O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.Filtro:
É falsa publicação que associa a queda de energia que atingiu 25 estados e o Distrito Federal em 15 de agosto com assinatura de decreto que permite importação de energia de países vizinhos, como a Venezuela. A compra do recurso ainda é estudada pelas instituições do setor elétrico no Brasil e não há previsão para o início da importação. A única causa identificada até o momento para a falta de energia foi uma falha técnica na linha de transmissão Quixadá-Fortaleza II, da Eletrobras. Já a importação da energia da Venezuela é destinada para atender Roraima, estado que não foi atingido pelo apagão e está fora do Sistema Interligado Nacional (SIN).
Conclusão do Comprova: Não há qualquer relação entre as causas do apagão que atingiu 25 estados do Brasil em 15 de agosto com o decreto 11.629 assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), no dia 4 do mesmo mês. O texto define orientações para “o estabelecimento de políticas nacionais de integração do sistema elétrico e de integração eletroenergética com outros países”.
Na prática, a legislação permite ao Brasil comprar energia de outros países, após uma série de avaliações como preço e a necessidade diante da reserva energética do país. Esse tipo de importação já acontecia para o abastecimento de eletricidade do estado de Roraima, mas acabou sendo suspenso em 2019, durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O processo, mesmo com o decreto, “sequer foi retomado”, conforme afirmou ao Comprova o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), um dos órgãos responsáveis por avaliar propostas de importação de energia.
Por meio de nota, o ONS explicou ainda que o texto “apenas autoriza a realização de estudos para avaliar a viabilidade e a necessidade dessa importação” e disse não haver prazo para a conclusão das pesquisas. Já o Ministério de Minas e Energia (MME) esclareceu que a associação não é possível “uma vez que a integração de energia elétrica que Venezuela tem com o Brasil é no estado de Roraima, único estado não interligado ao SIN, e esta não vem sendo utilizada desde 2019”.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 21 de agosto, a publicação tinha 49,6 mil visualizações, 4,5 mil curtidas e 1,4 mil compartilhamentos.
Como verificamos: O primeiro passo foi procurar quais eram as matérias citadas pela publicação. Fizemos buscas no Google com os termos “G1 Lula assina decreto energia Venezuela” e “G1 apagão operação metrô”. Também procuramos informações sobre as possíveis causas do apagão por meio de pronunciamento do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disponível nos canais oficiais do Governo Federal.
Consultamos a entrevista com o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, ao programa Bom Dia, Ministro. Buscamos ainda pelo decreto assinado pelo presidente disponível no site do Diário Oficial da União, colocando o filtro para “importação de energia elétrica“ e procurando pelo dia 4 de agosto. Por fim, procuramos o Ministério de Minas e Energia, o Operador Nacional do Sistema Elétrico e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Decreto retoma acordo interrompido em 2019
Em 4 de agosto, Lula assinou decretos relacionados a questões energéticas, em evento de lançamento de ações que visam aumentar o acesso à energia elétrica na região Norte, o programa Luz para Todos. Um dos textos amplia as possibilidades de intercâmbio de energia elétrica com países que fazem fronteira com o Brasil.
A proposta altera as competências do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), autorizado a avaliar as propostas de importação apresentadas. O colegiado deve deliberar sobre o preço, volume e eventuais diretrizes adicionais, avaliando os benefícios econômicos da importação e a preservação da segurança energética do sistema atendido.
O decreto inclui, ainda, como competência do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), definir orientações para o estabelecimento de políticas nacionais de integração do sistema elétrico e de integração eletroenergética com outros países.
Não há menção no documento que a compra será feita especificamente da Venezuela ou que o processo será retomado imediatamente. Para que seja efetivada a importação, é preciso aprovação da Aneel do montante a ser pago, após manifestação do ONS e deliberação do CMSE, quanto a preço, volume e eventuais diretrizes adicionais. Além disso, é preciso que sejam cumpridas medidas e ações necessárias para “garantir a operação segura e o suprimento do sistema isolado a ser atendido”.
| Trecho do decreto que trata sobre a importação de energia.
O ONS ressaltou por meio de nota que o processo ainda não foi retomado e não há prazo definido para isso. Atualmente, o Brasil já realiza intercâmbios internacionais de energia elétrica com a Argentina e com o Uruguai, bem como com o Paraguai, por meio da Usina Hidrelétrica Binacional Itaipu.
O fornecimento de energia da Venezuela para o Brasil existia até 2019, quando foi suspenso ainda nos primeiros meses do governo Bolsonaro. Na época, o país vizinho passava por uma crise que incluiu o fechamento da fronteira do Brasil. A importação era feita para o abastecimento de Roraima, único estado brasileiro não ligado ao Sistema Interligado Nacional (SIN).
Também assinada no dia 4 de agosto, uma ordem de serviço autorizou o processo de inclusão do Estado no SIN. Serão investidos R$ 2,6 bilhões nas obras, que vão substituir usinas termelétricas e, segundo o texto, garantir energia confiável, limpa e renovável. Atualmente, os moradores de Boa Vista e cidades próximas são abastecidos por usinas termelétricas movidas a óleo diesel, gás natural, biomassa e uma pequena central hidrelétrica.
Causas do apagão ainda são apuradas
No dia 15 de agosto, o ONS verificou uma falha na interligação da transmissão de energia entre as regiões Norte e Sudeste, que teria iniciado às 8h31. O fornecimento foi restabelecido por volta das 14h30 do mesmo dia, conforme apontou o MME. Em entrevista coletiva concedida na data, o ministro Alexandre Silveira explicou que foi “um fato que causou a interrupção na Região Norte e Nordeste e, por uma contingência planejada do ONS, minimizou a carga das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, para que não houvesse a interrupção total dessas regiões”.
As causas para esta ocorrência ainda não foram definidas pelos técnicos e o governo federal apontou que solicitaria à Polícia Federal e à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que apurassem os fatos, sobretudo para verificar “eventuais dolos”. Segundo o ONS, a análise preliminar dos eventos ocorridos constatou que o início do processo se deu porque a linha parou de funcionar através do não acionamento de uma proteção de sobrecarga que estaria programada. O procedimento é considerado normal pela ONS, já que atua para evitar uma sobrecarga. O episódio é tratado como uma falha técnica.
“Essa linha da Chesf abriu (parou de funcionar) através do não acionamento de uma proteção que estaria programada. Esse evento de abertura de linha não é raro, é até corriqueiro, como forma de proteção para evitar sobrecarga. Mas essa abertura foi feita indevidamente, por uma falha dessa proteção. Ou seja, a linha não precisaria abrir, estava operando normalmente, mas acabou abrindo”, explicou o diretor-geral do ONS, Luiz Carlos Ciocchi, na quarta-feira, 16, um dia após o apagão.
Até a terceira semana de agosto, as equipes do ONS seguiam “aprofundando a análise da ocorrência, estando prevista para o dia 25 de agosto próximo a realização de reunião com os agentes envolvidos, além do MME e ANEEL”, conforme informou o órgão ao Comprova. O ONS continua: “Essa avaliação será consolidada em um Relatório de Análise da Perturbação (RAP), que leva 45 dias para ser concluído”.
A única causa confirmada é uma sobrecarga em linhas de transmissão no Ceará, mas ainda não foram descobertos os motivos para que isso tenha ocorrido. O Poder360 publicou que os números do ONS mostram que a carga no subsistema Nordeste estava 11.848 MW às 8h30, e às 8h31 alcançou 17.648 MW. Às 8h30, a carga chegou a 6.542 MW, mostrando uma queda brusca.
No Brasil, os dados do ONS revelam uma carga registrada em 73.484,7 MW às 8h30 no horário de Brasília com trajetória de alta, o que é comum no início das manhãs. Às 8h31, a carga do sistema caiu em torno de 7%.
O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou contato com o perfil @brom_elisa na rede social X, mas não há possibilidade de mensagem direta. Outros perfis da usuária em redes sociais são privados e também não permitem o contato.
O que podemos aprender com esta verificação: O uso de comparações entre fatos distintos em uma mesma publicação faz com que o leitor procure uma relação entre eles, muitas vezes como conspiração ou desinformação. Ao se deparar com esse tipo de conteúdo, leia as notícias postadas, verifique as datas em que foram publicadas originalmente e busque os contextos, sobretudo na imprensa profissional.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: O Aos Fatos realizou checagem sobre o mesmo tema, embora de outra postagem, que afirmou que o apagão serviu para justificar a compra da energia da Venezuela. Esta mesma publicação foi checada pelo Estadão.
Está sem contexto uma imagem que circula no Twitter e no Telegram e que compara o Produto Interno Bruto (PIB) de grupos de regiões brasileiras com a quantidade de senadores por essas regiões. Os posts em questão versam sobre aspectos do pacto federativo, mas não explicam como se organiza a representação política dos Estados ou a distribuição de verba por parte do governo federal.
Conteúdo investigado: Montagem com dois gráficos em pizza. O primeiro, intitulado “PIB Brasileiro”, mostra as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste com 80%, Nordeste com 14% e Norte com 6%. O segundo, “Cadeiras no Senado”, tem a seguinte divisão: Sul, Sudeste e Centro-Oeste com 41%, e Norte e Nordeste com 59%. A publicação é acompanhada da legenda “Entenderam agora o pânico do consórcio nordeste?”.
Onde foi publicado: Telegram e Twitter.
Contextualizando: A relação entre consórcios que congregam, de um lado, governos das regiões Norte e Nordeste, e, de outro, estados das regiões Sudeste e Sul, passou a ser objeto de discussão nas redes sociais, opondo o Produto Interno Bruto (PIB) gerado pelas unidades da federação a sua representação política no Senado.
O tema ganhou peso por conta de uma entrevista do governador de Minas Gerais, Romeu Zema, ao jornal O Estado de S. Paulo, no dia 5 de agosto. Zema defendeu maior protagonismo político para as regiões Sul e Sudeste em discussões nacionais e criticou o que acredita serem injustiças sofridas pelos estados dessas regiões em relação à distribuição de verbas do governo federal.
Na ocasião, ao falar sobre a criação do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud), Zema disse que a diferença de tratamento às regiões ficou evidente durante a discussão da Reforma Tributária e cobrou maior representatividade do Sul e Sudeste no Senado.
Como este é um tema que está gerando desinformação, o Comprova consultou dados e ouviu especialistas e reúne aqui informações para dar mais contexto ao debate.
A Federação
O Brasil é um sistema federativo, o que significa que os estados têm direitos iguais e são unidos em uma Federação. Os deputados federais, que compõem a Câmara, existem para representar a população. Por isso, seu número (que pode variar de no mínimo 8 a no máximo 70) depende da quantidade de habitantes de cada estado.
A diferença no número de deputados entre os estados poderia desequilibrar a “balança” em favor das regiões mais populosas, que, com maior número de representantes, teriam mais facilidade para aprovar leis e destinar recursos no Orçamento. O objetivo da criação do Senado foi justamente equilibrar este cenário. Sua função é representar a federação, ou seja, os estados e o Distrito Federal no Congresso Nacional. Para fazer valer a igualdade entre os estados na formulação das leis, o número de senadores é igual para todos: três para cada uma das 27 unidades da Federação, somando 81 membros. O Brasil adota este modelo desde 1891, com a primeira Constituição da República.
Cosud
No dia 16 de março de 2019, governadores do Sul e Sudeste, reunidos em Belo Horizonte, anunciaram a criação do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud). A proposta é que seja uma organização para discutir pautas conjuntas entre os sete estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina) e estabelecer uma agenda de cooperação entre os governos.
Entre as pautas estão: saúde, desenvolvimento econômico, transportes, logística, segurança pública, combate ao contrabando, sistema prisional, inovação e tecnologia, desburocratização e turismo.
Um dos destaques para a criação do Cosud, argumentado pelos gestores, é que as regiões concentram cerca de 70% do PIB nacional, o que, de fato, é evidenciado por dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Participação dos estados no Produto Interno Bruto (PIB) em %
Desde o anúncio da criação, os governadores dos sete estados realizaram oito eventos presenciais do Cosud. No último, em junho de 2023, foi anunciada a formalização do consórcio com a celebração de um protocolo de intenções subscrito pelos estados, conforme preconiza a Lei Federal 11.107/2005 e o Decreto 6.017/2007. Por lei, o contrato do consórcio ainda precisa ser formalizado em cada estado integrante da organização para concluir a constituição do Cosud.
No último encontro, o governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), foi anunciado como o primeiro coordenador do Cosud. Ele ocupará o posto até dezembro de 2024.
Reforma tributária na Câmara
Na entrevista que motivou a discussão sobre distribuição de recursos entre estados, o governador Romeu Zema destacou que a votação da Reforma Tributária (PEC 45/19), aprovada na Câmara em julho, e que agora tramita no Senado, ilustra o enfrentamento à suposta baixa representatividade do Sul e Sudeste. Na proposta referente à composição do Conselho Federativo, os parlamentares dessas regiões, segundo ele, conseguiram se posicionar conjuntamente e evitar, por exemplo, que o Norte e Nordeste tivessem maior poder de decisão.
O Conselho Federativo consta na Reforma Tributária e é um órgão a ser criado para decidir como será a divisão de recursos oriundos da arrecadação do futuro Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que irá substituir o ICMS e ISS, os dois principais tributos dos estados e municípios. Os critérios de criação desse conselho foram pontos polêmicos da discussão na Câmara.
Inicialmente, a proposta previa que o conselho teria 27 membros, representando cada estado, e 27 integrantes para o conjunto dos municípios. Mas gestores do Sul e Sudeste, como os governadores do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite; e de São Paulo, Tarcisio de Freitas, alegaram uma sub-representação das regiões no processo, pois, como o Norte e Nordeste têm, juntos, 16 dos 26 estados, segundo argumentaram, se as decisões fossem tomadas por maioria simples, uma aliança entre as duas regiões seria suficiente garantir a deliberação.
