O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Política

Investigado por: 2020-10-13

Publicação mistura informações verdadeiras com dados imprecisos sobre meio ambiente no Brasil

  • Enganoso
Enganoso
Sequência de tuítes que lista "10 coisas que todo brasileiro deveria saber antes de querer lacrar sobre o tema meio ambiente" usa dados imprecisos e enganosos para defender políticas ambientais
  • Conteúdo verificado: Sequência de tuítes faz 10 afirmações sobre a questão ambiental no Brasil

Uma publicação com 10 afirmações sobre o meio ambiente no Brasil mistura dados verdadeiros com imprecisos. A sequência de mensagens no Twitter defende que o Brasil tem a mais limpa matriz energética dos países do G-20, o que é verdade se considerados dados de energia renovável da Agência Internacional de Energia (IEA) consultados pelo Comprova, mas também aponta que a agropecuária brasileira é a mais limpa dentre as maiores economias do mundo e que o Brasil é o país que mais tem feito no âmbito do Acordo de Paris, o que não se sustenta com base em dados e avaliações de órgãos independentes.

A série de publicações também afirma que o etanol seria uma fonte de energia mais limpa que a usada em carros elétricos na maioria dos países europeus. A informação é correta segundo especialistas ouvidos pelo Comprova, mas apenas quando comparada a países com geração baseada em fontes de energia não renováveis, como o carvão.

Os tuítes também sustentam que a Amazônia teria 84% de mata nativa preservada, mas, segundo informado pela MapBiomas ao Comprova, o percentual de área não desmatada seria de 78%, sendo que desse total, uma parte já sofreu algum nível de degradação por queimadas e exploração madeireira.

As postagens ainda sustentam que o país tem 60% de área ocupada por florestas, o que está correto segundo dados do MapBiomas. Porém, afirmam que o país possui “a legislação ambiental mais restritiva dos países do G20”, o que encontra divergências em estudos sobre legislação florestal e preservação de áreas ambientais consultados pelo Comprova.

O texto foi publicado como uma sequência de postagens no Twitter por Vicente Santini, ex-secretário executivo da Casa Civil e nomeado em setembro como assessor especial do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Procurado, não respondeu até a publicação desta checagem.

Como verificamos?

Começamos consultando reportagens sobre o tema, que levaram a estudos e rankings sobre os investimentos e os avanços dos países em energia limpa. As fontes utilizadas para comparação entre países foram o Balanço Mundial de Energia, da Agência Internacional de Energia, e dados da British Petroleum (BP), divulgados no site Our World in Data. Também consultamos especialistas na área de energia e questionamos o Ministério do Meio Ambiente sobre comparativos entre a matriz energética brasileira e de outros países.

Verificamos também checagens semelhantes sobre outras afirmações da publicação, como a do Fakebook.eco, do Observatório do Clima, que já havia apontado inconsistências na afirmação de o Brasil ter o agronegócio mais sustentável do mundo. Recorremos também a documentos como o Climate Action Tracker e o Relatório Sobre a Lacuna de Emissões, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que monitoram as políticas adotadas pelos países para cumprir as metas estabelecidas no Acordo de Paris.

Entrevistamos um dirigente da Associação de Engenharia Automotiva e o Observatório do Clima para verificar pontos como a afirmação de o etanol ser menos poluente do que a energia de carros elétricos usados em países europeus. Consultamos dados do MapBiomas para encontrar percentuais de áreas florestais preservadas no país e um estudo comparativo sobre legislações ambientais em diferentes países, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e Proforest.

Ainda consultamos dados internacionais do Banco Mundial e da Global Forest Watch, da ONU, para comparar a porcentagem de área protegida em diferentes países.

Também fizemos contatos por e-mail com o Ministério do Meio Ambiente para questionar o assessor especial sobre a fonte das informações afirmadas por ele nas postagens, mas não obtivemos resposta até a publicação desta verificação.

Verificação

A matriz energética mais limpa?

Uma das postagens verificadas afirma que “o Brasil tem a mais limpa matriz energética dentre os países do G20”. Segundo dados do Balanço Energético Mundial 2020, da Agência Internacional de Energia, o Brasil tem, de fato, o maior percentual de energia renovável na matriz energética entre as nações do G20 que aparecem no relatório, com 44,9% de fontes renováveis.

Logo atrás do Brasil estão Indonésia (25%) e Índia (22%), que fecham as três melhores posições neste quesito entre as principais economias do mundo, segundo o IEA. Com esses percentuais, o Brasil também supera a média mundial, que tem apenas 13,8% de energia renovável.

A relação traz dados de países da OCDE e outras nações associadas, o que exclui Rússia, Argentina e Arábia Saudita, dentre os integrantes do G20. No entanto, mesmo considerando dados desses três países disponíveis no site da IEA, as primeiras posições entre países com maior percentual de fontes renováveis não se alteram. Os dados são referentes a 2018 e consideram o total de energia fornecida.

Dados de outra instituição, a British Petroleum, divulgados no site Our World in Data, também mostram um maior percentual de energia renovável na matriz energética brasileira em comparação com as do G20. São 45% de origem em fontes renováveis no Brasil, à frente de Canadá (27,6%) e Turquia (18,4%), compondo as três primeiras posições. Esta pesquisa não inclui biocombustíveis entre as fontes renováveis, o que ajuda a explicar a mudança nas primeiras posições em relação ao balanço do IEA. Na comparação entre todos os países, incluindo os que não integram o G20, o Brasil aparece em terceiro, atrás de Islândia e Noruega, no mapa de matrizes com mais fontes renováveis da BP.

Procurado, o Ministério do Meio Ambiente também enviou à reportagem dados sobre a proporção de fontes renováveis na matriz energética brasileira e em países do G20. Os números do governo também mostram Brasil, Indonésia e Índia nas três primeiras posições, como o estudo do IEA, mas com pequenas diferenças nos percentuais – 43,4%, 33,2% e 23,4%. Os números repassados pelo Ministério consideram a oferta interna de energia dos países. Os dados também são do IEA, de 2017.

É importante ressaltar também que os dados do IEA se referem à energia renovável – fontes hídrica, geotérmica, eólica, solar, das ondas e marés, biocombustíveis e resíduos. Ao falar de energia limpa, como mencionado na postagem, há quem defenda que seria possível incluir a energia nuclear, que não provoca emissão de CO2, mas que possui outras implicações ambientais e não é considerada renovável. Nesse caso, a França, que tem a maior dependência da energia nuclear na matriz, ficaria à frente do Brasil na análise de fontes “limpas” (renováveis somada à nuclear), segundo os mesmos dados do IEA de 2018.

Importante destacar que o Brasil possui a maior quantidade proporcional. Em termos absolutos, a China lidera a quantidade de energia renovável.

O professor Nivalde J. de Castro, do Grupo de Estudos do Setor Elétrico, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que a alta incidência de energia hidrelétrica favorece o percentual de fontes renováveis acima de outros países na matriz brasileira, sobretudo na parte elétrica.

Agropecuária mais limpa?

A publicação também afirma que “o Brasil tem a agropecuária mais limpa dos países do G20”. O assunto já foi alvo de uma checagem recente do Fakebook.eco, do Observatório do Clima, que apontou ausência de indicador para comparar a sustentabilidade das áreas produtivas entre os países e apresentou dados como uso de agrotóxicos e fontes de emissões de gases do efeito estufa para avaliar o impacto gerado pela atividade no Brasil.

A verificação do Fakebook.eco aponta que a Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU), estabeleceu um indicador de proporção de área sob agricultura produtiva e sustentável para avaliar o setor em países sob o aspecto da sustentabilidade ambiental, econômica e social. O indicador, no entanto, ainda está sendo testado em países selecionados de diferentes regiões, segundo o site da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês).

Por isso, para avaliar a sustentabilidade da agropecuária brasileira, o Fakebook.eco recorreu a outros indicadores. Um deles é o uso de agrotóxicos. O Brasil aparece como o terceiro país que mais usa agrotóxicos em número absoluto no mundo, conforme dados da mesma FAO. Na análise por área plantada, está entre os 28 países com maior utilização – das nações do G20, apenas China, Japão e Coreia aparecem com maior utilização por área cultivada. O país também utiliza pesticidas proibidos em nações da Europa e é o segundo maior comprador destes insumos, conforme reportagem recente da Galileu.

Além disso, a agropecuária foi responsável, diretamente, por 22% do total das emissões de gases do efeito estufa no Brasil em 2018, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (Seeg Brasil). É o segundo maior fator, atrás apenas da mudança de uso do solo, que inclui desmatamento e queimadas. A redução dessas emissões é o principal compromisso assumido pelo país no Acordo de Paris.

Um estudo da Embrapa sobre sustentabilidade na agricultura também aponta que, apesar de ter tido avanços, o país “continua incorporando cerca de 1 milhão de hectares de áreas de vegetação nativa ao sistema de produção agropecuária a cada ano”.

Brasil e o Acordo de Paris

Outro trecho da postagem afirma que “o Brasil é o país que mais tem feito no âmbito do Acordo de Paris”. No entanto, relatórios que avaliam o desempenho dos países no tratado mostram que o Brasil pode não atingir a meta de 2030 e teve projeção de emissões ampliadas por fatores como o desmatamento.

O Acordo de Paris foi firmado por 195 países para reduzir a emissão de gases de efeito estufa e, desse modo, manter o aumento da temperatura média global abaixo de 2°C até o final do século – se possível, menor que 1,5°C. O tratado completa cinco anos em dezembro de 2020, quando países devem informar se renovarão as metas. Segundo reportagem do Valor, o Brasil até agora não deu sinais do que pretende na sequência do acordo.

A avaliação mais recente da Climate Action Tracker, consórcio científico que faz análises independentes sobre as propostas dos países no Acordo de Paris, classifica como “insuficientes” as metas apresentadas pelo Brasil para promover a contenção no aquecimento do planeta. O órgão aponta também que “existem lacunas significativas na formulação de políticas brasileiras para conter o crescimento das emissões”.

As medidas de isolamento social motivadas pela pandemia da covid-19 frearam a atuação de setores como transporte e indústria, o que gera expectativa de queda de 4% nas emissões de gases do efeito estufa nesses segmentos em 2020 no país, segundo a organização. Mesmo assim, a análise aponta que o desempenho brasileiro é prejudicado por pontos preocupantes como a falta de políticas para mitigar emissões no setor agrícola e as taxas de desmatamento cada vez mais altas – aumento de 34% em 2019 e perspectiva de crescimento ainda maior este ano, segundo a avaliação.

De acordo com a análise, a redução de emissões causada pela crise da covid-19 poderia permitir ao Brasil cumprir a meta para 2025. No entanto, sem uma queda sustentada a partir da pandemia, o país estaria fora do caminho para cumprir a meta de 2030. Outros compromissos, como reduzir o desflorestamento e alcançar o desmatamento ilegal zero na Amazônia até 2030, também devem ser perdidos, conforme o Climate Action Tracker.

A Índia, que também integra o G20, tem metas que são consideradas “compatíveis” com o objetivo de conter o avanço da temperatura em até 2ºC e deve conseguir cumprir a meta estabelecida de redução de emissões até 2030, segundo a última avaliação do Climate Action Tracker. Os motivos devem ser a redução de emissões durante a pandemia e as políticas até aqui adotadas, apesar de ressalvas feitas no estudo sobre os planos de expansão da energia a carvão no país asiático.

O último Relatório Sobre a Lacuna de Emissões, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), publicado antes da pandemia, em novembro de 2019, avalia as ações dos países e aponta que apenas seis integrantes do G20 deveriam atender as metas do Acordo de Paris com as políticas atuais adotadas: China, Índia, México, Rússia e Turquia, além da União Europeia. Outros sete países, incluindo o Brasil, precisariam de ações adicionais para atingi-las. No caso do Brasil, diz o relatório, as projeções de emissões de publicações atualizadas anualmente foram revisadas para cima por causa, entre outros motivos, de mudança na tendência de desmatamento.

Uma nota explicativa do Observatório do Clima também avalia o cumprimento das metas do Brasil no Acordo de Paris e aponta que o país ainda não havia apresentado um plano de implementação das metas propostas em 2015.

O órgão expõe, entre outros pontos, uma das principais preocupações: o aumento do desmatamento. O texto indica ainda que medidas como a redução do orçamento de prevenção a incêndios florestais, a suspensão do Fundo Amazônia e a tentativa de abrir terras indígenas para mineração “ajudaram a desviar o Brasil de seu NDC (as metas) ao acelerar o desmatamento”.

Etanol versus carros elétricos europeus

Outro tuíte verificado afirma que “o etanol é uma fonte de energia mais limpa que a maioria usada nos carros elétricos europeus”. A informação é correta, conforme fontes consultadas, desde que a comparação seja com países que tenham a geração de energia elétrica baseada em fontes poluentes como o carvão.

O Comprova consultou o vice-presidente da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA), Edson Orikassa, para apurar o tema. Ele confirmou que o etanol pode ser uma fonte mais limpa do que a usada em carros elétricos europeus. Mas é preciso observar algumas condições. A principal delas é que a comparação deve ser com fontes de energia não renováveis, como o carvão, predominante em alguns países europeus. Em comparação com a energia elétrica em países como o Brasil, onde prevalece a energia hidrelétrica (renovável), o carro elétrico gera menos emissões do que o etanol.

O dirigente explica que o assunto é complexo porque é preciso considerar todo o ciclo envolvendo a produção do etanol e da energia elétrica (análise chamada de “do poço à roda”), e não apenas a partir do abastecimento (“do tanque à roda”). No entanto, segundo ele, esse cálculo geral de emissão de gases de efeito estufa é menor no caso dos carros a etanol do que nos elétricos quando considerada a energia termelétrica como fonte, como ocorre em parte dos países europeus.

“Considerando todo o ciclo, apesar de você ter variação dependendo do tipo de adubo, do combustível usado na produção do etanol, mesmo assim nesse cômputo geral realmente os veículos flex são melhores do que os elétricos da Europa, se você considerar a principal fonte de energia na Europa, que é a termelétrica”, disse Orikassa.

