O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Saúde

Investigado por: 2020-10-21

Todas as vacinas em teste no Brasil passaram por fase pré-clínica, ao contrário do que diz médico

  • Falso
Falso
Todos os compostos que estão em testes no Brasil passaram pelo estágio pré-clínico, etapa na qual o imunizante é aplicado em animais, ainda em laboratório, para saber se ele é seguro para ser testado em humanos
  • Conteúdo verificado: Trecho de entrevista para a jornalista Leda Nagle em que o médico Anthony Wong afirma que “nenhuma vacina de coronavírus passou pela fase pré-clínica”.

É falsa a afirmação feita em vídeo pelo médico Anthony Wong segundo a qual “nenhuma vacina contra o novo coronavírus passou pela fase pré-clínica” de testes. Na verdade, todos os compostos que estão em testes no Brasil passaram por essa etapa. O estágio pré-clínico é aquele em que o imunizante é aplicado em animais, ainda em laboratório, para saber se ele é seguro para ser testado em humanos. Como a covid-19 é uma pandemia com mais de 40,9 milhões de infectados e 1,1 milhão de mortes em todo o mundo, segundo dados da Universidade Johns Hopkins, o processo de desenvolvimento das vacinas teve que ser acelerado, como informou a Organização Mundial da Saúde (OMS).

“Todas as vacinas passaram por testes em animais”, afirma Jorge Venâncio, coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), um dos órgãos responsáveis por autorizar pesquisas dos imunizantes no país.

A Coronavac, da farmacêutica chinesa Sinovac, foi a primeira a se mostrar eficaz contra o vírus SARS-CoV-2 em um macaco, segundo publicou a revista Science em abril. O imunizante da empresa belga Janssen-Cilag foi aplicado primeiro em hamsters e macacos antes de ser testado em humanos. Os compostos da AstraZeneca (em conjunto com a Universidade de Oxford) e da BioNTech e Pfizer também foram testados em animais em seus estágios pré-clínicos.

Como verificamos?

O primeiro passo foi procurar no YouTube o vídeo cujos trechos são reproduzidos no Twitter para saber em que contexto as falas foram proferidas. Isso foi possível já que a marca d’água indica que o vídeo é do canal Leda Nagle. A partir daí, nós procuramos o registro do médico Anthony Wong nos sites do Conselho Federal de Medicina e do Conselho Regional de Medicina de São Paulo. Como ele não autorizou a divulgação dos contatos através de nenhuma das entidades de classe, nós tentamos ouvi-lo por meio da assessoria de imprensa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), onde ele trabalha. Também tentamos contactá-lo através do perfil no Instagram, mas ele não respondeu até a publicação desta verificação.

Paralelamente, consultamos informações sobre o desenvolvimentos de vacinas contra a covid-19 no banco de dados elaborado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e procuramos por matérias sobre as fases pré-clínicas das quatro vacinas que estão sendo testadas no Brasil. Para uma delas, a da AstraZeneca, nós também entramos em contato, por e-mail, com a farmacêutica fabricante. Além disso, conversamos por telefone com Jorge Venâncio, coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, órgão do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que, como a Anvisa, autoriza pesquisas de vacinas no país.

Por fim, entrevistamos Daniel Mansur, professor de Imunologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e membro do Comitê Científico da Sociedade Brasileira de Imunologia; e Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 21 de outubro de 2020.

Verificação

Vacinas contra a covid-19

Segundo levantamento da OMS, há 198 vacinas contra a covid-19 em desenvolvimento no mundo. Dessas, 154 ainda estão em fase pré-clínica e 44 já avançaram para alguma das fases de estudos clínicos, quando a segurança e a eficácia dos imunizantes passam a ser testadas em seres humanos.

Os imunizantes que já estão em testes em humanos usam técnicas diferentes para provocar a resposta imune: o vírus inativado, trechos de RNA, adenovírus não replicantes ou proteínas que podem servir de portadores do material genético do novo coronavírus para que o corpo o reconheça e aprenda a combatê-lo antes de ser infectado.

No documento da OMS também é possível saber como serão realizados os testes clínicos para determinar a eficácia das vacinas, em que países elas serão aplicadas e quantas pessoas receberão as doses. Da mesma forma, é possível saber como foram as fases 1 e 2 de testes dos imunizantes, como os da Sinovac e da AstraZeneca, ambos com parceria para distribuição no Brasil pelo governo federal ou o estado de São Paulo.

O desenvolvimento das vacinas para a covid-19 tem como base estudos e pesquisas sobre a Sars e a Mers, duas doenças provocadas por outros tipos de coronavírus, que já estavam com estudos em andamento. Segundo o diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri, “existem quatro diferentes tecnologias para o desenvolvimento da vacina: vacinas que usam vírus inativado, vacinas que são fragmentos do vírus, vacinas genéticas e vacinas que usam outro vírus como vetor.”

Vacinas em teste no Brasil

Das 44 vacinas que estão em ensaios clínicos no mundo, quatro estão sendo desenvolvidas em parceria com o Brasil. Todas elas passaram por estágios de testes pré-clínicos.

A CoronaVac, criada pela empresa chinesa Sinovac e produzida em conjunto com o Instituto Butantan, de São Paulo, está na fase final de testes em humanos, mas também passou por ensaios em animais, como afirma texto da Agência Brasil. Ela, inclusive, foi a primeira a se mostrar eficaz contra o novo coronavírus em um animal, conforme publicação da revista Science, uma das principais publicações de divulgação científica. Em abril, o veículo divulgou que a vacina protegeu um macaco da infecção.

Outro imunizante que está sendo desenvolvido com a participação do Brasil é a vacina de Oxford, da empresa biofarmacêutica anglo-sueca AstraZeneca em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Em junho, a Fiocruz anunciou que “os estudos agora avançam para a fase pré-clínica, na qual aspectos de segurança são avaliados em modelo animal”.

Por e-mail, a AstraZeneca confirmou que o desenvolvimento da vacina segue “investigações pré-clínicas em vários modelos com animais”.

Em comunicado publicado em seu site em julho, a Anvisa afirmou que, para autorizar os ensaios do imunizante das farmacêuticas BioNTech e Pfizer, vacina que também está sendo testada por aqui, “analisou os dados das etapas anteriores de desenvolvimento dos produtos, incluindo estudos não clínicos in vitro e em animais, bem como dados preliminares de estudos clínicos em andamento”. A informação sobre o uso de animais também está no site da Pfizer.

Como as outras, a vacina da farmacêutica belga Janssen-Cilag, que faz parte do grupo Johnson & Johnson e está em testes no Brasil – com o apoio do Instituto Butantan –, também utilizou testes em animais antes de disponibilizá-las para os voluntários – por aqui, são 7 mil pessoas. Os pesquisadores tiveram bons resultados após imunizarem hamsters e macacos.

As informações foram confirmadas por Jorge Venâncio, coordenador da Conep que afirmou ao Comprova que “todas as vacinas tiveram fase pré-clínica com animais”.

Etapas da vacina

As vacinas passam por uma série de etapas para garantir que são eficazes e seguras para os humanos antes de chegar à população. De acordo com Daniel Mansur, professor de Imunologia da Universidade Federal de Santa Catarina e integrante do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia, a primeira etapa é descobrir qual parte do vírus é o melhor alvo para a vacina, o que aconteceu ainda em janeiro, quando cientistas identificaram qual o receptor de entrada do vírus na célula e qual era a proteína do vírus que se ligava nesse receptor. “A partir daí, sabemos que se conseguirmos bloquear essa proteína, impedimos que o vírus entre na célula. Esse é o objetivo de todas as vacinas em desenvolvimento hoje”, afirma.

A partir da descoberta desse alvo, os pesquisadores começam a pensar qual é a melhor estratégia para entregar o antígeno (molécula capaz de despertar a resposta imune) no corpo. “Então, você começa a fazer ensaios pré-clínicos em animais. Obrigatoriamente, tem que ser dois animais. O primeiro é um roedor, normalmente um camundongo. Se a vacina tiver eficácia nesse roedor, ela é testada em um primata não humano, um macaco. Em ambos os animais, o que se está verificando é, entre outros pontos, se ela causa efeitos colaterais graves e a sua eficácia”, explica o professor.

Se a vacina não gerar efeitos colaterais nesses animais, os pesquisadores dão início à fase 1 de testes em humanos, com grupos com menos de 100 pessoas. Entre os objetivos desta etapa está avaliar se existem efeitos colaterais.

Se a fase 1 funcionar, a vacina entra na segunda etapa, quando o número de testados é expandido para centenas. Nesse estágio, os pesquisadores buscam entender se pessoas de diferentes etnias, gêneros e nacionalidades têm reações diferentes ao antígeno. Isso porque a humanidade é diversa e uma vacina precisa ser eficiente nos diferentes grupos. Se essa fase também tiver resultados positivos, os pesquisadores avançam para a terceira, em que milhares de pessoas são vacinadas. Esse último estágio é decisivo para comprovar a eficiência das vacinas e a inexistência de efeitos colaterais graves.

Por fim, mesmo com todas essas etapas e com os resultados publicados para serem avaliados por outros cientistas, a vacina só pode ser administrada para a população se for autorizada pela autoridade sanitária competente de cada país – Anvisa, no Brasil. Entidades internacionais como a OMS podem, no máximo, ajudar com a logística de campanhas de vacinação. Mas o governo do país é soberano para aprovar a vacina ou não.

Quem é Anthony Wong

Anthony Wong é médico, registrado no Conselho Regional de Medicina de São Paulo desde agosto de 1973. Ele não possui nenhuma especialidade registrada junto à entidade de classe. Segundo o currículo acadêmico na plataforma Lattes, mantida pelo CNPq, ele se formou em Medicina pela USP em 1972 e fez doutorado em Pediatria pela mesma instituição entre 1994 e 2000. Atualmente, é médico do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas.

Como o médico não autorizou a divulgação dos seus contatos pelo Conselho de Medicina, o Comprova procurou Wong por meio da assessoria de imprensa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). A unidade de saúde respondeu, por email, que as opiniões de Anthony Wong “não representam a posição institucional do hospital”. Por telefone, a assessoria de imprensa da unidade de saúde também disse não estar autorizada a passar o contato do médico.

O Comprova, então, enviou mensagem para Wong por seu perfil no Instagram, mas também não teve retorno.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova investiga conteúdos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia. Conteúdos que trazem desinformação relacionada à covid-19, como o verificado aqui, são ainda mais perigosos pois colocam a saúde da população em risco e podem custar vidas.

Uma vacina é a forma mais eficiente de imunizar a população e esforços estão sendo feitos em todo planeta para chegar a essa solução. Mais do que gerar medo e desconfiança, o tuíte com o vídeo coloca a saúde da população em risco ao fazer a população se questionar sobre se devem ou não se imunizar.

A edição com trechos da fala de Wong foi assistida 6,3 mil vezes no Twitter. O vídeo original da entrevista, no YouTube, teve 46 mil visualizações.

Conteúdos falsos ou enganosos sobre as vacinas contra o novo coronavírus têm sido comuns desde o início da pandemia. Recentemente, o Comprova mostrou que um político usava dados imprecisos para sugerir que apenas parte da população de São Paulo deveria ser vacinada; que as vacinas não produzirão danos genéticos; que os imunizantes não terão microchips para rastrear a população; e que a China não evita aplicar as vacinas desenvolvidas por farmacêuticas chinesas.

Em junho, o Aos Fatos verificou um post que afirmava o contrário: que a CoronaVac havia sido testadas apenas em macacos.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições de modo a mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2020-10-21

Tuíte engana ao sugerir que vacina contra a covid-19 é desnecessária

  • Enganoso
Enganoso
Pesquisas indicam que parcelas pequenas da população foram infectadas pelo novo coronavírus. Assim, se uma vacina surgir e for eficaz, ela pode servir para proteger grandes contingentes da população
  • Conteúdo verificado: Postagem no Twitter afirma que quando a vacina contra covid-19 for desenvolvida, “a maior parte das pessoas já terá contraído a doença” e a imunização não será mais necessária.

É enganoso um tuíte do perfil intitulado “Médicos pela Liberdade” afirmando que quando a vacina contra a covid-19 for desenvolvida “a maior parte das pessoas já terá contraído a doença” e, por isso, ela não será mais necessária. Embora ainda não seja possível apontar quando a imunização estará disponível e qual será sua eficácia, dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que, na maioria dos países, menos de 10% da população foi infectada pelo novo coronavírus até o momento. Isso significa que as pesquisas com a vacina são importantes pois, se tiverem resultado positivo, podem ajudar a imunizar grandes contingentes da população.

No Brasil, a mais recente fase da pesquisa Epicovid-19 BR, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), apontou prevalência de 1,4% de infectados na população, em um retrato de desaceleração da pandemia ao final de agosto.Mesmo em Manaus, onde uma pesquisa coordenada pelo Instituto de Medicina Tropical de São Paulo (IMTSP) e pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) indicou que 66% da população na cidade pode ter sido infectada desde o início da pandemia, a vacina continuará sendo importante, segundo a coordenadora da pesquisa, a imunologista e pesquisadora Ester Sabino, que foi ouvida pelo Comprova. Isso porque a capital amazonense ainda teria 33% da população suscetível ao Sars-CoV-2, e também porque não se sabe quanto tempo dura a imunidade de pessoas que já contraíram a doença.

Outro trecho da postagem afirma que se a doença não conferir imunidade, a vacina provavelmente também não irá garantir. Flávio Guimarães da Fonseca, virologista do Centro de Tecnologia de Vacinas (CT Vacinas) e pesquisador do Departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explicou em entrevista ao Comprova que a resposta imune induzida pela vacina é diferente da provocada pela própria infecção, principalmente em relação à eficácia e à longevidade. Ele ressaltou que a ciência ainda busca respostas sobre a atuação do novo coronavírus no sistema imunológico, mas que há uma “chance muito grande” de que o efeito da vacina seja melhor do que a imunização causada pela doença.

O Comprova fez contato com o perfil “Médicos pela liberdade” por mensagem no Twitter. O canal respondeu questionando a legitimidade do trabalho de agências de checagem e se recusou a repassar quais seriam as fontes das informações sustentadas na postagem verificada.

Como verificamos?

Iniciamos a verificação do conteúdo consultando publicações do perfil “Médicos pela Liberdade” no Twitter e um vídeo de apresentação do grupo em um canal do YouTube, além de pesquisas no Google de conteúdos divulgados pela conta. Recorremos ao cadastro de inscrições do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) e do Conselho Federal de Medicina (CFM) para confirmar a inscrição do médico Carlos Henrique Oliva, que no vídeo de apresentação se identifica como integrante do grupo. Também enviamos mensagem privada no Twitter para o perfil.

Para checar a procedência das afirmações feitas na postagem, buscamos, por meio de consulta ao Google, dados e pesquisas que apontassem a soroprevalência de pacientes infectados por covid-19 no Brasil e no mundo. Chegamos a uma estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) presente em um discurso do diretor-geral Tedros Adhanom do último dia 12 de outubro, que indicava a média de menos de 10% da população na maioria dos países.

Consultamos também outras pesquisas, como a Epicovid-19 BR, da Universidade Federal de Pelotas, o inquérito sorológico feito pela prefeitura de São Paulo e a pesquisa coordenada pelo Instituto de Medicina Tropical de São Paulo (IMTSP) e pela Faculdade de Medicina da USP. Entrevistamos por e-mail a pesquisadora responsável pelo estudo do IMTSP e FMUSP.