No desenho aprovado, o Conselho Federativo deve ter 27 membros de representação dos estados (um para cada estado e o Distrito Federal) e 27 integrantes representando as cidades. Mas, as decisões, para serem aprovadas, precisarão obter tanto os votos da maioria absoluta dos 27 representantes de municípios, como a maioria absoluta de representantes estaduais que, somados, correspondam a pelo menos 60% da população brasileira. Dessa forma, o texto potencializa o poder de decisão das regiões Sul e Sudeste detentoras de estados como São Paulo e Minas Gerais, com população mais numerosa.
Agora, a proposta da Reforma está no Senado e o relator do documento na Casa, senador Eduardo Braga (MDB-AM), propõe a revisão dessa proporção. Com isso, há possibilidade, argumenta ele, de que estados de outras regiões (fora do Sul e Sudeste) sejam incluídos no peso decisório do Conselho.
Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional
O Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), mecanismo que também entrou em pauta diante das discussões sobre o pacto federativo, é uma estrutura criada pela PEC da Reforma Tributária, que tem como objetivo “reduzir as desigualdades regionais e sociais”, destinando recursos da União aos estados e ao Distrito Federal. A verba poderá ser usada para infraestrutura, fomento de atividades com potencial de geração de emprego e renda, além de ações visando ao desenvolvimento científico e tecnológico.
No entanto, o mecanismo ainda não tem uma definição precisa quanto aos critérios de distribuição da verba. Na prática, a PEC precisa ser aprovada no Senado e o modo de repasse dos recursos do Fundo só será definido em uma lei complementar que ainda irá tramitar.
Em junho deste ano, na carta de compromisso elaborada no último evento do Cosud, os governadores do Sul e Sudeste dizem estar preocupados com a criação de “novos fundos de desenvolvimento” com foco na redução das desigualdades regionais do país.
No documento, eles destacam que é preciso considerar as desigualdades sociais e econômicas significativas existentes também nos estados do Sul e Sudeste, já que há “muitas cidades e regiões inteiras com renda per capita abaixo da média nacional, e que, portanto, demandam também atenção”, e pedem que estas regiões também sejam abarcadas pelo fundo.
Arrecadação e distribuição de recursos
No Brasil, a arrecadação tributária e a partilha desses recursos estão previstas na Constituição Federal. Nela, consta que o governo federal cobra alguns impostos, dentre eles o Imposto de Renda (IR) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), e a própria Constituição estabelece como esses recursos devem ser repassados a outros entes como estados e municípios.
O governo federal, portanto, tem a obrigação de entregar 50% do arrecadado com esses impostos (IR e IPI) da seguinte forma:
21,5% ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE);
22,5% ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM);
3% para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráter regional. Os chamados fundos constitucionais;
3% de repasse adicional ao FPM, sendo o repasse anual nos meses de julho, setembro e dezembro de cada ano.
Dessa forma, há dois modos de ajudar as regiões que precisam: a transferência direta de arrecadação tributária e os fundos constitucionais.
O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Direito Rio e pesquisador do Centro de Pesquisa em Direito e Economia (CPDE), Gustavo Fossati, diz que nesse contexto “tudo depende muito da performance da economia”. “Essa lógica inicial é muito importante porque tudo vai depender da arrecadação do Imposto de Renda e do IPI. As pessoas têm que ganhar mais dinheiro para daí pagar mais imposto, e a indústria tem que produzir mais para daí pagar mais IPI”, explica.
Em termos de arrecadação, no âmbito federal, o principal é o IR, reitera o professor adjunto da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) Pedro Forquesato. Ele acrescenta que, nesse caso, “a alíquota é a mesma no país inteiro, mas isso não quer dizer que a arrecadação é igual, porque estados mais ricos pagam muito mais Imposto de Renda. Então, essa é uma fonte de desigualdade”.
O professor também reforça que tanto o FPE como o FPM direcionam mais recursos para os estados mais pobres, pois foram criados justamente por essa razão. Desse modo, na distribuição da arrecadação federal, as regiões mais desenvolvidas economicamente tendem a ter maior capacidade de recolhimento da verba (pagam mais) que, posteriormente, é distribuída entre os estados e, nessa equação, podem receber menos. Esse é o primeiro ponto. Mas, como ocorre, de fato, a divisão desses recursos?
Nessa etapa entram critérios que também constam na Constituição ou em leis complementares à ela, e, nesse caso, explica Fossati, é preciso considerar a dimensão do país e as desigualdades que marcam historicamente as regiões. “Como o Brasil é muito grande, ele tem muitas diferenças entre as regiões. Isso é um fato. Fato comprovado pelo IBGE, principal instituto que nos traz indicadores tais como população e renda per capita”, completa.
Na Constituição, acrescenta o professor, “um dos objetivos fundamentais, para além da erradicação da pobreza da fome, é a redução das desigualdades regionais. Então, já começa por aí, com a chamada missão constitucional de reduzir desigualdades”. A lei máxima do país, nesse ponto, reforça o pacto federativo e tem como prerrogativa a garantia do enfrentamento às desigualdades entre as regiões.
“De que forma? Quem ganha mais, contribui mais, quem ganha menos, contribui menos. Ou seja, quem tem mais capacidade econômica financeira tem mais obrigação de ajudar aquelas pessoas que precisam. Se constatamos por indicadores socioeconômicos que as regiões precisam de mais ajuda para se desenvolver, então, temos que ajudá-los. E quem vai ajudar mais são as regiões que têm mais capacidade econômica e financeira”, afirma Fossati.
Nesse sentido, a Lei Complementar, a nº 62 de 1989 estabeleceu normas para o cálculo da distribuição do FPE, que atende diretamente aos estados. E, entre 1989 e 2013, 50% da arrecadação federal do IR e do IPI eram distribuídos da seguinte forma:
85% para as Unidades da Federação integrantes das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste;
15% para as Unidades da Federação integrantes das regiões Sul e Sudeste.
Em 2013, houve uma alteração na distribuição e passou a valer, até o final de 2015, outro critério. Entraram em cena os chamados coeficientes individuais de participação dos estados e do Distrito Federal. Na prática, é uma tabela com um percentual diferente para cada estado.
“Dentro da tabela dos percentuais, vou dar um exemplo, enquanto o Estado de São Paulo é o mais pujante, o mais rico, tinha o coeficiente individual de participação na ordem de 1, a Bahia tinha coeficiente de 9,4. Então, o coeficiente individual da Bahia é nove vezes maior do que o de São Paulo. Isso continua refletindo a lógica distributiva”, acrescenta o professor.
Já em 2016, o cálculo mudou novamente. A tabela, que é atualizada anualmente, ainda é considerada na distribuição do recurso, mas passa a ser corrigida pelo IPCA e por 65% da variação do PIB. Além disso, eventual parcela que superar esse montante é distribuída a partir da combinação de dois fatores: população e renda.
“O IBGE fornece todos os anos para o Tribunal de Contas da União (TCU) dados relativos à população e à renda domiciliar. E o TCU anualmente faz esses cálculos. E o TCU leva em consideração também o tamanho da população e o inverso da renda domiciliar, porque a lógica é justamente esta: ajudar mais quem precisa de mais ajuda e tem menos renda. Há 10 anos que temos essa regra”, detalha. Os coeficientes estão disponíveis publicamente e podem ser conferidos no site do TCU.
A tabela para o exercício de 2023 é a seguinte
No caso do coeficiente, quanto maior o índice, maior a quantidade de recursos destinada ao estado.
Fundos constitucionais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste
A Constituição prevê que dos 50% arrecadados com IR e IPI pela União, 3% são os chamados fundos constitucionais, usados para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Isso por meio de instituições financeiras de caráter regional, por exemplo, o Banco do Nordeste.
Nesse caso, há ainda o detalhamento que, conforme a norma constitucional, fica assegurado ao semiárido do Nordeste a metade dos recursos destinados à Região.
Da proporção de 3% há a seguinte divisão estabelecida também em lei específica (Lei 7.827/1989).
0,6% para o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte;
1,8% para o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste; e
0,6% para o Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste.
“Aqui são programas de financiamento. Então, não é simplesmente dinheiro de graça. É financiamento, tem juros voltados para aplicação de programas de financiamento ao setor produtivo por meio das instituições financeiras de caráter regional”, detalha Gustavo Fossati.
No caso do Fundo Constitucional do Nordeste, é importante ter ciência que, tendo em vista o direcionamento ao semiárido brasileiro, a verba, além das atividades produtivas no Nordeste, também financia municípios do norte de Minas Gerais e do Espírito Santo. Segundo informa o site oficial do Banco do Nordeste, essas são “regiões também de vulnerabilidade econômica”.
Área de Financiamento do FNE, Semiárido e Agências do BNB
O modelo de distribuição é injusto e gera competição?
Na avaliação do professor Gustavo Fossati, considerando essa metodologia de cálculo, o Sul e Sudeste recebem menos do governo federal, mas destaca que isso “nasce lá na origem em 1989 em um percentual de 85%. Logo no início da Constituição Federal. Então, por um bom tempo, de fato, Norte e Nordeste receberam muito mais. Com o passar do tempo, mudou”.
A diferença foi amenizada, argumenta, por conta da vinculação do FPE à variação do IPCA, do PIB e dos indicadores de população e do inverso da renda per capita. Mas, mesmo com essa alteração de metodologia de cálculo, ele avalia que “o desenho permaneceu parecido”.
A justificativa, acrescenta, também permanece a mesma: “o fato de o Brasil ter muitas desigualdades regionais. Não termos superado esse problema. Tanto é verdade que, por exemplo, a Zona Franca de Manaus vai ser mantida, inclusive na Reforma Tributária, porque a região de Manaus continua precisando de incentivos fiscais. Se tirar os incentivos fiscais de lá, as empresas que estão lá, vão embora. E a Região vai colapsar. As regiões do país ainda precisam de ajuda.”
O professor da FEA-USP Pedro Forquesato diz que inevitavelmente é verdade que estados mais pobres são “privilegiados” na distribuição de recursos do governo federal, e acrescenta que isso ocorre tanto pela volta dos principais impostos federais para regiões mais pobres, conforme os critérios já explicados, como pelas “políticas de assistência” que “também são concentradas nos estados mais pobres”. Porém, destaca, os programas assistenciais no Brasil respondem por uma proporção pequena do PIB, e “a maior expectativa de vida no Sul e Sudeste podem fazer com que os gastos previdenciários nessas regiões sejam maiores”.
O tratamento diferenciado do Norte e Nordeste nas transferências do FPE e FPM e nos fundos constitucionais também é reiterado pelo professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Ceará (UFC) João Mário de França. Em paralelo, ele traz um contraponto.
Segundo França, “quando olhamos as renúncias tributárias da União, analisando os Gastos Tributários definitivos da União para o ano de 2020, elas se concentram principalmente na região Sudeste com quase metade, precisamente 49,1% do valor total com o Sul ocupando o segundo lugar com 16,1%”. Isso significa, na prática, que o governo está incentivando o crescimento econômico de forma diferenciada nesses locais, desta vez ‘favorecendo’ o Sudeste.
França também avalia que “qualquer modelo de distribuição de recursos federais pode ser sempre aperfeiçoado produzindo melhores incentivos” e afirma não ver injustiça no atual formato pois “acha importante esse olhar federativo sobre regiões com menos oportunidades e atividade econômica com menor dinamismo para potencializar um desenvolvimento mais equilibrado no país como um todo”.
O que pode ser feito?
Gustavo Fossati, professor de Direito da FGV, diz que o “desconforto” de governadores do Sul e Sudeste quanto ao modelo e a possível competição entre os estados pode ser amenizada, por exemplo, se a distribuição do dinheiro tiver um planejamento no tempo.
A sugestão é que as instituições públicas tracem um planejamento de desenvolvimento por 20, 30 ou 40 anos das regiões mais necessitadas e que dentro desse prazo essa distribuição dos recursos arrecadados possa considerar outros critérios, tendo em vista, uma suposta mudança de realidade das regiões mais pobres.
O professor Pedro Forquesato reitera que o foco de financiamento nos estados mais pobres é “uma política intencional de redução das desigualdades regionais” e na sua avaliação é possível discutir se esse direcionamento é eficaz e tem realmente ajudado a diminuir as desigualdades regionais no Brasil. “Mas algum direcionamento tem que ter, da mesma forma em que é natural que o estado gaste mais com indivíduos mais pobres que com os mais ricos”.
Repasse dos estados à Receita
No portal da Receita Federal, é possível acessar dados atualizados até 2021 sobre o repasse de recursos dos estados ao governo federal. Segundo a Receita Federal, o repasse de Estados do Norte-Nordeste no período de 2017 a 2021 foi de mais de R$ 870 bilhões.
No mesmo período, os estados do Sul-Sudeste repassaram mais de R$ 5,9 trilhões.
Tipos de tributos arrecadados e repassados à Receita pelos estados:
Imposto sobre importação
Imposto sobre exportação
IPI – total
IPI – fumo
IPI – bebidas
IPI – automóveis
IPI – vinculado à importação
IPI – outros
Imposto sobre a renda – total
IRPF
IRPJ
Entidades financeiras
Demais empresas
Imposto s/ renda retido na fonte
IRRF – rendimentos do trabalho
IRRF – rendimentos do capital
IRRF – remessas ao/ exterior
IRRF – outros rendimentos
Imposto s/ operações financeiras
Imposto territorial rural
Cofins
Financeiras
Demais
Contribuição para o pis/pasep
Financeiras
Demais
Csll
Financeiras
Demais
CIDE-combustíveis
CPSSS – contrib. p/ o plano de segurança. Social Serv. Público
Outras receitas administradas
Receita previdenciária
Administradas pela RFB
Administradas por outros órgãos
Repasses da União a estados
Uma parcela das receitas federais arrecadadas pela União é transferida aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios. O rateio da receita oriunda da arrecadação de impostos entre os entes federados representa um mecanismo que busca amenizar desigualdades regionais, segundo o portal Tesouro Nacional Transparente, do governo federal.
