

Após a pesquisa, o escritório médico do governo publicou uma revisão informando que o Comitê Consultivo sobre o Uso Indevido de Drogas (ACMD) havia considerado os usos terapêuticos da cannabis e canabinoides para o tratamento de “dor crônica; câncer; náuseas/vômitos induzidos por quimioterapia; anorexia e perda de peso; síndrome do intestino irritável; epilepsia; espasticidade relacionada à esclerose múltipla ou lesão da medula espinhal; Síndrome de Tourette; esclerose lateral amiotrófica (ELA); Doença de Huntington; Mal de Parkinson; distonia; demência; glaucoma; traumatismo craniano; vício; ansiedade; depressão; distúrbios do sono; transtorno de estresse pós-traumático; esquizofrenia e outras psicoses.

O relatório assinado pela professora Sally Damies ainda dizia que a lista de usos potenciais da cannabis medicinal crescia ano após ano e que os medicamentos à base de cannabis deveriam ser removidos da Tabela 1 e colocados na Tabela 2, para que passassem por mais avaliações do ACMD.

Alemanha

Em janeiro de 2017, o Parlamento Alemão aprovou o uso medicinal da cannabis. A legislação aprovada obrigava os planos de saúde a custear o tratamento, desde que fosse prescrito por um médico para casos de esclerose múltipla, dores crônicas e falta de apetite ou náuseas provocadas por quimioterapia.

O parlamento autorizou que os medicamentos fossem vendidos em farmácias e, para garantir o abastecimento, o plantio foi autorizado no país. Em março daquele ano, a Alemanha criou uma agência para cultivo de maconha, com plantio supervisionado por um órgão estatal, o Instituto Alemão para Medicamentos e Produtos Sanitários.

Pouco mais de três anos após a autorização, em 29 de outubro de 2020, o Parlamento rejeitou um projeto de deputados da AfD (Alternativa para a Alemanha) que buscava colocar a cannabis em uma base científica, aplicar os procedimentos de leis de reforma de mercado sobre preços, melhorar a segurança da aplicação e isentar os planos de saúde do financiamento da cannabis medicinal.

No projeto, os parlamentares do partido de extrema-direita afirmaram que a maconha era uma droga bastante popular no país, com aprovação de cerca de 49% dos entrevistados em uma pesquisa feita no estado de Saarland, mas que não deveria ser considerada uma cura milagrosa. O objetivo era desmistificar o uso da cannabis medicinal para algumas doenças, mantê-la apenas para aquelas em que houvesse um benefício comprovado e reduzir o valor de reembolso pelos planos de saúde às pessoas que usam os medicamentos.

Israel

Israel foi o primeiro país a investir em pesquisas sobre o uso medicinal da cannabis, ainda na década de 1960. O químico búlgaro Raphael Mechoulam, professor da Universidade Hebraica em Jerusalém, começou a estudar as propriedades da planta e isolou dois componentes: o tetrahidrocanabinol (THC) – psicoativo – e o canabidiol (CBD) – terapêutico. Em 1973, o país permitiu o uso terapêutico da cannabis com prescrição médica e, em 1990, o Ministério da Saúde começou a gerar autorizações para que pacientes cultivassem ou recebessem maconha para fins terapêuticos.

Em 2013, o país criou a Agência de Maconha Medicinal de Israel e, em 2016, o governo investiu US$ 2,13 milhões de dólares em 13 projetos de estudos da maconha e custeou ensaios clínicos por todo o país. Em abril de 2019, quando o uso medicinal já era autorizado para pacientes que sofriam de Mal de Parkinson, epilepsia, câncer e outras doenças terminais, segundo essa matéria publicada pela Forbes, Israel descriminalizou a posse de maconha e plantas similares.

Na ocasião, o ex-primeiro-ministro israelese Ehud Barak presidia a Cannoc/Interculture, uma empresa de cannabis medicinal, e disse, numa conferência de produtores em abril daquele ano, em Tel Aviv, que Israel estava mudando seu lema para “a terra do leite, mel e maconha”. Em abril de 2019, o Ministério da Saúde informou que mais de 550 fazendas já haviam entrado com pedido de licença para cultivar cannabis com fins medicinais em Israel, diz a reportagem.

Este especial produzido pela Folha mostra que Israel vem incentivando o avanço científico da cannabis e que o país já produz a planta para consumo interno e para exportação. Em setembro do ano passado, quando o especial foi publicado, o país tinha 61 mil pacientes registrados para uso de cannabis medicinal e esperava ter uma receita de US$ 635 milhões com taxação de maconha para fins recreativos.

Uso da cannabis medicinal pelo mundo

O Comprova não localizou, em organizações internacionais, uma lista de países que regulamentem o uso da cannabis medicinal. No entanto, reportagens publicadas no Brasil em 2018, 2019 e 2020 listam a situação em alguns países. Em 2018, o GaúchaZH listou Canadá e Uruguai entre os países que legalizaram o consumo da maconha; Bolívia, Equador, França, Portugal, Espanha, Holanda e Geórgia como países que descriminalizaram o uso pessoal; e Brasil, Peru, Chile, Paraguai, Finlândia, Polônia, Áustria, Romênia, Grécia, Itália e Reino Unido entre os que liberaram apenas o uso medicinal. Há, ainda, países que descriminalizaram o uso pessoal e autorizaram o uso medicinal, mas não legalizaram a maconha: Alemanha, Austrália, Bélgica, Argentina, Colômbia, México e Estados Unidos.