A situação muda ao comparar o etanol com veículos elétricos abastecidos em países com maior participação de energia renovável.

“Se considerar a energia elétrica gerada no Brasil, de maioria hidráulica, vamos imaginar trazer o veículo da Europa e carregar com energia gerada no Brasil, nesse caso os elétricos seriam um pouco melhores do que o híbrido flex, e também que o flex, mesmo considerando do poço à roda”, afirma.

O coordenador de Comunicação do Observatório do Clima, Claudio Angelo, também confirma que no balanço de emissões o etanol emite menos gases que carros elétricos em países que têm a energia a carvão como predominante na matriz de eletricidade.

Segundo dados da Agência Internacional de Energia (IEA), a energia a carvão foi a segunda maior fonte de energia elétrica em países da Europa, com 21% do total em 2018, atrás apenas da energia nuclear. Países como Alemanha, Polônia e Turquia detêm os maiores volumes desta geração no continente, segundo o IEA. Em alguns países, no entanto, a transição para fontes renováveis começa a diminuir a proporção das termelétricas, o que dificulta uma análise sobre o etanol ser mais limpo que a energia elétrica na rigorosa “maioria dos países europeus”, conforme mencionado na postagem.

84% da mata nativa da Amazônia segue preservada?

A série de tuítes afirma que “84% da mata nativa da Amazônia segue preservada”, mas especialistas e a base de dados consultados afirmam que este número está exagerado.

A Coleção 5 do MapBiomas, publicada em agosto de 2020, indica que, no ano passado, 83,3% do bioma Amazônia, no território brasileiro, era coberto por vegetação nativa, sendo 79,8% de floresta e 3,5% de vegetações não florestais. O MapBiomas estima que 20% dessa área que mantém cobertura nativa já tenha sofrido algum nível de degradação por fogo ou exploração madeireira. “Portanto, a área da Amazônia que não foi desmatada é de 78% e a área que está preservada e não sofreu nenhum tipo de degradação é menor que isso”, disse a iniciativa.

Fonte: MapBiomas

O MapBiomas reúne mapas anuais de uso e ocupação de terra que cobrem o período de 1985 a 2019 e permite ver que, ao longo da série histórica, o bioma perdeu 44 milhões de hectares de floresta natural – uma perda de 11,5%, equivalente a 289 vezes a área da cidade de São Paulo.

Já a Coleção 2 do MapBiomas, com dados de 1985 a 2018, analisa a cobertura vegetal na Pan-Amazônia, isto é, em todos os países que ela cobre. Sob este ângulo, 84% do bioma era ocupado por floresta natural (76%) ou formação natural não florestal (8%).

O Brasil possui mais de 60% de sua área ocupada por florestas nativas?

A afirmação de que “o Brasil possui mais de 60% de sua área coberta por mata nativa” está correta. De acordo com a Coleção 5 do MapBiomas, em 2019, 66,5% do território brasileiro era coberto por vegetação nativa, que engloba floresta natural e formação natural não florestal. Quando se olha apenas a cobertura de floresta natural, chegamos a 60,27% do território nacional.

Apesar de sermos o país com a maior área absoluta de florestas tropicais, somos também os que mais desmatam este tipo de bioma. Segundo a iniciativa Global Forest Watch, que monitora os índices de perda de cobertura florestal no mundo, o Brasil perdeu 1,361 milhão de hectares de florestas tropicais úmidas primárias em 2019. Isto equivale a mais de um terço do observado em todo o mundo (3,8 milhões de hectares). O país liderou o ranking de perda de florestas primárias.

Fonte: MapBiomas

O Brasil tem a mais restritiva legislação ambiental dos países do G20?

A série de tuítes afirma que “o Brasil tem a mais restritiva legislação ambiental dos países do G20”, mas estudos comparativos entre a legislação estrangeira e a nossa mostram que outros países preservam mais do que o Brasil.

No país, a preservação das áreas de vegetação em propriedades rurais segue o estabelecido pela Lei de Proteção da Vegetação Nativa. Aprovada em 2012, estabelece que 20% da mata de uma propriedade deve ser preservada. As regras são diferentes caso a propriedade esteja no território da Amazônia legal: 80% deve ser preservada em áreas de floresta; 35%, em área de cerrado; e 20% em áreas de campos.

Isto não quer dizer que apenas 20% do território amazônico estaria sujeito a perder sua cobertura vegetal. Isso porque “tem anistias a desmatamentos passados e vários jeitos de burlar o limite de 20% dependendo do Estado e do tamanho da propriedade”, disse o assessor do Observatório do Clima, Claudio Angelo.

Para comparar com outros países, o Comprova consultou um estudo, de 2011, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) com o Proforest, que analisou a legislação florestal de 11 países, dos quais 8 pertencem ao G20. Na Índia, por exemplo, o governo tem o poder de impedir a conversão de floresta para outros usos em propriedades privadas. No Japão e no Reino Unido, a conversão de florestas para agricultura é proibida. Já na Alemanha, a exploração da madeira é permitida desde que haja recomposição e manejo.

Estudo Imazon e Proforest

É possível olhar a questão sob a perspectiva das áreas nacionais de conservação. Segundo o último Censo Agropecuário do IBGE, feito com dados até 30 de setembro de 2017, 31,6% do território nacional está em Terras Indígenas ou Unidades de Conservação. A maior parte se encontra na Região Norte (24,9%).

O site Protected Planet, mantido pelo Centro Mundial de Monitoramento da Conservação (ONU-WCMC), contabiliza a porcentagem que cada país destina de seu território para a preservação natural. O Brasil ocupa a segunda colocação dentro do G20 com 30,28%, perdendo apenas para a Alemanha (37,8%). O resultado brasileiro é próximo do encontrado em Japão (29,39%), Reino Unido (28,73%) e França (27,28%).

A Agência de Agricultura e Alimentação da ONU calcula os dados de cobertura florestal em todo o mundo. Na Ásia Leste, região que engloba China, Coreia do Sul, Japão, Coreia do Norte e Mongólia, sendo que os três primeiros pertencem ao G20, a área de floresta aumentou 61,497 milhões de hectares entre 1990 e 2020. Já na Europa, a área de floresta cresceu 23,142 milhões de hectares no mesmo período.

Seguindo tendência contrária, a América do Sul perdeu 129,48 milhões de hectares de florestas. O Brasil liderou a perda de florestas no mundo na última década, com uma média de 1,496 milhão de hectares perdidos por ano.

Quem é Vicente Santini

Em janeiro, o presidente Bolsonaro demitiu Santini do cargo de secretário-executivo da Casa Civil após ele utilizar um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para viajar de Davos, na Suíça, onde participou do Fórum Econômico Mundial, para Nova Délhi, na Índia, para acompanhar o presidente em viagem oficial.

Na ocasião, ele ocupava o cargo de ministro no lugar de Onyx Lorenzoni, que estava de férias. Mas outros ministros, como Tereza Cristina (Agricultura) e Paulo Guedes (Economia), fizeram o mesmo trajeto por meio de vôo comercial.

Atualmente, Santini é assessor especial do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Ele foi nomeado, em 16 de setembro, com aval do Palácio do Planalto, após os três processos contra ele serem arquivados. O MPF considerou, em um dos processos, que ele estava a serviço da Presidência e que, por isso, não haveria imoralidade nem ilegalidade no gesto.

Em seu Twitter, Santini utiliza como imagem de capa uma foto em que aparece ao lado do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal. As equipes do Comprova checam áudios, imagens e textos compartilhados nas redes sociais e que alcançaram alto grau de viralização. O tuíte do assessor especial do Meio Ambiente foi retuitado 2,6 mil vezes e curtido 12,4 mil até a publicação desta checagem.

O governo federal sofre pressão para preservar o meio ambiente em meio a grandes queimadas que devastam o Pantanal e a Floresta Amazônica. A política ambiental brasileira atraiu de forma negativa a atenção de bancos, grandes empresas, fundos de investimentos e ameaça o acordo entre o Mercosul e a União Europeia.

O mesmo conteúdo verificado pelo Comprova chamou a atenção do Fakebook.eco, iniciativa de checagem do Observatório do Clima com foco em peças de desinformação sobre o meio ambiente. O projeto já tinha checado informações abordadas nesta verificação em outras ocasiões.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos e que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-10-08

Tuíte engana ao questionar compra de vacinas pelo governo de SP

  • Enganoso
Enganoso
Com números equivocados e afirmações desconectadas dos fatos, ex-ministro do governo Bolsonaro insinua que pessoas abaixo de 35 anos não deveriam ser vacinadas contra a covid-19
  • Conteúdo verificado: Publicação de Abraham Weintraub no Twitter questionando a necessidade de vacinação contra a covid-19 para quem tem menos de 35 anos.

É enganoso o tuíte em que o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub questiona se a vacinação contra o novo coronavírus deveria ser para toda a população do estado de São Paulo, insinuando que alguém estaria lucrando com a compra de 46 milhões doses da CoronaVac feita pelo governo paulista.

“Precisa vacinar todos os paulistas? Metade tem menos de 35 anos! Baixo risco”, escreveu. Weintraub também pergunta se “não seria prudente ‘apenas’ 10 milhões de doses para todos com mais de 50 anos?”. Os recortes de idade feitos por ele não têm sentido, como explica Renato Kfouri, pediatra, infectologista e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). “Não há diferença entre quem tem 28, 40, 45, 35 ou 50 anos. O grupo de risco etário no Brasil é acima de 60 anos, mas a covid-19 pode ser grave em todas as idades”, diz ele.

Além disso, Weintraub desconsidera que o objetivo do governo de São Paulo não é vacinar toda a população, mas distribuir as doses de CoronaVac entre os brasileiros, priorizando determinados grupos. Contatado pelo Comprova, o Instituto Butantan, parceiro da empresa farmacêutica chinesa Sinovac Life Science no desenvolvimento do imunizante, afirmou que, após aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a vacina “poderá ser disponibilizada para toda a população brasileira” e que “quem define as políticas de distribuição nas campanhas vacinais é o Ministério da Saúde”.

Outro ponto levantado pelo ex-ministro é o de que a vacina “pode ter efeitos adversos”. Os testes ainda estão sendo realizados, mas, de acordo com o Butantan, “estudos preliminares com 50 mil voluntários na China demonstraram que a vacina é segura e não apresentou reações adversas significativas”.

O Comprova entrou em contato com Weintraub, mas não recebeu retorno até a publicação deste texto.

Como verificamos?

Por meio de pesquisas no Google, buscamos reportagens e publicações em fontes oficiais, como o site do Instituto Butantan, do governo paulista e da Universidade Johns Hopkins, referência na covid-19, sobre a vacina em questão.

Por e-mail, entramos em contato com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para obter números sobre projeções da pirâmide etária das populações brasileira e paulista. Também contatamos o governo paulista com alguns questionamentos sobre a verificação e entrevistamos, por telefone, Renato Kfouri, pediatra, infectologista e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações.

Tentamos fazer contato com Weintraub por meio de mensagens no Twitter e no Instagram, mas ele não respondeu.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 8 de outubro de 2020.

Verificação

Coronavac

Os testes da vacina produzida pelo Butantan em parceria com a Sinovac estão na fase três, a última etapa para verificar sua segurança e eficácia. Eles envolvem cerca de 9 mil profissionais de saúde que se apresentaram voluntariamente em 12 centros de pesquisa de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Distrito Federal.

O governo paulista pretende iniciar a vacinação contra a covid-19 com a CoronaVac na segunda quinzena de dezembro. Segundo o órgão, a prioridade serão “os profissionais de todas as unidades públicas e privadas de saúde de São Paulo”. Questionado, o governo não informou quem mais terá prioridade, mas sabe-se que, depois dos profissionais de saúde, deverão ser imunizadas pessoas que estão nos grupos de risco da doença, como idosos (quem tem mais de 60 anos) e pessoas com doenças crônicas, e, em sequência, agentes de segurança, profissionais da educação e a população indígena.

João Doria, governador paulista, já indicou que quer distribuir a vacina para os outros estados, não apenas para São Paulo. No início de outubro, o governo enviou os dados da CoronaVac ao Ministério da Saúde para agilizar o registro do produto. No dia 30 de setembro, em entrevista coletiva no Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo, Weining Meng, diretor do laboratório Sinovac, afirmou: “Trabalhando em conjunto com o Butantan, nossa meta é simples: nós vamos trazer vacina suficiente para o Brasil“.

Entretanto, vale ressaltar, como o próprio Butantan informou, que quem define o público-alvo e as políticas de distribuição de vacinas no país é o Ministério da Saúde, por meio do Programa Nacional de Imunização (PNI).

Além das 46 milhões de doses já anunciadas, o governo paulista prevê receber mais 15 milhões até março do próximo ano. Outras 100 milhões podem ser adquiridas ainda em 2021, “a depender de suporte do Ministério da Saúde”.

Efeito colateral

Weintraub escreve, na publicação verificada, que “a vacina pode ter efeitos adversos” insinuando que nem todos deveriam se imunizar. A alegação, no entanto, não tem evidências. Conforme o Butantan informou ao Comprova, os resultados demonstrados a partir de estudos preliminares realizados com 50 mil voluntários na China “mostraram um excelente perfil de segurança, com índice de 5,36% de efeitos adversos de grau baixo”. Entre as reações mais frequentes estão dor no local da aplicação (3,08%), fadiga (1,53%) e febre moderada (0,21%). As outras reações foram perda de apetite, dor de cabeça e febre.

De qualquer forma, não é o governo de um estado que libera a distribuição de uma vacina. Ela só poderá ser oferecida com a autorização da Anvisa, que revisa todos os documentos técnicos e regulatórios e verifica os dados de segurança e eficácia, bem como avalia a qualidade da vacina. “O registro, concedido pela Anvisa, é o sinal verde para que a vacina seja comercializada e disponibilizada no país”, informa o site do órgão regulador federal.

Perda de doses

Se, como Weintraub sugere, apenas as pessoas com mais de 50 anos fossem receber a Coronavac, seriam necessárias mais de 30 milhões de doses, e não 10 milhões, como ele escreve. Ele ignora o fato de que a CoronaVac é oferecida em duas doses e que há uma margem de perda da vacina, como explica Renato Kfouri, da SBim. “O frasco vem com uma quantidade de doses e, na hora em que você abre e manuseia, perde cerca de 20%”, afirma o profissional.