É de responsabilidade do Tesouro Nacional, em cumprimento aos dispositivos constitucionais, efetuar as transferências desses recursos aos entes federados, nos prazos legalmente estabelecidos.
De 2017 a 2021, a União repassou aos estados do Sul e Sudeste o total de R$ 230,4 bilhões.
No mesmo período, os estados do Norte e Nordeste receberam R$ 405,3 bilhões.
Tipos de tributos arrecadados e repassados aos estados:
Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal – FPE
FUNDEB – Distribuição das Retenções da União
FUNDEB – Complementação da União
Royalties ANP / PEA / FEP
PFEC INCISO II
Apoio / Auxílio Financeiro aos Estados, Municípios e DF
IPI-Exportação
Cessão Onerosa
PFEC Inciso I
Royalties – CFM
Lei Complementar 176/2020 (ADO25)
CIDE-Combustíveis
Royalties – CFH
Ajuste FUNDEB – Complementação da União
FEX – Auxílio Financeiro de Fomento às Exportações
Lei Complementar N. 87/96 (Lei Kandir)
Ajuste FUNDEB – Distribuição das Retenções da União
Serviço de Apoio à Gestão Descentralizada do Programa Bolsa Família / Aux. Brasil
IOF – Ouro
Como o post pode ser interpretado fora do contexto: A Constituição de 1988 criou mecanismos para reduzir os desequilíbrios e mitigar desigualdades históricas no país. Quando reduzem as comparações apenas ao PIB e ao número de senadores de cada região, os posts que deram origem a essa verificação dão a entender que as regiões Norte e Nordeste são privilegiadas e que atuam para prejudicar as regiões Sul e Sudeste.
O que diz o responsável pela publicação: O perfil @mspbra, que fez a postagem que deu origem a este Contextualizando, foi procurado por e-mail mas não houve retorno até a publicação desta checagem.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 18 de agosto, o post no Telegram somava 7,8 mil visualizações, enquanto no X (antigo Twitter) eram 166,6 mil visualizações e 5,6 mil curtidas até a mesma data.
Como verificamos: O Comprova realizou buscas no Google e em sites do governo federal, e analisou dados encontrados na página do Tesouro Nacional sobre os repasses feitos aos estados. Além disso, entrevistou o doutor em direito tributário pela Universidade de Münster, na Alemanha, e professor de Direito da FGV Gustavo Fossati, o professor doutor do departamento de Economia da USP Pedro Forquesato, e o professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFC João Mário de França.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para publicações que obtiveram maior alcance e engajamento e que induzem a interpretações equivocadas. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Os postos de combustíveis estão recebendo diesel no país, diferentemente do que afirmam posts nas redes sociais. A Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis) afirmou ao Comprova que houve limitação nas entregas em algumas bases de distribuição, mas que isso não significa falta de combustíveis para os consumidores – um dos motivos teria sido a competitividade de preço entre empresas, "ocasionando sobrecarga de pedidos em determinadas bases em detrimento a outras e, consequentemente, restrição nas entregas de produtos pelas distribuidoras". Também à reportagem, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) negou haver desabastecimento.
Conteúdo analisado: Publicações nas redes sociais, entre elas um vídeo gravado por um deputado federal, afirmando que “já está faltando diesel no Brasil e vai piorar”. Segundo o deputado, o combustível está “sumindo” do mercado e, em breve, a população começará a perceber a falta de suprimentos nas prateleiras.
Onde foi publicado: Twitter, Instagram e Facebook.
Conclusão do Comprova: Não há registro de desabastecimento generalizado de diesel nos postos de combustíveis, diferentemente do que afirmam um vídeo do deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) e outros conteúdos similares publicados nas redes sociais.
A Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), órgão do governo responsável por garantir o abastecimento no Brasil, afirmou ao Comprova que, até 17 de agosto, “nenhuma distribuidora relatou situação de restrição de abastecimento em nenhum estado” e que “os dados de estoques de combustíveis do mercado apresentam níveis regulatórios adequados”.
Segundo informou à reportagem a Fecombustíveis, houve limitação nas entregas dos produtos em algumas bases de distribuições, o que não significa necessariamente falta de combustíveis para os consumidores. A normalidade na oferta dos produtos também foi confirmada pela Petrobras e distribuidoras do combustível, como a Vibra Energia e Ipiranga.
Como apurou o Comprova, a defasagem no valor dos combustíveis em relação ao mercado internacional causou restrições na venda do diesel no país antes do último reajuste da Petrobras, anunciado em 15 de agosto. Nas últimas semanas, a importação foi afetada pela alta nos preços do petróleo no exterior e a disparada do dólar, que, consequentemente, inviabilizaram a compra dos produtos no mercado internacional pelas distribuidoras independentes.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No Instagram do deputado Gustavo Gayer (PL-GO), o post tinha mais de 202 mil visualizações e 32 mil curtidas até 18 de agosto.
Como verificamos: No Google, procuramos pelas publicações usadas pelo autor do vídeo analisado sobre o suposto desabastecimento. A partir daí, entramos em contato com ANP, Petrobras, Fecombustíveis, Ipiranga e Vibra Energia.
Por que houve restrições na venda do diesel?
A Petrobras anunciou em 16 de maio deste ano o fim do Preço de Paridade de Importação (PPI), que durante sete anos manteve o preço dos combustíveis atrelado diretamente ao mercado internacional (aqui, o Comprova explicou a política de preços da Petrobras). A nova política resultou em uma defasagem entre o valor do mercado interno e externo, tornando a importação do produto mais cara para as distribuidoras.
Devido à alta nos preços do petróleo no exterior e a disparada do dólar nas últimas semanas, a diferença entre os valores do diesel no Brasil e no restante do mundo atingiu 26% no dia 10 de agosto, segundo dados da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom). No mesmo dia, reportagem da CNN dizia que distribuidoras relataram à Abicom restrições na oferta de diesel em vários estados, como Rondônia, Pará, Tocantins, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Distrito Federal, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
O jornal O Tempo, citado como referência no vídeo analisado, também publicou matéria sobre o assunto, afirmando que estava “faltando diesel para diversas empresas de transporte em Minas Gerais”.
Reportagem do Estadão mostrou, ainda, que as distribuidoras independentes sinalizaram “restrições na venda em alguns pontos do país”. Segundo a matéria, a inviabilidade da compra de combustíveis no exterior, influenciada pela alta nos preços, e as restrições nos fornecedores nacionais, ocasionaram faltas pontuais de diesel. Isso não significa, no entanto, que houve desabastecimento generalizado. Em 11 de agosto, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que não há risco de desabastecimento de combustíveis no Brasil.
Aumento do diesel
Em 15 de agosto, a Petrobras anunciou aumento no preço de combustíveis nas refinarias. A gasolina teve uma alta de R$ 0,41 (16,2%), chegando a R$ 2,93 por litro para as distribuidoras, enquanto o preço do diesel foi para R$ 3,80 por litro – um acréscimo de R$ 0,78 (25,8%). O aumento reduz a defasagem em relação ao mercado internacional e também, segundo as autoridades, diminui o risco de falta de combustível no país.
Segundo a Petrobras, a nova estratégia comercial da estatal “permitiu que a empresa reduzisse seus preços de gasolina e diesel e, nas últimas semanas, mitigasse os efeitos da volatilidade e da alta abrupta dos preços externos, propiciando período de estabilidade de preços aos seus clientes”. No entanto, o avanço dos preços do petróleo no exterior e a disparada do dólar levaram a empresa a atingir o “limite da sua otimização operacional, incluindo a realização de importações complementares”.
Os fatores, de acordo com a companhia, tornaram necessários os reajustes tanto na gasolina quanto no diesel, mirando no reequilíbrio dos preços da Petrobras em relação aos praticados pelo mercado e na melhora dos valores de margens da empresa.
No dia 16, o Tribunal de Contas da União (TCU) ainda informou que o órgão segue fiscalizando o abastecimento de diesel no país neste ano, a fim de evitar a falta do produto, tendo em vista a nova política de preços da estatal.
O que diz o responsável pela publicação: Gustavo Gayer, autor de um dos posts que viralizou e que já teve outros conteúdos de desinformação verificados pelo Comprova (alguns deles: 1, 2, 3, 4 e 5), foi procurado, mas não respondeu até a publicação deste texto.
O que podemos aprender com esta verificação: O vídeo verificado tem o título “Caos a (sic) vista” e daí já tiramos a primeira dica, uma vez que é comum que conteúdos com desinformação utilizem chamadas alarmistas. Então, ao se deparar com postagens assim, eleve seu nível de ceticismo e busque outras fontes de informação e veículos de imprensa da sua confiança.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
São enganosas as postagens que usam dados de 2016 para levantar suspeitas sobre a destinação de 559 itens recebidos como presentes em cerimônias como chefe de Estado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em seus dois primeiros mandatos presidenciais. O Tribunal de Contas da União (TCU) fez, à época, auditoria no acervo, e determinou a localização e incorporação de 568 peças ao patrimônio da União. O processo foi concluído em 2020, em acórdão da Corte de Contas que considerou cumpridas as determinações.
Conteúdo investigado: Publicação nas redes sociais traz uma montagem com um trecho cortado de uma declaração de Lula e o texto “Sabe o que é alguém sair da presidência com 11 containers de acervo sem ter onde por?… Sair com cadeira, com trono, com papel, com tudo que vocês possam imaginar?”. Na legenda do post, foi incluída a frase “Onde estão esses bens?”. No X (antigo Twitter), a frase adicionada é “Ele ainda reclama! Debochado, cínico”.
Onde foi publicado: Facebook, Instagram e X (antigo Twitter).
Conclusão do Comprova: Postagens das deputadas federais Bia Kicis (PL-DF) e Carla Zambelli (PL-SP) trazem informações de 2016 para levantar suspeitas sobre a destinação dos itens do acervo presidencial de Lula (PT). Para tanto, compartilham título e matéria do Poder360, que diz: “Em 2016, Lula havia devolvido só 9 de 568 presentes de chefes de Estado, indicou TCU”.
À época, o Tribunal de Contas da União (TCU) fez auditoria no acervo de presentes recebidos em cerimônias oficiais por Lula e Dilma Rousseff (PT) quando ocuparam a Presidência da República e determinou a localização e incorporação de 568 peças dadas a Lula e 144 a Dilma ao patrimônio da União. Até então, não havia clareza na legislação sobre a destinação desses bens.
Conforme o TCU explicou ao Comprova, a determinação foi cumprida, como mostra o acórdão 1577, de 2020. Apenas oito itens do acervo de Lula não foram localizados. De acordo com registros do Sistema de Informação do Acervo Privado Presidencial (Infoap), eles foram estimados em R$ 11.748,40, montante que, segundo o TCU, foi restituído à União em 10 parcelas de R$ 1.174,84.
Ao Comprova, o Instituto Lula afirma que os itens que permaneceram no acervo pessoal de Lula estão, em sua maior parte, sob a guarda do instituto em dependências do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, em São Paulo. A outra parte está guardada no Museu da República, através de um termo de cessão feito entre o Instituto Lula e o museu, que abrigou as peças mais valiosas e sensíveis.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 18 de agosto, a publicação somava mais de 1,5 milhão de visualizações nas três redes encontradas. No Facebook, eram 357 mil visualizações, 23 mil reações e 6,6 mil comentários, enquanto no X eram 228,3 mil visualizações, 11,3 mil curtidas e 4,6 mil compartilhamentos. Já no Instagram, a publicação contava com 931 mil visualizações, 90,5 mil curtidas e 8,3 mil comentários.
Como verificamos: Em primeiro lugar, o Comprova encontrou a origem da declaração de Lula. Para isso, como há a presença da logo da Rede TVT, pesquisou no Google as palavras-chave “coletiva Lula TVT presentes”, chegando ao corte “Coletiva Lula: Os presentes”, concedida em 4 de março de 2016, após o político ser levado em condução coercitiva para depor nas investigações da operação Lava Jato.
Em seguida, procurou a entrevista coletiva completa, disponível também no canal de YouTube da emissora. A declaração do atual presidente está entre 13’12” e 13’45”.
Em seguida, foram procuradas matérias e reportagens sobre a coletiva e os presentes recebidos durante os dois mandatos de Lula, de 2003 a 2010. O Comprova também buscou informações nos canais oficiais do governo federal, da Secretaria de Comunicação Social (Secom) e do TCU. Por fim, entrou em contato com a Secom, o tribunal e o Instituto Lula para esclarecer informações, além de contatar as autoras das publicações verificadas.
A declaração de Lula
Em 4 de março de 2016, o então juiz federal Sergio Moro, hoje senador, ordenou a condução coercitiva de Lula para depor na Polícia Federal durante as investigações da Lava Jato. Após o depoimento, o petista deu uma entrevista coletiva no Diretório do PT em São Paulo. Dentre os assuntos abordados, o presidente citou que o Ministério Público estaria investigando seu acervo pessoal, contendo presentes recebidos em visitas internacionais.