Segundo reportagem publicada pela Folha em dezembro de 2019, 38 países regulamentaram a cannabis medicinal de alguma forma. Entre eles, estão Brasil, Estados Unidos, Canadá, Argentina, Chile, Peru, Portugal, Alemanha, França, Holanda, Bélgica, República Tcheca, Colômbia, Uruguai, Nova Zelândia, Austrália, Tailândia e Israel.

Já a revista Época publicou, em dezembro de 2020, uma lista de países que liberaram o uso medicinal da maconha. Além da Argentina, que havia autorizado o uso naquele mesmo mês, também Canadá, Uruguai, Chile, Colômbia, Equador, México, Estados Unidos, Holanda, Itália, Portugal, Alemanha, Dinamarca e Bélgica.

Nos dias 2, 3 e 4 de dezembro do ano passado, em Viena, na Áustria, a Comissão de Narcóticos das Nações Unidas votou e aprovou a retirada da cannabis da lista de drogas perigosas e o reconhecimento das propriedades medicinais da planta, dois anos após a Organização Mundial de Saúde reconhecer as propriedades terapêuticas da maconha.

Dos 53 países-membros da Comissão de Narcóticos, 27 votaram a favor da retirada da cannabis da lista de drogas perigosas e 25 votaram contra. Apenas um país se absteve, a Ucrânia. Mas isso não significa que os países que votaram a favor da proposta liberaram o uso, nem que aqueles que votaram contra não tenham autorizado.

O Brasil, por exemplo, que autoriza o uso medicinal de derivados da cannabis, votou contra a proposta, junto com Afeganistão, Argélia, Angola, Bahrein, Burkina Faso, Chile, China, Costa do Marfim, Cuba, Egito, Hungria, Iraque, Japão, Cazaquistão, Quênia, Quirguistão, Líbia, Nigéria, Paquistão, Peru, Federação Russa, Togo, Turquia e Turcomenistão.

Os que votaram a favor e aprovaram a retirada da cannabis da lista de drogas perigosas foram: Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Colômbia, Croácia, República Tcheca, Equador, El Salvador, França, Alemanha, Índia, Itália, Jamaica, México, Marrocos, Nepal, Holanda, Polônia, África do Sul, Espanha, Suécia, Suíça, Tailândia, Reino Unido, Irlanda do Norte, Estados Unidos e Uruguai.

O que diz a OMS sobre a cannabis medicinal

Sobre a cannabis medicinal, a OMS recomendou, em uma reunião do Comitê de Perigos em Dependência de Drogas da organização, em 2019, uma reclassificação da cannabis e de outras substâncias derivadas para uma lista de drogas menos perigosas. Um tratado de 1961 classificou as drogas em quatro listas diferentes, sendo que a maconha se encontrava na lista mais restritiva, das drogas consideradas mais perigosas.

No entanto, segundo a OMS, houve um avanço significativo nas pesquisas que mostraram que a cannabis tinha efeitos medicinais, como mostra essa checagem feita pelo Estadão Verifica.

Essa recomendação, feita em 2019, precisava ser validada em uma votação pela Comissão de Narcóticos da Organização das Nações Unidas (ONU), o que aconteceu em dezembro de 2020, com a aprovação por 27 votos a favor e 25 contra, com uma abstenção.

Por que investigamos?

O Comprova checa conteúdos possivelmente falsos ou enganosos sobre a pandemia ou o governo federal que tenham alcançado alto grau de viralização.

O post do deputado Arthur do Val teve 4,2 mil curtidas no Twitter, além de ter sido retuitado 464 vezes até a tarde desta segunda-feira (31). Desde o início da pandemia, o uso de medicamentos para a covid-19 tem sido politizado. Bolsonaro e seus apoiadores vêm indicando a utilização de remédios sem comprovação científica de eficácia contra a covid-19, ao mesmo tempo em que desencorajam as vacinas.

Diversas listas de países que adotam cloroquina e hidroxicloroquina em protocolos clínicos contra a covid-19 circulam pela internet e são citadas em discursos em defesa dos medicamentos.

No dia 19 de maio, em depoimento à CPI da Covid, no Senado Federal, o ex-ministro da Saúde e general Eduardo Pazuello afirmou que 29 países têm protocolos de uso de cloroquina. Entre os países citados estão China e Cuba, ambos verificados pelo Comprova nesta apuração.

Também em depoimento à Comissão que investiga ações do governo federal durante a pandemia, a secretária de Gestão do Trabalho do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, chegou a citar a existência de uma lista de países que fazem o uso da cloroquina em pacientes contaminados. Ela, no entanto, não fez referência à fonte da lista. Mayra Pinheiro é conhecida como “Capitã Cloroquina” por sua defesa aberta ao uso do medicamento durante a pandemia.

Comprovado, para o Comprova, é um fato verdadeiro; evento confirmado; localização comprovada; ou conteúdo original publicado sem edição.