O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Saúde

Investigado por: 2021-05-20

Pesquisa na Cidade do México não é capaz de provar redução de internações por covid-19 com ivermectina

  • Enganoso
Enganoso
Material preliminar divulgado pelo governo local é uma análise de dados que não foi revisada por pares, nem publicada em revistas científicas. Especialistas apontam que a metodologia apresenta risco de viés e não permite concluir se vermífugo evitou hospitalizações de fato. Os responsáveis pelo estudo sabem apenas que algumas pessoas receberam kits com esse e outros remédios, mas não têm como afirmar que esses indivíduos de fato ingeriram a substância.
  • Conteúdo verificado: Postagens nas redes sociais em defesa do chamado “tratamento precoce” alegam que a Cidade do México reduziu em até 76% o número de internações por covid-19 com a ivermectina.

Circula nas redes sociais que um estudo na Cidade do México teria mostrado que a ivermectina reduziu em até 76% o número de hospitalizações entre casos de covid-19. A pesquisa existe e foi divulgada pelo governo em 15 de maio, mas não é capaz de comprovar segurança e eficácia do tratamento com o vermífugo contra o novo coronavírus.

Os dados são preliminares e não foram publicados em nenhuma revista científica. Isso quer dizer que esses números não foram revisados e validados por outros cientistas e, portanto, devem ser vistos com cautela. Além disso, o estudo foi feito por meio de consulta a bancos de dados, em nível populacional, e tentou medir os resultados da entrega de um kit composto por três medicamentos, e não somente pela ivermectina, entre outros materiais de apoio. Não se trata de um ensaio clínico.

Especialistas consultados pelo Comprova apontaram limitações no artigo. Um pesquisador mexicano também alertou para o risco de viés na análise estatística e considerou o período de análise inadequado. A ivermectina não é recomendada pelos principais órgãos mundiais de saúde a pacientes de covid-19 fora de ensaios clínicos e pode apresentar riscos à saúde, principalmente quando tomada sem acompanhamento médico.

Como verificamos?

Por meio de uma busca simples no Google, o Comprova encontrou notícias publicadas pela imprensa a respeito do estudo mexicano.

A reportagem então procurou pelo conteúdo original e chegou a uma nota divulgada pelo governo local em 15 de maio. Esse mesmo texto contém um link que leva para a pesquisa não revisada, disponibilizada em uma plataforma de acesso aberto na internet.

O Comprova fez a leitura do estudo e consultou três especialistas para entender os resultados e limitações do artigo, além do atual cenário de evidências sobre o uso de ivermectina contra a covid-19.

A verificação também analisou uma publicação de um pesquisador mexicano sobre o assunto e procurou informações sobre os autores da pesquisa.

Por fim, houve consulta a dados públicos sobre casos e mortes por covid-19, número de vacinados e políticas implementadas no México durante a pandemia. Essas informações foram contextualizadas com notícias e outras fontes confiáveis.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 20 de maio de 2021.

Verificação

O preprint do governo

Em 14 de maio, o governo da Cidade do México convocou uma coletiva de imprensa para apresentar os resultados de uma pesquisa sobre o uso da ivermectina contra a covid-19. Essas informações foram divulgadas, no dia seguinte, em um texto no site oficial do governo com o título “Ivermectina y la probabilidad de hospitalización por COVID-19(Ivermectina e a probabilidade de hospitalização por covid-19).

De acordo com o documento, pesquisadores ligados ao governo teriam encontrado uma “redução significativa” na chance de hospitalização entre pacientes que receberam um kit médico baseado em ivermectina. Esse efeito variou entre 52% e 76% dependendo do modelo de análise, diz a publicação — que defende a continuidade da distribuição da droga no sistema de saúde contra a covid-19, mesmo sem eficácia e segurança comprovadas cientificamente.

A pesquisa está disponível em formato de preprint — uma espécie de pré-publicação, quando os pesquisadores divulgam os artigos mesmo sem terem sido avaliados por outros especialistas ou publicados em revistas científicas — em uma plataforma chamada SocArXiv Papers. Essa ação permite que os resultados sejam difundidos mais rapidamente na área, mas também exigem cautela na leitura e não devem ser tomados como resultados definitivos.