A descrição da fala completa de Lula sobre o acervo pessoal é a seguinte (no vídeo original da coletiva, o trecho da declaração começa em 13’03”):
“Você tem que responder pelo acervo, eles agora querem saber do acervo do Lula. Poderia ter querido saber do acervo antes de me comprometer com essas tranqueiras todas. Vocês sabem o que que é alguém sair da presidência com 11 contêineres de acervo sem ter onde pôr? Vocês sabem o que é sair com cadeira, com trono, com papel, com tudo que vocês possam imaginar? Porque se somar todos os presidentes da história desse país, desde Floriano Peixoto, eu fui o que mais ganhei presente. Porque viajei mais, porque trabalhei mais, porque viajei o mundo, eu tenho até trono da África. O que que eu faço com isso? É uma coisa do presidente, mas de domínio público, eu tenho que tomar conta, mas ninguém me paga. Então é o seguinte, essas coisas, se o Ministério Público está preocupado, ô, Rui [Falcão], eu acho que é importante vocês oferecerem meu acervo. Eles têm um prédio lá redondo, de vidro fumê, que pode guardar as coisas que eu tenho. Aquilo não me faz nenhuma importância, a quantidade de ouro que eu tenho. Eu uso meu Citizen aqui, não vou fazer merchandising, custa uns R$ 500, 600. Eu não quero relógio para valorizar meu pulso, eu quero um relógio para valorizar a hora. Eu quero saber se ele funciona ou não”.
A fala utilizada na publicação foi recortada do trecho entre “Vocês sabem o que é alguém sair da presidência com 11 contêineres…” e “…O que que eu faço com isso?”.
Lula deixa a presidência com 11 contêineres
Diante do inquérito que apura suposta venda de joias e outros objetos de valor recebidos em viagens oficiais do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o vídeo de Lula foi recuperado por bolsonaristas para levantar suspeitas sobre a destinação dos presentes recebidos pelo petista em seus dois mandatos presidenciais).
Em entrevista por telefone ao Comprova, Paulo Okamotto, diretor do Instituto Lula, afirmou que, após o segundo mandato do petista, foram retirados 11 contêineres que compunham o acervo presidencial:
“São 11 contêineres. Mas não são 11 contêineres de presentes. São 11 contêineres de acervo presidencial. O que é esse acervo presidencial? As pessoas mandaram carta para o Lula, 400 mil cartas mandadas para o Lula, isso compõe o acervo presidencial, entendeu? As pessoas deram 180 bíblias para o Lula, isso compõe o acervo presidencial, e assim vai por diante. O cara ganhou uma bola, uma camiseta, uma caneta, um monte de coisa que a população deu, que popular deu. Isso dá milhares e milhares e milhares de itens”, diz Okamotto, acrescentando que esse material está acondicionado em dependências do Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo do Campo.
Desde a redemocratização, em 1988, a legislação sobre o acervo presidencial foi alterada por três vezes. A primeira delas é a Lei 8.394, de 1991, que determina o que é o patrimônio privado dos presidentes. Nessa lei, contudo, não há nenhuma citação sobre a destinação de presentes recebidos pelas autoridades.
Em 2002, por meio do Decreto 4.344, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) regulamentou a lei anterior e ampliou seu conteúdo. Essa é a primeira vez em que é citado o recebimento de presentes e a destinação para o acervo presidencial.
Segundo a legislação, “os documentos bibliográficos e museológicos recebidos em cerimônias de troca de presentes, nas audiências com chefes de Estado e de Governo” devem ser destinados ao acervo presidencial, sejam recebidos em viagens ao exterior ou entregues por autoridades estrangeiras no Brasil.
A redação dessa lei, no entanto, gerou, segundo especialistas, uma interpretação dúbia sobre os tipos de objetos que deveriam ter como destino final o acervo presidencial e quais seriam de propriedade privada do presidente. Para muitos, somente presentes recebidos em cerimônias oficiais deveriam ir para o Acervo da Presidência, e, com isso, mantinham para o acervo pessoal todos os outros que fossem recebidos fora desses eventos.
Para evitar essa dubiedade, o TCU publicou o acórdão 2255/2016, que define que todos os presentes recebidos pelos chefes do Executivo brasileiro devem ser incorporados ao acervo presidencial. As únicas exceções são objetos de caráter personalíssimo, como roupas e perfumes, e de consumo imediato e perecíveis, como alimentos ou bebidas.
Auditoria do TCU nos presentes recebidos por Lula
Em 2016, seis meses após a condução coercitiva de Lula para depoimento à PF, o Tribunal de Contas da União realizou auditoria nos presentes recebidos pelos presidentes da República entre janeiro de 2003 e maio de 2016 cadastrados no Sistema de Informação do Acervo Privado Presidencial. O objetivo, como consta no acórdão 2255/2016, foi “averiguar desvio ou desaparecimento de bens pertencentes à União nos palácios do Planalto e da Alvorada”.
Na ocasião, o TCU constatou interpretação equivocada do Decreto 4.344/2002, que dispõe sobre a preservação, organização e proteção dos acervos documentais privados dos presidentes da República, pois haviam sido incorporados ao acervo da União somente nove presentes recebidos por Lula e seis por Dilma de um total de 1.073 itens analisados, sob a justificativa de que o número restrito se referia àqueles recebidos em cerimônias formalmente denominadas de “troca de presentes”.
Segundo o TCU, essa interpretação do decreto foi equivocada. O órgão, então, fixou o seguinte entendimento: “(…) Não só os documentos bibliográficos e museológicos, recebidos em eventos formalmente denominados de ‘cerimônias de troca de presentes’, devem ser excluídos do rol de acervos documentais privados dos presidentes da República, mas, também, todos os presentes, da mesma natureza, recebidos nas audiências da referida autoridade com outros chefes de estado ou de governo, independentemente do nome dado ao evento pelos cerimoniais e o local que aconteceram”.
A exceção, segundo o TCU, refere-se aos itens de natureza personalíssima (medalhas personalizadas e grã-colar) ou de consumo direto pelo presidente da República (bonés, camisetas, gravata, chinelo, perfumes, entre outros). Sendo assim, do total de 1.073 presentes analisados no período auditado, o TCU excluiu 361, entendendo serem de natureza pessoal. Restaram 712 itens: 568 (Lula) e 144 (Dilma) que deveriam ser localizados em incorporados ao acervo da União.
Em 2019, após análise determinada pelo TCU e realizada pela Diretoria de Documentação Histórica (DDH) do Gabinete Pessoal do Presidente da República, a partir do Sistema de Gestão de Acervos Privados da Presidência da República, foi feita uma recontagem dos bens que deveriam ser restituídos ao acervo presidencial dos dois presidentes. Conforme o acórdão 177/2019, após a reavaliação, o número de itens que deveriam ser devolvidos totalizaram 434 bens de Lula e 117 de Dilma. Os itens estão disponíveis para consulta no site da Presidência.
Em relação a Lula, objeto da peça de desinformação, o TCU informou ao Comprova que somente oito peças não foram localizadas. A esses itens foi estipulado um valor total de R$ 11.748,40 que, segundo o TCU, foram restituídos à União em 10 parcelas de R$ 1.174,84. A resposta também consta em matéria da CNN Brasil.
Dessa forma, explica o TCU, o acórdão 1577/2020 considerou cumpridos os subitens 9.2.2 e 9.2.3 do acórdão 2255/2016, que determinou a reincorporação ao acervo da União dos 568 bens e 144 bens recebidos, respectivamente, por Lula e Dilma Rousseff em cerimônias com chefes de Estado ou de governo no período em que ocuparam a presidência.
O caso de Bolsonaro
No caso de Bolsonaro, a suspeita da PF é que os presentes recebidos pelo ex-presidente tenham sido omitidos dos órgãos do poder público e desviados para fins de enriquecimento pessoal.
As suspeitas foram reveladas em março deste ano, após o Estadão mostrar que o governo Bolsonaro tentou trazer ilegalmente para o país colar, anel, relógio e um par de brincos de diamantes avaliados em € 3 milhões, o equivalente a R$ 16,2 milhões. As joias foram um presente do regime da Arábia Saudita para o então presidente e a primeira-dama Michelle Bolsonaro e foram apreendidas no aeroporto de Guarulhos (SP).
Na noite do 11, a defesa de Bolsonaro divulgou nota dizendo que o ex-presidente nega ter se apropriado ou desviado bens públicos e afirmando que coloca à disposição da Justiça sua movimentação financeira.
Questionado pelo Comprova se, na época da auditoria no acervo presidencial de Lula, foi constatada a venda de algum item, o TCU respondeu: “Não localizamos análise do Tribunal nesse sentido”.
O que diz o responsável pela publicação: As deputadas Bia Kicis e Carla Zambelli foram contatadas. Bia Kicis respondeu: “A postagem é um vídeo da fala dele à época. Não tem nada de enganosa. É sobre o que ele diz que levou. Se devolveu depois é outra história”.
Já Carla Zambelli disse que “o vídeo tem fonte e trata de um assunto específico: Lula ficou com 11 contêineres de presentes que ganhou durante seu mandato e se gaba disso no vídeo”. Ela acrescenta: “O desfecho não desfaz o fato dele ter saído da presidência com material que não lhe pertencesse. E mais: não se sabe se ele devolveu realmente tudo o que deveria, já que sequer mandava para o acervo presidencial”.
O que podemos aprender com esta verificação: Utilizar trechos de falas e entrevistas fora de contexto é uma tática comum entre pessoas que publicam desinformação. Ao encontrar uma publicação com declarações curtas – os chamados “cortes” – procure buscar pelo vídeo original para entender o contexto.
Além disso, é muito comum que desinformadores produzam conteúdos para gerar comparações entre políticos e personalidade, geralmente quando há uma medida ou ação polêmica envolvendo um deles. Por isso, é importante pesquisar sobre o contexto em que determinada declaração ou informação foi dada.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Ao contrário do que sugerem vídeos nas redes sociais, o governo federal não tem projeto para liberação das drogas no país. A Secretaria de Comunicação da Presidência negou a existência de proposta com esse objetivo. A discussão sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio é feita pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito de um recurso da Defensoria Pública de São Paulo. A análise do tema, suspensa em 2 de agosto, deve voltar a julgamento no dia 17 de agosto.
Conteúdo investigado: Posts nas redes sociais em que uma mulher aparece supostamente vendendo maconha e justifica a ação dizendo estar fazendo isso “agora que o Lula liberou”. Um outro vídeo sugere que o governo federal tem um projeto de liberação de drogas. Na gravação, outra mulher questiona: “Se for liberada as drogas, pra que cobrar exame toxicológico de motorista? Só anda pra trás esse desgoverno” (sic).
Onde foi publicado: TikTok e Instagram.
Conclusão do Comprova: São enganosos vídeos que sugerem que o governo federal tenha um projeto de liberação das drogas ou tenha liberado as substâncias. Embora alguns integrantes da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já tenham se posicionado sobre o tema, como o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, e da Justiça, Flávio Dino (PSB), a Secretaria de Comunicação (Secom) informou ao Comprova que “não há nenhum projeto com esse objetivo em discussão na Presidência da República”. Nenhuma proposição de autoria do Executivo sugerindo a liberação foi encontrada em tramitação no portal da Câmara dos Deputados pelo Comprova.
Desde 2015, há uma discussão sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio no Supremo Tribunal Federal (STF). O debate foi pautado depois que a Defensoria Pública de São Paulo ingressou com o Recurso Extraordinário (RE) 635659, no qual questiona a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (nº 11.343/2006). O artigo classifica como crime o porte e transporte de entorpecentes para consumo próprio.
Suspenso em 2017, o julgamento do RE pelo Supremo foi retomado em 2 de agosto deste ano e, após nova pausa, voltará à pauta nesta quinta-feira, 17. Até o momento, a corte tem quatro votos para que o porte de maconha para consumo próprio deixe de ser considerado crime. O entendimento firmado pelo STF nesse julgamento deve balizar casos similares em todo o país.
Ao Comprova, a Defensoria Pública de São Paulo esclareceu que o debate motivado pelo recurso não tem qualquer relação com o governo federal. “A Constituição Federal garante ao órgão autonomia funcional e administrativa, o que significa que não atua sob direção de qualquer ente governamental (inclusive governo federal), mas sim na busca da garantia dos direitos de seus usuários.”
Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 16 de agosto de 2023, o post no Instagram, teve 31,5 mil curtidas e 1,5 mil comentários. O outro post, no TikTok, somava 374,2 mil visualizações, 15,5 mil compartilhamentos, 13,5 mil curtidas e 1 mil comentários até a mesma data.
Como verificamos: Primeiramente, buscamos no Google pelos termos “Lula, liberação das drogas e STF”; “projeto de lei, Lula, drogas”; e “descriminalização das drogas, STF”. Também fizemos uma pesquisa avançada no site da Câmara dos Deputados por projetos de autoria do Poder Executivo em tramitação contendo ao menos uma destas palavras: droga, drogas, entorpecente, entorpecentes.
Depois, entramos em contato com a Secom da Presidência, e com as assessorias de imprensa do STF e da Defensoria Pública de São Paulo. Por fim, fizemos contato com a responsável pela publicação do conteúdo verificado.
Discussão sobre drogas é feita pelo STF e não envolve Lula
O STF deve retomar nesta quinta-feira, 17 de agosto, o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 635659, que trata da descriminalização do porte de drogas para consumo próprio. O caso tem repercussão geral, o que significa que o entendimento firmado pelos ministros do Supremo deve ser aplicado a casos similares em todo o país. Até o momento, a Corte tem quatro votos para que o porte de maconha para consumo próprio deixe de ser considerado crime. Sete ministros ainda precisam se posicionar.
O recurso foi protocolado em fevereiro de 2011 pela Defensoria Pública de São Paulo, que contesta decisão de um colégio recursal que manteve a condenação de um homem à pena de dois meses de prestação de serviços comunitários pelo crime de porte de drogas para consumo pessoal. Para a Defensoria, o ato não afronta a saúde pública.
No recurso, o órgão questiona a constitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006, que criminaliza o porte de drogas para consumo pessoal. O principal argumento é que o dispositivo contraria o princípio da intimidade e da vida privada, já que a ação não implicaria em danos a bens jurídicos alheios.