O cálculo das 30 milhões de doses foi feito pelo Comprova considerando essa perda e que a população paulista com mais de 50 anos representa 12,8 milhões de pessoas, segundo projeção da população para o período de 2020 realizada pelo IBGE.

Em seu tuíte, Weintraub insinua ainda que quem já foi infectado pelo novo coronavírus não precisaria se imunizar. Mas, segundo um estudo da Universidade Johns Hopkins sobre alocação e distribuição de vacinas nos Estados Unidos, os “testes de anticorpos podem fornecer evidências de infecção anterior, mas não necessariamente prova de imunidade eficaz”. O texto da instituição, que se tornou uma referência mundial sobre a covid-19, conclui que, “neste ponto, não é possível saber se um resultado sorológico positivo deve alterar a prioridade de vacinação de um indivíduo” – inclusive, já foram divulgados casos de reinfecção ao redor do mundo.

Outro ponto importante e ignorado no tuíte de Weintraub é que, embora atinja mais os idosos, a covid-19 também mata pessoas com menos de 60 anos. Segundo a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), do governo de São Paulo, dos 36.699 óbitos informados no estado até 8 de outubro, 23,7% eram de pessoas com até 59 anos.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova investiga conteúdos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia. Conteúdos que trazem desinformação relacionada à covid-19, como o verificado aqui, são ainda mais perigosos pois colocam a saúde da população em risco e podem custar vidas.

Uma vacina é a forma mais eficiente de imunizar a população e esforços estão sendo feitos em todo planeta para chegar a essa solução. A postagem em questão – que teve cerca de 3 mil compartilhamentos no Twitter e quase 12 mil curtidas até 8 de outubro – gera dúvidas sobre o processo de desenvolvimento da vacina e pode levar pessoas a decidirem não se vacinar quando a proteção estiver disponível para os brasileiros.

Publicações que tentam desacreditar a importância da vacina já foram verificadas pelo Comprova, como o post que insinua que a China não usará a própria vacina, o vídeo que afirma que as vacinas produzirão danos genéticos, o tuíte que diz que imunizantes usam células de fetos abortados e uma teoria conspiratória segundo a qual a proteção teria um microchip para rastrear a população.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos; ou que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Política

Investigado por: 2020-10-08

É falso que Exército tenha apreendido madeira ilegal ligada a ONGs e MST

  • Falso
Falso
O Exército informou que não há registros de nenhuma apreensão de madeira recente nas condições descritas pelas publicações verificadas pelo Comprova. Algumas postagens usaram uma foto que mostra caminhões carregados de toras de madeira. A imagem, no entanto, é de 2015
  • Conteúdo verificado: Publicações no Twitter e no Facebook afirmam que madeira ilegal apreendida no Pará pelo Exército seria de fundador de uma ONG ligada à proteção ambiental na Amazônia, que também teria envolvimento com o MST no estado.

É falso que o fundador de uma ONG ligada à proteção ambiental na região amazônica seria dono de um carregamento ilegal de madeira apreendido em ação do Exército no Pará. As afirmações circulam em uma série de postagens virais no Twitter e no Facebook. As publicações afirmam ainda que a entidade estaria ligada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST-PA).

Não há evidências de que uma apreensão do tipo tenha sido feita na região nas últimas semanas, e nem o Comprova encontrou qualquer ligação recente entre o MST ou ONGs ambientais com o desmatamento ilegal na região.

O Exército informou que divulga suas operações no site oficial e não há registros de nenhuma apreensão de madeira recente nas condições descritas pelas publicações verificadas pelo Comprova. O MST também nega qualquer ligação com madeireiras.

Como verificamos?

Entramos em contato com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e com o Exército, que são diretamente mencionados nas publicações, para saber a veracidade das alegações. Consultamos os sites oficiais do Exército, do governo federal e do Ministério da Defesa, além de reportagens publicadas neste ano sobre a ação dos militares na região da Amazônia.

Além disso, para checar a origem da imagem que circulou em outras postagens sobre o mesmo conteúdo, usamos a ferramenta de busca reversa de imagens do Google, que resultou em uma foto com a logo da “Máfia da Tora” — que foi, então, localizada nas redes sociais.

Também entramos em contato com o usuário que fez a postagem no Twitter, @Gabriel08819060, por meio de mensagem direta na rede social, mas, até a publicação desta checagem, não tivemos resposta.

Verificação

Foto de toras de madeira é antiga

O mesmo conteúdo circulou no Facebook. Na rede social, a alegação falsa sobre a apreensão de madeira pelo Exército foi compartilhada em algumas postagens com uma foto que mostra caminhões carregados de toras de madeira. A imagem, no entanto, é de 2015 e foi reproduzida em outras postagens nos anos posteriores.

O Comprova usou a ferramenta de busca reversa de imagem do Google para encontrar fotos semelhantes publicadas antes de 2020. Em um dos resultados, aparece a inscrição “Máfia da Tora”. Encontramos uma página de Facebook de mesmo nome, que publicou a mesma foto em novembro de 2017.

O site E-Farsas, que também investigou a origem da fotografia, encontrou uma postagem na mesma página ainda mais antiga, de janeiro de 2016. O post atribui o registro ao leitor Alessandro Antoniazzi, durante festejo da padroeira da cidade de Cláudia, no Mato Grosso.

A reportagem do E-Farsas conversou com Antoniazzi, que é cantor. Ele confirmou que fez a foto em 2015, e que as toras mostradas na imagem foram presenteadas à paróquia Nossa Senhora da Glória por madeireiras da região. O Comprova entrou em contato com Alessandro e com a igreja de Cláudia, mas não obteve retorno.

Operação Verde Brasil 2

O Exército, de fato, tem atuado no combate ao desmatamento ilegal e aos incêndios na região da Amazônia Legal. A “Operação Verde Brasil 2” foi iniciada no dia 11 de maio, e é encabeçada pelo Conselho Nacional da Amazônia, chefiado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, e formada por onze outras organizações, como o Ibama e o Instituto Chico Mendes (ICMBio). A ação vai até o dia 11 de novembro.

Desde o início das atividades, a força-tarefa resultou na apreensão de 28,7 mil metros cúbicos de madeira, com a realização de mais de 26 mil inspeções navais e terrestres e 712 apreensões.

O Comprova entrou em contato, via assessoria de imprensa, com o Exército, que informou que “as operações realizadas pelo Exército Brasileiro, bem como os resultados obtidos, são os divulgados no site da Força”.

Na busca, no site oficial, pelos conteúdos relacionados à operação, estão listadas algumas ações conjuntas no Pará, ligadas ao combate à extração ilegal de madeira, mas não há menção à suposta origem relacionada ao MST ou a ONGs de preservação ambiental, já que o Exército não divulga esse tipo de informação. O Comprova perguntou especificamente sobre as alegações feitas no tuíte e nos posts verificados, mas a assessoria de imprensa não nos forneceu detalhes do tipo.

Postagens acusam, sem provas, marido de Marina Silva

A alegação falsa sobre a apreensão de madeiras pelo Exército também foi compartilhada em postagens com acusações ao marido da ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, Fábio Vaz de Lima. Os posts reciclam um boato de que Lima seria “um dos maiores desmatadores da Amazônia”.

Em 2018, o site Aos Fatos mostrou que a acusação distorcia uma investigação do Tribunal de Contas da União (TCU). O Comprova checou, no mesmo ano, um boato semelhante.

Fábio é um dos fundadores do Grupo de Trabalho amazônico (GTA). Esse grupo era ligado a uma ONG chamada Fase, que, em 2003, recebeu do Ibama a doação de 5,7 mil toras de mogno ilegais apreendidas na Amazônia. A investigação do TCU ocorreu porque havia divergências entre o valor atribuído às madeiras e o valor real.

Marina explicou que o marido deixou o GTA em 1999 para trabalhar no governo do Acre.

MST nega envolvimento

Procurado pelo Comprova, o MST disse não ter qualquer ligação com madeireiras. “Desde a semana passada temos sido alvo de uma série de informações falsas que têm circulado deliberadamente na internet”, comunicou o movimento.

De fato, o MST tem sido acusado nas redes sociais de envolvimento com as queimadas na Amazônia e no Pantanal. O Comprova desmentiu uma postagem que afirmava que um dos fundadores do movimento, João Pedro Stédile, estaria sendo investigado pela Polícia Federal por envolvimento em queimadas. Não há registro que tal investigação exista.

Na contramão das acusações e “como resposta ao desmatamento”, a organização afirma que está encabeçando uma campanha nacional de plantio de árvores.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica postagens suspeitas que tenham viralizado nas redes sociais que tenham ligação com políticas públicas do governo federal ou com a pandemia do novo coronavírus.

O tuíte analisado aqui teve mais de 16,9 mil interações desde o dia 5 de outubro. A informação falsa foi reproduzida em postagens no Facebook, onde ganhou mais de 1,3 mil compartilhamentos.

A preservação da floresta amazônica é um dos maiores desafios para o governo — um estudo publicado na revista Science Advance indica que, se o desmatamento atingir 20% da bacia Amazônica, atingiremos um ponto irreversível de savanização do bioma. Atualmente, 17% da floresta já foi desmatada.

Os sites Aos Fatos, E-Farsas e Lupa também publicaram verificações semelhantes.

O Comprova já checou vários conteúdos relacionados à Amazônia, a ONGs e ao MST. Na semana passada, mostramos que não havia provas de que o MST tivesse relação com as queimadas na Amazônia ou no Pantanal. Outros exemplos incluem uma verificação sobre um vídeo lançado pela Associação de Criadores do Pará que afirma que a Amazônia não está queimando e outra sobre postagem que afirmam que indígenas prenderam em flagrante integrantes de ONGs que seriam incendiários.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2020-10-07

Post distorce informações para insinuar que China não usará a própria vacina

  • Enganoso
Enganoso
Ao contrário do que afirma uma publicação no Facebook, os chineses têm realizado testes de suas vacinas na população. O post também desconsidera que vários países além da China têm buscado diversificar seus fornecedores de vacinas
  • Conteúdo verificado: Postagem no Facebook afirma que a China comprou vacina da Suécia para aplicar nos chineses, enquanto vendeu para o Brasil os imunizantes desenvolvidos na Ásia

Uma publicação distorce informações sobre as negociações para aquisição de vacinas contra a covid-19 sugerindo que há algo de errado com os imunizantes desenvolvidos por empresas chinesas, já que um laboratório do país fechou acordo com a AstraZeneca, empresa parte britânica e parte sueca, para que a China receba 100 milhões de doses do composto desenvolvido em parceria com a Universidade de Oxford, caso ele se prove eficaz para combater a doença. O post questiona por que os chineses estariam em busca dessas vacinas enquanto vendem os seus produtos para o Brasil.

Apenas uma das 13 vacinas desenvolvidas por chineses tem acordo para distribuição no Brasil: a CoronaVac, da Sinovac Biotech. O acordo com o governo de São Paulo prevê a importação de 60 milhões de doses, mas também que a tecnologia será transferida para o Instituto Butantan, que produzirá a vacina no país. Até dezembro deste ano, o Butantan pode produzir até 40 milhões de ampolas.

O conteúdo verificado desconsidera ainda que a China já concedeu autorização especial para que as vacinas da Sinovac e da Sinopharm – ambas desenvolvidas lá – sejam aplicadas na população do país considerada de alto risco, caso dos médicos e profissionais de saúde. O material não leva em conta, também, que vários países têm buscado diversificar seus fornecedores de vacinas.

A China não é o único país que desenvolve vacinas contra covid-19 a comprar imunizantes produzidos por outras nações. Estados Unidos e Reino Unido, por exemplo, têm, cada um, acordos com seis diferentes fornecedores de vacinas contra o novo coronavírus, segundo levantamento do jornal Financial Times. Como ainda não é possível saber quais das 42 vacinas em fase de testes serão eficazes para imunizar o vírus, o país que conseguir fechar acordos de fornecimento com mais de uma empresa farmacêutica tem mais chances de ter um imunizante eficiente disponível para sua população, mesmo que um deles não seja aprovado.

A publicação também desconsidera que 12 das 13 vacinas desenvolvidas por empresas ou institutos de pesquisa chineses foram aplicadas primeiro em cidadãos da própria China, em suas fases 1 e 2 de testes em humanos. A Coronavac, vacina da Sinovac que está sendo testada no Brasil em conjunto com o Instituto Butantan, veio realizar a fase 3 do ensaio clínico na América do Sul porque, na época, o número de novos casos na China havia caído substancialmente, o que tornaria difícil saber se as pessoas não se infectaram por causa do imunizante ou simplesmente porque não tiveram contato com o vírus.

Como verificamos?

Para essa verificação, primeiramente buscamos por notícias sobre acordos feitos pela China com laboratórios de fora do país para negociar a pré-aquisição de doses de vacina contra a covid-19. Também buscamos matérias detalhando as negociações entre os países e fornecedores de imunizantes. Ao ver que alguns países estavam trabalhando para diversificar os seus fornecedores de vacinas, procuramos a imunologista Viviane Boaventura (Fiocruz) e o epidemiologista Eduardo Martins Netto (UFBA) para entender a estratégia por trás dos acordos prévios para a compra desses produtos com mais de um fornecedor.

Depois, buscamos na lista da Organização Mundial da Saúde (OMS) todas as 42 vacinas contra o novo coronavírus que já estão em estágio de ensaio clínico. Elas foram desenvolvidas por 74 empresas ou institutos de pesquisa. Procuramos os sites de cada uma dessas companhias ou entidades para saber quais delas eram chinesas e se tinham relações conhecidas com o governo chinês. Depois que encontramos 13 vacinas com a participação de instituições chinesas, usamos o banco de dados da OMS para ver em que país foram realizados os testes clínicos de cada um desses imunizantes.

Por fim, procuramos a autora da postagem, que não respondeu até a publicação desta verificação.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 07 de outubro de 2020.