Também entrevistamos o virologista do Centro de Tecnologia de Vacinas e pesquisador do Departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais, Flávio Guimarães da Fonseca, sobre a relação entre a imunidade causada pela doença e a que deve ser gerada pela vacina, e o médico infectologista Julio Croda, pesquisador da Fiocruz e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 20 de outubro de 2020.

Verificação

Maioria das pessoas terá contraído covid-19 quando houver vacina?

O tuíte verificado afirma que “quando ela (a vacina) for desenvolvida, a maior parte das pessoas já terá contraído a doença e não precisaremos mais dela”. No entanto, dados e fontes consultados pelo Comprova apontam que a maior parte dos países ainda está longe de ter a maioria da população infectada pelo vírus.

Ainda não é possível indicar quando a vacina estará disponível para a população. Sobre a segunda parte da afirmação verificada, que sustenta que a maior parte das pessoas já terá contraído a doença quando a imunização estiver desenvolvida, dados apontam que isso ainda está distante de ocorrer na maioria dos locais. Em discurso feito à imprensa no último dia 12 de outubro, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom, afirmou que “pesquisas de soroprevalência sugerem que na maioria dos países, menos de 10% da população foi infectada pelo vírus da covid-19.”

No mesmo comunicado, o diretor-geral da OMS destacou também que a maioria dos infectados desenvolve imunidade nas primeiras semanas, mas que “não sabemos quão forte ou duradoura é esta resposta imunológica, ou como ela age em pessoas diferentes”. Adhanom lembrou ainda que já houve registros de reinfecção pela covid-19.

No Brasil, um dos estudos de maior abrangência, que buscou medir a prevalência de pessoas já infectadas no país foi a pesquisa Epicovid-19 BR, da Universidade Federal de Pelotas.

Na terceira fase da pesquisa, em junho, a média entre as cidades pesquisadas apontava prevalência de 3,8% de população já infectada no país e, na quarta fase, no fim de agosto, de 1,4%. Nas regiões, o percentual de infecção variou de 0,5% (Sul, Centro-Oeste e Sudeste) a 2,4% (Norte).

Nesta quarta fase, as cidades com o maior percentual de pessoas que haviam sido infectadas foram Juazeiro do Norte, com 8%, e Sobral, 7,2%, ambas no Ceará, conforme divulgado em setembro no site da UFPel.

No entanto, o estudo identificou que os anticorpos detectáveis pelos testes duram apenas algumas semanas. Com isso, pessoas que foram infectadas há mais tempo passaram a ter resultados negativos nas últimas pesquisas. Isso faz com que o dado não represente o total de brasileiros que já tiveram contato com o vírus desde o início da pandemia, mas aponte o percentual de pessoas infectadas recentemente – o que mostrou uma desaceleração da pandemia na maior parte do país, segundo esta última fase da pesquisa.

O estudo alerta que o fato de os anticorpos caírem ao longo do tempo não significa que as pessoas deixam de estar protegidas porque “os organismos guardam memória imunológica para produzir anticorpos rapidamente em caso de uma nova infecção”. O tempo de duração da imunidade em pacientes já infectados ainda é alvo de estudos científicos.

Uma pesquisa coordenada pelo Instituto de Medicina Tropical de São Paulo e pela Faculdade de Medicina da USP, divulgada em setembro, estimou que Manaus já poderia ter atingido 66% da população infectada pelo coronavírus e São Paulo, 22,4%. A pesquisa se baseou em anticorpos da covid-19 presentes em doadores de sangue e também está analisando a prevalência de infectados no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Salvador e Curitiba.

Mesmo nesses locais com maior incidência de pessoas já infectadas, como Manaus, a vacina continua sendo fundamental, conforme informou a imunologista e pesquisadora Ester Sabino, que coordenou a pesquisa do IMTSP e FMUSP, em resposta por e-mail ao Comprova. A informação da especialista desmente a afirmação da postagem verificada, de que a vacina não seria mais necessária quando a maioria das pessoas estiver infectada.

“Mesmo para Manaus 33% das pessoas ainda são sensíveis ao vírus e podem contrair a doença. Também não sabemos quanto tempo dura a imunidade das pessoas que se infectaram, portanto há uma necessidade muito grande de vacinas”, afirmou.

O médico infectologista Julio Croda, pesquisador da Fiocruz e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, reforça que o tempo de duração da imunidade de quem é infectado ainda é desconhecido.

“A vacina, mais do que ser uma ferramenta de controle imediato da doença, é um controle a longo prazo, porque a gente não sabe por quanto tempo após uma infecção a pessoa fica imune. As inverdades da afirmação (verificada): lógico que existe um impacto da imunidade individual que gera essa imunidade coletiva ou de rebanho, isso contribuiu para o controle da doença porque você tem menos pessoas suscetíveis, mas você não zera o risco de pessoas mais vulneráveis adquirirem a doença e virem a óbito”, aponta.

O professor afirma que a mortalidade da covid-19 é de 10 a 15 vezes maior do que a da influenza, que possui política de vacina anual no país. “Se a gente seguir a lógica da influenza, a gente vai precisar de vacina (contra a covid-19)”, compara.

Imunidade da vacina é diferente da causada pela infecção

Outro trecho da publicação sugere que a vacina poderia não funcionar ao fazer uma relação com a proteção obtida por quem já pega a doença: “E se a doença não conferir imunidade? A vacina provavelmente também não”. No entanto, especialistas explicam que há diferenças entre esses dois tipos de imunização.

Apesar de ainda haver dúvidas sobre a imunidade trazida pela doença, a resposta imune induzida pela vacina é diferente da que é conferida pela própria infecção, sobretudo em relação à eficácia e à longevidade. Enquanto um vírus — como o Sars-CoV-2 — dispõe de várias proteínas que enganam o sistema imunológico do organismo, a vacina não carrega esse componente.

Qualquer imunizante possui elementos do vírus, mas este costuma ser usado na forma desativada. Assim, é incapaz de confundir o organismo. “Na vacina, tudo que temos são antígenos e componentes que induzem uma maior resposta imune”, explica Flávio Guimarães da Fonseca, virologista do Centro de Tecnologia de Vacinas e pesquisador do Departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais.

O especialista reforça que a situação é incerta, já que a ciência ainda busca respostas sobre a atuação do vírus contra o sistema imunológico. Fonseca considera, porém, que a chance de a vacina representar um avanço na prevenção ao novo coronavírus é bastante alta.

“Dá para garantir, com 100% de certeza, que as vacinas terão uma resposta imune diferente da que é gerada pela doença. Não dá para garantir que essa resposta será melhor, mas existe uma chance muito grande”, afirma.

Julio Croda, da Fiocruz e UFMS, acrescenta que a imunização da vacina também dura um tempo específico, e, ainda, não está associada a um custo, que seriam os óbitos causados quando um grande número de pessoas precisa se infectar para garantir a chamada imunidade coletiva.

“A magnitude de qualquer vacina que tenha pelo menos uma eficácia igual à da influenza, de 70%, e que você possa vacinar todo ano, tem um impacto enorme”, aponta.

Quem são os “Médicos pela liberdade”?

O perfil “Médicos pela liberdade” se define na descrição do Twitter como “grupo em prol das liberdades individuais e contra o totalitarismo disfarçado de ciência”. Em um vídeo de agosto deste ano, publicado no canal do Youtube, o médico psiquiatra Carlos Henrique Oliva diz que faz parte do grupo, criado por “quatro ou cinco médicos” que se revezavam em publicações no Twitter, e que um grupo de Whatsapp foi criado e teria “de 150 a 200 participantes”. Afirma também que alguns integrantes não se manifestariam por receio de represálias.

No vídeo, ele chama o novo coronavírus de “vírus chinês”, termo popularizado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e faz críticas à mídia e a “alguns governadores” que, segundo ele, não estariam “respeitando a divergência”. Carlos Henrique Oliva aparece como médico com inscrição principal no Conselho Regional de Medicina de São Paulo e secundária no Conselho Regional de Medicina do Paraná, ambas ativas. Nesses cadastros, não há menção a especialidades do profissional.

O perfil também já fez publicações criticando o uso de máscaras e o isolamento social – que são outras medidas defendidas por especialistas e autoridades da área da saúde para prevenir a transmissão da Covid-19. Além de criticar a vacinação obrigatória, a página já saiu em defesa do ideólogo Olavo de Carvalho, que foi considerado o “guru intelectual” do governo Bolsonaro e chegou a afirmar que “a pandemia do novo coronavírus não existe”.

Por que investigamos?

Nesta terceira fase, o Comprova verifica conteúdos relacionados a políticas públicas do governo federal e à pandemia do novo coronavírus. Conteúdos que questionam a necessidade de uma vacina e defendem o controle da covid-19 apenas por meio de uma imunidade coletiva, adquirida via infecções causadas pelo vírus, podem incentivar um comportamento que descumpra as normas sanitárias como distanciamento social e uso de máscara, até agora as principais medidas para controlar a disseminação da doença, segundo os estudos científicos.

A postagem do “Médicos pela Liberdade” no Twitter teve 2,1 mil curtidas e 522 retuítes até as 16h do dia 19 de outubro de 2020.

O Comprova já verificou conteúdos falsos e enganosos que questionavam a necessidade de vacinação contra covid-19 para pessoas com menos de 35 anos, insinuavam que a China não iria utilizar a própria vacina, alegavam que as vacinas poderiam causar danos genéticos e monitorar a população e diziam que um projeto de lei previa a prisão da população que não tomar vacina contra covid-19.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos, que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-10-19

Médico tira de contexto dados de estudo para sugerir que máscaras são ineficientes

  • Enganoso
Enganoso
O estudo de onde foram extraídos os dados reproduzidos no tuíte de um médico não prova que as máscaras são ineficientes. Pelo contrário, mostra que pessoas que frequentam bares e restaurantes estão mais propensas ao contágio porque não podem consumir alimentos e bebidas usando máscaras
  • Conteúdo verificado: Post no Twitter cita dados sobre uso de máscara por pacientes com sintomas de covid-19 nos Estados Unidos para insinuar que a proteção é ineficaz

É enganoso o tuíte que insinua que o uso de máscara é ineficaz contra o novo coronavírus com base em dados de 154 pacientes que testaram positivo para o novo coronavírus nos Estados Unidos coletados no mês de julho deste ano. O tuíte compartilha parte de uma tabela publicada em um artigo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos e destaca os dados sobre o uso de máscara: 85% dos novos casos eram pacientes que usavam a máscara sempre ou com frequência nos 14 dias que antecederam o início da doença, 7% usavam eventualmente e 8% usavam raramente ou nunca.

O tuíte, contudo, omite a informação de que a tabela foi publicada em um estudo que afirma que a exposição da comunidade e o contato próximo entre as pessoas contribui para a disseminação de covid-19. O artigo leva em conta o processo de reabertura em bares e restaurantes e conclui que os pacientes infectados tinham, aproximadamente, duas vezes mais chances de frequentar estes locais, onde é mais difícil manter o uso de máscaras e outros tipos de cobertura facial. Ou seja, quando as pessoas tiram a máscara, aumenta o risco de contaminação.

O autor do post não respondeu às tentativas de contato do Comprova até o fechamento desta verificação.

Como verificamos?

Primeiramente, buscamos o artigo original que contém a tabela compartilhada pelo usuário do Twitter @AlessandroLoio2. Na rede social ele não cita sua formação, mas a imagem de capa do perfil mostra a ‘orelha’ de um livro de sua autoria em que ele afirma ser médico, formado em 1996 pela Escola de Medicina da Santa Casa, no Espírito Santo, e ex-coordenador da Secretaria Especial da Cultura do governo federal.

Em seguida, buscamos por registros com o nome de Alessandro Loiola no Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo e por menções a seu cargo como coordenador na Secretaria Especial de Cultura.

Procuramos ainda os responsáveis pela publicação do artigo onde consta a tabela publicada no Twitter, o autor do tuíte, além dos médicos infectologistas Edimilson Migowski, que é professor de Doenças Infecciosas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Alberto Chebabo, diretor médico do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho/UFRJ.

Até o fechamento desta verificação, os responsáveis pelo artigo não tinham respondido aos e-mails enviados pelo Comprova. Procurado através de seu e-mail pessoal e de outro contato usado em seu portal, Alessandro Loiola também não retornou.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 19 de outubro de 2020.

Verificação

Os dados são reais?

As informações do tuíte são verdadeiras, mas foram tiradas de contexto para levar a uma conclusão enganosa. Os dados constam em uma tabela que faz parte de um artigo publicado no dia 11 de setembro no site do CDC. A publicação original, no entanto, não faz menção a uma eventual ineficácia do uso de máscaras.

Pelo contrário: os pesquisadores mostraram que, entre as pessoas que relataram exposições semelhantes durante os 14 dias antes do início da doença, aquelas que testaram positivo tinham aproximadamente duas vezes mais chances de terem frequentado bares ou restaurantes neste período. O problema é que, nestes lugares, apontam os pesquisadores, não se pode usar máscaras com eficácia durante refeições e ingestão de bebidas.

“Relatos de exposições em restaurantes foram relacionados à circulação de ar. A direção, a ventilação e a intensidade do fluxo de ar podem afetar a transmissão do vírus, mesmo se medidas de distanciamento social e uso de máscara forem implementados de acordo com as orientações atuais. As máscaras não podem ser usadas com eficácia durante as refeições e bebidas, ao passo que fazer compras e muitas outras atividades internas não impedem o uso da máscara”, diz um trecho do artigo assinado por 24 pesquisadores, incluindo Kiva Fisher, da Escola de Saúde Pública de New Orleans e membro da Equipe de Resposta CDC Covid-19.

Ida a restaurantes, bares e cafés

Os pesquisadores ouviram 314 pacientes adultos com mais de 18 anos atendidos em 11 unidades de saúde ambulatoriais dos Estados Unidos no mês de julho. Do total, 154 testaram positivo para a covid-19. Os números destacados pelo tuíte aparecem na continuação de uma tabela que mostra as características desses pacientes.

Sobre o uso de máscaras, eles relataram o seguinte: 70,6% disseram ter usado máscara sempre nos 14 dias que antecederam o início da doença; 14,4% afirmaram que usaram frequentemente; 7,2% usaram algumas vezes; 3,9% usaram raramente e outros 3,9% disseram não ter usado.

O que o tuíte não mostra é que, destes mesmos 154 pacientes que testaram positivo, 40,9% disseram ter ido a restaurantes neste mesmo intervalo de 14 dias e 8,5% afirmaram ter ido a bares ou cafés. É um percentual maior do que os outros 160 pacientes entrevistados e que testaram negativo. Entre eles, 27,7% foram a restaurantes e 5% a bares e cafés.

Esses dados significam que o uso de máscaras é inútil?

A conclusão do artigo aponta que a frequência em locais onde não é possível manter o uso de máscaras corretamente é um fator de risco para contaminação, e é necessário fazer uma avaliação contínua sobre os vários tipos de exposição aos vírus, à medida que locais reabrem – como bares, restaurantes, escolas e igrejas.