Moraes defendeu a fixação de um critério nacional, no que diz respeito à maconha, para diferenciar usuários de traficantes. A proposta é que sejam presumidas como usuárias as pessoas flagradas com 25g a 60g de maconha ou que tenham seis plantas fêmeas.
Atualmente, o enquadramento fica a cargo da polícia, do Ministério Público e do Judiciário, que, sem critérios objetivos, interpretam a norma de formas diversas. Para o ministro, isso permite, por exemplo, que pessoas presas com a mesma quantidade de droga em circunstâncias parecidas possam ser consideradas usuárias ou traficantes, a depender da etnia, nível de instrução, renda, idade ou local do fato. Em respeito ao princípio da isonomia, Moraes destacou a necessidade de que os flagrantes sejam tratados de forma idêntica em todo o país.
Após o voto no último dia 2, o ministro relator do recurso, Gilmar Mendes, que já havia votado pela descriminalização de todas as drogas para uso próprio em 2015, pediu o adiamento do julgamento com objetivo de considerar os novos argumentos e as mudanças dos últimos anos, e construir uma solução consensual.
Os outros dois votos apresentados anteriormente, dos ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, propõem a descriminalização somente em relação à maconha.
Ao Comprova, a Defensoria Pública de São Paulo informou que a discussão sobre a descriminalização das drogas não guarda relação com o governo federal, uma vez que a Constituição garante autonomia funcional e administrativa ao órgão. “O que significa que [a Defensoria]não atua sob direção de qualquer ente governamental (inclusive governo federal), mas sim na busca da garantia dos direitos de seus usuários, desenvolvendo sua missão constitucional”.
A descriminalização discutida pelo STF não é o mesmo que legalização. O debate envolve saber se é possível punir como crime a atitude de ter o entorpecente consigo para uso pessoal e não diz respeito a uma autorização do uso de drogas por lei, ou permissão para a venda dos produtos, por exemplo.
Debate também no Senado
Também em 17 de agosto, o Senado promove uma sessão especial para debater a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal. O requerimento para a sessão (RQS 690/2023) é de autoria do senador Efraim Filho (União-PB). Segundo ele, o tema precisa ser debatido com profundidade, pois atinge políticas públicas de saúde e segurança.
Para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), não é a quantidade de drogas que deve ser relevante na diferenciação entre usuário e traficante, mas sim a intenção. Pacheco ainda disse temer, com a argumentação sobre a liberação do porte, uma possível descriminalização do traficante de pequenas quantidades de droga.
Foram convidados para a sessão do dia 17:
os ministros da Saúde, Nísia Trindade, e da Justiça, Flávio Dino;
o advogado e ex-secretário Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos, Luiz Roberto Beggiora;
o deputado e autor de projetos de combate às drogas Osmar Terra;
o juiz federal William Douglas dos Santos;
o frei Hans Stapel, um dos fundadores da comunidade terapêutica Fazenda da Esperança;
a coordenadora da comunidade Desafio Jovem, Célia Moraes;
o promotor de Justiça do Distrito Federal (DF) José Theodoro de Carvalho.
O debate também vai contar com a presença de médicos especialistas em dependência química e com um representante da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas.
O governo tem posição sobre o que o Supremo está discutindo?
Com o retorno do julgamento, alguns integrantes do governo Lula se posicionaram a respeito do assunto. No entanto, não há um consenso. Autoridades do Executivo já defenderam, criticaram e até mudaram de opinião, conforme mostrou o Metrópoles.
Em abril deste ano, durante audiência na Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, declarou ser favorável à descriminalização. “A questão das drogas é fundamentalmente de saúde pública e não um problema de natureza criminal. Descriminalização não é o contrário de regulação.”
Na época, o ministro disse não haver direcionamento do governo federal em relação ao tema e que sua declaração decorria de uma opinião pessoal. Em março, em entrevista à BBC, Almeida já havia defendido a descriminalização, dizendo acreditar que ela poderia diminuir a pressão sobre o sistema carcerário brasileiro.
Já o ministro da Justiça, Flávio Dino, disse ser contrário à descriminalização ainda durante o governo de transição. “Nós não temos hoje condições sociais e institucionais para descriminalizar drogas e, certamente, isso não vai ocorrer nos próximos anos”, afirmou à BBC em novembro de 2022. Desde então, Dino não deu declarações públicas sobre a questão.
Em julho do ano passado, quando Lula era candidato à Presidência, o grupo que elaborava o programa de governo do petista estudava alterar a lei de drogas para reduzir os encarceramentos no Brasil. A ideia era estabelecer parâmetros mais claros sobre o que é considerado tráfico.
Em outubro, o programa de governo de Lula destacava que “o país precisa de uma nova política sobre drogas, intersetorial e focada na redução de riscos, na prevenção, tratamento e assistência ao usuário”.
Segundo a Veja, o governo federal tem dado sinais de que pretende avançar na discussão sobre o uso da maconha para fins medicinais e industriais. Em junho deste ano, foram eleitas dez pessoas, incluindo associações que defendem a descriminalização, para integrar o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad).
Questionada a respeito de uma proposta própria de liberação de drogas pelo governo federal, a Secom informou ao Comprova que “não há nenhum projeto com esse objetivo em discussão na Presidência da República“. O Comprova também checou as proposições em tramitação na Câmara dos Deputados de autoria do Executivo sobre o tema e não encontrou nenhuma proposta envolvendo a liberação das drogas.
O que diz o responsável pela publicação: Entramos em contato com o perfil @tienecardoso210, responsável pela publicação no TikTok por mensagem no Instagram e Facebook. No entanto, não houve retorno até a publicação desta checagem. O perfil @juremirandrade, que postou o vídeo no Instagram, também não respondeu aos questionamentos enviados pelo Comprova.
O que podemos aprender com esta verificação: Ao se deparar com conteúdos que não informam a fonte para a informação repassada, como o investigado nesta verificação, desconfie. Desinformadores costumam utilizar essa tática para confundir o público, sobretudo a respeito de temas polêmicos que estão sendo debatidos no país.
Em casos como este, poderiam ser feitas buscas pelo tema nos sites oficiais de órgãos como o STF, a Defensoria Pública e a Câmara dos Deputados. Assim, seria possível identificar o que está sendo discutido nos âmbitos jurídico e legislativo a respeito da descriminalização das drogas no Brasil.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
A lei que reajusta a conta de luz dos usuários de energia solar, conhecida como “taxação do sol”, foi sancionada em 2022 pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL), após aprovação do Congresso Nacional, e não pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como leva a crer uma postagem viral no TikTok. Além disso, o conteúdo utiliza trecho de um vídeo de Lula falando sobre o Programa Desenrola Brasil, e não sobre o marco legal da Micro e Minigeração Distribuída, parte da legislação que regula os sistemas de energia elétrica no Brasil.
Conteúdo investigado: Um vídeo no TikTok associa a regra que reajusta a conta de luz dos usuários de energia solar, conhecida como “taxação do sol”, ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Para isso, o autor do conteúdo uniu dois vídeos diferentes, um do presidente falando que “agora em setembro vai entrar o grosso” e outro de uma reportagem sobre o marco legal da Micro e Minigeração Distribuída, que é parte da regulação do sistema de energia elétrica no Brasil e ficou conhecido como Geração Distribuída.
Onde foi publicado: TikTok.
Conclusão do Comprova: É falso que a regra que reajusta a conta de luz dos usuários de energia solar, conhecida como “taxação do sol”, tenha sido aprovada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O Projeto de Lei que institui o marco legal da Micro e Minigeração Distribuída, a chamada Geração Distribuída, foi aprovado em 2021 no Congresso Nacional e sancionado em 2022 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A lei está em vigor desde janeiro de 2023, mas quem instalou o sistema até o último 7 de julho tem direito a um período maior de transição da cobrança da taxa.
O conteúdo nas redes sociais utiliza trecho de uma reportagem veiculada pelo SBT News em 22 de julho deste ano sobre a taxação junto a um vídeo em que Lula aparece falando “e agora em setembro vai entrar o grosso” com o intuito de associar o assunto ao atual governo. Entretanto, no recorte, o presidente falava sobre o Programa Desenrola Brasil em uma live que foi ao ar em 25 de julho, e não sobre energia solar. O presidente explicava, na ocasião, que em setembro o programa iria abordar a maior faixa de pessoas inadimplentes.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O vídeo com informações falsas sobre a relação do presidente Lula à “taxa do sol” soma 864,5 mil visualizações, 95, 7 mil curtidas e 1925 comentários no Tik Tok até o dia 14 de agosto.
Como verificamos: Utilizando o Google, primeiro buscamos as origens dos dois vídeos usados na montagem, identificando quando e onde foram gravados. Em seguida, também pela plataforma de busca, consultamos notícias e informações do governo e do Congresso Nacional sobre o marco legal da Micro e Minigeração Distribuída. Por fim, procuramos o autor da postagem.
“Taxação do sol” foi aprovada no governo Bolsonaro, não de Lula
A legislação aprovada permite ao consumidor produzir a própria energia a partir de fontes renováveis, dentre elas, a solar fotovoltaica. Ela ficou conhecida como “taxação do sol” porque estabelece, também, que os produtores de energia por meio de painéis solares conectados à rede de distribuição sejam cobrados pelo custo dessa distribuição à rede elétrica – conhecido como Fio B. Na prática, é a cobrança do serviço de transmissão de energia até as residências.
Conforme explica o E-investidor, do jornal O Estado de S.Paulo, mesmo em vigor desde janeiro, quem instalou o sistema até 7 de julho de 2023 tem direito a um período maior de transição da cobrança da taxa. Para esses casos, a regra define uma progressão da aplicação das cobranças para o uso da rede até 2030. Já para quem instalou o sistema após essa data, o período de transição se encerra em 2028 com a aplicação do encargo no ano seguinte.
De acordo com o órgão, a minigeração distribuída é aquela com potência acima de 75 KW e menor ou igual a 3 MW – podendo ser de até 5 MW em situações específicas. Já a central geradora com potência instalada de até 75 KW é classificada como microgeração distribuída.
Ambas as modalidades são conectadas à rede de distribuição por meio de instalações de unidades consumidoras e, desta forma, o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE) permite que a sobra de energia gerada por um sistema de dia seja injetada para a rede e devolvida à noite para a unidade consumidora, suprindo necessidades adicionais. “A rede funciona como uma bateria, armazenando o excedente até o momento em que a unidade consumidora necessite de energia proveniente da distribuidora”, explica o governo.
A Resolução Normativa ANEEL n° 1.000/2021 possibilita que, nesse sistema, um consumidor que instalar pequenos geradores em sua unidade consumidora utilize a energia gerada para abater o consumo de energia elétrica da unidade. Quando a geração for maior que o consumo, o saldo positivo de energia poderá ser utilizado para abater o consumo em até 60 meses subsequentes, em formato de créditos. Há ainda a possibilidade de o consumidor utilizar a geração excedente em outras unidades previamente cadastradas dentro da mesma área de concessão e caracterizada como autoconsumo remoto ou geração compartilhada. É por este uso da rede que se paga a tarifa.
As unidades consumidoras que instalarem uma usina de microgeração ou minigeração podem ser classificadas em três modalidades de tarifa:
GD I: são todas as unidades consumidoras cuja usina já estava conectada antes de 7 de janeiro de 2022 ou que protocolaram solicitação de conexão até 7 de janeiro de 2023 e se conectaram no prazo estabelecido. Elas estão isentas dos custos de uso da rede até 2045.
G II: unidades que solicitaram conexão após o prazo e na quais incide sobre a energia compensada uma porcentagem da tarifa de uso do sistema de distribuição que vai aumentando entre os anos 2023 e 2029.
GD III: unidades que solicitaram conexão após o prazo e na quais há a incidência de alguns componentes da tarifa de uso e de outros encargos. São classificadas como GD III as unidades que possuem potência instalada de geração acima de 500 kW e que sejam enquadradas em autoconsumo remoto ou geração compartilhada em que haja um ou mais beneficiados com percentual igual ou maior a 25% de participação no excedente de energia.
Como explica o E-investidor, para quem instalou o sistema no imóvel após a vigência da lei, a cobrança se inicia neste ano com 15% em cima do custo referente ao serviço do Fio B e deve aumentar gradativamente até 2029, quando o consumidor pagará 100% do valor. Já o consumidor que instalou a placa solar até 6 de janeiro tem direito à isenção até 2045, recebendo, assim um desconto maior na conta de energia.
Vídeo de Lula e reportagem não são sobre o mesmo assunto
O conteúdo desinformativo utiliza a chamada de uma reportagem veiculada pelo SBT News em 22 de julho deste ano, disponível na conta do jornal no YouTube. A matéria não afirma que a lei foi aprovada no atual governo.
Já o vídeo em que Lula aparece falando “e agora em setembro vai entrar o grosso” foi recortado da live “Conversa com o Presidente”, de 25 de julho, quando ele concedeu entrevista ao jornalista Marcos Uchôa. A transcrição está disponível no site do Governo Federal.
Lula falava sobre o Programa Desenrola Brasil, no qual débitos bancários dos brasileiros são negociados em condições especiais. A fala completa do presidente é: “Então, as pessoas estavam endividadas e nós resolvemos tomar a decisão de ajudar. Ou seja, nós estamos atendendo primeiro aquelas pessoas que devem até R$ 100, que quase todas vão ser zeradas, vão ficar livres. Depois, nós começamos com a turma que ganha até R$ 20 mil, sabe, que tem dívida em banco, os bancos estão chamando e me parece que é um sucesso extraordinário, tem gente reduzindo em 90% a sua dívida. E agora, em setembro, vai entrar o grosso, que são pessoas até R$ 5 mil, R$ 2 mil, R$ 1,5 mil, R$ 3 mil, pessoas que estão devendo no varejo”. No canal do governo no Youtube, a fala pode ser observada em vídeo a partir de cinco minutos e 52 segundos.