Verificação

Acordo com a AstraZeneca

Em agosto, a AstraZeneca, uma empresa parte sueca, fechou um acordo com o laboratório chinês Shenzhen Kangtai Biological Products para produzir 100 milhões de doses por ano da vacina contra a covid-19, desenvolvida junto com a Universidade de Oxford. A produção ainda depende da comprovação da eficácia da vacina, atualmente em fase 3 de testes – o último estágio dos ensaios clínicos que envolve milhares de voluntários.

Esse, porém, não é o único imunizante no radar do governo chinês. Desde julho, a TV estatal chinesa informou que vacinas experimentais estavam sendo administradas em grupos de risco, como profissionais de saúde. Esses imunizantes foram desenvolvidos por companhias chinesas, de acordo com a CCTV. Os nomes dos laboratórios não foram especificados na época. Mas várias vacinas passaram por fases anteriores de testes na China, incluindo a CoronaVac, que está realizando a sua fase 3 no Brasil em parceria com o Instituto Butantan.

No mês passado, a chefe de biossegurança do Centro de Controle de Doenças e Prevenção chinês, Wu Guizhen, anunciou que o país pode ter uma vacina contra o coronavírus disponível para o público em novembro. Ela não explicou, porém, a qual vacina se referia. Vacinas da Sinovac e da Sinopharm já receberam uma aprovação para uso especial no país por pessoas que são grupos de alto risco, como médicos e profissionais de saúde.

Além disso, as vacinas da AstraZeneca, por si só, não seriam suficientes para imunizar a população chinesa. O acordo prevê a produção de 100 milhões de doses em um ano e a China tem uma população de quase 1,4 bilhão de pessoas.

Diversidade de fornecedores

Países têm apostado em diversificar seus fornecedores de vacina, segundo levantamento do Financial Times. Os Estados Unidos e o Reino Unido pré-encomendaram vacinas de seis fornecedores. O Canadá e o Japão encomendaram imunizantes de quatro laboratórios. A Austrália, a Índia e o Brasil fizeram compra antecipada de doses de dois fornecedores. Além da CoronaVac, o Brasil fechou um acordo com a AstraZeneca para produção dos imunizantes.

No caso da CoronaVac, o governo de São Paulo informa que 60 milhões de doses serão importadas da China e, desde que seja comprovada a eficácia, serão distribuídas gratuitamente à população através do Sistema Único de Saúde (SUS). Mas não só. O acordo também prevê que a Biovac transfira para o Brasil a tecnologia para que o Instituto Butantan seja capaz de produzir os imunizantes em território nacional. Até dezembro deste ano, o governo paulista espera receber 6 milhões de doses da Sinovac e produzir outras 40 milhões no Butantan, segundo uma matéria da BBC News Brasil. O objetivo é imunizar toda a população do Estado.

O Brasil também aderiu à Covax, uma coalizão global para a compra e distribuição de vacinas contra a covid-19 que está sendo liderada pela Gavi (aliança para a vacinação mundial da Fundação Bill e Melinda Gates) e pela OMS. A meta da Covax é viabilizar a compra de 2 bilhões de doses até o final de 2021.

Para o professor Eduardo Martins Netto, que é médico-epidemiologista do Hospital Universitário Professor Edgard Santos (Hupes) e chefe do Laboratório de Pesquisa em Infectologia na mesma unidade, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), além de coordenador do Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da Bahia (Famed), é normal que os países busquem, neste momento, uma diversidade de fornecedores de vacinas.

“Não existe ainda nenhuma vacina licenciada em nível mundial. Só existe investigação, pesquisa para vacina. Os países estão diversificando os possíveis fornecedores. Isso é muito natural, porque se você não tem nada, você pode comprar de uma determinada fábrica ou de outra. Você pode dizer: ‘olha, se essa vacina não deu certo, não protegeu, tem uma perspectiva para outra vacina”, aponta.

Para o epidemiologista, o que os países podem fazer, neste momento, é se comprometer a comprar uma vacina, se ela funcionar. “Já houve investimento em fábricas, como Butantan, Manguinhos, que investiram em aumentar as instalações para produção da vacina”, completa.

Pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professora de Imunopatologia da Faculdade de Medicina da Bahia (Famed/UFBA), a imunologista Viviane Boaventura explica que “há normas de ética e boas práticas em pesquisa clínica que tornam necessário que as primeiras etapas de estudos de desenvolvimento de medicamentos e vacinas sejam testadas necessariamente no país que desenvolveu”.

Sobre a diversidade de fornecedores, ela disse acreditar que os países possam, sim, comprar de outros. “Mesmo porque devem ser tecnologias diferentes e podem facilitar a produção e distribuição para um grande número de pessoas. Pode ser o caso”, sugere.

Testes na China

Segundo o levantamento da Organização Mundial da Saúde, atualmente, 42 vacinas candidatas estão em ensaio clínico (isto é, sendo testadas em humanos), enquanto 151 estão em estágio pré-clínico. Entre as vacinas que já estão em teste clínico, 13 foram desenvolvidas por companhias chinesas ou institutos de pesquisa da China (veja detalhes de cada uma delas no próximo tópico).

Cidadãos chineses foram os primeiros a serem inoculados com os imunizantes desenvolvidos por empresas locais. Das 13 vacinas em fase de ensaio clínico desenvolvidas por empresas ou instituições chinesas, 12 tiveram testes realizados na própria China. É o caso das cinco vacinas que chegaram à fase 3: Sinovac, Wuhan Institute of Biological Products, Beijing Institute of Biological Products, CanSino Bio e Fosun Pharma. Todas elas tiveram suas fases 1 e 2 realizadas com voluntários chineses. Só a fase 3 foi sediada em outros países, possivelmente por causa da queda no número de infectados na própria China. Esse foi o caso da Coronavac, que veio para o Brasil quando havia poucos casos ativos entre os chineses. “Não podemos fazer isso (os testes) quando não há casos”, afirmou o presidente da Sinovac, Yin Weidong, em maio.

Os imunizantes da Anhui Zhifei Longcom Biopharmaceutical e da Chinese Academy of Medical Sciences, que ainda não chegaram à fase 3, realizaram os testes das fases 1 e 2 na China.

As vacinas da Beijing Minhai Biotechnology, da Academy of Military Medical Sciences, do West China Hospital, da Beijing Wantai Biological Pharmacy e da Walvax Biotech também recrutaram voluntários chineses para a fase 1 de testes. Elas ainda não avançaram para a segunda etapa do ensaio clínico.

De todos os imunizantes com participação de empresas chinesas, o único que não teve nenhuma fase da testagem realizada na China foi o da Clover Biopharmaceuticals. A vacina, que tem participação da empresa americana Dynavax e da britânica GSK, está realizando a fase 1 do ensaio clínico na Austrália.

Vacinas chinesas

A Sinovac é uma empresa biofarmacêutica criada em 2001 com foco no desenvolvimento de vacinas e com ações negociadas na bolsa de valores americana Nasdaq. Atualmente, a vacina está na fase 3 de testes. Ela usa o vírus desativado e exigiria a aplicação de duas doses com 14 dias de diferença entre cada aplicação.

O Wuhan Institute of Biological Products é um braço da Sinopharm, uma estatal chinesa que atua em toda a cadeia do ramo farmacêutico, incluindo desenvolvimento, produção e distribuição de medicamentos. A vacina, que usa o vírus inativo, está em fase 3 de testes e exigiria duas doses de aplicação, com intervalo de 21 dias entre cada uma delas.

O Beijing Institute of Biological Products também é uma subsidiária da estatal chinesa Sinopharm. Eles tentam desenvolver uma vacina que usa o vírus desativado e que já está na fase 3 de testes. Seria necessário tomar duas doses com 21 dias de distância entre cada aplicação.

A CanSino Bio foi fundada em 2009 e tem suas ações negociadas na bolsa de valores de Hong Kong. A vacina que eles estão desenvolvendo está na fase 3 e usa um adenovírus para estimular a resposta imune no corpo. Seria necessária apenas uma dose.

A Fosun Pharma é uma companhia chinesa fundada em 1994 com ações negociadas nas bolsas de Shanghai e Hong Kong. Ela é uma das fundadoras da Sinopharm, farmacêutica estatal, junto com a China National Pharmaceutical Group Corporation. A Fosun Pharma é uma das parcerias da americana Pfizer e da alemã BioNTech no desenvolvimento de uma vacina à base de RNA que está na fase 3 de testes. Ela exigiria a aplicação de duas doses, tomadas com uma diferença de 28 dias.

Anhui Zhifei Longcom Biopharmaceutical é uma companhia chinesa fundada em 2002 com ações negociadas na bolsa de valores de Shenzhen. A empresa desenvolve uma vacina em conjunto com o Institute of Microbiology da Chinese Academy of Sciences. O instituto surgiu em 1958. A academia data de 1949 e foi berço de parte dos projetos de planejamento de longo prazo do governo chinês. A vacina está na fase 2 e usa uma proteína como estimulante da resposta imune. Ela pode exigir duas ou três doses para ser eficaz, com 28 dias de distância na aplicação de cada uma delas.

O Institute of Medical Biology da Chinese Academy of Medical Science, uma instituição pública, foi fundado em 1958 para produzir e comercializar vacinas contra vírus. A vacina desenvolvida lá usa o vírus inativo e está na fase 2 de testes. Ela exigiria a aplicação de duas doses e 28 de intervalo entre uma aplicação e outra.

A Beijing Minhai Biotechnology é uma subsidiária da Shenzhen Kangtai Biological Products, empresa fundada em 1992 com ações negociadas na bolsa de valores de Shenzhen. A vacina usa vírus inativo e ainda está na fase 1 de testes. A aplicação pode ter 1, 2 ou 3 doses.

O Institute of Biotechnology da Academy of Military Medical Sciences, PLA of China é uma instituição pública ligada às Forças Armadas chinesas. A vacina está na fase 1 de testes e utiliza um vetor viral não-replicante. Ela exigiria duas doses de aplicação, com 28 dias de diferença entre uma e outra.

A Clover Biopharmaceuticals é uma companhia chinesa, que desenvolve uma vacina em parceria com a americana Dynavax e com a britânica GSK. A vacina usa proteína para gerar a resposta imune. Ela está na fase 1 de testes e deve exigir duas doses de vacinação, com 21 dias entre as duas aplicações.

O West China Hospital da Sichuan University é uma instituição de ensino que existe desde 1892. Eles trabalham em uma vacina que está na fase 1 de testes e utiliza uma proteína para ativar a resposta imune. Ela exigiria duas doses com 28 dias de diferença entre uma aplicação e outra.

A Beijing Wantai Biological Pharmacy é uma empresa fundada em 1991 com ações sendo negociadas na bolsa de valores de Shanghai. Ela está trabalhando em uma vacina com a Xiamen University, uma universidade pública chinesa fundada em 1921. A vacina está na fase 1 de testes e usa um vetor viral republicante. Ela exigiria apenas uma dose para ser aplicada.

A Walmax Biotechnology é uma empresa chinesa fundada em 2001 que tem ações sendo vendidas na bolsa de valores de Shenzhen. A vacina está sendo desenvolvida em conjunto com a Academy of Military Sciences, ligada às Forças Armadas. Ela usa RNA e está na fase 1 de testes. A vacina exigiria duas aplicações, com 14 ou 28 dias de intervalo entre ambas.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre a pandemia de covid-19 e sobre políticas públicas do governo federal que tenham ampla repercussão nas redes sociais. Quando a publicação envolve medicamentos ou métodos de imunização contra o novo coronavírus, a checagem é ainda mais importante porque o conteúdo enganoso pode levar as pessoas a deixarem de tomar medidas para se proteger contra a infecção.

Atualmente, as vacinas são um dos meios mais promissores para o controle definitivo da doença, que já causou 147,4 mil óbitos e infectou 4,9 milhões de pessoas apenas no Brasil, de acordo com o painel do Ministério da Saúde.

O mesmo conteúdo foi verificado por Aos Fatos, que classificou de distorcido, pelo Estadão Verifica, que apontou como enganoso, e pelo Boatos.org, que tratou como um boato. A publicação no perfil pessoal do Facebook que foi verificada aqui teve mais de 41 mil compartilhamentos. O texto teve 9,4 mil interações na rede social, após ser compartilhado por páginas de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), segundo a ferramenta de monitoramento CrowdTangle. O presidente disse, em setembro, que não podia obrigar ninguém a tomar a vacina, embora uma lei assinada por ele em fevereiro preveja a possibilidade de vacinação compulsória contra o novo coronavírus, como mostrou o Comprova.

O Comprova verificou recentemente publicações que tentavam desacreditar a importância da imunização, mostrando que as vacinas não vão ser usadas para monitorar a população, não causarão danos irreversíveis ao DNA, nem poderão rastrear as pessoas. Desde o início da pandemia, o Comprova também verificou peças de desinformação sobre a China, como a de que o país contaminou máscaras, que as principais cidades chinesas não tiveram casos de covid-19 e que o novo coronavírus teria sido criado num laboratório chinês.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos; ou que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Eleições

Investigado por: 2020-10-01

É falso que apenas três países, inclusive o Brasil, utilizem urnas eletrônicas

  • Falso
Falso
Urnas eletrônicas são utilizadas em 15 países além do Brasil. Em Cuba, votações usam cédulas de papel
  • Conteúdo verificado: Postagem no Facebook afirma que, além do Brasil, apenas Cuba e Venezuela usam urnas eletrônicas

É falso o conteúdo de uma publicação que viralizou no Facebook afirmando que, apesar de existirem 193 países no mundo, as urnas eletrônicas só são utilizadas em Cuba e na Venezuela, além do Brasil. Dados do Institute for Democracy and Electoral Assistance (IDEA) mostram que ao menos 46 países utilizam votação eletrônica em algum tipo de eleição (seja nacional, regional ou para escolha de dirigentes sindicais). Desses, ao menos outros 15 países, além do Brasil, utilizam máquinas de votação eletrônica de gravação direta (não usam boletins de papel e registram os votos eletronicamente, sem que o eleitor interaja com qualquer cédula física).