A pesquisa é assinada pelo chefe da Agência Digital de Inovação Pública do México, José Merino; por um diretor do Instituto Mexicano de Seguridade Social, Victor Hugo Borja; pela titular da Secretaria de Saúde da Cidade do México, Oliva López Arellano, e pelo diretor da pasta José Alfredo Ochoa; e por outros três funcionários da agência de inovação.

Nesse mesmo dia, a agência de notícias internacional EFE publicou o artigo “Ciudad de México dice que ivermectina redujo hospitalizados entre 52 % y 76%(Cidade do México diz que ivermectina reduziu hospitalizados entre 52% e 76%). A publicação repercutiu no Brasil a partir de uma publicação da rádio Jovem Pan. Depois, a informação foi replicada por políticos e páginas alinhadas com o governo federal nas redes sociais, em defesa do chamado “tratamento precoce”.

O que diz o estudo

A pesquisa divulgada pelo governo da Cidade do México é uma análise retrospectiva de dados sobre uma política pública controversa no país. Segundo o artigo, a cidade conta com cerca de 230 unidades móveis conhecidas como “quiosques”, responsáveis por prestar atendimento para casos suspeitos de covid-19 fora do ambiente hospitalar, incluindo testes de antígenos, entrega de kits médicos e monitoramento posterior através de contato telefônico, em um call center conhecido como Locatel, a cada 48h, para verificar o andamento dos sintomas.

A partir de 28 de dezembro de 2020, começaram a ser fornecidos kits médicos na cidade a casos leves e moderados da doença. Segundo o artigo, essas caixas continham ivermectina (quatro comprimidos para dois dias), ácido acetilsalicílico (conhecido popularmente como aspirina, para 14 dias) e paracetamol (10 comprimidos para o caso de sintomas). Teriam sido entregues 83 mil kits em um mês.

Outras fontes de notícias locais apontam ainda a entrega do antibiótico azitromicina no conjunto de remédios e de equipamentos de apoio, como máscaras para os pacientes e seus familiares, álcool em gel e oxímetro, aparelho que mede o nível de oxigênio no sangue e é indicado para acompanhamento de doentes em cuidados domiciliares. Essa informação não é mencionada no artigo do governo da Cidade do México. O jornal El Heraldo de México também aponta a existência de acompanhamento de profissionais de medicina familiar com uma frequência de até três vezes por dia para o caso de pacientes com sintomas, e não apenas a cada 48h.

O que os autores da pesquisa fizeram foi uma análise estatística a partir de três fontes diferentes. Eles pegaram o total de casos reportados entre 23 de novembro de 2020 a 28 de janeiro de 2021, os registros de internados em hospitais públicos até 8 de fevereiro de 2021 e as entradas no sistema de acompanhamento do Locatel. Esses dados foram cruzados por meio do código de identidade das pessoas atendidas.

Para avaliar o impacto do kit médico, eles presumiram primeiro que todas as pessoas que testaram positivo e tiveram sintomas nos 30 dias depois da data de implementação do programa, em 28 de dezembro, receberam e usaram os remédios (77.381 casos). Eles compararam então com o resultado das pessoas testadas entre 23 de novembro e o início do programa, que não receberam as drogas nos postos de saúde (156.468 pessoas).

Os dados então foram equiparados por um modelo estatístico. A pesquisa separou os casos pelo desfecho da hospitalização, a disponibilidade do tratamento e por algumas características, como sexo, idade e comorbidades. Segundo o levantamento final, foram identificadas 311 hospitalizações no grupo ativo (0,4%), que teriam recebido e usado os remédios, contra 1.884 (1,21%) no grupo controle, que não teriam passado pela intervenção.

Os registros do Locatel serviram para construir uma segunda planilha, em que foram contabilizadas as pessoas que informaram ao serviço de acompanhamento telefônico terem recebido o kit de remédios (18.074 pessoas) e aquelas que declararam não ter recebido (57.598 pessoas). O objetivo era verificar se a relação entre os dados se mantinha dessa maneira, o que os autores afirmaram positivamente.