O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com a página Mr. Meme br, mas não recebeu respostas até a publicação desta verificação. O conteúdo será atualizado, caso haja um posicionamento.
O que podemos aprender com esta verificação: A reprodução do vídeo com cortes de uma reportagem do SBT e uma entrevista do presidente Lula descontextualizadas foi utilizada com o objetivo de induzir internautas à desinformação por meio das redes sociais. A prática é comum em páginas criadas com o objetivo de descontextualizar declarações e informações sobre temas importantes.
Por isso, ao assistir a um vídeo ou ler uma publicação nas redes sociais que não sejam compartilhadas por canais oficiais, é importante pesquisar sobre o assunto e conferir se as informações são verídicas.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Foi uma piada a afirmação feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de que ele teria perdido o dedo pegando caranguejo em Pernambuco. Na verdade, o político sofreu um acidente de trabalho em uma metalúrgica em São Paulo, quando tinha 18 anos. A declaração foi interpretada como verdadeira por usuários de redes sociais, que passaram a acusar o presidente de mentir sobre o caso.
Conteúdo investigado: Publicação traz montagem com vídeo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) dizendo que perdeu o dedo pegando caranguejo em Pernambuco ao lado de uma captura de tela de pesquisa no Google afirmando que o petista perdeu o dedo atuando como torneiro mecânico. A legenda que acompanha o post diz: “O cara mente muito! No vídeo ele diz que perdeu o dedo pegando caranguejo, mas todos têm a informação que foi ‘trabalhando’ na metalúrgica, QUE PODE SER MENTIRA TAMBÉM”.
Onde foi publicado: X (antigo Twitter).
Contextualizando: Trata-se de uma brincadeira a afirmação feita pelo presidente Lula de que ele teria perdido o dedo mínimo pegando caranguejo em Pernambuco. A declaração, que circula fora de contexto nas redes sociais, faz parte de um pronunciamento feito pelo político em 2 de agosto, durante o lançamento do programa Povos da Pesca Artesanal, no Palácio do Planalto, em Brasília.
Na ocasião, ele disse: “Eu só queria dizer para vocês que, além de pescador, eu fui catador de siri e fui catador de caranguejo. Quem não acredita nisso, esse dedo aqui eu perdi pegando um caranguejo, lá em Pernambuco. Essa é a prova da minha relação com vocês.”
Ao Comprova, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência esclareceu que a fala de Lula foi uma piada. “O presidente Luiz Inácio Lula da Silva perdeu o dedo mínimo da mão esquerda em um acidente de trabalho, em 1964, conforme ele já detalhou em diversas entrevistas concedidas ao longo da trajetória política”, disse a assessoria em nota.
De acordo com a biografia do presidente escrita por Fernando Morais, o político sofreu o acidente quando trabalhava como torneiro mecânico na metalúrgica Independência, no bairro Vila Carioca, em São Paulo, em junho de 1964.
Como o vídeo pode ser interpretado fora do contexto original: A afirmação pode ser tomada como verdade ou, ainda, gerar confusão sobre o tema. Nas redes sociais, usuários compartilham vídeo com a fala de Lula e acusam o presidente de mentir, citando a versão verdadeira, e amplamente difundida, do acidente de trabalho. Outros levantam questionamentos sobre qual seria a versão válida. Apesar de ser uma brincadeira, e de ser possível ouvir risos ao fundo, por parte da plateia presente no evento em reação à piada, a declaração não foi feita com tom cômico, o que despertou dúvidas.
O que diz o responsável pela publicação: Como não há opções de contato com o @9876mel na rede social X, o Comprova buscou a conta em outras redes e enviou uma mensagem pelo Instagram. Não houve retorno até a publicação desta verificação.
O pronunciamento
No lançamento do programa Povos da Pesca Artesanal, que vai beneficiar cerca de um milhão de pescadores, Lula ressaltou a importância da comunidade pesqueira e se comprometeu a atender as demandas dos trabalhadores. O evento foi realizado em 2 de agosto, em Brasília.
No início do discurso durante a cerimônia, Lula conta sobre uma pescaria recente, em que teria fisgado seis peixes (veja o vídeo). “Primeiro, fazer inveja pra vocês: sábado fui pescar. Presta atenção, André. Sábado eu fui pescar, pesquei quatro pacu, peguei um dourado e peguei uma pirarara. Eu sou um pescador diferente, porque eu tiro a garra do meu anzol para não machucar os peixes. E quando eu pego, eu solto pra pescar no outro sábado.”
Na sequência, ele faz a brincadeira sobre a perda do dedo. “Mas eu só queria dizer para vocês que, além de pescador, eu fui catador de siri e fui catador de caranguejo. Quem não acredita nisso, esse dedo aqui eu perdi pegando um caranguejo, lá em Pernambuco. Essa é a prova da minha relação com vocês”, declarou.
Lula perdeu o dedo em 1964
Segundo informações da Secom da Presidência enviadas ao Comprova, o político perdeu o dedo mínimo da mão esquerda aos 18 anos, quando trabalhava na metalúrgica Independência, em São Paulo, no ano de 1964. Ele era torneiro mecânico.
Em junho daquele ano, por volta das duas horas da manhã, um parafuso da prensa transversal quebrou e, para substituí-lo, Lula precisou fazer um novo. Ele chamou o companheiro da bancada mais próxima para ajudar no processo.
“Nem lembro seu nome, mas quando fui colocar o parafuso na prensa, ele cochilou. Eram umas duas ou três horas da manhã. Esse companheiro, visivelmente cansado, vacilou e soltou o braço da prensa. Ela fechou no momento em que eu estava entrando com a mão para trocar o parafuso. Tentei me esquivar, mas ela amassou meu dedo”, relata Lula na página 220 do livro de Fernando Morais.
O então operário ficou com a mão imobilizada até a manhã do dia seguinte, quando apareceu um médico no pronto-socorro de um hospital próximo à fábrica. Ele foi indenizado em 351 mil cruzeiros usados para comprar um terreno na Vila Liviero e mobiliar a cozinha da mãe, como relata a biografia.
De acordo com o texto de Morais, é difícil precisar o equivalente à quantia da indenização atualmente, já que os dois únicos indicadores disponíveis apresentam defasagens que vão de R$ 3,5 mil (IPC-Fipe) a R$ 16,3 mil (IPC-Fipe).
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 11 de agosto, o post somava mais de 6,3 mil visualizações e 603 curtidas.
Como verificamos: A partir de trechos da fala de Lula no vídeo, o Comprova encontrou o pronunciamento completo do presidente tanto em vídeo quanto em texto.
Também leu reportagens (Revista Trip, UOL, G1), textos no site de Lula e do Instituto Lula e assistiu a entrevistas anteriores (Jô Soares e PodPah) do petista a respeito da perda do dedo mínimo. Houve consulta, ainda, à biografia Lula, de Fernando Morais.
Por fim, entrou em contato com a assessoria de imprensa da Presidência e com o responsável pela publicação do conteúdo.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para publicações que obtiveram maior alcance e engajamento e que induzem a interpretações equivocadas. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: O Boatos.org checou o mesmo conteúdo investigado pelo Comprova em 9 de agosto.
Diversas agências (Lupa, Comprova, Fato ou Fake, Estadão) já desmentiram peças de desinformação sobre o dedo de Lula. Em 2022, por exemplo, circulavam publicações dizendo que o petista teria sido substituído por um sósia junto a materiais audiovisuais mostrando Lula com dez dedos na mão esquerda, para provar o argumento.
Vídeo de entrevista do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu (PT) é tirado de contexto e engana ao sugerir relação do Partido dos Trabalhadores (PT) com a facada recebida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2018. Na entrevista, Dirceu fala sobre as eleições daquele ano e sua perspectiva de uma vitória petista, mesmo com a possibilidade de ocorrência de fatos imprevisíveis, como erros do PT ou o atentado a Bolsonaro. O corte realizado, legendas utilizadas e os comentários feitos distorcem o sentido do discurso ao sugerir que o erro do PT teria sido o atentado ao ex-presidente, apontando para uma ligação entre o partido e a facada. Esta ligação não foi identificada nos inquéritos policiais relacionados ao caso.
Conteúdo investigado: Em vídeo publicado nas redes sociais, homem comenta entrevista de José Dirceu (PT) republicada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele afirma que Dirceu assume “erramos quando demos a facada no Bolsonaro”. A legenda da publicação diz: “Zé Dirceu assume facada, Advogados de Adélio em pânico”.
Onde foi publicado: Facebook.
Conclusão do Comprova: Vídeo que circula fora de contexto em rede social usa fala antiga do ex-ministro e ex-presidente do PT, José Dirceu, para incentivar teoria que relaciona o partido a Adélio Bispo, autor da facada contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Na publicação enganosa, são apresentadas afirmações com base na entrevista com o político, de 2021, compartilhada por Bolsonaro em 27 de julho de 2023. O ex-presidente não escreve legenda, mas reproduz texto que atribui a uma fala de Dirceu suposta ligação do PT com a facada de 2018.
O vídeo vem sendo explorado nos últimos anos para incitar uma teoria, sem evidências, de que o PT teria algum envolvimento no atentado. A afirmação não procede, de acordo com os fatos apurados pela Polícia Federal (PF) desde o primeiro inquérito do caso. Um segundo inquérito foi concluído em 2020 e atestou que Adélio Bispo agiu sozinho e sem mandantes.
O ex-ministro já veio a público explicar o contexto de sua declaração, quando o conteúdo foi republicado pelo vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho do ex-presidente. “Minha fala é uma lista de fatos imprevisíveis na política, que poderiam impedir a eleição do Lula ou do Haddad em 2018. Dentre eles, possíveis erros nossos e a facada em Bolsonaro. Coisas diferentes, compondo a mesma listagem de fatos imprevisíveis”, disse Dirceu na época.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 11 de agosto, o vídeo contava com 44 mil visualizações no Facebook, 3 mil curtidas e 200 comentários. No Youtube, são 21 mil visualizações e 1,8 mil curtidas.
Como verificamos: O primeiro passo foi identificar em qual situação e momento foi feita a declaração de José Dirceu, além de obter a fala completa. Para isso, pesquisamos no Google pelos termos “entrevista Dirceu eleições” e “entrevista Dirceu facada Bolsonaro” na modalidade vídeo. A partir disso, procuramos elementos semelhantes com o vídeo apresentado, como as roupas de Dirceu e sua posição.
Ao identificar o vídeo, assistimos à entrevista completa para encontrar o contexto e o momento em que a declaração foi proferida. Na sequência, buscamos no Google por repercussões sobre a entrevista na época e encontramos reportagens que publicaram a resposta de Dirceu na rede X, antigo Twitter, ao compartilhamento de Carlos Bolsonaro.
Nas contas oficiais de ambos e também de Jair Bolsonaro, verificamos se as publicações ainda estavam ativas. Por fim, tentamos contato com José Dirceu e com o autor da postagem.
Além disso, identificamos o autor do vídeo, a partir da publicação do material disponível no YouTube. Entramos em contato com ele, que não respondeu até o fechamento desta verificação.
Vídeo é de entrevista feita em 2021
A entrevista do ex-ministro José Dirceu repercutida por Jair Bolsonaro e seus apoiadores foi publicada em 11 de maio de 2021, pelo canal do YouTube Tutaméia TV, que faz parte do site Tutaméia, criado e produzido pelos jornalistas gaúchos Eleonora de Lucena e Rodolfo Lucena. O tema da entrevista foi “Enfrentamentos a Bolsonaro e rumos do Brasil”. A resposta de Dirceu que voltou a circular está aos 41 minutos e 35 segundos do vídeo e diz respeito a um questionamento de Eleonora acerca da posição da elite brasileira nas eleições de 2022.
“Muita gente não consegue entender a elite, a burguesia brasileira, tendo essa posição aliada ao Bolsonaro, alimentando o Bolsonaro”, inicia ela, para questionar, ao final: “Como que o senhor vê isso: a elite desembarcando do Bolsonaro ou ficando com o Bolsonaro para o que der e vier? Como que ela vai trabalhar daqui pra diante?”.
O ex-ministro responde: “Veja bem, são os interesses imediatistas dela. Os medos atávicos dela. Porque, de certa maneira, há uma oposição ao bolsonarismo muito dura de direita, que a Globo sintetiza. Mais do que isso, ela está construindo uma agenda progressista liberal, vamos dizer assim”.
Dirceu afirma ainda que a adesão da elite ao bolsonarismo foi para tirar o PT do poder, quando então inicia as frases usadas na repercussão: “Se a Dilma governasse até o final do governo dela e o Lula sendo candidato em 18, nós venceríamos a eleição. Aliás, ele venceria em 18 com tudo que aconteceu ou, em liberdade, elegeria o Haddad. Quer dizer, não há como fazer contra…a história você não pode… mas a possibilidade era grande. Poderia acontecer qualquer fato, como acontece às vezes, que impedisse isso, né, ou erros nossos, ou como foi a facada ao Bolsonaro, como foi a decisão do Fachin, né, essas coisas imprevisíveis da política”.
O ex-ministro, então, volta ao ponto central do questionamento ao falar da suposta ligação entre a elite e Bolsonaro. “Identifico mais o egoísmo, ausência total de pudor, de consciência democrática nas elites brasileiras, e ignorância, porque não percebeu os riscos do fundamentalismo religioso, do obscurantismo, do negacionismo que representa isso, que está embrutecendo uma parcela da população, jogando ela contra outra.” Ao todo, a resposta de Dirceu dura 10 minutos.