Também é falso que Cuba utilize urnas eletrônicas. A Lei Eleitoral do país prevê a votação por meio de cédulas de papel em eleições ou referendos. Na Venezuela, urnas eletrônicas são utilizadas desde 2004 com equipamentos fornecidos pela empresa Smartmatic.

Em relação à quantidade de países, não há um levantamento único de quantos existem, já que cada governo é livre para reconhecer ou não a existência de outras nações e estabelecer relações diplomáticas com elas. Hoje, a Organização das Nações Unidas (ONU) possui 193 estados-membros. O Brasil reconhece a existência de 196 nações, inclusive algumas que não têm assento na ONU, como o Vaticano e a Palestina.

Como verificamos?

Primeiro, buscamos verificações anteriores sobre temas similares, as quais nos serviram como ponto de partida. Por meio de uma checagem feita pelo Estadão Verifica, chegamos ao Institute for Democracy and Electoral Assistance, que possui um levantamento sobre a digitalização de processos eleitorais. Acionamos o IDEA por e-mail e recebemos um retorno de Peter Wolf, especialista sênior em Eleições, Democracia e Tecnologia, que nos passou os dados mais recentes da entidade e nos ajudou a interpretá-los.

Depois, consultamos os sites do Conselho Eleitoral Nacional de Cuba, onde encontramos a Lei Eleitoral cubana e outras informações sobre a eleição mais recente no país, e do Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela, que lista várias informações sobre o histórico de digitalização local. Também consultamos o site da Smartmatic, empresa que forneceu urnas eletrônicas para a Venezuela, onde encontramos dados sobre o rompimento da companhia com as autoridades venezuelanas e sobre sua atuação no Brasil.

Consultamos o site da ONU para saber quantos são os estados-membros que integram a entidade e consultamos o site do Ministério das Relações Exteriores para saber quantos países têm sua existência reconhecida pelo Brasil. Também pesquisamos quais os sistemas de segurança da urna brasileira no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Por fim, enviamos mensagem para a autora do conteúdo verificado, mas ela não respondeu até a publicação dessa verificação.

Verificação

O uso de urnas eletrônicas não é exclusividade do Brasil. Levantamento do IDEA mostra que ao menos 45 outros países utilizam algum tipo de votação eletrônica. A maioria deles (26), em eleições nacionais. Os dados do instituto também mostram que, além do Brasil, outros 15 países utilizam urnas eletrônicas com gravação direta. Mas existem outros modelos de votação eletrônica, como o voto pela Internet, que é regulamentado em 10 países.

“Veja que máquinas de votação são certamente utilizadas em muito mais do que três países. […] Se você incluir todos os tipos de máquinas de votação, achará inúmeros exemplos: Estados Unidos, Canadá, Venezuela, Bélgica, França, Índia, Filipinas, República Democrática do Congo e Namíbia”, afirma Peter Wolf, especialista sênior da IDEA.

Ele lembra, porém, que há especificidades nas urnas eletrônicas brasileiras. “Notadamente a ausência de comprovante de papel, que é menos comum. É possível que o conteúdo que você está verificando se refira a isso. Em alguns locais nos Estados Unidos, na Namíbia e parte da França são os únicos exemplos de sistemas sem comprovante de papel que me vêm à mente agora. Além, é claro, de sistema de votações on-line que, obviamente, não possuem uma função de registro em papel”, explica Wolf.

Uma lei de 2015 previu a emissão de um comprovante de votação pelas urnas brasileiras, mas o trecho foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por colocar em risco o sigilo do voto, como mostrou o Comprova recentemente.

Eleições em Cuba

Cuba não utiliza urnas eletrônicas em suas votações. A Lei Eleitoral cubana prevê o uso de cédulas de papel (boletas, em espanhol) para eleições e para a realização de plebiscitos ou referendos. As cédulas devem conter os nomes e sobrenomes dos candidatos, além dos cargos aos quais eles estão concorrendo, segundo as regras complementares das eleições de janeiro. Elas devem ser impressas com tinta preta em papel branco.

Os delegados, então, devem marcar um xis do lado direito do candidato em quem desejam votar. A lei determina que a marcação seja feita em um lugar reservado, em que o eleitor possa votar de forma secreta, como explica uma cartilha elaborada pelo Conselho Eleitoral Nacional.

A apuração é feita pelo Conselho Eleitoral Municipal, que verifica quantas cédulas haviam na urna, quantas delas são votos válidos, em brancos ou anulados e, por fim, a quantidade de votos de cada candidato. No caso de referendos e plebiscitos, o eleitor também deve marcar um xis ao lado das palavras SIM ou NÃO.

Eleições na Venezuela

A Venezuela usa urnas eletrônicas em suas eleições desde 2004, com máquinas que imprimiam o comprovante dos votos. A partir de 2012, passou a adotar a identificação biométrica para liberar o funcionamento das máquinas, segundo informa o Conselho Nacional Eleitoral do país. As máquinas foram desenvolvidas pela empresa Smartmatic.

A Smartmatic foi fundada nos Estados Unidos, mas hoje tem sede no Reino Unido. A empresa trabalhou em 15 eleições venezuelanas entre 2004 e 2017. Em agosto de 2017, o CEO da companhia, Antonio Mugica, realizou uma coletiva de imprensa em que informou que a taxa de comparecimento dos eleitores anunciada pela Comissão Eleitoral nas eleições de 30 de julho daquele ano não correspondia aos números que haviam sido registrados pela empresa, com a taxa de participação tendo sido inflacionada em pelo menos um milhão de eleitores. Por isso, a companhia suspendeu suas atividades no país.

A Smartmatic também informa no seu site que nunca forneceu urnas para as eleições brasileiras. A empresa atuou no Brasil nas eleições de 2012, 2014 e 2016 fornecendo comunicação de dados em áreas remotas do país para que os votos pudessem ser transferidos ao TSE. Especificamente em 2012, ela também treinou operadores de campo e prestou serviços de manutenção e testes para urnas. A Smartmatic não forneceu urnas ou prestou outros serviços durante as eleições do Brasil de 2018.

Quantos países existem?

A ONU é composta por 193 estados-membros desde que a República do Sudão do Sul se separou do Sudão em 9 de julho de 2011, como resultado de um referendo realizado em janeiro do mesmo ano que contou com observadores internacionais.

Para que um país possa ser aceito como estado-membro da ONU, suas credenciais precisam ser recomendadas pelo Conselho de Segurança da entidade e, depois, aceitas pela Assembleia Geral, órgão que reúne todos os membros atuais. A própria ONU, porém, explica que reconhecer a existência de um país ou governo é um ato que apenas outro país pode conceder; o que, em geral, implica no estabelecimento de relações diplomáticas entre ambos. Por não ser um estado ou governo, tecnicamente a ONU não tem autoridade para reconhecer se um país existe ou não.

Hoje, o Brasil reconhece e, por sua vez, possui relação diplomática com 196 países, além de um representante junto à União Europeia. A lista inclui autoridades nacionais que não integram a Assembleia Geral da ONU, como a Palestina e o Vaticano. Igualmente, existem 197 embaixadas e consulados estrangeiros no Brasil (incluindo a representação da União Europeia).

Segurança da urna brasileira

A Justiça Eleitoral brasileira utiliza uma série de mecanismos para garantir a segurança e a confiabilidade das urnas e, consequentemente, das eleições no País. O equipamento utiliza criptografia, assinatura digital e resumo digital para garantir que somente o software criado pelo TSE possa ser usado nas urnas. A tentativa de executar qualquer outro programa bloqueia a máquina. O software oficial também não pode ser rodado em outro equipamento.

A assinatura digital também protege contra modificações os dados sobre cada candidato e eleitor, assim como o resultado da votação e os registros das operações. A urna eletrônica também não possui mecanismos que permitam conectá-la a redes de computadores, como a internet, para evitar ataques de hackers. O aparelho também registra qualquer alteração feita em seu código, para evitar tentativas de alterar o software por pessoas que tenham acesso às urnas no dia da votação.

O desenvolvimento do programa utilizado pela Justiça Eleitoral pode ser acompanhado pelos partidos políticos, pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil por meio de inspeções para verificar a sua confiabilidade. O TSE também realizou testes públicos de segurança em 2009 e 2012, nos quais ninguém conseguiu adulterar os sistemas, nem o resultado das votações.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova monitora e verifica conteúdos sobre a pandemia do novo coronavírus, eleições municipais de 2020 e políticas públicas do governo federal que podem causar desinformação nas redes sociais. É o caso do conteúdo objeto desta verificação, que reproduz uma informação falsa sobre as urnas eletrônicas para questionar a confiabilidade dos resultados das votações.

De acordo com os dados da plataforma CrowdTangle, até a data de publicação deste texto, o conteúdo somava mais de 4,4 mil interações no Facebook. O mesmo conteúdo foi verificado pela Agência Lupa, que concluiu que ele é falso.

Conteúdos semelhantes à este também viralizaram nas redes sociais às vésperas da eleição presidencial de 2018. À época, o Tribunal Superior Eleitoral concluiu se tratar de um conteúdo falso e o Estadão Verifica classificou o boato como uma mentira.

O Comprova já mostrou que o STF não decidiu que o voto impresso é inconstitucional; que as Forças Armadas não solicitaram perícia nas urnas eletrônicas; que os códigos usados no aparelho não foram entregues aos venezuelanos; que a Polícia Federal não apreendeu uma van com urnas adulteradas e que a Polícia Militar não apreendeu um carro com votos já preenchidos dentro do equipamento.

Falso para o Comprova é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2020-10-01

Estudo distorce dados para dizer que países que usaram a hidroxicloroquina tiveram 75% menos mortes pela covid-19

  • Falso
Falso
A pesquisa, anônima e manipulada, foi divulgada por um site de extrema-direita com histórico de publicação de conteúdos distorcidos
  • Conteúdo verificado: Postagem de Arthur Weintraub no Twitter mostrava o resultado de um estudo que afirmava que países que usaram a hidroxicloroquina tiveram 75% menos mortes.

Um estudo sobre o uso da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19 usa dados e informações incorretas para concluir que países que usaram a droga tiveram 75% menos mortes. Tanto a hidroxicloroquina quanto a cloroquina não possuem eficácia comprovada contra o novo coronavírus. Os dados foram compartilhados no Twitter por Arthur Weintraub, antigo assessor especial do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Para atingir os resultados, os responsáveis pelo estudo excluíram países que adotaram as medidas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como distanciamento social e o uso de máscaras. Os autores, que não se identificaram, também manipularam termos científicos e editaram o texto da pesquisa sem sinalizar aos leitores.

“A quantidade de variáveis confundidoras é tão grande que esse desenho de estudo é inadequado para abordar essa pergunta científica (se a cloroquina é eficaz como tratamento precoce). A forma adequada e com menor risco de ruído de variáveis confundidoras é fazer um estudo clínico randomizado [quando um grupo aleatório toma o remédio e outro grupo, um placebo]”, explica Letícia Kawano-Dourado, pneumologista e pesquisadora da Universidade de Paris, na França.

Como verificamos?

A publicação de Arthur Weintraub levava para um tuíte da médica Simone Gold, que havia colocado o link de uma notícia do site norte-americano de extrema-direita WND, publicação que possui histórico de notícias falsas. Ao acessar a matéria, encontramos o link do estudo que embasou a publicação.

Procuramos pelos autores no site HCQTrial.com, mas, na página de “perguntas frequentes”, eles afirmam que querem seguir anônimos. Ainda assim, enviamos uma mensagem no campo de “feedback” e não tivemos retorno.

Na sequência, procuramos no Google matérias que tivessem relação com o que foi publicado na página do estudo. Encontramos um texto de David H. Gorski, pesquisador e médico oncologista da Universidade Wayne State, nos Estados Unidos, com longas críticas ao artigo. Também encontramos a conta do Twitter do biologista Carl Bergstrom, da Universidade de Washington, nos Estados Unidos. Ele também fez críticas ao estudo.

Depois, entramos em contato com o infectologista Gerson Salvador, da USP. Ele analisou parte do estudo e nos indicou a médica Letícia Kawano-Dourado, pneumologista e pesquisadora da Universidade de Paris. As duas entrevistas foram feitas por WhatsApp.

Tentamos contato com Arthur Weintraub, mas não tivemos resposta.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 30 de setembro de 2020.

Verificação

O estudo e suas limitações

O site HCQtrial apresenta sua análise como um “estudo randomizado de países”. A proposta é comparar a mortalidade (óbitos por milhão) da covid-19 entre diferentes grupos de nações, a depender do uso de hidroxicloroquina no combate à doença. De acordo com os responsáveis, países que adotaram “amplamente” a substância como “tratamento precoce” têm taxa 73,1% menor que as nações onde o uso precoce da medicação foi limitado. Os números foram atualizados pela última vez em 27 de setembro, três dias depois da publicação de Weintraub.

“Eles não randomizaram ninguém. Randomizar é sortear um indivíduo ou um hospital, por exemplo, para receber uma intervenção. O estudo deles não sorteou ninguém, apenas analisou o que aconteceu. É um estudo observacional, com todos os vieses dos estudos observacionais”, explica Letícia Kawano-Dourado.

Os pesquisadores não detalham o que seria o tratamento precoce ou tardio, quais os protocolos utilizados por cada país nem há quanto tempo cada tipo de procedimento foi adotado. Eles excluíram países com menos de 1 milhão de habitantes e em que menos de 0,5% da população tenha mais de 80 anos. De acordo com os pesquisadores, também ficaram de fora países que adotaram rapidamente o uso de máscaras e estratégias de isolamento, afirmando que nesses casos “há baixa dispersão do vírus no momento”.

O Brasil, por exemplo, não foi considerado na análise, apesar de ser o 2º com mais mortes por covid-19 e estar entre os cinco países onde há mais óbitos por milhão de habitantes. O HCQtrial justifica a exclusão pelo “uso muito variado” da hidroxicloroquina durante o surto no país. Desde maio, o governo brasileiro permite a administração de cloroquina para o tratamento de casos leves da doença.

O médico David H. Gorski, que analisa pesquisas “pseudocientíficas” há cerca de 20 anos, e o biologista Carl Bergstrom, da Universidade de Washington (EUA), são alguns dos especialistas que criticam severamente o artigo do HCQtrial.