“Exposições e atividades nas quais o uso de máscara e o distanciamento social são difíceis de manter, incluindo ir a locais que oferecem refeições e bebidas no local, podem ser fatores de risco importantes para infecção por SARS-CoV-2. A implementação de práticas seguras para reduzir a exposição ao coronavírus durante as refeições e bebidas no local deve ser considerada para proteger os clientes, funcionários e comunidades e retardar a disseminação da covid-19”, conclui o artigo.

Para o infectologista Alberto Chebabo, diretor médico do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, os dados não apontam que o uso de máscaras seja ineficaz. “Não tem o menor sentido isso que o tuíte afirma. O estudo prova exatamente o contrário. Nos momentos em que tiramos a máscara estamos mais expostos e com maior risco de nos infectarmos. O estudo recomenda o uso da máscara e distanciamento social em suas conclusões”, afirma.

O também infectologista Edmilson Migowski, professor de doenças Infecciosas da UFRJ, explica que a máscara só oferece risco se for mal utilizada. “Por exemplo, eu peguei uma máscara, espirrei, tossi, estou com a covid-19, coloco a minha mão na máscara de uma forma errada, contamino as coisas. Quando a máscara é utilizada dentro dos critérios de utilização, ela é protetora. Ela não seria e não vai ser uma ameaça para as pessoas”, explica.

A própria página do CDC recomenda o uso de máscaras para proteger as pessoas e tem postagens indicando os melhores tipos de máscara e como se proteger, o que inclui cobrir a boca e o nariz com a proteção quando estiver próximo de outras pessoas.

Quem é Alessandro Loiola

Alessandro Lemos Passos Loiola nasceu em 1971, é médico formado pela Escola de Medicina da Santa Casa, no Espírito Santo, e possui dois registros ativos em conselhos regionais de medicina no Brasil: Minas Gerais e São Paulo. Isso é comum porque um médico precisa ter registro em cada estado em que atua.

O registro mais antigo é de Minas Gerais, feito em 7 de fevereiro de 1997 – a foto foi apresentada ao Conselho em 2008. Nele, constam duas especialidades, ou áreas de atuação: cirurgia geral e coloproctologia.

O segundo registro é de 18 de março de 1999, feito no Conselho Federal de Medicina do Espírito Santo, com as mesmas especialidades. Este registro, no entanto, consta como ‘Transferido’.

O terceiro registro, ainda ativo, é do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, feito em 7 de janeiro de 2010, mas não há especialidades ou áreas de atuação cadastradas. A exibição de telefones e endereços onde ele poderia trabalhar não foi autorizada pelo usuário e, por isso, eles não aparecem em suas fichas profissionais. O Comprova não conseguiu encontrar um currículo do médico na Plataforma Lattes, que reúne pesquisadores do país.

Em sua conta no Twitter, ele publica o link para um site com conteúdo de direita voltado para o público masculino, como um curso para discutir “as falácias esquerdistas”. Entre as publicações, há outras que se posicionam contra o uso de máscaras de pano. A imagem de capa do perfil mostra a ‘orelha’ de um livro de sua autoria, em que, além de se apresentar como médico, ele diz que foi, também, coordenador da Secretaria Especial de Cultura do governo federal.

A nomeação para o cargo foi publicada no Diário Oficial da União de 27 de novembro de 2019. Alessandro Loiola foi nomeado pelo ministro do Turismo, Marcelo Henrique Teixeira Dias, para exercer o cargo de Coordenador-Geral de Empreendedorismo e Inovação, do Departamento de Empreendedorismo Cultural, da Secretaria da Economia Criativa, da Secretaria Especial da Cultura.

Menos de dois meses depois, no dia 24 de janeiro, ele foi exonerado do cargo também pelo ministro. A exoneração foi publicada no Diário Oficial da União no dia 27 de janeiro de 2020.

No mesmo dia, foram exonerados também outros dois funcionários da Secretaria Especial da Cultura que eram próximos e tinham sido nomeados pelo ex-secretário Roberto Alvim. Este havia sido demitido dez dias antes, após fazer um pronunciamento oficial com referências nazistas, como mostra esta reportagem publicada por O Globo.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova checa conteúdos virais que possam espalhar desinformação nas redes sociais sobre a pandemia da covid-19. O tuíte investigado pelo Comprova teve mais de 4 mil interações na rede social até o dia 19 de outubro.

Conteúdos com alegações enganosas, como essas feitas pelo médico, questionando o uso de máscaras, enfraquecem a confiança da população em instituições sanitárias e podem dificultar os esforços de combate à pandemia. Autoridades médicas e acadêmicas defendem o uso de máscara como uma das formas de se voltar à normalidade sem aumentar a disseminação da doença.

Esta não é a primeira vez que as máscaras foram alvo de desinformação. O Comprova já checou boatos que negavam a eficácia das máscaras em proteger as pessoas, outros afirmavam que seu uso era nocivo à saúde e até que insinuavam que a máscara tinha sido responsável pela morte de uma estudante na Alemanha. Também verificamos postagens alarmistas com alegações de que máscaras exportadas pela China estariam contaminadas. Tais alegações não encontram respaldo científico.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Política

Investigado por: 2020-10-19

Comprovado: trecho da BR-163 foi asfaltado no governo Bolsonaro

  • Comprovado
Comprovado
Trecho que aparece em montagem compartilhada nas redes sociais foi de fato asfaltado no governo Bolsonaro, mas operação para pavimentar a BR-163 teve início ainda na gestão de Temer
  • Conteúdo verificado: Meme publicado no Twitter e no Facebook compara o estado de conservação de um trecho da BR-163 durante os governos Lula, Dilma e Temer com o governo Bolsonaro. O meme usa duas imagens. Em uma delas aparecem os ex-presidentes Lula, Dilma e Temer juntos com a estrada ao fundo e a legenda “16 anos”; a outra imagem mostra o trecho já pavimentado e nela está aplicada a foto de Jair Bolsonaro com a legenda “8 meses”.

O Comprova confirmou que um trecho da BR-163 entre Novo Progresso e Moraes de Almeida, no Pará, que aparece em um meme que viralizou nas redes sociais foi asfaltado durante o governo de Jair Bolsonaro (sem partido).

Apesar de a publicação verificada não indicar a exata localização do trecho, o Comprova conseguiu identificar a rodovia a partir de vídeos no YouTube e confirmou com moradores e empresários da região que se trata do km 376 da BR-163 na região entre Novo Progresso e Moraes de Almeida (PA).

A partir da identificação do trecho exato da rodovia, o Comprova entrou em contato com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), que informou que o trecho foi pavimentado em julho de 2019. As informações batem com outras notícias publicadas no site do Dnit no ano passado e, além disso, diversos vídeos de caminhoneiros que trafegaram na região entre julho e agosto do ano passado mostraram as obras realizadas.

Apesar de ter sido concluída e totalmente atribuída ao governo Bolsonaro pela montagem, a obra chamada de “Operação Xingu” teve início com um Termo de Execução Descentralizada entre o Dnit e o Exército, em agosto de 2017, quando o chefe do Executivo ainda era Michel Temer. Reportagens também revelam que, com exceção do trecho, grande parte da BR-163 já estava asfaltada em 2018.

O Comprova encontrou versões desse mesmo meme publicadas desde agosto de 2019. A página “Eu Sou de Direita” e o perfil que compartilhou a publicação no “Grupo da Página Jair Bolsonaro Presidente 2018”, que republicaram o meme recentemente, não responderam as tentativas de contato do Comprova.

Como verificamos?

A publicação investigada não deixa claro qual estrada está retratada na montagem feita com duas fotografias diferentes. Por isso, começamos por uma busca reversa no Google Imagens, que nos levou a publicações semelhantes e que haviam sido postadas anteriormente. Entre as encontradas, destacamos uma em que um internauta indicava ser a BR-319; e outra em que uma página afirmava ser a BR-163.

Em nova busca reversa realizada no Yandex, um buscador de informações russo, chegamos a frames de dois vídeos que mostravam trechos de estrada muito semelhantes aos da publicação verificada. É possível vê-los aqui e aqui. As filmagens são de julho e agosto de 2019, e indicam ser a BR-163, especificamente entre a cidade de Novo Progresso e o distrito de Moraes Almeida, no Pará.

Assim, entramos em contato com o Ministério da Infraestrutura e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), responsáveis pelas rodovias federais e com o Exército Brasileiro, que realizou obras no trecho ao longo dos últimos anos. Também procuramos proprietários de estabelecimentos comerciais e moradores da região retratada no vídeo. A partir destes últimos contatos, conseguimos identificar a quilometragem exata do trecho. Com isso, voltamos a entrar em contato com o Dnit.

Além disso, fizemos diversas consultas a reportagens publicadas na imprensa e em órgãos oficiais sobre a pavimentação da BR-163.

Verificação

Identificando a rodovia

Embora não haja qualquer menção à rodovia que está sendo retratada na montagem e os autores das publicações não tenham respondido às tentativas de contato, o Comprova conseguiu confirmar que ambas as imagens são da BR-163 – especificamente no trecho entre o município de Novo Progresso e o distrito de Moraes Almeida, em Itaituba, no Pará.

Por meio de uma busca reversa no Yandex, a equipe encontrou um vídeo cujo título faz menção à BR-163. A 1min58, o vídeo mostra uma imagem muito parecida com a da estrada asfaltada utilizada no meme verificado. Na montagem abaixo, feita pelo Comprova, é possível ver o trecho do vídeo à esquerda e a imagem investigada à direita.

No final do mesmo vídeo, durante uma conversa, os motoristas relatam passar perto do restaurante Altas Horas. Já outro vídeo publicado no mesmo perfil faz referência à pavimentação da BR-163, especificando o trecho entre Novo Progresso e Moraes Almeida. Durante a gravação também é citado o Posto Sitras.

Percorrendo o trecho entre Novo Progresso e Moraes Almeida pelo Google Maps, localizamos alguns estabelecimentos comerciais, incluindo os dois citados. Pelos telefones indicados, conseguimos contato com os proprietários da Fazenda Manguaba e da Voltrucks, uma oficina mecânica de veículos pesados, localizados à margem da BR-163.

Por WhatsApp, o fazendeiro Thiago Galhardo confirmou que as duas imagens utilizadas na montagem verificada são do mesmo trecho da rodovia, a cerca de 1 km de onde mora. “Na medição antiga é o quilômetro 1151, de Cuiabá a Santarém. Ou o 624 km, de Santarém a Cuiabá. Depois que passou o asfalto, eu não sei”, afirmou.

Por meio de Galhardo, o Comprova conseguiu o telefone de Adirceu Rodrigues, proprietário do restaurante Altas Horas, localizado na BR-163 e citado no vídeo. Morador da região há 35 anos, ele confirmou que as duas imagens são do mesmo trecho da BR-163, que fica a aproximadamente 7 km do estabelecimento, sendo a de terra “do ano passado”.

Proprietário da oficina, Vanderson Lautert da Cruz indicou que a subida nas fotos é conhecida como “Morro da Santa, pelos caminhoneiros, porque em frente à árvore grande tem a casinha de uma santa”. Ele também enviou ao Comprova uma foto de dezembro de 2018 (abaixo) que mostra o mesmo local, mas de um ângulo mais distante. Na época, a estrada estava sem asfalto.

Confirmações semelhantes foram buscadas junto a órgãos oficiais. Porém, tanto o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes quanto o Ministério da Infraestrutura responderam que não seria possível identificar qual era a rodovia ou o trecho em questão, mesmo após consultados com detalhes sobre a identificação da região.

Uma das fotografias publicadas na página do restaurante Altas Horas no Google Maps mostra um carro do Dnit estacionado no local. O Comprova pediu ajuda do órgão para localizar o fotógrafo ou os ocupantes do automóvel, mas também recebeu uma negativa.

Alguns dias depois, Vanderson Lautert da Cruz, o proprietário da oficina, enviou uma nova fotografia (abaixo) mostrando o trecho da rodovia ao Comprova indicando se tratar do km 376.

A Polícia Rodoviária Federal (PRF) do Pará, o Exército e a Prefeitura de Novo Progresso não responderam os contatos feitos pelo Comprova até o fechamento desta reportagem.

O andamento da obra

Como a montagem verificada indica que a pavimentação da rodovia teria acontecido ainda nos primeiros oito meses do governo Bolsonaro, pesquisamos reportagens que tratavam do andamento das obras na BR-163 no Pará, tanto na imprensa, quanto em órgãos oficiais, a fim de confirmar a data do asfaltamento no trecho específico das fotos.

De acordo com uma notícia publicada no site oficial do Dnit, a rodovia federal se tornou completamente pavimentada no final de novembro de 2019, justamente com a conclusão das obras nos 51 km entre Moraes Almeida e Novo Progresso (ao sul). Porém, alguns trechos foram concluídos antes disso.

Em agosto, por exemplo, o trecho que interliga Moraes Almeida ao distrito de Miritiuba (ao norte) já havia sido pavimentado, conforme divulgado pelo Dnit, em outra notícia. Depois, na primeira quinzena de setembro (9º mês da gestão Bolsonaro), outros 35 km já haviam sido finalizados – incluindo um trecho entre Moraes Almeida e Novo Progresso.

Sem as informações detalhadas solicitadas ao Dnit e ao Exército, cujo 8º Batalhão de Engenharia e Construção (BEC) foi o responsável pela execução de tais obras na BR 163, o Comprova não conseguiu verificar exatamente a data em que o trecho mostrado na montagem foi asfaltado.

No entanto, o fazendeiro e os dois empresários locais consultados pela equipe confirmaram que a pavimentação ocorreu durante o ano passado, ainda que sem precisarem o mês. Além disso, vídeos de caminhoneiros publicados no final de julho, como os já citados nesta verificação, mostravam o trecho já coberto com asfalto.

Vale ressaltar que, embora o crédito da obra seja todo atribuído a Jair Bolsonaro pela montagem, a “Operação Xingu” começou em agosto de 2017, por meio da assinatura de Termo de Execução Descentralizada entre o Exército e o Dnit. Nessa época, o Executivo ainda era chefiado por Michel Temer, que permaneceu como presidente do país até o final de 2018.

Em janeiro de 2018, por exemplo, uma reportagem do G1 revelou que a maior parte da BR-163 estava pavimentada “desde Mato Grosso até Pará, restando poucos trechos em obras”, conforme informado pelo Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil à época. Os governos de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul também informaram que a rodovia, nos respectivos trechos estaduais, já era asfaltada desde antes de 2018.

A entrega oficial da BR-163 asfaltada aconteceu em 14 de fevereiro deste ano. A rodovia possui cerca de 3.500 km e corta o Brasil de norte a sul: passando por Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Pará. A BR-163 é um importante corredor de escoamento de grãos e dá acesso ao Porto de Miritituba (PA), que faz parte da rota para exportação do centro-norte do país.

Por que investigamos?

Na terceira fase, o Comprova verifica conteúdos sobre a pandemia da covid-19 e as políticas públicas do governo federal. Uma publicação falsa ou enganosa sobre essas realizações resulta em interpretações equivocadas sobre a realidade e a efetividade dos representantes políticos, os quais são escolhidos por meio das eleições.

Até o dia 15 de outubro, a publicação original tinha 41 mil compartilhamentos. Só um deles, feito no Facebook, registrou mais 2.200 reproduções e mais de 6 mil interações. Durante o ano passado, dezenas de posts semelhantes, com as mesmas imagens, também circularam pelas redes sociais.