Uso de vídeo é recorrente
A repercussão da entrevista de José Dirceu ao Tutaméia no núcleo familiar de Bolsonaro veio três meses depois, em 18 agosto de 2021, às 9h50, em publicação do vereador no Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho de Jair. Carlos posta um vídeo de 40 segundos com parte da resposta de Dirceu ao questionamento sobre a relação da elite brasileira com Bolsonaro. A imagem recortada não mostra os apresentadores e é envolta de tela preta com os dizeres “A facada foi erro nosso”, na parte superior, e “José Dirceu (PT)”, na inferior.
Carlos não escreveu diretamente qualquer palavra na publicação. A resposta de José Dirceu ocorreu no mesmo dia, às 12h26: “Minha fala é uma lista de fatos imprevisíveis na política, que poderiam impedir a eleição do Lula ou do Haddad em 2018. Dentre eles, possíveis erros nossos e a facada em Bolsonaro. Coisas diferentes, compondo a mesma listagem de fatos imprevisíveis.” Ele complementa: “Só não entenderá quem não sabe interpretar frases (ou sabe mas distorce de propósito)”.
O ex-ministro acrescentou, em nova publicação:” Bolsonaro está desesperado. Na falta de um fato novo, para se livrar de debates, seu filho mais parecido tenta girar teorias conspiratórias baratas. Mas agradeço a audiência!”
No mesmo dia, a deputada federal Bia Kicis (PL), aliada a Bolsonaro, também publicou o vídeo. A repercussão recente da entrevista de José Dirceu ocorreu depois que Jair Bolsonaro publicou um vídeo no dia 27 de julho deste ano com publicação que teria sido feita por um site.
O Comprova tentou contato com José Dirceu, diretamente com ele e pelo filho, o deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR), mas não conseguiu respostas.
Investigação não encontrou ligações com o PT
Desde o atentado sofrido por Bolsonaro em 6 de setembro de 2018, a PF já abriu dois inquéritos para apurar como se deu o crime, especialmente com a tentativa de encontrar o mandante da ação cometida pelo pedreiro Adélio Bispo. O primeiro foi finalizado ainda no fim daquele mês. Para concluir o relatório, foram ouvidas mais de 30 pessoas, e houve quebras de sigilos financeiro, telefônico e telemático do autor. Não foi encontrado nenhum indício de que Adélio tenha agido a mando de outra pessoa ou grupo.
Um novo inquérito foi aberto em seguida, diante de diversos questionamentos a respeito da falta de respostas, como quem seria o mandante do crime e quem estaria pagando os advogados de defesa de Adélio. A segunda investigação também concluiu que o autor da facada agiu sem a participação de “agremiações partidárias, facções criminosas, grupos terroristas ou mesmo paramilitares em qualquer das fases do crime (cogitação, preparação e execução)”.
Adélio foi absolvido pela Justiça do ataque contra Bolsonaro por ser considerado inimputável, ou seja, incapaz de responder pelos atos que praticou, em junho de 2019. O juiz Bruno Savino, da 3ª Vara Federal em Juiz de Fora (MG), decidiu ainda que ele deveria ficar internado em um manicômio judiciário por tempo indeterminado. Porém, em razão da periculosidade do acusado, Adélio continua preso no presídio federal de Campo Grande (MS).
Em junho de 2020, o inquérito foi arquivado pela Justiça a pedido do Ministério Público Federal. “Esgotadas todas as diligências investigativas – à exceção da análise do conteúdo do aparelho de celular do principal advogado de defesa de Adélio Bispo de Oliveira, cuja diligência restou sobrestada por força de decisão liminar proferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, acolho a promoção de arquivamento apresentada pelo Ministério Público Federal”, decidiu o magistrado, de acordo com a Agência Brasil.
Em abril deste ano, a Folha publicou que a PF investiga uma ligação entre os advogados de defesa de Adélio e o Primeiro Comando da Capital (PCC). Os questionamentos começaram a partir da defesa de Bolsonaro, que tinha a intenção de saber quem pagou a defesa do autor do atentado. Na época, ainda segundo a Folha, os quatro advogados, Fernando Magalhães, Zanone Oliveira Júnior, Marcelo da Costa e Pedro Possa, afirmaram que aceitaram o caso sem qualquer cobrança, em busca de notoriedade.
Entre os indícios que alimentam essa tese de suposto envolvimento dos advogados com o PCC, está e identificação pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) de pagamentos fracionados de R$ 315 mil, em 2020, à empresa de Magalhães; este valor é próximo à quantia mencionada por Zanone em depoimento à PF em 2018 como pagamento ao caso. Não há indicação de quem pagou o montante, motivo pelo qual a suspeita ganhou força.
Outro indício seria um registro no livro de contabilidade de Zanone com pagamento de R$ 25 mil com a rubrica “caso Adélio”. Também existia um grupo de troca de mensagens de advogados no WeChat com nome “Adélio PCC”, encontradas no celular de Zanone.
A investigação segue em andamento, tendo sido realizada uma operação relacionada ao caso em março deste ano. No entanto, conforme publicação da Folha, a linha de investigação, de uma possível ligação entre os advogados e o PCC, é alvo de questionamentos da Diretoria de Inteligência da corporação, onde o caso está alocado. Uma das inconsistências é que os pagamentos sob suspeita foram realizados dois anos após o atentado.
O que diz o responsável pela publicação: O responsável pelo vídeo que circula na página do Facebook “O Poder é o Povo” não respondeu aos questionamentos enviados pelo Comprova até a conclusão dessa verificação.
O que podemos aprender com esta verificação: O uso de frases fora do contexto e retiradas de um vídeo mais longo, os chamados cortes, é comum entre pessoas que publicam desinformação. Ao se deparar com essa situação, pesquise sobre o vídeo original para avaliar o contexto.
Além disso, há o uso de um tema que muitas vezes serve a teorias conspiratórias, por mais que já tenha sido elucidado pelas autoridades e partes envolvidas. Ou seja, mesmo que três inquéritos policiais sobre o caso envolvendo o atentado a Bolsonaro não apontem ou sequer citem o PT ou Dirceu, a desinformação se aproveita da ideia de que algo estaria sendo escondido e alimenta a conspiração.
Nesses casos, busque fontes oficiais sobre a apuração do caso citado, como os inquéritos policiais e processos judiciais e a imprensa profissional.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: O assunto já tinha sido investigado pelo Estadão Verifica em 2022, quando outro usuário republicou o vídeo. A Folha trouxe o contexto da fala do petista em matéria quando o ex-presidente Jair Bolsonaro compartilhou o vídeo nas redes sociais este ano. No ano passado, o Projeto Comprova realizou um Comprova Explica sobre o caso.
Posts acusam o governo federal de negacionista por ter sancionado uma lei que autoriza a ozonioterapia no país. No entanto, o texto permite a prática somente com o uso de equipamentos para finalidades cuja eficácia e segurança sejam aprovadas pela Anvisa. Até o momento, a técnica foi aprovada pelo órgão somente para fins odontológicos e estéticos.
Conteúdo analisado: Após a sanção da Lei 14.648, de 4 de agosto de 2023, que autoriza a realização da ozonioterapia em território nacional, uma publicação no Telegram questiona “quem é o negacionista agora?”, já que a prática não tem comprovação científica de eficácia para aplicações médicas. A pergunta faz referência às críticas direcionadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante a condução da pandemia da covid-19. Naquele período, algumas pessoas afirmaram que a covid-19 poderia ser tratada com ozonioterapia, algo sem comprovação científica.
Comprova Explica: A sanção da Lei 14.648 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) resultou em uma série de postagens nas redes sociais acusando o governo de negacionista. As alegações se baseiam em manifestações de entidades médicas, como o Conselho Federal de Medicina (CFM), que afirmam não haver comprovação científica suficiente sobre segurança e efetividade da prática em medicina.
Porém, a lei sancionada afirma que “a ozonioterapia somente poderá ser aplicada por meio de equipamento de produção de ozônio medicinal devidamente regularizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou órgão que a substitua”.
Segundo a Anvisa, até o momento, os únicos equipamentos regularizados pela agência para uso da ozonioterapia são para fins odontológicos e estéticos, cuja segurança e eficácia foram aprovadas. E não para aplicações médicas em pacientes.
Como verificamos: O Comprova consultou o Diário Oficial da União (DOU) do dia 7 de agosto de 2023, a fim de acessar a Lei 14.648, que autoriza a prática da ozonioterapia no país. A partir disso, foram consultados comunicados, notas à imprensa e documentos oficiais por parte do governo federal, do Ministério da Saúde e da Anvisa sobre o procedimento.
Em seguida, para entender a tramitação do projeto de lei no Congresso, foram consultados os sites da Câmara dos Deputados e do Senado. Notas e resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM), Associação Médica Brasileira (AMB), Associação Brasileira de Ozonioterapia (Aboz), Conselho Federal de Odontologia (CFO), Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) e Conselho Federal de Farmácia (CFF), que tratam sobre a prática com ozônio, também foram consultadas.
Para entender sobre o uso da ozonioterapia durante a pandemia, buscamos por verificações e reportagens da época relacionadas ao assunto. Por fim, entramos em contato com o Ministério da Saúde e com a Anvisa.
Lei autoriza ozonioterapia somente em casos aprovados pela Anvisa
A Lei 14.648, de 4 de agosto, que autoriza a ozonioterapia no território nacional, foi sancionada pelo presidente Lula com publicação no Diário Oficial da União em 7 de agosto. O texto havia sido enviado para sanção presidencial no dia 17 de julho, após ter sido aprovado pela Câmara e pelo Senado. O documento assinado pelo presidente é o mesmo remetido pelo Senado Federal após tramitação nas duas casas legislativas. Segundo a CNN Brasil, antes de sancionar a lei, o Palácio do Planalto consultou a Anvisa, que não se opôs.
A lei autoriza que a ozonioterapia seja aplicada somente por meio de equipamento de produção de ozônio medicinal regularizado pela Anvisa. Até o momento, segundo comunicado da agência, os equipamentos aprovados são exclusivamente para fins odontológicos e estéticos, nos seguintes procedimentos:
Dentística: tratamento da cárie dental – ação antimicrobiana;
Periodontia: prevenção e tratamento dos quadros inflamatórios/infecciosos;
Endodontia: potencialização da fase de sanificação do sistema de canais radiculares;
Cirurgia odontológica: auxílio no processo de reparação tecidual;
Estética: auxílio à limpeza e assepsia de pele.
Na nota técnica de junho de 2022 anexada ao comunicado, a Anvisa informa que tem recebido “diversas submissões de regularização de dispositivos médicos emissores de ozônio cujas indicações de uso visam a aplicação da técnica de ozonioterapia para diversos fins”. No entanto, somente os equipamentos para os procedimentos descritos acima tiveram segurança e eficácia aprovadas pela Anvisa.
A nota técnica ressalta que o uso de equipamentos para aplicação de ozonioterapia para fins diversos daqueles aprovados pelo órgão constitui infração sanitária, sujeita a sanções previstas na Lei 6437/77. E que denúncias podem ser feitas à Ouvidoria da Anvisa (pelo número 0800 642 9782 ou pelo site da Ouvidoria).
A autorização prevista na lei é para aplicação da ozonioterapia em caráter complementar. Segundo o Ministério da Saúde, práticas complementares não substituem o tratamento tradicional: “Elas são um adicional, um complemento no tratamento e indicadas por profissionais específicos conforme as necessidades de cada caso”.
Processo de aprovação na Anvisa
Ao Comprova, a Anvisa esclareceu que os equipamentos emissores de ozônio para aplicação em odontologia e estética foram aprovados gradualmente, à medida que as empresas interessadas em regularizá-los enviavam pleitos para a agência, que avaliou os estudos que embasavam os produtos quanto à eficácia e segurança. Esses estudos, segundo a Anvisa, compõem os dossiês técnicos dos produtos e são informações sob sigilo empresarial.
Ainda de acordo com a agência, foram submetidos nos últimos anos pleitos relacionados a outras aplicações, como para dor lombar, artrite, artrose e diabetes. Porém, conforme o órgão, não houve comprovação de eficácia para essas finalidades.
Em comunicado de 7 de agosto, a Anvisa informa que novas indicações de uso da ozonioterapia poderão ser aprovadas. Para tanto, são necessárias novas submissões de pedidos de regularização de equipamentos emissores de ozônio pelas empresas interessadas, com apresentação dos estudos necessários à comprovação de sua eficácia e segurança.
Projeto de Lei foi apresentado por senador em 2017
O projeto (PL 227/17) que deu origem à lei foi apresentado pelo então senador Valdir Raupp em 2017. O texto original, que foi modificado, previa autorização para a prescrição da ozonioterapia como tratamento médico de caráter complementar. Dentre as justificativas, o senador destacou a aplicação da ozonioterapia como prática reconhecida pelo sistema de saúde de países como Alemanha, China, Rússia, Cuba, Portugal, Espanha, Grécia, Turquia e em 32 estados dos Estados Unidos. E que a técnica pode ser usada no tratamento de patologias de origem inflamatória, infecciosa e isquêmica.
O PL seguiu para a Câmara em novembro de 2017, onde recebeu a numeração PL 9001/2017 e foi modificado. Na redação final, foi retirada a prescrição da ozonioterapia como tratamento médico. O texto não foi para o plenário da casa legislativa por ser de caráter conclusivo. Esse tipo de projeto só precisa ser aprovado pelas duas comissões designadas para análise. O projeto deixa de ter essa característica caso as comissões dêem pareceres divergentes sobre o assunto (uma aprovar e a outra reprovar) ou se 52 deputados (10% da Câmara) assinarem um recurso contra esse rito após a aprovação nas comissões – o que não aconteceu.