De acordo com ambos, o problema começa já na caracterização da análise. Gorski explica o funcionamento dos estudos randomizados: “Por exemplo, se você quiser determinar se a droga X pode servir de tratamento para a condição Z, a forma clássica seria aleatoriamente escolher indivíduos com essa condição para receber ou a droga X ou um placebo [grupo de controle]. Idealmente, o estudo seria duplamente cego: nem os voluntários nem os pesquisadores saberiam quem está recebendo o quê”. O médico ressalta ainda que, nesse tipo de teste, os participantes aderem ao estudo antes de o tratamento ser administrado e que existe um esforço para manter o mesmo tamanho e características entre os dois grupos que serão analisados.

“Nenhuma dessas características se aplica ao estudo do HCQTrial”, explica Gorski. “Não há como alguém ‘randomizar’ países para usar ou não determinada substância. Não faz sentido.”

Bergstrom acrescenta que a caracterização de “estudo randomizado de países” parece ter sido inventada para essa pesquisa específica, “feita para confundir”.

Gorski acrescenta: “Se você não sabe nada sobre epidemiologia, essa caracterização pode soar razoável e te levar a concordar com a conclusão”. Ele ressalta ainda que a análise não considera sequer os diferentes usos da substância em um mesmo país.

Gorski e Bergstrom também constataram que o texto do artigo muda com frequência, sem sinalizar as edições aos leitores. Por exemplo, em determinado momento, o HCQTrial afirmou que cerca de 2,7 bilhões de pessoas fazem parte do grupo de tratamento. Até a publicação deste texto, a amostra foi reduzida e está em 1,8 bilhão.

A nomenclatura dá a entender que 1,8 bilhão é a quantidade de pessoas sujeitas ao uso da cloroquina contra a covid-19, quando, na verdade, é a população somada dos países onde a substância é aceita amplamente como tratamento precoce. Não há indicação de quantas pessoas efetivamente usaram o medicamento em nenhum dos dois grupos analisados.

Autores anônimos

Não é possível saber quem está por trás dos sites C19Study.com, C19HCQ.com e HCQTrial.com, que compõem o grupo verificado. Na página “perguntas frequentes”, a explicação seria um possível medo de retaliação.

“Somos pesquisadores PhDs, cientistas e pessoas que esperam dar uma contribuição, mesmo que pequena. (…)Temos pouco interesse em aumentar nossas listas de publicações, estar no noticiário ou na TV (já fizemos todas essas coisas antes, mas sentimos que há coisas mais importantes na vida agora)”, informa a página citando possíveis casos de ameaças a Didier Raoult e Simone Gold, médicos defensores do uso da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19.

Didier Raoult foi responsável por publicar em março um estudo afirmando que o uso da cloroquina teria curado 75% dos pacientes com covid-19 em seis dias. A pesquisa foi alvo de críticas da revista Science, referência em estudos científicos, e seus resultados foram questionados e considerados incompletos.

Simone Gold é uma médica norte-americana. Em suas redes sociais, ela costuma postar diversas matérias em defesa da hidroxicloroquina. Algumas delas possuem alerta de conteúdo falso pelo Instagram.

A postagem de Arthur Weintraub teve como base um tuíte de Simone Gold, que continha um link que levava para uma matéria sobre o site HCQTrial. Tentamos contato com o ex-assessor especial de Jair Bolsonaro (sem partido), mas não obtivemos respostas.

“Alguém trabalhou muito nesse falso relatório, e é alguém que não quer ser identificado. Não apenas não há autores ou entidades listadas, como a informação sobre o registro do site estão protegidos. Isso – junto com a análise terrivelmente enganada – deveria ser uma enorme bandeira vermelha”, criticou o biologista Carl Bergstrom.

O grupo responsável pelo site HCQTrial.com mantém uma conta no Twitter com pouco mais de 3 mil seguidores, também sem identificação alguma sobre seus autores. Na página, costumam publicar textos defendendo a hidroxicloroquina.

O infectologista Gerson Salvador aponta a ausência de informação dos autores como um dos problemas presentes no site. “Salta aos olhos quatro coisas: 1) não haver descrição da metodologia; 2) não haver exposição de quem são os investigadores; 3) não haver menção de submissão a comitê de ética; 4) o produto estar publicado no próprio site do projeto ao invés de uma plataforma científica”, afirma.

Cloroquina e hidroxicloroquina

A ideia de que a cloroquina e a hidroxicloroquina pudessem ser prescritas para pacientes infectados pelo novo coronavírus surgiu por causa de uma pesquisa de 2005, que indicava efeitos positivos contra outros tipos de coronavírus em laboratório. Mas os testes em humanos nunca aconteceram.

Em junho, a Organização Mundial da Saúde suspendeu em definitivo os testes com as duas drogas. Os testes feitos pela entidade mostraram que as substâncias não reduzem a mortalidade em pacientes internados com a doença.

Estudos realizados de acordo com o padrão ouro para pesquisa com medicamentos — que exige testes com grupos de controle e o uso de placebos — publicados no Journal of the American Medical Association (Jama) e no British Medical Journal (BMJ) apontaram que pacientes tratados com cloroquina e hidroxicloroquina não tiveram melhores resultados que aqueles que não receberam os mesmos remédios. Uma pesquisa realizada em 55 hospitais brasileiros e publicada no New England Journal of Medicine (NEJM) chegou às mesmas conclusões.

Cloroquina no Brasil

O uso da cloroquina e da hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19 é amplamente defendido pelo presidente Jair Bolsonaro. Mesmo as drogas não tendo comprovação científica, em março, ele ordenou que o Laboratório do Exército produzisse os medicamentos.

A pressão para que as substâncias fossem adotadas custou o cargo de dois ministros da Saúde: Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. Desde que assumiu a função interinamente, Eduardo Pazuello alterou o protocolo do Ministério da Saúde e ampliou a possibilidade do uso dos medicamentos para pacientes com sintomas leves – até então, eram recomendados apenas em casos graves e com monitoramento em hospitais.

Agora efetivado como novo ministro da Saúde, Pazuello planeja um “Dia D” de enfrentamento da covid-19, em 3 de outubro. De acordo com o Estadão, a pasta planeja uma série de ações, entre elas, turbinar a distribuição de medicamentos do “kit covid-19”, que reúne além da cloroquina e da hidroxicloroquina, a azitromicina e ivermectina. Essas duas também não possuem eficácia comprovada no combate à doença.

Por que investigamos?

A terceira fase do Comprova verifica postagens suspeitas envolvendo a pandemia da covid-19 e políticas públicas do governo federal. A publicação de Arthur Weintraub no Twitter teve, até o fechamento deste texto, 7,5 mil interações, entre curtidas, compartilhamentos e comentários.

Postagens como essa são perigosas porque alimentam a esperança da população em um remédio que não tem eficácia comprovada no tratamento de uma doença que não tem cura e já matou mais de 1 milhão de pessoas no mundo e mais de 143 mil no Brasil. Além disso, a hidroxicloroquina possui efeitos colaterais, que podem ser prejudiciais sem um acompanhamento médico.

O Comprova já verificou outros conteúdos envolvendo estudos sobre a hidroxicloroquina. Mostramos que um artigo belga não comprovava a eficácia da droga no tratamento precoce da covid-19, assim como pesquisadores de um estudo italiano não propunham o uso da hidroxicloroquina no tratamento da doença.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Política

Investigado por: 2020-10-01

Postagem acusa sem provas MST de ter relação com as queimadas na Amazônia e no Pantanal

  • Falso
Falso
Texto com afirmações sem base tem como origem a página de Facebook de um general da reserva do Exército que afirma desconhecer a fonte do conteúdo
  • Conteúdo verificado: Post com conteúdo atribuído a general e publicado em página de apoio ao vice-presidente Hamilton Mourão afirma que a Polícia Federal investiga MST e João Pedro Stédile por conexão com incêndios no Pantanal.

É falso um texto disseminado via redes sociais segundo o qual João Pedro Stédile, um dos fundadores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), teria relação com incêndios no Pantanal. A postagem afirma que a Polícia Federal (PF) investiga, além do MST, ONGs pela autoria de queimadas. A PF não comenta casos em andamento, mas informou que todas suas operações deflagradas envolvendo casos recentes na Amazônia e no Pantanal estão no site oficial da entidade. Em consulta ao site, o Comprova não encontrou menções ao MST ou a Stédile no que diz respeito aos incêndios nesses dois biomas.

O post menciona, ainda, que há detidos na Amazônia, e que ONGs e tribos indígenas teriam envolvimento em possíveis crimes ambientais. Essas informações também não são verdadeiras. A peça também pontua que Stédile vive na Venezuela, o que não é verdade, e classifica o líder do movimento como terrorista – acusação imprópria juridicamente neste caso, conforme especialista.

A autoria do material é atribuída a um general da reserva do Exército. Ao Comprova, ele confirmou que postou o conteúdo no Facebook após receber pelo WhatsApp, mas não sabe sua origem. “Compartilhei como recebi. Não sei qual é a fonte”, disse ele. A página que divulgou o material verificado aqui foi acionada pelo Comprova, mas não retornou o contato.

Como verificamos?

Recorremos ao Google para mapear possíveis acusações ambientais contra o MST ou João Pedro Stédile, bem como encontrar reportagens sobre tais questões para auxiliar na apuração. Serviram de apoio a esta checagem, ainda, verificações prévias das agências Lupa e Boatos.org sobre o assunto — ambas apontando que o conteúdo não é verdadeiro.

Contatamos também a assessoria da Polícia Federal via e-mail questionando sobre investigações de incêndios na Amazônia e no Pantanal, além de possíveis inquéritos envolvendo MST e seu integrante fundador. Para complementar, acionamos um especialista em Direito para compreender se é pertinente considerar Stédile terrorista do ponto de vista legal. Quem nos trouxe esclarecimentos foi o professor de Processo Penal da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Matheus Felipe de Castro.

Durante o processo, localizamos o militar da reserva apontado como autor do texto, general Paulo Chagas, e pedimos esclarecimentos via Facebook à página que divulgou as informações.

Verificação

De onde vem?

Em 28 de setembro, a página “General Mourão – Eu Apoio” fez uma publicação com o título: “Polícia Federal na cola de João Pedro Stédile do MST”. Nela, o texto é acompanhado por uma montagem que traz o rosto do economista à frente do Movimento Sem Terra com aplicações de desenho que aludem a chamas. O conteúdo é atribuído ao general da reserva Paulo Chagas, que realmente divulgou o material no mesmo dia, pela manhã, às 9h02.

Contatado via WhatsApp pelo Comprova para saber a origem do que está escrito, o militar retornou dizendo que apenas compartilhou. “Não sei qual é a fonte. Recebi em um grupo de Zap e compartilhei no FB”, afirmou o general.

A possível origem das acusações contra o integrante da direção do MST é uma peça anterior que o acusava de ter declarado que o movimento estaria disposto a “incendiar o Brasil para derrubar Bolsonaro”. Em 21 de setembro, a Agência Lupa mostrou que a frase não foi encontrada em nenhuma entrevista concedida por Stédile, nas redes sociais do MST ou no site oficial do movimento.

O mesmo tema foi objeto de análise do Boatos.org, que destacou que a mensagem se baseia em uma informação sem comprovação: a de que o MST seria responsável pelos incêndios no Pantanal.

O mesmo texto da publicação analisada, sobre a suposta participação do líder do MST nos incêndios, também apareceu seis dias antes, em 22 de setembro, em um blog e, um dia depois, em 23 de setembro, em uma série de postagens no Twitter, com link para um grupo fechado de Facebook chamado “Grupo Elas e Eles com Bolsonaro”.

Investigações

A postagem verificada aqui destaca que “a Polícia Federal está investigando os incêndios criminosos que estão acontecendo no Pantanal, segundo superintendente da PF, há fortes indícios de que o MST e ONGs ligadas ao terrorista João Pedro Stédile estejam agindo ilegalmente, devemos ressaltar que Stédile já fez graves ameaças no sentido de ‘incendiar o Brasil’ caso Bolsonaro vencesse as eleições.” Porém, não há fontes dessas afirmações.

Questionada pelo Comprova via e-mail, a PF respondeu, por meio de sua assessoria, que tem deflagrado diversas operações para combater crimes ambientais, tanto na Amazônia quanto no Pantanal e que “todas elas foram divulgadas amplamente para toda a imprensa”.

Em busca no site do órgão, responsável por investigações de possíveis crimes ambientais, o Comprova não encontrou citações a Stédile ou ao MST nos links que tratam de operações deflagradas a respeito de incêndios no Pantanal e na Amazônia.

A única menção a investigações sobre incêndios no Pantanal no site da PF é uma nota sobre a Operação Matáá, deflagrada em 14 de setembro nas cidades de Corumbá e Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. O texto aponta que a investigação identificou o início e a evolução diária dos focos de queimada na região por meio de imagens de satélite e sobrevoos. A nota diz que foram cumpridos 10 mandados de busca e apreensão, mas não divulga os nomes dos investigados.

Segundo reportagem do portal G1 de 24 de setembro, os incêndios “começaram em quatro fazendas de grande porte em Corumbá (MS)”, conforme a investigação da PF. Ainda de acordo com a matéria, “a suspeita é que produtores rurais tenham colocado fogo na vegetação para transformação em área de pastagem”.

Sobre investigações de incêndios na Amazônia, a notícia mais recente no site da PF é de outubro de 2019 e versa sobre cumprimento de mandados para “colher novas provas em investigação que apura associação criminosa suspeita de praticar crimes ambientais em reservas e Unidades de Conservação Federais na Amazônia.”

O The Intercept, em reportagem de novembro de 2019, apontou que entre os suspeitos pelo ‘Dia do Fogo’ na Amazônia “não há nenhuma organização não-governamental”. Também não há material que indique culpa de populações indígenas.

Stédile terrorista?

A postagem verificada aqui também classifica João Pedro Stédile como “terrorista” ao culpá-lo por queimadas no Pantanal. O Comprova consultou o professor de Processo Penal no curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Matheus Felipe de Castro para saber se o fundador do MST poderia ser considerado terrorista segundo a lei brasileira.