No ano passado, a BR-163 já havia sido alvo de uma verificação do Comprova, por causa de uma publicação que atribuia, equivocadamente, melhorias na rodovia ao Governo Bolsonaro. Neste ano, o Comprova verificou diversas publicações envolvendo estradas, entre elas: alegações de que o Exército teria arrumado a rodovia Transamazônica e imagens de obras de governos petistas sendo atribuídas a Bolsonaro. Mais recentemente, um tuíte enganoso também foi investigado, por dizer que a Ferrovia do Sol estava prestes a ser implementada.

Comprovado, para o Comprova, é um fato verdadeiro; evento confirmado; localização comprovada.

Comunicados

Abraji lança Comprova + Comunidades

  • + Comunidades
+ Comunidades
Oito iniciativas de jornalismo que atuam em comunidades ou com temáticas raciais e religiosas participam de um projeto especial do Comprova em parceria com Embaixada e Consulados dos Estados Unidos no Brasil

Oito novas iniciativas dedicadas ao jornalismo se unem aos 28 veículos que integram o Projeto Comprova para trabalhar contra a desinformação. O grupo é formado por coletivos e agências das cinco regiões do país e que estão conectadas a públicos segmentados por territórios, temáticas raciais ou religiosas e a comunidades vulneráveis. Os oito novos integrantes atuarão no Comprova por seis meses, graças a um convênio da Missão Americana no Brasil com a Abraji para combater desinformação relacionada à COVID-19.

Os coletivos e agências estão recebendo treinamento para verificação, apoio para aquisição de equipamentos e uma ajuda financeira para remunerar os profissionais que atuarão no Comprova. Além do trabalho colaborativo nas investigações, espera-se que os novos participantes possam ajudar na criação de novas narrativas que ajudem a disseminar o resultado das verificações feitas pelo Comprova.

Fazem parte do projeto as seguintes agências e coletivos:

  • Marco Zero Conteúdo – coletivo de jornalismo independente em Recife que realiza cobertura local e regional, com foco no interesse público e nos setores mais vulneráveis da população.
  • Agência Mural de Jornalismo das Periferias – tem como missão minimizar as lacunas de informação e contribuir para a desconstrução de estereótipos sobre as periferias da Grande São Paulo.
  • Bereia – coletivo de jornalismo colaborativo para verificação de notícias em ambientes digitais religiosos.
  • Rádio Noroeste – instrumento de fortalecimento da cultura local, por meio da valorização das raízes e tradições populares, do esporte e lazer que animam a comunidade, e da economia da região noroeste de Goiânia.
  • Amazônia Real – agência que nasceu com o objetivo de fazer jornalismo independente, investigativo e pautado nas questões da Amazônia e de seu povo.
  • Coletivo Niara – grupo criado em 2014 por alunos da Universidade Federal do Pampa, campus São Borja, com o objetivo de acolher os ingressantes pretos e criar uma comunidade de apoio.
  • Alma Preta – agência de jornalismo especializada na temática racial do Brasil, cujo objetivo é construir um novo formato de gestão de processos, pessoas e recursos por meio do jornalismo qualificado e independente.
  • Favela em Pauta – portal de notícias formado por jornalistas baseados em favelas e periferias das cinco regiões do Brasil e que exerce a comunicação sob a perspectiva jovem, negra e periférica, utilizando as técnicas do jornalismo profissional.

Para o presidente da Abraji, Marcelo Träsel, a inclusão das agências e coletivos amplia o alcance do Comprova junto a públicos ainda pouco atendidos. Também é mais um passo no compromisso da atual gestão em aumentar a diversidade nas atividades da associação.

“Informações falsas podem até matar. Principalmente na área de saúde. Esperamos que esse programa possibilite que informações de qualidade cheguem a brasileiros que nem sempre têm acesso a esse tipo de checagem”, disse o adido de imprensa do Consulado dos Estados Unidos em São Paulo, Philip Drewry. “Nosso objetivo é garantir que brasileiros tenham à disposição as informações de que precisam para tomar decisões embasadas e conscientes.”

O Projeto Comprova é uma iniciativa da First Draft, liderada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). As organizações de mídia envolvidas na terceira fase do Comprova são: A Gazeta, Gazeta do Sul, AFP, Band News, Band TV, Band.com.br, Canal Futura, Correio (da Bahia), Correio de Carajás, Correio do Estado, Correio do Povo, Diário do Nordeste (CE), Estado de Minas, Exame, Folha de S.Paulo, GaúchaZH, Jornal do Commercio, Metro Brasil, Nexo Jornal, NSC Comunicação, O Estado de S. Paulo, O Popular, O Povo, Poder360, Rádio Band News FM, Rádio Bandeirantes, revista piauí, SBT e UOL.

Google News Initiative e Facebook Journalism Project ajudaram a financiar o Comprova, e ambas as empresas estão fornecendo suporte técnico e treinamento para as equipes envolvidas.

O Comprova tem como parceiros institucionais a Associação Nacional de Jornais no Brasil (ANJ), o Projor, a Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), a agência Aos Fatos e a RBMDF Advogados.

Os parceiros de tecnologia são CrowdTangle, NewsWhip, Torabit, Twitter e WhatsApp.

Saúde

Investigado por: 2020-10-16

Frase de enviado da OMS é retirada de contexto para sugerir que entidade condena lockdown

  • Enganoso
Enganoso
A fala de um enviado especial da OMS, tratado em um post no Twitter como diretor da entidade, foi tirada de contexto. A entidade admite que há impactos econômicos e sociais negativos com a adoção de lockdown, mas isso não significa que a OMS tenha mudado de opinião. Políticas de isolamento continuam sendo parte da estratégia de contenção de contágio, para “achatar a curva” de contágio e evitar a superlotação de hospitais
  • Conteúdo verificado: Post da deputada federal Major Fabiana usa fala de um representante da OMS para sugerir que a entidade mudou de opinião em relação à adoção de políticas de como meio de controle do vírus da covid-19

É enganoso o tuíte de uma deputada federal do PSL que imputa à Organização Mundial de Saúde (OMS) uma mudança de posição a respeito da utilização de lockdowns no controle da pandemia da covid-19. Em seu post, a parlamentar tira de contexto uma frase de um representante da OMS proferida durante entrevista a um site britânico em 9 de outubro.

Na ocasião, David Nabarro – que é enviado especial da organização e não seu diretor, como afirma a deputada –, de fato destacou os impactos econômicos e sociais negativos dos lockdowns. Isso não significa, no entanto, que a OMS tenha mudado de posição. Na mesma entrevista, Nabarro afirmou que os lockdowns são justificados em momentos de crise, para reorganizar os sistemas de saúde e proteger os profissionais que estão na linha de frente do combate à doença. A ideia desta prática é “achatar a curva” de contágio, evitar a superlotação de hospitais e, depois, permitir a reabertura das economias.

Nas redes sociais, a declaração crítica aos lockdowns de Nabarro foi utilizada para referendar de maneira retroativa a posição de determinados líderes políticos que eram contrários a esta prática mesmo nos momentos iniciais de crise da pandemia, quando as autoridades sanitárias recomendavam o fechamento de diversos setores da economia. A deputada federal cujo tuíte foi verificado é major da Polícia Militar do Rio de Janeiro e se define como “deputada federal da base do presidente” Jair Bolsonaro (sem partido).

Três dias depois da entrevista de Nabarro, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, criticou a dicotomia entre o fechamento das economias por tempo indeterminado e deixar a circulação do vírus livre – defendida por Bolsonaro e também por Donald Trump nos Estados Unidos, por exemplo. De acordo com Tedros, a entidade recomenda como forma principal de combate à pandemia medidas como detecção de casos, testagem em massa, rastreamento de contatos, quarentena para os infectados, higienização e máscaras.

Ao Comprova, a epidemiologista Denise Garrett, que atua no Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, destacou que os lockdowns e essas medidas de contenção citadas pelo diretor da OMS são parte da mesma estratégia. “O que precisamos é um plano, uma estratégia e articulação, de preferência a nível nacional, o que infelizmente não temos no Brasil”, afirmou.

Como verificamos?

Inicialmente, fizemos uma busca no Google para saber se algum representante da OMS havia falado recentemente sobre os lockdowns como uma estratégia de enfrentamento à pandemia. Por meio de uma matéria da revista Veja, descobrimos que a declaração havia partido de David Nabarro, enviado especial da OMS para lidar com a crise da covid-19, em uma entrevista ao site The Spectator. A partir daí, localizamos uma matéria do site britânico e um vídeo da entrevista, por meio do qual foi possível saber exatamente o contexto em que Nabarro usou a frase. Paralelamente, conseguimos confirmar as credenciais de Nabarro no site oficial da OMS.

A partir daí, enviamos questionamentos à assessoria de imprensa da OPAS, entidade que representa a OMS nas Américas, para saber qual o posicionamento da entidade sobre o uso de lockdowns e quais são as estratégias recomendadas pela entidade para enfrentar o novo coronavírus. Também buscamos no site da OMS o último comunicado sobre as estratégias para conter o SARS-CoV-2 divulgado pelo diretor da entidade, Tedros Adhanom.

Entrevistamos a epidemiologista Denise Garrett, que há mais de 20 anos é afiliada ao Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos e o mestre em saúde pública Márcio Sommer Bittencourt, pesquisador do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica da USP (CPCE-USP) e membro do grupo de pesquisa Infovid, sobre a adoção de lockdowns e medidas de fechamento das atividades econômicas adotados no Brasil. Também procuramos a assessoria da deputada federal Major Fabiana, que publicou o tuíte, mas ela não respondeu até a publicação desta verificação.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 16 de outubro de 2020.

Verificação

A fala de Nabarro

Embora esteja ligado à OMS, David Nabarro não é um dos diretores da organização. Ele atua como enviado especial da OMS para assuntos relacionados à pandemia. Nabarro e outras cincos pessoas integram um grupo de enviados especiais da OMS que tem por objetivo promover conselhos estratégicos a governos. O anúncio com os nomes dessa equipe ocorreu em 21 de fevereiro de 2020.

No vídeo da entrevista, a resposta de Nabarro sobre o tema lockdown na pandemia é um pouco mais completa do que a transcrição que viralizou. Ele diz que o lockdown deveria ser usado para ganhar tempo até que os governos desenvolvam estratégias melhores de controle do vírus.

Em tradução livre, a fala do enviado especial começou assim: “Um ponto realmente importante (…). Eu gostaria de afirmar novamente: nós, da Organização Mundial de Saúde, não defendemos o lockdown como o primeiro meio de controle do vírus. O único momento em que nós acreditamos que o lockdown é justificado é para ganhar tempo para reorganizar, reagrupar e rebalancear seus recursos; proteger seus profissionais de saúde que estão exaustos. Mas, em geral, nós preferimos não fazer isto”.

Nabarro segue sua resposta pedindo para que se olhe “o que está acontecendo com a indústria do turismo no Caribe ou no Pacífico porque as pessoas não estão tirando suas férias”. Ele também menciona a situação dos “pequenos proprietários agrícolas em todo o mundo porque seus mercados foram fechados” e os níveis de pobreza, que segundo ele, em 2021, podem dobrar no mundo.

Na sequência, ele reforça que talvez dobremos também o número de crianças mal nutridas “porque as crianças não estão se alimentando nas escolas e os seus pais, nas famílias mais pobres, não são capazes de pagar por isso”. Ele define a situação como “uma terrível e medonha catástrofe global”.

Ele finalizou dizendo: “Nós realmente pedimos a todos os líderes mundiais: parem de usar o lockdown como o seu primeiro método de controle. Desenvolvam sistemas melhores para fazer isso. Trabalhem juntos e aprendam uns com os outros. Mas se lembrem que lockdowns têm uma consequência que você nunca deve menosprezar. E ela é fazer pessoas pobres ainda mais pobres.”

O que a OMS pensa sobre lockdown

Quatro dias após a entrevista de Nabarro, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, leu um comunicado criticando a ideia de deixar as pessoas expostas ao vírus para atingir a imunidade de rebanho. “Não é uma escolha entre deixar o vírus livre para circular ou fechar nossas sociedades. O vírus é transmitido entre contatos próximos e causa surtos que podem ser controlados através de medidas direcionadas. Prevenir eventos amplificadores; proteger os mais vulneráveis; empoderar, educar e engajar comunidades. E persistir com as mesmas ferramentas que nós temos defendido desde o primeiro dia: encontrar, isolar, testar e cuidar dos casos, encontrar e pôr em quarentena seus contatos”, afirmou.

No mesmo comunicado, também disponível em vídeo no site da entidade, ele lembrou que há várias ferramentas disponíveis para combater a pandemia. “A OMS recomenda a identificação dos casos, isolamento, testagem, cuidado compassivo, rastreamento de contatos, quarentena, distanciamento físico, higienização das mãos, máscaras, etiquetas respiratórias, ventilação, evitar multidões e mais”, afirmou.

Adhanom também disse reconhecer que, em certos momentos, alguns países não tiveram escolha a não ser emitir ordens para que as pessoas permanecessem em casa como uma medida para ganhar tempo. “Muitos países usaram esse tempo para desenvolver planos, treinar profissionais de saúde, distribuir suprimentos, aumentar a capacidade de testagem, reduzir o tempo dos testes e melhorar o cuidado com os pacientes. A OMS está esperançosa que os países irão utilizar as intervenções onde e quanto necessárias, baseados em suas situações locais”, prosseguiu.

Procurada pelo Comprova, a OPAS enviou uma nota por e-mail afirmando que os lockdowns voltaram a ser um tópico de discussão no momento em que os países voltam a enfrentar picos da covid-19. Embora veja essa medida como “não sustentável”, a OMS entende que ela pode ser necessária para suprimir rapidamente o vírus e evitar que o sistema de saúde do país seja sobrecarregado. “Lockdowns não são soluções sustentáveis devido a seus impactos econômicos, sociais e de saúde mais amplos. No entanto, durante a pandemia de covid-19, houve momentos em que as restrições foram necessárias e pode haver outros momentos no futuro”, afirma a OMS.

A entidade defende que, por causa dos seus impactos econômicos e sociais, os lockdowns precisam ter duração limitada e devem ser utilizados para que o país possa preparar medidas de saúde pública de longo prazo e buscar soluções mais sustentáveis. A OPAS também enviou ao Comprova uma lista de orientações e precauções relacionadas à pandemia que devem ser seguidas por cidadãos e governos.

Orientações da OMS:

  • Identificar casos da covid-19
  • Isolar pessoas com casos confirmados
  • Testar e cuidar de cada pessoa com caso confirmado
  • Rastrear e colocar em quarentena todos os contatos dessas pessoas
  • Equipar e treinar profissionais de saúde
  • Educar e capacitar as comunidades a protegerem a si e aos outros

Precauções relacionadas à covid-19:

  • Distanciamento físico (pelo menos 1 metro)
  • Lavar/higienizar as mãos
  • Usar uma máscara quando o distanciamento físico não for possível
  • Tossir e espirrar a uma distância segura das outras pessoas
  • Evitar aglomerações
  • Manter as janelas e portas abertas quando você não puder encontrar amigos e familiares do lado de fora

Especialistas

A epidemiologista Denise Garrett, filiada há mais de 20 anos no Centro de Controle e Prevenção de Doenças, em Atlanta, nos Estados Unidos, explicou por que as adoções de lockdowns foram importantes no início da pandemia: “Foram importantes para nos dar mais tempo de aprender a tratar melhor os pacientes e preparar o sistema de saúde. Salvaram milhões de vidas e temos vários estudos científicos mostrando esse impacto.”