De acordo com o Conselho Federal de Medicina, a ozonioterapia é um procedimento terapêutico que aplica uma mistura de dois gases nos pacientes: o oxigênio e o ozônio. A aplicação pode ser feita de diferentes formas, como endovenosa, retal, intra-articular, local e intramuscular.
Na nota técnica da Anvisa de junho de 2022, a agência explica que o ozônio é um “gás com forte poder oxidante e bactericida”. Por conta disso, seu uso deverá ser destinado apenas para fins odontológicos e estéticos, com o objetivo de tratar inflamações e infecções nessas áreas, além de limpeza de pele. Em outras aplicações, esse gás costuma ser utilizado para desinfecção de ambientes hospitalares e no tratamento de água.
Em 20 de abril de 2018, o CFM publicou uma resolução que torna a ozonioterapia um procedimento de caráter experimental. Com isso, os tratamentos médicos só poderão utilizar essa abordagem se forem voltados para estudos, e desde que sigam critérios definidos pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Dentre as regras, está a concordância dos participantes com as condições da pesquisa, a garantia de sigilo e anonimato, a oferta de suporte médico-hospitalar em caso de efeitos adversos e a não cobrança do tratamento em qualquer uma de suas etapas.
O conselho também pontuou que, a pedido da Associação Brasileira de Ozonioterapia, avaliou até aquele momento mais de 26 mil trabalhos sobre o assunto. A conclusão, no entanto, foi de que o uso medicinal dessa prática ainda precisa de mais estudos, “com metodologia adequada e comparação da ozonioterapia a procedimentos placebos, assim como estudos comprovando as diversas doses e meios de aplicação de ozônio”, conforme consta no site do CFM.
Ozonioterapia foi incorporada ao SUS como prática complementar em odontologia em 2018
Em 2015, a Resolução CFO-166 do Conselho Federal de Odontologia reconheceu e regulamentou o uso pelo cirurgião-dentista da prática da ozonioterapia. No anexo da Resolução, o CFO elenca as áreas de aplicação da técnica em odontologia. Estão listadas as quatro com equipamentos de aplicação de ozônio já aprovados pela Anvisa (listada acima), acrescidas de outras duas ainda sem aprovação pela agência:
– Dor e disfunção de ATM: atividade antiálgica e antiinflamatória;
– Necroses dos maxilares: osteomielite, osteorradionecrose e necroses induzidas por medicamentos.
Em 2020, no Parecer Normativo nº 001/2020/COFEN, o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) regulamentou a ozonioterapia como prática do enfermeiro. Em um trecho, o parecer determina que a técnica “somente seja aplicada através de equipamento de produção de ozônio medicinal devidamente certificado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”.
Determinação semelhante tem a Resolução nº 685, de 30 de janeiro de 2020, do Conselho Federal de Farmácia (CFF), que regulamenta a atribuição do farmacêutico na prática de ozonioterapia. No artigo 4º, em que são descritas as atribuições do profissional na prática da ozonioterapia, lê-se no inciso IX: “Utilizar equipamentos e materiais apropriados, devidamente registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”.
Relação com a pandemia
Após a Organização Mundial de Saúde (OMS) caracterizar o estado de contaminação pelo coronavírus como uma pandemia, o uso da ozonioterapia como tratamento complementar para a doença passou a ser discutido no Congresso Nacional. Em abril de 2020, mês seguinte ao anúncio da OMS, a deputada federal Paula Belmonte (Cidadania-DF) apresentou o Projeto de Lei 1.383, que permitia a prática como um tratamento complementar aos infectados pelo SARS-CoV-2.
De acordo com a autora da proposta, apesar de não existirem evidências científicas de que a ozonioterapia teria efetividade na prevenção ou tratamento da covid-19, seria uma forma de possibilitar que “a comunidade médica utilize o tratamento quando julgar necessário”.
Em julho do mesmo ano, o texto do PL foi alvo de debate pela Comissão Externa da Câmara dos Deputados sobre o tratamento da doença. Os defensores argumentaram que a prática poderia evitar o agravamento do quadro do paciente e reduzir o tempo de internação. Já aqueles que discordavam pontuaram a falta de evidências científicas sobre a eficácia do procedimento, manifestando a necessidade de estudos experimentais para a aplicação.
Em agosto, o prefeito de Itajaí (SC), Volnei Morastoni (MDB), anunciou em uma transmissão ao vivo que a cidade iria adotar a aplicação de ozônio por via retal como uma medida de tratamento contra a covid-19 em pacientes com confirmação de infecção pelo vírus e com sintomas. O município estaria incluído em um estudo da Associação Brasileira de Ozonioterapia para avaliar a efetividade do procedimento contra a doença. O projeto chegou a ser adiado, mas posteriormente retornou e, até janeiro de 2021, tinha atendido 81 voluntários na rede pública da cidade. No site da Aboz, no entanto, não há informações ou dados sobre a eficácia do tratamento, prometida para abril de 2021.
A Anvisa concluiu, em outubro de 2020, que a ação desinfetante do ozônio não tem efetividade contra o SARS-CoV-2. A agência também ressaltou o caráter perigoso da ação do gás em humanos, podendo gerar lesões na pele, nas vias respiratórias e nos olhos, além de reações alérgicas.
Por que explicamos: O Comprova Explica tem a função de esclarecer temas em discussão nas redes sociais e que são alvos de desinformação. Durante a pandemia da covid-19, conteúdos falsos defendendo a ozonioterapia como forma de tratamento para a doença foram explorados politicamente e disseminados no ambiente digital, gerando dúvidas sobre o procedimento. Assim, a apresentação das práticas em que o uso da ozonioterapia tem comprovação científica e é permitido pelas autoridades sanitárias busca levar compreensão sobre o tema à população em um contexto de desordem informacional.
Outras checagens sobre o tema: Durante a pandemia de covid-19, o Fato ou Fake, do G1, também investigou a prática da ozonioterapia no tratamento da doença e apresentou que não há evidências científicas de que a aplicação do ozônio mate o vírus.
O Programa Bolsa Família do governo federal costuma ser alvo de desinformação e, recentemente, um vídeo dizendo que o repasse de R$ 600 seria uma “mentira do presidente Lula” viralizou. Diferentemente do que sugere a postagem, o programa permanece com o valor mínimo de R$ 600. Ocorre que ele possui condicionantes que podem aumentar ou diminuir o valor do benefício, a exemplo do empréstimo consignado, algo que acarreta no débito automático da dívida, valor que pode chegar a 50% do repasse mensal. Além disso, as famílias que tiveram um aumento na renda per capita estabelecida para participar do Bolsa Família (R$ 218), mas ainda não têm renda por pessoa superior a R$ 660, entram na regra de proteção do programa, que prevê a permanência da assistência, mas com metade do valor, fixado em R$ 300.
Conteúdo analisado: Em um vídeo publicado no Kwai, uma mulher diz que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu R$ 600 de Bolsa Família durante a campanha presidencial e afirma que “não é isso o que está acontecendo”. Segundo ela, que fez a gravação em frente a uma lotérica, isso teria gerado a revolta de pessoas que foram sacar o benefício e só receberam metade do valor prometido.
Comprova Explica: O Programa Bolsa Família é recorrentemente alvo de peças de desinformação nas redes sociais. Muitas delas afirmam que o governo federal cortou beneficiários aleatoriamente ou reduziu o valor de maneira deliberada.
O Bolsa Família permanece com o valor inicial de R$ 600, ao contrário do que sugerem algumas postagens virais. No entanto, o programa possui condicionantes, que podem aumentar ou diminuir o valor do benefício. Assim, para sanar dúvidas sobre o assunto, a seção Comprova Explica traz detalhes sobre os critérios do programa.
Como verificamos: Primeiramente, foi necessário identificar onde a gravação foi realizada. O vídeo fornece elementos que ajudam a identificar o local, como a filmagem da frente da lotérica e outros estabelecimentos ao redor. Assim, com uma busca no Google, o Comprova encontrou alguns resultados e pôde confirmar o local por meio de uma consulta no Street View. A lotérica fica em Fortaleza, capital do Ceará.
A captura de tela do vídeo analisado (à esquerda) permite identificar alguns elementos do local, como o número do estabelecimento
Por meio do Street View (à direita), recurso do Google Maps que oferece vistas panorâmicas, o local da gravação foi encontrado
Para encontrar informações sobre as regras do Bolsa Família, o Comprova pesquisou no Google pelos termos “bolsa família 2023” e “redução do bolsa família”, que resultou em explicações sobre os conceitos de “empréstimo consignado” e “regras de proteção”, os quais podem fazer com que o dinheiro recebido ao mês seja reduzido.
Por fim, o Comprova entrou em contato com a autora do vídeo pelo chat do Instagram e do Facebook, mas não houve retorno até o fechamento deste material.
Bolsa Família
O Programa Bolsa Família (PBF) foi criado em outubro de 2003, no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e tem como objetivo a transferência direta de renda para famílias em situação de pobreza e extrema pobreza em todo o país. Segundo o governo federal, em junho de 2023, o programa apoiou cerca de 18,5 milhões de famílias na pobreza absoluta.
Em 2021, no governo de Jair Bolsonaro (PL), o programa foi extinto e substituído pelo Auxílio Brasil. Entretanto, neste ano, na terceira gestão Lula, voltou a ser chamado de Bolsa Família.
Conforme informações disponíveis no site do governo federal, a nova estrutura do Bolsa Família prevê R$ 600 para cada família. A reestruturação do programa conta, ainda, com os seguintes benefícios adicionais:
benefício Primeira Infância (0 a 6 anos): R$ 150 por criança;
benefício Variável Familiar: R$ 50 para gestantes, crianças e adolescentes (7 a 18 anos).
Para receber o suporte financeiro mensalmente, os beneficiários assumem compromissos relacionados à saúde e à educação. A principal regra do governo para conceder o benefício em 2023 prevê que “a família tenha renda mensal de até R$ 218 por pessoa”. Os demais critérios que os beneficiários devem atender são:
acompanhamento pré-natal;
acompanhamento do calendário de vacinação;
acompanhamento do estado nutricional das crianças menores de 7 anos;
para as crianças de 4 a 5 anos, frequência escolar mínima de 60%;
para os beneficiários de 6 a 18 anos incompletos que não tenham concluído a educação básica, frequência escolar mínima de 75%;
ao matricular a criança na escola e ao vaciná-la no posto de saúde, é preciso informar que a família é beneficiária do Bolsa Família.
Regra de Proteção
Em nota, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) disse que não há como afirmar o que ocorreu com os beneficiários que aparecem na gravação analisada, uma vez que, para consultar a situação de cada um, é preciso dados como nome completo, Número de Identificação Social (NIS) e CPF. No entanto, a pasta afirmou que a Regra de Proteção pode ser uma das possibilidades que explicam o ocorrido.
Como já informado, para receber o Bolsa Família, cada integrante da família deve receber menos de R$ 218 por mês. Desde junho, no entanto, o governo começou a aplicar a Regra de Proteção, estabelecida pelo artigo 6º da Lei 14.601/23. A nova regra é válida para famílias que superaram o limite per capita de entrada no Bolsa Família (R$ 218), mas ainda permanecem com a renda abaixo de meio salário-mínimo (R$ 660). Assim, conforme as regras do programa, essas pessoas receberão metade do auxílio (R$ 300).
“A inclusão dessas famílias na Regra de Proteção se deu, principalmente, em razão da medida de integração da base do Cadastro Único para Programas Sociais com a base do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), que concentra registros administrativos referentes à renda, vínculos de emprego formal e benefícios previdenciários e assistenciais pagos pelo INSS”, explicou o MDS, em nota enviada ao Comprova.
De acordo com a pasta, esse cruzamento qualifica a base de dados que é utilizada para selecionar famílias e gerenciar os benefícios após a entrada no programa. Segundo o governo federal, a nova regra é “um reflexo das novas informações de renda das famílias beneficiárias, que tiveram melhora da sua condição financeira”.
Ao Comprova, o ministério informou que mais de 1,48 milhão de famílias foram incluídas na Regra de Proteção no mês de julho – o que afetou o valor médio do benefício. A pasta atesta que as famílias que não estão inclusas na nova regra continuam recebendo o valor de R$ 600.
Empréstimo consignado
Procurada pelo Comprova, a Fortuna Loterias, onde o vídeo viral foi gravado, disse que não houve revolta entre os clientes e que o pagamento foi realizado normalmente. Os valores reduzidos, de acordo com o estabelecimento, ocorreram em razão de descontos de empréstimo.
Em setembro de 2022, o governo federal autorizou o empréstimo consignado para os beneficiários do Auxílio Brasil. Nesse tipo de empréstimo, ficou especificado que as parcelas futuras seriam descontadas diretamente do valor do benefício. Em janeiro deste ano, contudo, a linha de crédito consignada foi suspensa para definição de novas regras.
Embora o governo já tenha divulgado as mudanças, a Caixa Econômica ainda não restabeleceu a disponibilidade de novos empréstimos. Os contratos já realizados, no entanto, seguem válidos e as prestações são descontadas mensalmente do benefício. As regras do empréstimo consignado também especificavam que, mesmo que a família deixasse de receber o auxílio, ela deveria arcar com os custos de débito do empréstimo realizado.
Este é mais um dos motivos que podem afetar o valor do benefício repassado a cada família beneficiária do Bolsa Família em 2023, reduzindo-o em até a metade do valor, sem considerar os juros, que podem ser de até 3,5% ao mês.
Por que explicamos: O Comprova Explica tem a função de esclarecer temas importantes para que a população compreenda assuntos em discussão nas redes sociais que podem gerar desinformação. Falar sobre as regras do Bolsa Família, bem como sobre as variantes que podem acarretar na redução do valor repassado mensalmente às famílias, é importante diante dos casos de desinformação em torno do tema. Como informado, os casos especificados neste material, em que há redução do benefício, são previstos pelas regras do programa.