“Em todas as especificações, encontramos um efeito negativo significativo do kit médico baseado em ivermectina na probabilidade de hospitalização entre os pacientes que o receberam versus aqueles que não receberam”, afirma o artigo. “Dependendo da sub-amostra, o efeito varia entre 50% e 76% de diferença de chance de hospitalização entre pacientes tratados e não tratados, estatisticamente significante em todos os casos.”

Críticas ao artigo

O estudo, divulgado ainda em relatório preliminar pelo governo da Cidade do México, recebeu críticas quanto ao método de avaliação e à conclusão apresentada. Um dos principais questionamentos é sobre a atribuição do resultado ao remédio ivermectina, quando na realidade os kits continham três medicamentos pelas informações do próprio artigo, além de equipamentos de apoio e outras orientações básicas de saúde.

Além disso, a pesquisa não é capaz de determinar se as pessoas efetivamente usaram as medicações, se tomaram no período correto e se receberam drogas adicionais para o tratamento dos sintomas. O mesmo vale para o grupo controle, que os autores do estudo assumem que não usou o trio de remédios apenas porque não recebeu o kit nos postos de atendimento. Em outras palavras, é impossível estabelecer uma relação de causalidade entre o uso de ivermectina isolado e a suposta baixa nas internações.

O pesquisador Omar Yaxmehen Bello-Chavolla, especialista em estatística aplicada do Instituto Nacional de Geriatria da Cidade do México e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), apontou ainda uma série de problemas metodológicos na pesquisa em uma thread no Twitter. Ele sustenta que os dois períodos de coleta de dados não são comparáveis e podem ter influenciado nos resultados, ainda que os autores tenham tentando mitigar esse efeito através de modelagem estatística.

O motivo é que, antes do início do fornecimento do kit, o número de hospitalizações diárias era menor na Cidade do México, relata Bello-Chavolla. Diante da maior ocupação nos hospitais na época da intervenção, os critérios adotados pelos médicos para admitir novos pacientes podem ter sido mais rigorosos. “Saturação hospitalar reduz a probabilidade de hospitalização de casos leves”, pondera.

O pesquisador reproduziu uma das análises estatísticas mencionadas pelo estudo em cima dos dados disponibilizados no GitHub e encontrou outros problemas. Ele identificou, por exemplo, que 56% dos casos foram eliminados da amostra por não conterem dados sobre entrega ou não do kit e, nestes, havia 959 casos com registro de hospitalização. Esse fato demonstra que os autores não definiram previamente como a pesquisa seria feita.

A amostra contabilizada no estudo foi de 57.581 casos sem kit contendo 673 internados, contra 18.074 casos com kit e 56 internados. Nesse ponto, a diferença entre características dos grupos no momento do matching (por sexo, idade e comorbidades) sugere a existência de fatores confundidores prévios, segundo o cientista, o que coloca em dúvida a qualidade da comparação.

O Comprova pediu a opinião de dois especialistas sobre os resultados do artigo da Cidade do México: o médico infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Alexandre Zavascki, e o médico infectologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) Max Igor Lopes.

Lopes disse que o resultado “chama a atenção”, mas destaca a presença de limitações importantes, como a presença de três remédios no kit médico e a falta de garantias de que os grupos não passaram por outro tipo de intervenção no período analisado. “Você não consegue falar que é a ivermectina, porque a estratégia era ivermectina e AAS (e paracetamol). E eles não avaliaram se quem eventualmente ia para a linha de remédio não fazia uso de outras medicações com mais facilidade. Às vezes, quem está mais propenso a tomar um remédio também toma outros.”

O infectologista esclarece que o estudo não é suficiente para comprovar eficácia do vermífugo contra a covid-19. “Você não consegue ter, em um estudo populacional, o controle das variáveis. Toda vez que analisar a população, você vai ter esse tipo de viés”, aponta. Ele também ressalta que os dados ainda não foram endossados por outros cientistas. “Para ter validade, precisa ser mais bem discutido, publicado de verdade em uma revista científica. É um sinal positivo, mas ainda precisamos entender qual o real benefício de cada droga que foi utilizada.”