Garrett, que também é vice-presidente do Sabin Vaccine Institute, reforçou que o lockdown não é uma medida a ser adotada por longo tempo.

“Essa é uma medida temporária para criarmos uma estratégia de controle e nos prepararmos”, disse. “Mas também não podemos simplesmente deixar o vírus correr solto. O que precisamos é um plano, uma estratégia e articulação, de preferência a nível nacional, o que infelizmente não temos no Brasil.”

Para a médica é preciso ‘abordagens mais diferenciadas e direcionadas usando dados sobre nossas epidemias locais’, o que consequentemente exigirá investimentos, sobretudo, em testes. Desta maneira é possível elaborar intervenções para abordar o que está acontecendo nas comunidades, adaptando as intervenções e realizando alterações necessárias à medida que as evidências também mudam.

Ela finalizou enfatizando que, “até termos uma vacina efetiva e segura, nós precisamos desacelerar a transmissão com medidas restritivas planejadas e direcionadas”.

O Comprova ouviu também o mestre em saúde pública Márcio Sommer Bittencourt, pesquisador do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica da USP (CPCE-USP) e membro do grupo de pesquisa Infovid. Ele acredita que as pessoas estão usando o lockdown de forma política, até mesmo porque não se tem uma definição homogênea da OMS do que é o lockdown.

“Lockdown é uma expressão que as pessoas inventaram e que não tem uma definição tão clara do que é. Em alguns países está se chamando de lockdown uma intervenção muito mais intensa que em outros países que também estão adotando lockdown com uma intervenção muito menos intensa”.

Bittencourt explicou que a OMS propõe uma “estratégia multifacetada de intervenções comunitárias, também chamada de intervenções não-farmacológicas, que atuam em várias direções”. Ele também expôs quais são os pilares dessa estratégia.

“O primeiro pilar é o isolamento de caso, depois vem a quarentena de contatos, seguido das medidas de bloqueio físico e bloqueio químico e o quarto pilar é evitar medidas de super disseminação”.

Ele reforçou que os quatro pilares são a parte principal da estratégia de manutenção de controle para Covid-19. E que existe um quinto pilar, o do distanciamento físico, que segundo ele é mais flexível.

“Nele você inclui desde pedir para as pessoas ficarem a dois metros umas das outras até pedir para fechar estabelecimentos, proibir viagem, reduzir o número de pessoas no restaurante e etc. Ou num caso muito extremo, particular e por período curto de tempo, quando está muito intenso, pedir até fechamento completo de uma cidade e todo trânsito não essencial”.

O pesquisador enfatizou que a adoção de lockdown não é a primeira estratégia, não é primordial e não é obrigatoriamente necessária.

“É uma medida de exceção, quando os outros quatro pilares não podem ser implementados adequadamente ou ainda não foram implementados adequadamente. Ou até mesmo, quando já foram e não estão dando conta, você vai intensificando as medidas de distanciamento. Idealmente, você não deveria chegar num lockdown ou num fechamento tão extremo. Essa seria uma medida de último recurso que pode sim ser necessária e que é sim eficaz”

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova investiga conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais sobre a pandemia e sobre políticas públicas do governo federal. Quando esses conteúdos tratam de formas de prevenção ou de tratamento da doença causada pelo novo coronavírus, a checagem se torna ainda mais importante, já que a desinformação pode levar as pessoas a deixarem de se proteger e se expor a riscos desnecessários, durante uma doença que já causou 152,4 mil mortes e infectou 5,1 milhões de pessoas no Brasil, segundo o Ministério da Saúde.

A publicação da deputada federal Major Fabiana teve 1,1 mil compartilhamentos e 5,8 mil curtidas no Twitter. Conteúdo similar publicado no site Frontliner teve 3 mil interações nas redes sociais, segundo a plataforma de monitoramento CrowdTangle. O tema também tem importante repercussão política, uma vez que o presidente Jair Bolsonaro e diversos governadores entraram em atrito durante a pandemia por causa de medidas de fechamento da economia para conter a propagação do Sars-CoV-2.

Recentemente, o Comprova mostrou que um tuíte enganou ao questionar a compra de vacinas pelo governo de São Paulo; que um post distorceu informações para insinuar que China não usará a própria vacina; que um estudo distorce dados para dizer que países que usaram a hidroxicloroquina tiveram 75% menos mortes pela covid-19; e que vacinas contra o novo coronavírus não serão capazes de provocar danos genéticos nem vão monitorar a população.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-10-16

Deputado usa dados imprecisos para colocar em dúvida a eficiência de medidas de distanciamento social

  • Enganoso
Enganoso
Tuíte mistura dados corretos com outros imprecisos, exagerados ou não consolidados para criticar medidas de isolamento tomadas por estados brasileiros
  • Conteúdo verificado: Tuíte do deputado e ex-ministro Osmar Terra que coloca em dúvida eficácia de quarentena e lockdown ao comparar dados sobre excesso de mortalidade

É enganoso o tuíte em que o deputado federal Osmar Terra (MDB) questiona a eficácia das medidas de distanciamento social. No post que viralizou nas redes, ele argumenta que alguns estados tiveram mortes a mais do que outros apesar de todos terem colocado em prática quarentena e lockdown. Segundo especialistas ouvidos pelo Comprova, o argumento não faz sentido, pois as medidas foram aplicadas de maneiras diferentes em cada estado.

Terra também exagera ao escrever, sem citar fontes, que 90% das mortes pela covid-19 na Itália aconteceram no Norte do país. As duas regiões que compõem o norte italiano registraram, até 4 de outubro — data em que parlamentar fez a postagem —, segundo dados oficiais do governo, 30.464 mortes, o equivalente a 84,2% das mortes registradas no país até a data (90% seriam 32.387 vidas perdidas). A diferença entre a porcentagem apontada pelo parlamentar e a constatada pelo Comprova equivale a mais de 2 mil mortes.

O deputado usa ainda a porcentagem de excesso de mortes (comparação entre o número de óbitos por causas naturais que ocorreram neste ano, com a pandemia, e em 2019) em locais pontuais do país, como Amazonas e região Sul, mas o “Painel de análise do excesso de mortalidade por causas naturais no Brasil em 2020”, criado pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) para monitorar óbitos em tempos de coronavírus, apresenta números diferentes do que os utilizados pelo ex-ministro. Já no Registro Civil o levantamento apresenta dados praticamente iguais aos dele. No entanto, no Registro Civil os dados são atualizados com atraso, ou seja, é incorreto chegar a conclusões a partir do excesso de mortes com as informações disponíveis.

O Comprova entrou em contato com Osmar Terra, mas não recebeu retorno até a publicação desta reportagem.

Como verificamos?

Para entender as comparações que o ex-ministro faz nas redes sociais, entramos em contato com seu gabinete por meio do e-mail disponível em sua página na Câmara de Deputados e também via WhatsApp. Não houve retorno até o momento da publicação desta reportagem.

Procuramos, então, órgãos que monitoram dados sobre óbitos, em tempos de pandemia e também em anos anteriores. Consultamos o “Painel de análise do excesso de mortalidade por causas naturais no Brasil em 2020” do Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass), o Portal Transparência do Registro Civil e o DataSUS.

Buscamos ainda auxílio de especialistas para tentar interpretar o conteúdo criado por Osmar Terra. Colaboraram o professor titular de epidemiologia do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA) e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Naomar de Almeida Filho; a epidemiologista e consultora-sênior da organização global de saúde pública Vital Strategies, Fatima Marinho; o epidemiologista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Paulo Petry; e o epidemiologista professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Fernando Barros.

Também nos apoiamos em verificações anteriores feitas pelo Comprova, como a que contesta que os registros de óbitos em cartórios confirmam dados da pandemia no Brasil e a que aponta erroneamente que a pandemia estaria em declínio após zerar excesso de mortes.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 15 de outubro de 2020.

Verificação

Quarentena e lockdown

Osmar Terra minimiza os efeitos do distanciamento social ao escrever no tuíte o que parece ser um questionamento, mesmo sem ponto de interrogação: “Se todos Estados brasileiros fizeram quarentena e lockdown, por quê uns tiveram muito mais mortes do que outros. (sic)”.

Vale lembrar que quarentena e lockdown são recursos distintos, porém, ambos usam o artifício do isolamento social. Para a OMS, distanciamento social são as medidas aplicadas a entornos sociais específicos, ou à sociedade em sua totalidade, para reduzir o risco de adquirir ou difundir a covid-19. O lockdown é a forma mais radical, quando as pessoas são proibidas de sair de casa — salvo exceções, como atendimento médico. Já o isolamento, também chamado de confinamento ou quarentena, é a separação de pessoas doentes para não propagar a infecção. De acordo com a assessoria de imprensa da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), braço pan-americano da OMS, “distanciamento social e isolamento são algumas das medidas não farmacológicas recomendadas no contexto da covid-19”.

No Brasil, como afirma Terra, todos os estados decretaram, em algum momento, quarentena ou lockdown. Porém, alguns usaram o termo quarentena para instaurar o fechamento de serviços não essenciais, como São Paulo e Roraima.

O epidemiologista Naomar de Almeida Filho avalia que o distanciamento social foi uma medida importante para evitar maior contágio e consequentemente novas mortes. “O fato é que houve enorme variação na natureza e intensidade das medidas, e em pouquíssimos lugares houve lockdown efetivo”, diz. Almeida Filho destaca que fez parte de uma equipe que pesquisou a situação nos estados do Nordeste. “A conclusão foi de que, apesar de as respostas terem sido bastante distintas pelos estados, dada a ausência de medidas centralizadas emanadas do governo federal, houve uma importante redução no número de óbitos pela covid-19 na região, como resultado das medidas de distanciamento físico e de ações na saúde tomadas pelos governos estaduais”, afirma.

Circulação prévia e frio

Ao fim do texto, Osmar Terra diz que “no Sul o vírus não circulou como no restante do país e só aumentou o contágio com o frio do inverno.”

A metodologia mais adequada para medir circulação do Sars-CoV-2 são os estudos de prevalência (pesquisa que rastreia a covid-19 na população). Conforme matéria de GZH de setembro, a quarta fase do estudo epidemiológico sobre a covid-19 no país coordenado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a Epicovid, mostrou que “o maior percentual de infecção (número de pessoas que testaram positivo) foi registrado nas regiões Norte (2,4%) e Nordeste (1,9%). No Sul, Centro-Oeste e Sudeste, ficou em 0,5%”.

O epidemiologista Paulo Petry explica que a data de chegada do vírus ou os locais onde circulou não devem ser fatores primordiais de análise. “O que interessa não é quando o vírus chegou, mas sim que medidas tomamos para enfrentar o vírus”, afirma. Sobre o frio, ele alerta que o “vírus não respeita temperatura”.

O também epidemiologista Fernando Barros, professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e um dos integrantes do Epicovid, acrescenta que a circulação do vírus tem se dado em momentos diferentes em cada região. “O vírus está circulando no país desde março. Em alguns locais esta circulação já foi muito intensa, como foi o caso do Norte, Nordeste e Sudeste. A circulação diminuiu em grande parte devido às medidas de distanciamento social. No Sul e no Centro-Oeste a circulação mais intensa começou mais tarde.”

Sobre a questão do frio, o médico afirma que doenças respiratórias têm, em geral, uma maior prevalência nos meses de inverno no Sul do país. “Mas a temperatura tem pouca influência na covid-19, como vimos pelas altas taxas nos estados da Região Norte. O aumento da mortalidade por covid-19 no RS coincidiu com o inverno, mas não há como saber se foi pelo frio e maior contaminação intradomiciliar. No Sudeste, o pico da mortalidade foi no fim do outono.”

Barros arremata pontuando que “doenças respiratórias costumam ser sazonais, mas o distanciamento social pode modificar este comportamento”.

Na Itália

No tweet verificado aqui, Osmar Terra afirma também que “a Itália concentrou 90% das mortes por covid no norte do país”. Na divisão administrativa da Itália não consta uma região norte, mas entende-se este termo como uma referência às oito regiões que ficam na porção mais ao norte do país.

Há na Itália cinco macrorregiões: noroeste, nordeste, centro, sul e as ilhas. A macrorregião noroeste é composta por quatro regiões (Piemonte, Lombardia, Liguria e Valle d’Aosta) e a nordeste por outras quatro (Emilia-Romagna, Trentino-Alto Adige, Veneto e Friuli-Venezia Giulia). Juntas, essas regiões registraram, até 4 de outubro, segundo dados oficiais do governo italiano, 30.333 mortes. Isso corresponde a 84,2% das 35.986 mortes registradas em todo o país até a mesma data.

Reprodução de mapa do site http://opendatadpc.maps.arcgis.com/ que usa dados oficiais do governo italiano

Os dados

A postagem de Osmar Terra vem acompanhada de uma imagem. Nela, o parlamentar segue o raciocínio iniciado no tuíte. Entre as afirmações, está a de que “No Brasil acontece um aumento médio anual de 4%”, referindo-se à série histórica de mortalidade para comparar com o que chama de mortes excedentes. Esse excesso de mortalidade é a diferença entre o número de óbitos esperados e o observado em determinado período.

Não fica claro qual o recorte dado por Terra para o índice de 4%. Contudo, levando em conta dados do mesmo Portal Transparência de registros de óbitos, a porcentagem mencionada por Terra não está correta. Em um recorte anual, feito em 15 de outubro, do total de mortes no país desde 2015, primeiro ano de registro no portal, até 2019 (ano mais recente com informações completas), o crescimento de mortes foi de:

  • 13,6% entre 2015 e 2016 (879.181 para 998.977),
  • 4,02% entre 2016 e 2017 (998.977 para 1.039.147),
  • 13,9% entre 2017 e 2018 (1.039.147 para 1.184.544)
  • 5,4% entre 2018 e 2019 (1.184.544 para 1.249.039).

De acordo com DataSUS, ferramenta de estatísticas do Ministério da Saúde para obter dados de morbidade hospitalar no Sistema Único de Saúde (SUS), e com números consolidados mais recentes de 2018 – a conta também não fecha. Os acréscimos foram:

  • 3,6% entre 2015 e 2016 (1.264.175 para 1.309.774)
  • 0,2% entre 2016 e 2017 (1.309.774 e 1.312.663)
  • 0,3% entre 2017 e 2018 (1.312.663 para 1.316.719)

O epidemiologista Naomar de Almeida Filho vê inconsistência na comparação feita pelo deputado.

“O problema em usar indicadores de excesso de mortalidade comparativamente com anos anteriores está no atraso na consolidação dos dados, que demoram no SIM (Sistema de Informações de Mortalidade) para estabilizar”, afirma. “Os coeficientes de mortalidade infantil, geral e proporcional por causas só são publicados com um ‘atraso’ de em média dois anos. (…) Todo mundo sabe que leva um tempo longo (até dois anos) para os certificados serem auditados, compilados e, finalmente, chegarem ao registro de óbitos. Por isso, o SIM (Sistema de Informações sobre Mortalidade), que pertence ao DataSUS, só tem fechado o ano de 2018.”

Fatima Marinho também contesta o que escreve o deputado emedebista. Para ela, quando se trabalha com a mortalidade média do país existe um comportamento diferente de quando se avalia partes da nação.