O professor apontou que a chamada Lei Antiterrorismo (Lei 13.260/2016, artigo 2º) define o que é considerado terrorismo no país, como a prática de atos “por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião”. Essa mesma lei diz, no entanto, que isso “não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais”, entre outros.

Para o advogado, seria impróprio pela tipificação penal brasileira chamar o líder de um movimento social de terrorista mesmo se houvesse suspeita de um incêndio, por exemplo, já que este crime possui outra legislação específica.

“Não estou dizendo que um movimento social não poderia começar a praticar o terrorismo, mas você precisaria ter totalmente caracterizado o ato de terrorismo, com razões de xenofobia, discriminação, preconceito de raça, cor, etnia e religião. E nenhuma dessas razões é mencionada naquele artigo (objeto desta verificação). Ele simplesmente diz que a Polícia Federal o investiga [a Stédile] por incêndio no Pantanal e já o chama de terrorista. Só como está colocado ali, é uma utilização indevida e sensacionalista, que não está baseada na legislação” afirmou, em entrevista por telefone.

Na Câmara e no Senado existem projetos de lei que tentam incluir movimentos sociais entre os grupos enquadrados na Lei Antiterrorismo, mas nenhum deles já foi, ou está em vias de ser, aprovado. As situações dos projetos foram consultadas no site das duas Casas.

O Comprova ainda enviou e-mail à PF perguntando se havia investigações contra João Pedro Stédile e se alguma poderia ser tipificada como terrorismo. A PF respondeu que “não se manifesta sobre nomes de investigados, tampouco sobre eventuais investigações em andamento”.

Também checamos o Banco Nacional de Mandados de Prisão, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e o banco de procurados da Interpol e não há qualquer menção ao nome do líder do MST.

Stédile mora na Venezuela?

A assessoria de comunicação do MST informou ao Comprova por mensagem no WhatsApp que Stédile não mora na Venezuela, como pontua o material verificado, mas sim no Brasil. Também reafirmou que ele não ameaçou “incendiar o Brasil” em caso de vitória de Bolsonaro.

Stédile também aparece como membro em situação regular de filiação ao Partido dos Trabalhadores (PT) em Cachoeirinha (RS).

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica postagens suspeitas que tenham viralizado nas redes sociais que tenham ligação com políticas públicas do governo federal ou com a pandemia do novo coronavírus. É o caso do post verificado aqui.

O Brasil padece de uma série de problemas ambientais, principalmente em decorrência das queimadas que consomem a Amazônia e o Pantanal. Segundo matéria da Folha de S.Paulo, os 14 dias de setembro deste ano já registraram mais focos de incêndio na floresta amazônica do que em todo o mesmo mês no ano passado. Já o Pantanal — apontado como maior planície alagada do Planeta e com um bioma que cobre Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bolívia e Paraguai — é vítima de um dos maiores incêndios da história.

O post divulgado pela página “General Mourão – Eu Apoio” teve mais de 2,5 mil interações no Facebook até 30 de setembro.

O Comprova já verificou outros conteúdos relacionados às queimadas na Amazônia e no Pantanal. Entre eles, um vídeo lançado pela Associação de Criadores do Pará afirma que a Amazônia não está queimando, que o Brasil é o país que mais preserva áreas nativas do mundo, outro sobre publicações nas redes sociais dizendo que indígenas prenderam em flagrante membros de ONGs que seriam incendiários e uma filmagem mostra brigadistas usando técnica de fogo controlado sugerindo que seriam os próprios combatentes responsáveis por incêndios.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Política

Investigado por: 2020-09-30

Vacinas contra a covid-19 não serão capazes de provocar danos genéticos nem vão monitorar a população

  • Falso
Falso
Ao contrário do que afirma vídeo publicado no YouTube, as vacinas mRNA são desenvolvidas para não interferir no DNA humano e não são capazes de provocar danos genéticos. Além disso, essas vacinas nada têm a ver com a instalação de microchips ou com controle social
  • Conteúdo verificado: Vídeo publicado no YouTube alega que vacinas contra o novo coronavírus poderão causar danos genéticos irreversíveis e conterão nanopartículas de controle social, que vão permitir o monitoramento de quem for imunizado.

São falsas as alegações sobre as vacinas contra o novo coronavírus feitas em um vídeo que circula na internet. No material, um homem alega que a imunização que usa a técnica mRNA seria capaz de causar defeitos genéticos irreversíveis – o que não é verdade. As vacinas desse tipo são desenvolvidas para não interferir no DNA humano e não são capazes de provocar danos genéticos, segundo Cristina Bonorino, professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI), ouvida pelo Comprova.

No vídeo, o autor também afirma que nanopartículas serão instaladas nas doses da vacina, com capacidade de monitorar quem for imunizado, sugerindo a participação de Bill Gates. Isso também não é verdade. Uma das vacinas em desenvolvimento contra a covid-19 é a INO-4800, da empresa Inovio, que recebeu uma doação da Fundação Bill & Melinda Gates, e usa uma tecnologia chamada de eletroporação para aumentar a permeabilidade da membrana das células – e nada tem a ver com a instalação de microchips ou com controle social.

Tentamos entrar em contato com o autor do vídeo, mas não recebemos retorno até a publicação deste texto.

Como verificamos?

Primeiramente, para entender melhor as alegações sobre as vacinas, buscamos conteúdos publicados na imprensa sobre os modelos atualmente em desenvolvimento no mundo, e recuperamos uma entrevista que já havia sido feita pelo Comprova sobre o tema, com uma consultora científica da Sociedade Brasileira de Imunologia. Buscamos também informações nos sites oficiais da Fundação Bill & Melinda Gates, do Centers for Disease Control (CDC) e de empresas farmacêuticas envolvidas na produção de vacinas.

Depois, para confirmar quem é o autor do vídeo, Claudio Lessa, acessamos, além de reportagens encontradas por meio do Google, informações sobre ele em suas redes sociais, no Portal da Transparência da Câmara dos Deputados, já que ele afirma ser servidor concursado do Legislativo, e em um processo contra ele por meio do site do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, ao qual fomos direcionados por uma reportagem de junho deste ano. Por Twitter e Facebook, tentamos contato com ele, sem retorno.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 30 de setembro de 2020.

Verificação

Vacinas mRNA

Entre as 40 vacinas contra o novo coronavírus que estão em fase de ensaios clínicos, segundo a Organização Mundial da Saúde, cinco utilizam o mRNA. São elas: Moderna, BionTech (desenvolvida em parceria com a Pfizer), Curevac, Arcturus e People’s Liberation Army (PLA) Academy of Military Sciences/Walvax Biotech. Entre as 151 candidatas em avaliação pré-clínica, 15 se valem dessa técnica.

Normalmente, essas vacinas usam o vírus desativado ou pedaços de proteínas do vírus para provocar uma resposta imune no organismo. As vacinas de mRNA têm pedaços do código genético do vírus, o RNA. Esse material é introduzido nas células do paciente dentro de lipossomos – pequenas bolhas de gordura – e faz com que o próprio corpo humano passe a produzir essas proteínas do vírus.

Ao contrário do que Lessa afirma no vídeo, elas são desenvolvidas para não interferir no DNA humano e são incapazes de causar danos genéticos. Em entrevista ao Comprova, em agosto, Cristina Bonorino, professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia, explicou que, “biologicamente, não tem evidência nenhuma disso [da possibilidade de que sejam causados danos genéticos]. No caso das vacinas de mRNA, tudo é transparente, tudo é publicado. Os dados estão aí para serem analisados”.

A técnica, moderna, realmente nunca foi utilizada em uma vacina aprovada para uso em humanos, mas o método já é conhecido há décadas e vinha sendo aprimorado mesmo antes dos primeiros casos da covid-19. “Já fazia muito tempo que essa discussão estava em andamento para liberar essas vacinas porque tem evidência robusta de que ela funciona e ela não tem efeitos adversos graves”, afirmou ainda a professora da UFSCPA.

Anthony Fauci

Lessa afirma que a vacina é “desenvolvida e endossada” pelo infectologista Anthony Fauci, considerado o principal especialista em doenças infecciosas dos Estados Unidos. É verdade que Fauci endossa, ou seja, defende, a criação de uma imunização. Porém, Lessa não explica direito o envolvimento de Fauci na produção da vacina. O especialista é diretor do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), órgão norte-americano que tem, entre suas funções, a de garantir a segurança das vacinas no país. Ou seja, ele tem o poder para permitir ou barrar uma vacina, mas não participa de seu desenvolvimento diretamente. Quem as produz são empresas do ramo farmacêutico. Neste momento, há duas em teste no país.

Fauci ficou conhecido mundialmente por ser um dos membros da força-tarefa da pandemia na Casa Branca e se tornou alvo de aliados de Donald Trump por ter contrariado o presidente ao não defender o uso da hidroxicloroquina e ao propor medidas de isolamento mais fortes, afetando a economia.

Bill Gates

Outra figura que Lessa ataca no vídeo é Bill Gates. Na terceira e última vez em que cita o magnata, diz: “Bill Gates deve ter orgasmos múltiplos só de pensar numa possibilidade dessas [controlar os dados dos imunizados], além de promover a drástica redução da população mundial, como é o desejo dele, coisa que ele já declarou publicamente”.

O empresário norte-americano é alvo de apoiadores de Trump há algum tempo, o que se intensificou na pandemia. Lessa engana ao afirmar que o fundador da Microsoft deseja um extermínio. O jornalista distorce afirmações de Gates na Conferência de Segurança, em Munique, em 2017. À época, o empresário disse que o mundo precisava se preparar para uma pandemia: “Os epidemiologistas dizem que uma doença transmitida pelo ar que se propaga rapidamente pode matar 30 milhões de pessoas em menos de um ano”.

Lessa também erra ao afirmar que Bill Gates financia uma vacina que usa o mRNA e que vai controlar os dados de quem a tomar. Em março, a Fundação Bill & Melinda Gates investiu US$ 5 milhões na empresa de biotecnologia norte-americana Inovio Pharmaceuticals, que está testando a INO-4800. Diferentemente das vacinas que usam o mRNA, a da Inovio é “focada na injeção direta de DNA cultivado por cientistas (o coronavírus só tem RNA, então cientistas precisam cultivar o DNA com a ajuda de estruturas bacterianas chamadas plasmídeos) para o interior das nossas células para que elas produzam anticorpos para combater a infecção”, segundo explica reportagem da BBC.

Ela usa uma tecnologia conhecida como eletroporação, que aumenta a permeabilidade da membrana da célula por meio de impulsos elétricos no músculo após a injeção.

A fundação também investiu US$ 150 milhões no Serum Institute of India, maior fabricante mundial de vacinas. Ele trabalha em parceria com a britânica SpyBiotech no desenvolvimento de uma vacina que usa partículas semelhantes ao vírus, as VLPs, na sigla em inglês (Virus Like Particles).

Ou seja, novamente, o que Lessa faz é disseminar desinformação, já que nenhuma das vacinas financiadas por Bill Gates usa partículas que causarão danos ao nosso organismo ou controlarão nossos dados. Em março, questionado em seu blog sobre quais mudanças teremos que fazer para manter a economia com distanciamento social, Gates respondeu que, “eventualmente, nós teremos alguns certificados digitais para mostrar quem se recuperou ou foi recentemente testado ou, quando houver uma vacina, quem a recebeu”. Ou seja, ele não falou sobre usar a vacina como forma de controle social.

O nome do magnata é tão envolvido em teorias da conspiração que o site da Fundação Bill & Melinda Gates até inclui a pergunta “A fundação ou Bill Gates está planejando implantar microchips para rastrear quem se vacinar?” em sua página. Como resposta, informa que isso é falso e encaminha o leitor para uma verificação feita pela agência Reuters.

O autor do vídeo

O homem que aparece no vídeo é Claudio Lessa. Em seu canal no YouTube, que tem mais de 200 mil inscritos, ele afirma que é jornalista, tendo trabalhado para diversos veículos em Brasília até o início dos anos 2000, quando foi aprovado em um concurso para a Câmara dos Deputados. Lessa foi diretor da TV Câmara durante a gestão de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à frente da Casa, por indicação do político, mas foi demitido do cargo em 2016, pelo presidente interino Waldir Maranhão (PP-MA), após transmitir, na íntegra, uma entrevista dada por Cunha quando ele já havia sido afastado do cargo e estava impedido, por decisão do STF, de exercer o mandato. A assessoria da Câmara e de Maranhão negaram, na época, que o motivo da demissão do cargo tivesse sido a veiculação do conteúdo.

Em uma reclamação datada de 17 de março de 2016, “em razão de graves irregularidades ocorridas no serviço de comunicação social desta Câmara dos Deputados”, a deputada federal Erika Kokay (PT-DF) escreve que “Lessa tem adotado atitudes infringentes e desconexas com o ordenamento constitucional e legal vigentes, que assegura a liberdade de expressão e de manifestação de todas as pessoas”.

Atualmente, Lessa consta como funcionário do quadro efetivo da Câmara, no cargo de analista legislativo. Ele começou a atuar como servidor em 2004 e tem uma remuneração bruta mensal de mais de R$ 34 mil.

Neste ano, Lessa foi alvo de uma ação civil do governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), para a retirada do ar de conteúdos considerados difamatórios e falsos sobre a família do governador e o uso de hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19. No dia 9 de junho, o juízo da 7ª Vara Cível de Vitória concedeu uma liminar ao governador, exigindo que Lessa, o Facebook e o Instagram removessem os vídeos das redes sociais. O processo (n. 0008977-12.2020.8.08.0024), que também pede indenização de R$ 8 mil por danos morais, ainda está em andamento, mas, até a publicação desta checagem, os vídeos que deveriam ter sido retirados do ar ainda estavam disponíveis.

Além do canal no YouTube, Lessa também publica vídeos diários comentando assuntos do momento, na plataforma Vimeo e, no formato podcast, no site Spreaker.com. Ele também mantém um perfil no Twitter e uma página no Facebook, onde, basicamente, republica os links para acesso aos vídeos.