“Não se pode aplicar um raciocínio para o geral e depois por estado. Como é dito, se a mortalidade aumenta 4% ao ano, não se pode atribuir isso a todos os estados. Se 4% é a média, vai ter gente com mais e gente com menos”, explica Fatima, acrescentando: “Aí ele pega os 4% e vai comparar com o Amazonas que diz ser de 33%. Não se pode aplicar um raciocínio para o todo, que é média, para parte do todo”.

Fatima complementa ainda indicando o Painel de Monitoramento de Excesso de Mortalidade. Trata-se de um compilado de análises feitas do início da primeira semana epidemiológica de 2020 (29/12/2019) até o fim da 36ª semana epidemiológica (05/09/2020). Para isso, o monitoramento usa três diferentes fontes de dados: Portal da Transparência dos Cartórios do Registro Civil do Brasil, Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e as estimativas populacionais preliminares elaboradas pelo Ministério da Saúde. “Observem o Piauí, como é sub-registrado o óbito no cartório. Vejam os estados com sub-registro e com bom registro. Qualquer análise e conclusão que use o dado do portal da transparência sem correção está errada”, avalia Fatima.

Estados e seus índices

Em determinado trecho do tuíte, Osmar Terra elenca estados e regiões com porcentagens que, ao que tudo indica, fazem referência ao excesso de mortalidade. Conforme o deputado: “o aumento maior em 2020 foi no Amazonas (33%), Ceará (32%) e Maranhão (27%). Os 3 Estados do Sul não tiveram aumento em relação ao número previsto, sem pandemia, e o Piauí teve menos 6% de mortes do que em 2019”.

A origem dos dados é desconhecida. Entretanto, fizemos uma análise com base em duas fontes: o painel de análise do excesso de mortalidade por causas naturais no Brasil em 2020 do Conass e o Portal Transparência do Registro Civil. No primeiro os números diferem completamente com os colocados pelo deputado, já o segundo é praticamente igual.

Conforme informações do Conass (que tem compiladas métricas até agosto), as porcentagens de excesso de mortalidade neste ano são 74% para o Amazonas, 58% para o Maranhão e 53% para o Ceará. O Piauí, onde o parlamentar diz ter menos mortes na comparação com 2019, aparece no painel do Conass com aumento de 8%. A região Sul também teve alta no índice, ainda que pequena, de 5%. O Rio Grande do Sul teve acréscimo de 2%, já Santa Catarina e Paraná, de 7% cada. Considerando-se todo o território nacional houve um salto de 22%, conforme o Conass.

No Portal da Transparência do Registro Civil selecionamos os meses de janeiro a setembro, considerando que os dados mencionados por Osmar seriam desses meses, já que o tuíte data de 4 de outubro. O site não oferece registros de mortes por dia, como contabiliza Terra ao afirmar: “Como 2020 nao se completou é possível calcular pela taxa/dia e comparar com os anos anteriores, para ver as mortes excedentes causadas pela Covid.” Então, usamos as informações sobre os meses fechados (de janeiro a setembro) e comparamos 2019 com 2020 para os estados e regiões mencionadas pelo ex-ministro. Os resultados, desta vez, apresentam pouca variação se comparados ao que informou o ex-ministro. Houve realmente aumento das mortes em 33% no Amazonas e 32% no Ceará, bem como redução em torno de 6% no Piauí. Já o Maranhão apresentou acréscimo de 28% nos óbitos e a região Sul de 2%.

Esse cálculo foi feito com base nos dados do portal em 15 de outubro. Mesmo que os índices sejam similares com os apontados por Terra, vale lembrar que o site tem atualizações constantes e há atraso nos registros.

O portal é mantido pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil) que em verificação anterior, por meio de nota, afirmou ao Comprova que o site é alimentado de “hora em hora” em dias úteis. A entidade diz que a recomendação é de que as análises dos dados disponíveis considerem os números anteriores a um intervalo de 15 dias — contados retroativamente a partir do dia presente.

O Portal da Transparência informa que “a atualização pelos registros de óbitos lavrados pelos Cartórios de Registro Civil obedece a prazos legais”. Esse prazo leva em conta que “a família tem até 24 horas após o falecimento para registrar o óbito em cartório que, por sua vez, tem até cinco dias para efetuar o registro de óbito”. Considera que o cartório tem ainda oito dias para enviar o registro à Central Nacional de Informações do Registro Civil, que atualiza o portal. No total, oficialmente, são 14 dias.

Quem é Osmar Terra

Osmar Terra exerce o sexto mandato na Câmara dos Deputados, representando o Rio Grande do Sul. Em 2016, foi Ministro do Desenvolvimento Social no governo de Michel Temer (MDB) e ocupou a pasta da Cidadania já na gestão de Jair Bolsonaro, em 2019.

O deputado federal é formado em Medicina e foi presidente do Grupo Hospitalar Conceição entre 1986 e 1989. Também ocupou o cargo de secretário da Saúde do Rio Grande do Sul de 2003 a 2010, nas gestões de Germano Rigotto (MDB) e Yeda Crusius (PSDB).

Terra é um apoiador de Jair Bolsonaro e, seguindo o discurso do presidente, já negou a gravidade da pandemia em diversas ocasiões — inclusive no post verificado aqui, em que usa o termo “epidemia” e não pandemia. Chegou a afirmar que o distanciamento social não tinha eficácia comprovada, que as mortes pelo novo coronavírus no Brasil não passariam o número de óbitos por H1N1 e declarou que a pandemia terminaria em junho. Já em agosto, compartilhou imagens antigas para criticar o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PHS).

Por que investigamos?

Nesta terceira fase, o Comprova verifica conteúdos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia. Em ano de eleitoral, quando disputas políticas estão acirradas, o coronavírus tornou-se tema de debates em campos ideológicos opostos.

É preciso atenção para que informações não comprovadas influenciem a população a diminuir cuidados básicos para frear a continuidade do contágio, como o distanciamento social e as etiquetas de saúde (higiene das mãos e uso de máscara, por exemplo).

O post do deputado Osmar Terra subestima a tragédia de 152.460 mortos e mais de cinco milhões de infectados, conforme informações do Ministério da Saúde.

A publicação do parlamentar no Twitter teve mais de 2,5 mil interações de acordo com a ferramenta CrowdTangle — entre curtidas, comentários e compartilhamentos.

Em março, o Comprova verificou um vídeo em que Terra defende o isolamento vertical, afirmando que apenas idosos e pessoas de grupos de risco deveriam ficar isoladas. As imagens circularam como se fossem do cardiologista Adib Jatene, falecido em 2014. O Comprova também checou outro conteúdo lançado na rede pelo parlamentar em que ele usa dados de internações por covid-19 no Grupo Hospitalar Conceição (GHC), em Porto Alegre, para afirmar que a epidemia estaria reduzindo no Rio Grande do Sul.

O projeto averiguou ainda materiais que tentam diminuir ou subestimar a força do coronavírus. Entre eles, sobre posts que distorcem dados de 2019 e 2020 para negar as então mais de 100 mil mortes por covid-19, a que contesta os registros de óbitos em cartórios confirmam dados da pandemia no Brasil e a que aponta erroneamente que a pandemia estaria em declínio após zerar excesso de mortes.

Enganoso, para o Comprova, é todo o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado. É o caso da publicação de Osmar Terra, que usa números reais para chegar a uma conclusão que não é verdadeira.

Aviso de atualização: Esta verificação foi atualizada em 20 de outubro para corrigir uma informação que constava do segundo parágrafo do texto. Ao fazer os cálculos sobre mortes por Covid-19 no norte da Itália, o Comprova considerou a data de 14 de outubro, quando foi feita esta verificação. Na versão atual, refizemos os cálculos considerando a data de 4 de outubro, quando o post de Osmar Terra foi publicado. Com isso, foi dada nova redação ao segundo parágrafo da seção “Na Itália” que reproduzia os mesmos dados. Essa atualização não muda as conclusões da verificação.

Política

Investigado por: 2020-10-15

Bolsonaro não é o primeiro presidente a visitar a Ilha de Marajó com primeira-dama e ministros

  • Falso
Falso
Ao contrário do que afirma uma publicação de grande alcance no Twitter, Lula também esteve na ilha acompanhado da primeira-dama e de ministros. Antes dele, há registros de visitas de Médici, Geisel e Figueiredo ao Marajó
  • Conteúdo verificado: Tuíte com vídeo sobre a chegada de Bolsonaro à Ilha de Marajó, no Pará, afirma que é a primeira vez que um presidente visita o local acompanhado da primeira-dama e de ministros.

É falso que Jair Bolsonaro (sem partido) tenha sido o primeiro presidente a visitar a Ilha de Marajó, no Pará, com primeira-dama e ministros, como afirma um tuíte que viralizou nas redes sociais. O post é acompanhado de um vídeo mostrando a chegada da comitiva de Bolsonaro, que desce de um dos carros com Michelle e vai cumprimentar o público à beira de uma estrada (o casal está sem máscara). Em dezembro de 2007, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteve no local acompanhado de Marisa Letícia, sua mulher à época (falecida em 2017), e dos então ministros Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário), Tarso Genro (Justiça) e Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos.

Bolsonaro chegou à ilha no dia 8 de outubro para cumprir uma agenda de inaugurações. Ele foi com a primeira-dama, Michelle, e com os ministros Damares Alves (Mulher, Família e dos Direitos Humanos), Fábio Faria (Comunicações) e Bento Albuquerque (Minas e Energia).

O Comprova tentou contato com o perfil @9876mel, que fez a publicação no Twitter, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

Como verificamos?

Por meio de pesquisas no Google com o nome de cada presidente brasileiro desde o período da ditadura militar (1964-1985) relacionados à Ilha de Marajó, encontramos reportagens e fontes oficiais que indicavam que dois presidentes já haviam visitado o arquipélago no exercício do mandato: o general Ernesto Geisel, em 1974, e Lula, em 2007.

Os textos não informam, no entanto, que a então primeira-dama Marisa Letícia também estava na comitiva. Em busca nos acervos dos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo, o Comprova encontrou fotos do evento, em que Lula aparece com Marisa e com o então ministro da Justiça, Tarso Genro.

No site do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getulio Vargas, encontramos a imagem de uma placa que registra a visita de Geisel à Fazenda Santa Cruz da Tapera, na Ilha de Marajó, em 27 de setembro de 1974, quando era presidente.

O registro da visita também está no livro Saberes de Vaqueiros, de Josebel Akel Fares, cujo pdf foi enviado por Venize Rodrigues, coordenadora do curso de Licenciatura em História da Universidade Estadual do Pará, contatada pelo Comprova em entrevista por telefone.

A visita de Geisel, no entanto, não contou com a presença da primeira-dama, Lucy, conforme encontramos em uma reportagem do Diário do Paraná de 28 de setembro de 1974.

Via Twitter, tentamos contato com a autora do tuíte, mas ela não respondeu até a publicação desta checagem.

Verificação

Bolsonaro na Ilha de Marajó

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) visitou o arquipélago na última semana. Ele desembarcou em 8 de outubro no município de Breves, onde cumprimentou moradores, e hospedou-se em um navio da Marinha do Brasil, atracado na ilha.

Bolsonaro estava acompanhado da primeira-dama Michelle e dos ministros Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), Fábio Faria (Comunicações) e Bento Albuquerque (Minas e Energia).

O presidente promoveu o programa “Abrace o Marajó”, lançado em março deste ano, que isenta o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de operações realizadas na região, e visitou ainda a agência-barco da Caixa Econômica Federal com o presidente do banco, Pedro Guimarães.

A visita de Lula

O então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteve no município de Breves, no sudoeste da Ilha de Marajó, em dezembro de 2007. Segundo reportagens da época, ele visitou o destino com três ministros: Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário), Tarso Genro (Justiça) e Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Nas buscas de fotos desta viagem nos acervos da Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo foi possível confirmar que a primeira-dama estava na comitiva.

Durante a visita, o então presidente participou do lançamento do Plano Social de Registro Civil de Nascimento e Documentação Básica e da entrega de títulos de terras para populações ribeirinhas.

Outros presidentes

Ernesto Geisel foi à ilha em 27 de setembro de 1974 para lançar o Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia (Poloamazonia) em uma feira agropecuária no município de Soure. Ele estava acompanhado dos ministros Alisson Paulinelli (Agricultura), Reis Veloso (Planejamento), Rangel Reis (Interior) e Chigeaki Ueki (Minas e Energia).

Também estava presente o então governador do Pará, Fernando Guilhon. A primeira-dama, Lucy Geisel, não participou da visita.

Além de Geisel, o livro Saberes de Vaqueiros informa que Emílio Garrastazu Médici e João Baptista de Oliveira Figueiredo também estiveram na ilha, mas não foi possível confirmar a época nem se foram com suas esposas e seus ministros ou mesmo durante o exercício de seus mandatos.

Reprodução de notícia publicada no Diário do Pará sobre a visita de Geisel à Ilha do Marajó em 1974

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais tratando sobre políticas públicas do governo federal ou sobre a pandemia de covid-19.

O post verificado aqui, que teve 1,8 mil curtidas e cerca de 600 compartilhamentos no Twitter, desinforma ao dizer que Bolsonaro é o primeiro presidente a visitar a ilha com tal comitiva, na tentativa de qualificá-lo como especial por tal ação, quando, na verdade, não foi o que ocorreu. Com a proximidade das eleições municipais, tuítes como esse podem contribuir negativamente para o debate político no país. Quando a desinformação passa a integrar o cenário eleitoral, discussões sobre os projetos e agendas dos candidatos são prejudicadas, dificultando a escolha dos eleitores.

Outras postagens exaltando enganosamente os feitos de Bolsonaro já foram verificadas pelo Comprova, como a que creditava ao presidente a construção de um viaduto no Paraná, feito com recursos do governo do estado e outra que usava fotos de outras estradas para afirmar que o Exército teria feito reparos na Transamazônica. O Comprova já verificou, inclusive, publicações envolvendo Lula e o Pará, como a que usava uma foto de uma obra na BR-163 feita na gestão do petista dizendo que era uma realização do atual governo.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Política

Investigado por: 2020-10-14

Tuíte engana ao afirmar que a “Ferrovia do Sol” está em vias de ser implementada

  • Enganoso
Enganoso
Publicação que viralizou no Twitter e que anuncia uma estrada de ferro que ligaria as capitais do Nordeste é apenas a ideia de um senador e que resgata um projeto de 2013 que nunca teve o estudo de viabilidade técnica realizado
  • Conteúdo verificado: Post no Twitter diz que vem aí a Ferrovia do Sol, obra do governo federal que cortaria todas as capitais do Nordeste

Não estão em construção e nem em vias de início as obras pelo governo federal de uma ferrovia que ligaria todas as capitais do Nordeste. O tuíte que viralizou afirmando que a estrada de ferro “vem aí”, na verdade, resgata a ideia de um projeto antigo, chamado de Trem do Sol, que vem sendo discutido desde 2013, mas que, no entanto, nunca teve o estudo de viabilidade técnica realizado, de acordo com a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e com o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR). O Ministério da Infraestrutura também disse que atualmente não há obra em andamento para implantação da ferrovia.

A Sudene e o MDR informaram que desejam retomar os estudos de viabilidade do projeto, mas não há previsão para que isso aconteça e, portanto, também não há previsão para início das obras. A publicação que trata da obra como algo próximo de acontecer é, portanto, enganosa.

O vídeo, que circulou junto com o conteúdo que viralizou, foi feito pela equipe do senador Roberto Rocha (PSDB-MA), que é favorável à ideia do circuito ferroviário. Não é, portanto, um vídeo de anúncio das obras pelo governo federal. No entanto, procurada pelo Comprova, assessoria do senador disse que a Ferrovia do Sol é idealizada pelo parlamentar e “não tem ligação com projetos anteriores que versam sobre o mesmo assunto”. Questionado sobre a existência de algum projeto desse empreendimento, o senador, via assessoria, afirmou que faz uma mobilização política com parlamentares para viabilizar a obra e esta, segundo ele, é “a fase inicial” do empreendimento.

Como verificamos?

Inicialmente, o Comprova fez uma busca no Google para averiguar se já havia menção ao projeto da Ferrovia do Sol ou do Trem do Sol. A busca resultou, dentre outras, em notícias recentes publicadas em agências de checagem de informação nas quais o assunto é tratado como boato. Em publicações mais antigas, datadas de 2013, alguns veículos mencionam a existência de um projeto com esse nome.

Depois, o Comprova procurou as assessorias de imprensa de órgãos do governo federal que poderiam estar à frente ou ter conhecimento da existência da iniciativa, como o Ministério da Infraestrutura, o Ministério do Desenvolvimento Regional, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Também ouvimos a Universidade Federal do Ceará (UFC), que, conforme reportado em notícias de 2013, participou das primeiras discussões sobre o estudo de viabilidade técnica da obra.

Em paralelo, procuramos o senador Roberto Rocha (PSDB-MA), que divulgou um vídeo recente sobre o projeto, e a autora da postagem que viralizou no Twitter. Ela não respondeu até a publicação desta verificação.

Verificação

A ideia de uma ferrovia ligando as capitais do Nordeste

As primeiras menções a uma ferrovia passando por todas as capitais do Nordeste é de 2013, ano em que a Sudene e a ANTT assinaram um termo de cooperação para estudar a viabilidade técnica da obra durante o II Fórum Nordeste 2030, realizado em João Pessoa (PB). O projeto era chamado de Trem do Sol e tinha um traçado com origem em Salvador (BA) e seguiria até São Luís (MA).

O acordo previa que um comitê técnico seria formado por representantes da Sudene, da ANTT, dos ministérios dos Transportes (hoje Infraestrutura) e da Integração Nacional (hoje Desenvolvimento Regional), além das nove secretarias estaduais de transporte dos estados nordestinos. Os serviços técnicos contariam com a participação de pesquisadores das universidades federais do Ceará (UFC), de Pernambuco (UFPE) e da Bahia (UFBA). Esse grupo deveria analisar a movimentação de cargas e o transporte de passageiros na região para identificar se o projeto era ou não viável.

Em 2015, o então superintendente da Sudene, José Márcio de Medeiros Maia, chegou a se reunir com o então secretário de Transportes do Rio Grande do Norte, Ruy Gaspar, para discutir a proposta. Na época, a Sudene previa que o primeiro trecho ligaria Recife (PE) a João Pessoa e que as obras poderiam ser feitas através de Parcerias Público-Privadas (PPPs). O valor inicial do projeto, orçado em R$ 10 bilhões, já carecia, naquele momento, de adequação orçamentária, segundo as autoridades à época.

Estudo ficou paralisado

Desde então, o governo federal teve duas trocas de comando: de Dilma Rousseff (PT) para Michel Temer (MDB) e, depois, para Jair Bolsonaro (sem partido). O estudo de viabilidade foi interrompido antes de ser concluído. A obra nem sequer começou a sair do papel. Em nota enviada ao Comprova, no dia 9 de outubro, o Ministério da Infraestrutura informou que tem trabalhado para viabilizar projetos de obras ferroviárias, mas ressaltou que “não existe nenhum projeto, no âmbito do Ministério da Infraestrutura, sobre a Ferrovia do Sol”.

O Ministério do Desenvolvimento Regional e a Sudene, também procurados, enviaram notas semelhantes ao Comprova. No texto, os órgãos reconhecem que o termo de cooperação técnica para estudar a viabilidade do empreendimento, procedimento que antecede qualquer obra física, “não teve prosseguimento”. Também disseram que “há discussões” para que a Superintendência retome os estudos de viabilidade da ferrovia, mas não definiram nenhuma data para retomada dos trabalhos.

O Departamento de Engenharia de Transportes (DET) do Centro de Tecnologia da UFC informou por email que o projeto, em 2013, buscava integrar trechos independentes e não utilizados da malha ferroviária em toda a região para finalidade turística e enviou um relatório de 2013/2014 do Grupo de Trabalho criado para discutir a necessidade dos trens de passageiros. Na época, existiam análises de viabilidade pré-aprovada de alguns trechos e a ideia era que o trem fosse de média velocidade, a exemplo de trens de passageiros usados na Europa, conforme explicou a universidade. Apesar da intenção inicial, não houve a formalização de parcerias com a universidade, nem a destinação de recursos para que a instituição desse início ao estudo do trecho entre o Ceará e o Maranhão, segundo a UFC.

Por telefone, a assessoria de imprensa da ANTT indicou o Ministério da Infraestrutura para responder pelo projeto.

O vídeo compartilhado pelo tuíte

A obra voltou ao debate depois que o senador Roberto Rocha publicou no Facebook, no dia 25 de setembro de 2020, um vídeo com a seguinte descrição: “Você já ouviu falar da Ferrovia do Sol? Assista ao vídeo até o final e confira esse projeto monumental para o desenvolvimento do nosso Nordeste”.

Esse vídeo, com a marca d’água do mandato do senador Roberto Rocha, é reproduzido no tuíte verificado pelo Comprova. Em contato via whatsapp com a assessoria de imprensa do parlamentar, o Comprova questionou a autoria do vídeo e a assessoria confirmou que a peça audiovisual foi produzida pelo parlamentar.

Outra indagação é se o vídeo se baseia em algum projeto já elaborado e, nesse caso, se poderíamos ter acesso ao documento. Em resposta, a assessoria explicou que “a Ferrovia do Sol está na fase de mobilização política entre parlamentares do Nordeste, liderada pelo senador Roberto Rocha, para viabilizar recursos para o projeto junto ao Orçamento Geral da União (OGU). Essa é a fase inicial”.

O Comprova informou à assessoria que durante a apuração foi constatado que, há alguns anos, um projeto com características semelhantes havia sido discutido por órgãos como a Sudene, mas não se materializou. O parlamentar foi questionado se retomou essa ideia e se há algum estudo de viabilidade da atual proposta. A assessoria respondeu que “a Ferrovia do Sol, idealizada pelo senador Roberto Rocha, não tem ligação com projetos anteriores que versam sobre o mesmo assunto”.

Também foi questionado se já houve algum diálogo oficial do senador com o Governo Federal para proposição do projeto, e se houve, quando e com qual órgão. A assessoria comunicou apenas que “o senador tem conversado com parlamentares, seja da base ou oposição ao governo. É um projeto de caráter nacional que, ao se materializar, representa um passo gigantesco para atividade turística, por exemplo. Obviamente, que o Governo Federal é favorável a modelos de desenvolvimento como este. O congressista vai trabalhar para que o Congresso Nacional aloque recursos para o projeto. Sem projeto não há obra. A obra em si seria em PPP”.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais tratando sobre políticas públicas do governo federal ou da pandemia de covid-19. É o caso da publicação verificada aqui, feita em um perfil de Twitter, que teve 2,1 mil curtidas no site e mais de 700 compartilhamentos. O vídeo sobre a ferrovia foi assistido 18,6 mil vezes nas páginas do senador Roberto Rocha no Facebook e no YouTube.

A área de infraestrutura ganhou destaque na gestão Bolsonaro. O Comprova já mostrou que a ponte entre o Acre e Rondônia não é obra apenas do atual governo; que um novo viaduto em Foz do Iguaçu não tem relação com a gestão atual; que uma rodovia no Pará foi usada erroneamente para elogiar o presidente; e que imagens antigas estavam sendo utilizadas como se fossem obras do governo Bolsonaro. No Nordeste, o Comprova também verificou que o Exército não refez o trecho da transposição do Rio São Francisco inaugurado por presidentes anteriores e que não há provas de que o rompimento em uma barragem no Ceará tenha sido causado por uma sabotagem.

O Aos Fatos e o Boatos.org verificaram o mesmo conteúdo analisado aqui e concluíram que ele é, respectivamente, falso e um boato.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações ou que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Política

Investigado por: 2020-10-13

Publicação mistura informações verdadeiras com dados imprecisos sobre meio ambiente no Brasil

  • Enganoso
Enganoso
Sequência de tuítes que lista "10 coisas que todo brasileiro deveria saber antes de querer lacrar sobre o tema meio ambiente" usa dados imprecisos e enganosos para defender políticas ambientais
  • Conteúdo verificado: Sequência de tuítes faz 10 afirmações sobre a questão ambiental no Brasil

Uma publicação com 10 afirmações sobre o meio ambiente no Brasil mistura dados verdadeiros com imprecisos. A sequência de mensagens no Twitter defende que o Brasil tem a mais limpa matriz energética dos países do G-20, o que é verdade se considerados dados de energia renovável da Agência Internacional de Energia (IEA) consultados pelo Comprova, mas também aponta que a agropecuária brasileira é a mais limpa dentre as maiores economias do mundo e que o Brasil é o país que mais tem feito no âmbito do Acordo de Paris, o que não se sustenta com base em dados e avaliações de órgãos independentes.

A série de publicações também afirma que o etanol seria uma fonte de energia mais limpa que a usada em carros elétricos na maioria dos países europeus. A informação é correta segundo especialistas ouvidos pelo Comprova, mas apenas quando comparada a países com geração baseada em fontes de energia não renováveis, como o carvão.

Os tuítes também sustentam que a Amazônia teria 84% de mata nativa preservada, mas, segundo informado pela MapBiomas ao Comprova, o percentual de área não desmatada seria de 78%, sendo que desse total, uma parte já sofreu algum nível de degradação por queimadas e exploração madeireira.

As postagens ainda sustentam que o país tem 60% de área ocupada por florestas, o que está correto segundo dados do MapBiomas. Porém, afirmam que o país possui “a legislação ambiental mais restritiva dos países do G20”, o que encontra divergências em estudos sobre legislação florestal e preservação de áreas ambientais consultados pelo Comprova.

O texto foi publicado como uma sequência de postagens no Twitter por Vicente Santini, ex-secretário executivo da Casa Civil e nomeado em setembro como assessor especial do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Procurado, não respondeu até a publicação desta checagem.

Como verificamos?

Começamos consultando reportagens sobre o tema, que levaram a estudos e rankings sobre os investimentos e os avanços dos países em energia limpa. As fontes utilizadas para comparação entre países foram o Balanço Mundial de Energia, da Agência Internacional de Energia, e dados da British Petroleum (BP), divulgados no site Our World in Data. Também consultamos especialistas na área de energia e questionamos o Ministério do Meio Ambiente sobre comparativos entre a matriz energética brasileira e de outros países.

Verificamos também checagens semelhantes sobre outras afirmações da publicação, como a do Fakebook.eco, do Observatório do Clima, que já havia apontado inconsistências na afirmação de o Brasil ter o agronegócio mais sustentável do mundo. Recorremos também a documentos como o Climate Action Tracker e o Relatório Sobre a Lacuna de Emissões, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que monitoram as políticas adotadas pelos países para cumprir as metas estabelecidas no Acordo de Paris.

Entrevistamos um dirigente da Associação de Engenharia Automotiva e o Observatório do Clima para verificar pontos como a afirmação de o etanol ser menos poluente do que a energia de carros elétricos usados em países europeus. Consultamos dados do MapBiomas para encontrar percentuais de áreas florestais preservadas no país e um estudo comparativo sobre legislações ambientais em diferentes países, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e Proforest.

Ainda consultamos dados internacionais do Banco Mundial e da Global Forest Watch, da ONU, para comparar a porcentagem de área protegida em diferentes países.

Também fizemos contatos por e-mail com o Ministério do Meio Ambiente para questionar o assessor especial sobre a fonte das informações afirmadas por ele nas postagens, mas não obtivemos resposta até a publicação desta verificação.

Verificação

A matriz energética mais limpa?

Uma das postagens verificadas afirma que “o Brasil tem a mais limpa matriz energética dentre os países do G20”. Segundo dados do Balanço Energético Mundial 2020, da Agência Internacional de Energia, o Brasil tem, de fato, o maior percentual de energia renovável na matriz energética entre as nações do G20 que aparecem no relatório, com 44,9% de fontes renováveis.

Logo atrás do Brasil estão Indonésia (25%) e Índia (22%), que fecham as três melhores posições neste quesito entre as principais economias do mundo, segundo o IEA. Com esses percentuais, o Brasil também supera a média mundial, que tem apenas 13,8% de energia renovável.

A relação traz dados de países da OCDE e outras nações associadas, o que exclui Rússia, Argentina e Arábia Saudita, dentre os integrantes do G20. No entanto, mesmo considerando dados desses três países disponíveis no site da IEA, as primeiras posições entre países com maior percentual de fontes renováveis não se alteram. Os dados são referentes a 2018 e consideram o total de energia fornecida.

Dados de outra instituição, a British Petroleum, divulgados no site Our World in Data, também mostram um maior percentual de energia renovável na matriz energética brasileira em comparação com as do G20. São 45% de origem em fontes renováveis no Brasil, à frente de Canadá (27,6%) e Turquia (18,4%), compondo as três primeiras posições. Esta pesquisa não inclui biocombustíveis entre as fontes renováveis, o que ajuda a explicar a mudança nas primeiras posições em relação ao balanço do IEA. Na comparação entre todos os países, incluindo os que não integram o G20, o Brasil aparece em terceiro, atrás de Islândia e Noruega, no mapa de matrizes com mais fontes renováveis da BP.

Procurado, o Ministério do Meio Ambiente também enviou à reportagem dados sobre a proporção de fontes renováveis na matriz energética brasileira e em países do G20. Os números do governo também mostram Brasil, Indonésia e Índia nas três primeiras posições, como o estudo do IEA, mas com pequenas diferenças nos percentuais – 43,4%, 33,2% e 23,4%. Os números repassados pelo Ministério consideram a oferta interna de energia dos países. Os dados também são do IEA, de 2017.

É importante ressaltar também que os dados do IEA se referem à energia renovável – fontes hídrica, geotérmica, eólica, solar, das ondas e marés, biocombustíveis e resíduos. Ao falar de energia limpa, como mencionado na postagem, há quem defenda que seria possível incluir a energia nuclear, que não provoca emissão de CO2, mas que possui outras implicações ambientais e não é considerada renovável. Nesse caso, a França, que tem a maior dependência da energia nuclear na matriz, ficaria à frente do Brasil na análise de fontes “limpas” (renováveis somada à nuclear), segundo os mesmos dados do IEA de 2018.

Importante destacar que o Brasil possui a maior quantidade proporcional. Em termos absolutos, a China lidera a quantidade de energia renovável.

O professor Nivalde J. de Castro, do Grupo de Estudos do Setor Elétrico, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que a alta incidência de energia hidrelétrica favorece o percentual de fontes renováveis acima de outros países na matriz brasileira, sobretudo na parte elétrica.