O Comprova tentou entrar em contato com Lessa, pelo Facebook e Twitter, mas ele não respondeu até o fechamento deste texto.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova investiga conteúdos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia. Conteúdos que trazem desinformação relacionada à covid-19, como o verificado aqui, são ainda mais perigosos pois colocam a saúde da população em risco e podem custar vidas.

Uma vacina é a forma mais eficiente de imunizar a população e esforços estão sendo feitos em todo planeta para chegar a essa solução. O vídeo em questão, que teve 180.585 visualizações no YouTube até 30 de setembro, gera medo e desconfiança e pode levar pessoas a decidirem não se vacinar quando a proteção estiver disponível para os brasileiros. O mesmo conteúdo foi publicado pelo site Jornal da Cidade Online, e foi compartilhado no Facebook mais de 56,2 mil vezes. Após ser informado pela Agência Lupa, que também verificou o material, o site fez uma errata – mas manteve o vídeo no ar.

Publicações que tentam desacreditar a importância da vacina já foram verificadas pelo Comprova, como o texto que afirmava que a proteção causa danos irreversíveis ao DNA, o tuíte sobre as vacinas usarem células de fetos abortados e uma teoria conspiratória segundo a qual a proteção teria um microchip para rastrear a população.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Política

Investigado por: 2020-09-30

Demarcação de terra indígena em Roraima não tem relação com alta do preço do arroz

  • Enganoso
Enganoso
Vídeo atribui inflação do arroz à Terra Indígena Raposa Serra do Sol, mas desconsidera fatos básicos a respeito da produção de grãos no Brasil
  • Conteúdo verificado: Vídeo que relaciona a alta do preço do arroz verificado ao longo deste ano no Brasil com a demarcação e homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, realizadas na década passada.

É enganoso o conteúdo do vídeo que relaciona a alta no preço do arroz ocorrida neste ano com a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, localizada em Roraima.

A terra indígena foi identificada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) em 1993, demarcada ainda no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e homologada em 2005 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Corroborada por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), a demarcação promoveu a expulsão dos arrozeiros da região e a queda da produção do grão em Roraima, como alegam as imagens. O vídeo, no entanto, não leva em conta que o arroz produzido em Roraima representou apenas 0,79% da safra brasileira, na média dos últimos 20 anos – ou seja, desde antes da homologação; e desconsidera que agricultores têm preferido investir na soja, devido à maior rentabilidade.

A própria Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), fonte dos dados utilizados nos gráficos apresentados, destacou que a alta acumulada de 19,25% no preço do arroz desde o início do ano é resultado de seis fatores, entre eles a alta do dólar, a maior exportação e a pandemia da covid-19.

Diretor de assuntos internacionais da Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz), Mário Eduardo Figueira Pegorer esclareceu que a produção de Roraima já foi mais expressiva, mas que “ela não tem nada a ver com a alta do preço do arroz neste ano”. “Se tem um culpado, é o novo coronavírus”, diz.

Como verificamos?

O primeiro passo foi verificar as informações divulgadas sobre a produção de arroz em Roraima. Como os dados eram creditados à Conab, entramos no site da companhia. Nele, é possível encontrar a série histórica das safras de arroz, desde 1976, tanto por área plantada quanto por produção.

Depois, fizemos o levantamento de qual o aumento do preço do arroz em 2020 no Brasil e a que essa alta é atribuída. Para isso, usamos os levantamentos mensais do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e reportagens feitas por A Gazeta, pelo Jornal CORREIO, pelo G1 e pelo Fantástico.

Também buscamos informações sobre a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, por meio do portal Terras Indígenas do Brasil, do Instituto Socioambiental (ISA). Nele, há informações sobre a demarcação de terras indígenas e notícias relacionadas. Nessa última página, uma matéria do Conselho Indigenista Missionário traz os números da petição e da portaria relacionadas à Raposa Serra do Sol e uma reportagem especial do Estadão.

Para analisar as informações encontradas e as divulgadas feitas por meio do vídeo investigado, entrevistamos ainda um especialista da Abiarroz. Também questionamos, por e-mail, a própria Conab sobre o cenário nacional; e acionamos o Governo de Roraima, que deu detalhes sobre a produção de arroz e a agricultura no estado.

Verificação

Por que o arroz aumentou?

De acordo com as informações mais recentes do IBGE, divulgadas no dia 9 de setembro e referentes ao mês e agosto, o preço médio do arroz subiu 19,25% desde o início deste ano. Consequentemente, diversos veículos de comunicação, como o G1, A Gazeta, CORREIO e o Fantástico, fizeram matérias repercutindo a alta e explicando os fatores que a motivaram. Entre eles estão:

  • Valorização do dólar frente ao real, que encareceu insumos agrícolas, deixou o arroz brasileiro mais barato para o mercado internacional e tornou mais vantajosa a exportação do grão;
  • Período de entressafra do arroz, que acontece no segundo semestre de cada ano;
  • Aumento da demanda por causa da pandemia do novo coronavírus.

Além desses três motivos, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), procurada pelo Comprova, também citou:

  • Patamares elevados do preço internacional antes da crise da covid-19;
  • Menor disponibilidade de importação de arroz dos parceiros do Mercosul;
  • Redução da área de arroz no Brasil nas últimas duas safras, como consequência do resultado das baixas rentabilidades identificadas nos últimos anos.

Diretor de assuntos internacionais da Associação Brasileira das Indústrias de Arroz (Abiarroz), Mário Eduardo Figueira Pegorer explicou a dinâmica do mercado. “Em termos de preço internacional, o arroz não teve uma variação muito grande. Porém, a tendência é o preço do arroz no Brasil ir para a cotação média internacional. Como houve uma desvalorização muito forte do real bem no início da nossa safra, houve essa alta expressiva aqui”, esclareceu.

A demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol

Diferentemente do que sugere o vídeo, a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol não é resultado de uma “canetada do governo Lula” – mas, sim, de um processo judicial que durou anos no Supremo Tribunal Federal (STF) e que teve como origem a portaria 820 do Ministério da Justiça, em 1998. A judicialização do caso aconteceu no ano seguinte, 1999, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso.

Somente em 2005 o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um decreto que homologava de forma contínua o território da terra indígena, atendendo a uma demanda dos próprios índios da região. A portaria 534/2005 alterava a anterior, de 1998. Dois anos depois, o STF determinou a saída dos outros povos, incluindo os rizicultores – produtores de arroz -, que pediam que fosse esperado o período da colheita.

Após a safra, os produtores de arroz permaneceram no local e o Instituto Nacional de–Colonização e Reforma Agrária (Incra) deu início ao reassentamento. Líder dos arrozeiros e então prefeito do município de Pacaraima (RR), Paulo César Quartiero acabou preso pela Polícia Federal, após um atentado contra indígenas, ocorrido em maio de 2008.

Em março de 2009, o STF encerrou o julgamento da petição 3388, que questionava a demarcação da Raposa Serra do Sol, e a manteve contínua. Relator do caso, o ministro Ayres Britto declarou no voto que “a presença dos arrozeiros subtrai dos índios extensas áreas de solo fértil, imprescindíveis às suas atividades produtivas, impede o acesso das comunidades indígenas aos rios Surumu e Tacutu e degrada os recursos ambientais”.

No mesmo julgamento, o STF também decidiu que os produtores deveriam sair imediatamente da região. O ministro Gilmar Mendes foi um dos que votou a favor desta retirada: “Uma vez reconhecida a ilegalidade da ocupação deles, acho que não se justifica qualquer prazo para que eles continuem produzindo ilegalmente dentro da terra indígena e causando danos às comunidades”.

Atualmente, a Terra Indígena Raposa Serra do Sol abriga mais de 26 mil índios de cinco povos, conforme levantamento feito neste ano pelo Instituto Socioambiental (ISA). O território tem 1.747.000 hectares e fica dentro da Amazônia Legal. No extremo norte de Roraima, ela faz parte de três municípios: Normandia, Pacaraima e Uiramutã.

O impacto na produção de arroz de Roraima

Por causa da demarcação e homologação da terra indígena, o vídeo afirma que “os arrozeiros viram as áreas plantadas encolherem pela metade” – o que não é verdade. De acordo com dados históricos da Conab, havia 25.500 hectares de plantação em 2005. Essa área só chegou à metade entre 2015 e 2016, mais de cinco anos após a retirada dos produtores da região.

No que diz respeito à produção em si, houve três reduções significativas. A primeira aconteceu entre as safras de 2004/05 e 2006/07; e a segunda na de 2008/09. “Eu me lembro que, na época, havia alguns projetos de expansão e produtores foram afetados. Esses pontos de queda podem ser em virtude da Raposa Serra do Sol”, explicou Mário Pegorer, da Abiarroz.

 

A preferência pela soja

Desde 2001, a menor produção de arroz aconteceu na safra de 2015/16. Nesse período, a produção de soja em Roraima apresentou o quinto crescimento consecutivo, superando a do arroz em 19 mil toneladas. Essa mudança do cenário agrícola no estado é mencionada pelo vídeo, mas também é atribuída – equivocadamente – à demarcação da terra indígena.

“Esse ponto de inflexão e esse preterimento do arroz está acontecendo em várias regiões, porque a soja tem um atrativo muito forte. A remuneração é melhor, os preços são maiores. Então, os produtores optam por ela”, explicou Mário Pegorer, da Abiarroz. Segundo a Conab, a nível de produtor, o preço da saca (60 kg) do arroz era R$ 66 e da soja, R$ 112 no último mês de agosto, em Roraima.

“Em 2020, a soja teve um salto de área de 50 milhões de hectares, mais que dobrou”, afirmou o governo de Roraima, por meio de nota. De acordo com a Secretaria Estadual de Planejamento e Desenvolvimento, esse investimento na soja é um dos principais fatores que contribuíram para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do estado.

Qual a importância diante da produção e do consumo nacionais?

Na média dos últimos 20 anos, a produção de arroz de Roraima representou apenas 0,79% de toda a produção brasileira. Nesse período, a maior representatividade aconteceu na safra de 2007/08 – após a homologação da terra indigena, mas com a questão ainda judicializada -, quando chegou a 1,05% da nacional, com 127 mil toneladas produzidas. Em termos absolutos, a maior safra aconteceu três anos antes, com 135 mil toneladas.

“Se você pensar que o Brasil vai precisar importar cerca de 200 mil toneladas de arroz de países de fora do Mercosul, essa produção (antiga, de 135 mil toneladas) é significativa. Tem a sua importância para o abastecimento interno. Apesar disso, ela não tem nada a ver com a alta do preço do arroz neste ano”, afirmou Mário Pergorer.

Já o governo de Roraima ressaltou que o arroz produzido no estado tem, tradicionalmente, a Venezuela como principal destino. No ano de 2018, as exportações também foram significativas para a Holanda e Guiana. Além disso, o grão serve apenas ao mercado local e do Amazonas.

Por que investigamos?

Na terceira fase, o Comprova verifica postagens suspeitas que tenham viralizado nas redes sociais e que tenham ligação com políticas públicas do governo federal ou com a pandemia da covid-19. É o caso do vídeo que relaciona a alta no preço do arroz brasileiro neste ano com a demarcação e homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em 2005.

As disputas por terras indígenas têm aparecido com frequência em postagens nas redes sociais que questionam ou criticam o direito das comunidades indígenas de permanecerem nas próprias terras – que, neste caso, faz parte da Amazônia Legal, que tem sofrido com diversas queimadas e informações falsas sobre a respectiva preservação.

Esta também não é a primeira vez que conteúdos tentam atribuir problemas enfrentados na região da Amazônia aos povos indígenas. O Comprova verificou recentemente conteúdos relacionados à questão, como um vídeo que deturpava informações sobre a atuação do governo na preservação da Amazônia e uma fotografia retirada de contexto para afirmar que ONGs provocavam queimadas na Amazônia. Em 2019, o Comprova também mostrou que era falso um texto compartilhado no Facebook afirmando que terras indígenas em Rondônia tinham sido vendidas a uma empresa irlandesa.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo que usa dados imprecisos e induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou que confunde, com ou sem a intenção de causar dano.

Comunicados

Projeto Comprova lança curso de verificação para jornalistas com foco na cobertura de eleições

  • Curso Comprova de verificação
Curso Comprova de verificação
Curso Comprova de verificação será gratuito e pretende capacitar jornalistas para investigar conteúdos suspeitos compartilhados em redes sociais sobre as eleições municipais

O Projeto Comprova abre nesta terça-feira, 29 de setembro, as inscrições para o Curso Comprova de verificação, um programa destinado à capacitação de jornalistas para investigar conteúdos suspeitos, compartilhados em redes sociais e aplicativos de mensagens, relacionados às eleições municipais de novembro.

O curso será realizado entre os dias 7 e 17 de outubro, terá uma carga horária de 10 horas e será gratuito. O conteúdo será oferecido pela plataforma de cursos da Abraji.

O programa está baseado na metodologia criada pela First Draft e utilizada desde as eleições de 2018 pelo Projeto Comprova no Brasil. Os instrutores são profissionais experientes no tratamento da desinformação. Eis os temas que serão abordados no curso:

  • Desinformação e eleições
  • Preparo do ambiente de trabalho e caixas de ferramentas
  • Monitoramento de redes sociais
  • Técnicas para verificação de dados
  • Trabalhando com buscadores
  • Verificando fotos
  • Verificando vídeos
  • Verificando mapas (e outros)
  • Narrativas de checagem

As inscrições podem ser feitas por este formulário e estarão abertas até as 20 horas da segunda-feira, 5 de outubro.

O Projeto Comprova é uma iniciativa da First Draft, liderada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
Google News Initiative e Facebook Journalism Project ajudaram a financiar o projeto, e ambas as empresas estão fornecendo suporte técnico e treinamento para as equipes envolvidas.

O Comprova tem como parceiros institucionais a Associação Nacional de Jornais no Brasil (ANJ)o Projor, a Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), a agência Aos Fatos e a RBMDF Advogados.

Os parceiros de tecnologia são CrowdTangle, NewsWhip, Torabit, Twitter e WhatsApp.

MAIS INFORMAÇÕES:
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