Agropecuária mais limpa?

A publicação também afirma que “o Brasil tem a agropecuária mais limpa dos países do G20”. O assunto já foi alvo de uma checagem recente do Fakebook.eco, do Observatório do Clima, que apontou ausência de indicador para comparar a sustentabilidade das áreas produtivas entre os países e apresentou dados como uso de agrotóxicos e fontes de emissões de gases do efeito estufa para avaliar o impacto gerado pela atividade no Brasil.

A verificação do Fakebook.eco aponta que a Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU), estabeleceu um indicador de proporção de área sob agricultura produtiva e sustentável para avaliar o setor em países sob o aspecto da sustentabilidade ambiental, econômica e social. O indicador, no entanto, ainda está sendo testado em países selecionados de diferentes regiões, segundo o site da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês).

Por isso, para avaliar a sustentabilidade da agropecuária brasileira, o Fakebook.eco recorreu a outros indicadores. Um deles é o uso de agrotóxicos. O Brasil aparece como o terceiro país que mais usa agrotóxicos em número absoluto no mundo, conforme dados da mesma FAO. Na análise por área plantada, está entre os 28 países com maior utilização – das nações do G20, apenas China, Japão e Coreia aparecem com maior utilização por área cultivada. O país também utiliza pesticidas proibidos em nações da Europa e é o segundo maior comprador destes insumos, conforme reportagem recente da Galileu.

Além disso, a agropecuária foi responsável, diretamente, por 22% do total das emissões de gases do efeito estufa no Brasil em 2018, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (Seeg Brasil). É o segundo maior fator, atrás apenas da mudança de uso do solo, que inclui desmatamento e queimadas. A redução dessas emissões é o principal compromisso assumido pelo país no Acordo de Paris.

Um estudo da Embrapa sobre sustentabilidade na agricultura também aponta que, apesar de ter tido avanços, o país “continua incorporando cerca de 1 milhão de hectares de áreas de vegetação nativa ao sistema de produção agropecuária a cada ano”.

Brasil e o Acordo de Paris

Outro trecho da postagem afirma que “o Brasil é o país que mais tem feito no âmbito do Acordo de Paris”. No entanto, relatórios que avaliam o desempenho dos países no tratado mostram que o Brasil pode não atingir a meta de 2030 e teve projeção de emissões ampliadas por fatores como o desmatamento.

O Acordo de Paris foi firmado por 195 países para reduzir a emissão de gases de efeito estufa e, desse modo, manter o aumento da temperatura média global abaixo de 2°C até o final do século – se possível, menor que 1,5°C. O tratado completa cinco anos em dezembro de 2020, quando países devem informar se renovarão as metas. Segundo reportagem do Valor, o Brasil até agora não deu sinais do que pretende na sequência do acordo.

A avaliação mais recente da Climate Action Tracker, consórcio científico que faz análises independentes sobre as propostas dos países no Acordo de Paris, classifica como “insuficientes” as metas apresentadas pelo Brasil para promover a contenção no aquecimento do planeta. O órgão aponta também que “existem lacunas significativas na formulação de políticas brasileiras para conter o crescimento das emissões”.

As medidas de isolamento social motivadas pela pandemia da covid-19 frearam a atuação de setores como transporte e indústria, o que gera expectativa de queda de 4% nas emissões de gases do efeito estufa nesses segmentos em 2020 no país, segundo a organização. Mesmo assim, a análise aponta que o desempenho brasileiro é prejudicado por pontos preocupantes como a falta de políticas para mitigar emissões no setor agrícola e as taxas de desmatamento cada vez mais altas – aumento de 34% em 2019 e perspectiva de crescimento ainda maior este ano, segundo a avaliação.

De acordo com a análise, a redução de emissões causada pela crise da covid-19 poderia permitir ao Brasil cumprir a meta para 2025. No entanto, sem uma queda sustentada a partir da pandemia, o país estaria fora do caminho para cumprir a meta de 2030. Outros compromissos, como reduzir o desflorestamento e alcançar o desmatamento ilegal zero na Amazônia até 2030, também devem ser perdidos, conforme o Climate Action Tracker.

A Índia, que também integra o G20, tem metas que são consideradas “compatíveis” com o objetivo de conter o avanço da temperatura em até 2ºC e deve conseguir cumprir a meta estabelecida de redução de emissões até 2030, segundo a última avaliação do Climate Action Tracker. Os motivos devem ser a redução de emissões durante a pandemia e as políticas até aqui adotadas, apesar de ressalvas feitas no estudo sobre os planos de expansão da energia a carvão no país asiático.

O último Relatório Sobre a Lacuna de Emissões, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), publicado antes da pandemia, em novembro de 2019, avalia as ações dos países e aponta que apenas seis integrantes do G20 deveriam atender as metas do Acordo de Paris com as políticas atuais adotadas: China, Índia, México, Rússia e Turquia, além da União Europeia. Outros sete países, incluindo o Brasil, precisariam de ações adicionais para atingi-las. No caso do Brasil, diz o relatório, as projeções de emissões de publicações atualizadas anualmente foram revisadas para cima por causa, entre outros motivos, de mudança na tendência de desmatamento.

Uma nota explicativa do Observatório do Clima também avalia o cumprimento das metas do Brasil no Acordo de Paris e aponta que o país ainda não havia apresentado um plano de implementação das metas propostas em 2015.

O órgão expõe, entre outros pontos, uma das principais preocupações: o aumento do desmatamento. O texto indica ainda que medidas como a redução do orçamento de prevenção a incêndios florestais, a suspensão do Fundo Amazônia e a tentativa de abrir terras indígenas para mineração “ajudaram a desviar o Brasil de seu NDC (as metas) ao acelerar o desmatamento”.

Etanol versus carros elétricos europeus

Outro tuíte verificado afirma que “o etanol é uma fonte de energia mais limpa que a maioria usada nos carros elétricos europeus”. A informação é correta, conforme fontes consultadas, desde que a comparação seja com países que tenham a geração de energia elétrica baseada em fontes poluentes como o carvão.

O Comprova consultou o vice-presidente da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA), Edson Orikassa, para apurar o tema. Ele confirmou que o etanol pode ser uma fonte mais limpa do que a usada em carros elétricos europeus. Mas é preciso observar algumas condições. A principal delas é que a comparação deve ser com fontes de energia não renováveis, como o carvão, predominante em alguns países europeus. Em comparação com a energia elétrica em países como o Brasil, onde prevalece a energia hidrelétrica (renovável), o carro elétrico gera menos emissões do que o etanol.

O dirigente explica que o assunto é complexo porque é preciso considerar todo o ciclo envolvendo a produção do etanol e da energia elétrica (análise chamada de “do poço à roda”), e não apenas a partir do abastecimento (“do tanque à roda”). No entanto, segundo ele, esse cálculo geral de emissão de gases de efeito estufa é menor no caso dos carros a etanol do que nos elétricos quando considerada a energia termelétrica como fonte, como ocorre em parte dos países europeus.

“Considerando todo o ciclo, apesar de você ter variação dependendo do tipo de adubo, do combustível usado na produção do etanol, mesmo assim nesse cômputo geral realmente os veículos flex são melhores do que os elétricos da Europa, se você considerar a principal fonte de energia na Europa, que é a termelétrica”, disse Orikassa.

A situação muda ao comparar o etanol com veículos elétricos abastecidos em países com maior participação de energia renovável.

“Se considerar a energia elétrica gerada no Brasil, de maioria hidráulica, vamos imaginar trazer o veículo da Europa e carregar com energia gerada no Brasil, nesse caso os elétricos seriam um pouco melhores do que o híbrido flex, e também que o flex, mesmo considerando do poço à roda”, afirma.

O coordenador de Comunicação do Observatório do Clima, Claudio Angelo, também confirma que no balanço de emissões o etanol emite menos gases que carros elétricos em países que têm a energia a carvão como predominante na matriz de eletricidade.

Segundo dados da Agência Internacional de Energia (IEA), a energia a carvão foi a segunda maior fonte de energia elétrica em países da Europa, com 21% do total em 2018, atrás apenas da energia nuclear. Países como Alemanha, Polônia e Turquia detêm os maiores volumes desta geração no continente, segundo o IEA. Em alguns países, no entanto, a transição para fontes renováveis começa a diminuir a proporção das termelétricas, o que dificulta uma análise sobre o etanol ser mais limpo que a energia elétrica na rigorosa “maioria dos países europeus”, conforme mencionado na postagem.

84% da mata nativa da Amazônia segue preservada?

A série de tuítes afirma que “84% da mata nativa da Amazônia segue preservada”, mas especialistas e a base de dados consultados afirmam que este número está exagerado.

A Coleção 5 do MapBiomas, publicada em agosto de 2020, indica que, no ano passado, 83,3% do bioma Amazônia, no território brasileiro, era coberto por vegetação nativa, sendo 79,8% de floresta e 3,5% de vegetações não florestais. O MapBiomas estima que 20% dessa área que mantém cobertura nativa já tenha sofrido algum nível de degradação por fogo ou exploração madeireira. “Portanto, a área da Amazônia que não foi desmatada é de 78% e a área que está preservada e não sofreu nenhum tipo de degradação é menor que isso”, disse a iniciativa.

Fonte: MapBiomas

O MapBiomas reúne mapas anuais de uso e ocupação de terra que cobrem o período de 1985 a 2019 e permite ver que, ao longo da série histórica, o bioma perdeu 44 milhões de hectares de floresta natural – uma perda de 11,5%, equivalente a 289 vezes a área da cidade de São Paulo.

Já a Coleção 2 do MapBiomas, com dados de 1985 a 2018, analisa a cobertura vegetal na Pan-Amazônia, isto é, em todos os países que ela cobre. Sob este ângulo, 84% do bioma era ocupado por floresta natural (76%) ou formação natural não florestal (8%).

O Brasil possui mais de 60% de sua área ocupada por florestas nativas?

A afirmação de que “o Brasil possui mais de 60% de sua área coberta por mata nativa” está correta. De acordo com a Coleção 5 do MapBiomas, em 2019, 66,5% do território brasileiro era coberto por vegetação nativa, que engloba floresta natural e formação natural não florestal. Quando se olha apenas a cobertura de floresta natural, chegamos a 60,27% do território nacional.

Apesar de sermos o país com a maior área absoluta de florestas tropicais, somos também os que mais desmatam este tipo de bioma. Segundo a iniciativa Global Forest Watch, que monitora os índices de perda de cobertura florestal no mundo, o Brasil perdeu 1,361 milhão de hectares de florestas tropicais úmidas primárias em 2019. Isto equivale a mais de um terço do observado em todo o mundo (3,8 milhões de hectares). O país liderou o ranking de perda de florestas primárias.

Fonte: MapBiomas

O Brasil tem a mais restritiva legislação ambiental dos países do G20?

A série de tuítes afirma que “o Brasil tem a mais restritiva legislação ambiental dos países do G20”, mas estudos comparativos entre a legislação estrangeira e a nossa mostram que outros países preservam mais do que o Brasil.

No país, a preservação das áreas de vegetação em propriedades rurais segue o estabelecido pela Lei de Proteção da Vegetação Nativa. Aprovada em 2012, estabelece que 20% da mata de uma propriedade deve ser preservada. As regras são diferentes caso a propriedade esteja no território da Amazônia legal: 80% deve ser preservada em áreas de floresta; 35%, em área de cerrado; e 20% em áreas de campos.

Isto não quer dizer que apenas 20% do território amazônico estaria sujeito a perder sua cobertura vegetal. Isso porque “tem anistias a desmatamentos passados e vários jeitos de burlar o limite de 20% dependendo do Estado e do tamanho da propriedade”, disse o assessor do Observatório do Clima, Claudio Angelo.

Para comparar com outros países, o Comprova consultou um estudo, de 2011, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) com o Proforest, que analisou a legislação florestal de 11 países, dos quais 8 pertencem ao G20. Na Índia, por exemplo, o governo tem o poder de impedir a conversão de floresta para outros usos em propriedades privadas. No Japão e no Reino Unido, a conversão de florestas para agricultura é proibida. Já na Alemanha, a exploração da madeira é permitida desde que haja recomposição e manejo.

Estudo Imazon e Proforest

É possível olhar a questão sob a perspectiva das áreas nacionais de conservação. Segundo o último Censo Agropecuário do IBGE, feito com dados até 30 de setembro de 2017, 31,6% do território nacional está em Terras Indígenas ou Unidades de Conservação. A maior parte se encontra na Região Norte (24,9%).

O site Protected Planet, mantido pelo Centro Mundial de Monitoramento da Conservação (ONU-WCMC), contabiliza a porcentagem que cada país destina de seu território para a preservação natural. O Brasil ocupa a segunda colocação dentro do G20 com 30,28%, perdendo apenas para a Alemanha (37,8%). O resultado brasileiro é próximo do encontrado em Japão (29,39%), Reino Unido (28,73%) e França (27,28%).

A Agência de Agricultura e Alimentação da ONU calcula os dados de cobertura florestal em todo o mundo. Na Ásia Leste, região que engloba China, Coreia do Sul, Japão, Coreia do Norte e Mongólia, sendo que os três primeiros pertencem ao G20, a área de floresta aumentou 61,497 milhões de hectares entre 1990 e 2020. Já na Europa, a área de floresta cresceu 23,142 milhões de hectares no mesmo período.

Seguindo tendência contrária, a América do Sul perdeu 129,48 milhões de hectares de florestas. O Brasil liderou a perda de florestas no mundo na última década, com uma média de 1,496 milhão de hectares perdidos por ano.

Quem é Vicente Santini

Em janeiro, o presidente Bolsonaro demitiu Santini do cargo de secretário-executivo da Casa Civil após ele utilizar um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para viajar de Davos, na Suíça, onde participou do Fórum Econômico Mundial, para Nova Délhi, na Índia, para acompanhar o presidente em viagem oficial.

Na ocasião, ele ocupava o cargo de ministro no lugar de Onyx Lorenzoni, que estava de férias. Mas outros ministros, como Tereza Cristina (Agricultura) e Paulo Guedes (Economia), fizeram o mesmo trajeto por meio de vôo comercial.

Atualmente, Santini é assessor especial do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Ele foi nomeado, em 16 de setembro, com aval do Palácio do Planalto, após os três processos contra ele serem arquivados. O MPF considerou, em um dos processos, que ele estava a serviço da Presidência e que, por isso, não haveria imoralidade nem ilegalidade no gesto.

Em seu Twitter, Santini utiliza como imagem de capa uma foto em que aparece ao lado do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal. As equipes do Comprova checam áudios, imagens e textos compartilhados nas redes sociais e que alcançaram alto grau de viralização. O tuíte do assessor especial do Meio Ambiente foi retuitado 2,6 mil vezes e curtido 12,4 mil até a publicação desta checagem.

O governo federal sofre pressão para preservar o meio ambiente em meio a grandes queimadas que devastam o Pantanal e a Floresta Amazônica. A política ambiental brasileira atraiu de forma negativa a atenção de bancos, grandes empresas, fundos de investimentos e ameaça o acordo entre o Mercosul e a União Europeia.

O mesmo conteúdo verificado pelo Comprova chamou a atenção do Fakebook.eco, iniciativa de checagem do Observatório do Clima com foco em peças de desinformação sobre o meio ambiente. O projeto já tinha checado informações abordadas nesta verificação em outras ocasiões.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos e que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.