Zavascki, por sua vez, encara os resultados com “ceticismo total”. O especialista da UFRGS contesta o fato de os autores apresentarem a pesquisa como um quase-experimento. “O quase experimento é um ensaio clínico em que se apresenta uma intervenção ao paciente, só que o seu controle (grupo para fins de comparação que não recebe a intervenção) normalmente é histórico. Esse é o desenho clássico. Eles teriam que ter convocado pacientes e dito que eles entrariam em um estudo, que iriam aplicar a ivermectina para ver o desfecho”.

Mas não é o caso desse estudo, argumenta Zavascki. “Não tem nenhum critério para avaliar se os pacientes realmente tomaram aquilo, em que momento eles tomaram, não tem avaliação de efeito adverso. Não é uma pesquisa de excelência, um estudo sério, pelo menos da forma como está apresentado. E colocam ainda no início do segundo parágrafo da discussão que seria um ‘grande ensaio de intervenção não randomizado’. Não é um ensaio, eles pegaram uma base de dados.”

O professor da UFRGS entende ainda que faltou transparência na apresentação dos métodos e dos resultados no artigo, como quando os autores dizem ter pareado os casos por meio de um método computacional e balanceado variáveis para checar a existência de fatores de confusão na amostra. “Em pesquisa científica, não basta citar o método, precisa mostrar como fez aquela seleção, aquele controle das variáveis”. Outro aspecto apontado é que os pesquisadores não mencionam a aprovação por um comitê de ética, necessária para o teste de qualquer terapia médica em humanos.

Ivermectina

A ivermectina é um medicamento recomendado para o tratamento de doenças causadas por parasitas, como sarna e piolho, segundo registros do bulário eletrônico da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O fármaco entrou no panorama da covid-19 depois que uma pesquisa na Austrália identificou que a droga era capaz de eliminar o novo coronavírus in vitro, ou seja, em uma cultura de células em laboratório.

A professora do Departamento de Farmácia da Universidade de Brasília (UnB) Djane Braz lembra que esse tipo de resultado in vitro não garante que o remédio funcione nos seres humanos. “Existe um princípio básico da ação de qualquer fármaco no nosso organismo, chamado de farmacocinética”, explica. “É estudar o que o nosso corpo faz com um fármaco, como ele é absorvido e chega até o local onde ele deve fazer o efeito esperado. Para que qualquer fármaco tenha efeito é preciso que ele chegue no local de ação e na dose certa.”

No caso da ivermectina, a questão é saber se a dose que as pessoas ingerem é suficiente para que chegue ao pulmão e demonstre efeito antiviral sobre o SARS-CoV-2. “Respondendo a essa questão, já foram publicados dois artigos mostrando que a dose máxima já testada nos seres humanos não atinge a dose necessária para ter efeito antiviral”, relata. “Mesmo usando uma dose 10 vezes maior do que a aprovada hoje para tratar verminoses, não conseguimos chegar na dose necessária para ter efeito antiviral nos pulmões.”

Ainda assim, existem diversos estudos clínicos em pacientes com covid-19 avaliando a eficácia e a segurança do tratamento com ivermectina atualmente. Os principais órgãos mundiais de saúde não recomendam a utilização da droga fora desse tipo de pesquisa. É o caso da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), por exemplo.

A Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA) afirma que não autorizou o uso da ivermectina contra a covid-19 e que mais testes são necessários para determinar se a droga é apropriada para prevenir ou tratar o novo coronavírus. A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) também contraindica a utilização do remédio para a covid-19 fora de ensaios clínicos randomizados.

No Brasil, o chamado “tratamento precoce”, que inclui a ivermectina, foi repudiado por entidades médicas. Recentemente, um grupo de especialistas coordenado pelo Ministério da Saúde também elaborou um parecer contrário ao uso da medicação em pacientes hospitalizados, apontando que não existem evidências que justifiquem essa decisão. A atualização mais recente da Anvisa, publicada em julho do ano passado, diz que “não existem estudos conclusivos que comprovem o uso desse medicamento para o tratamento da covid-19, bem como não existem estudos que refutem esse uso”.

Segundo o professor da UFRGS Alexandre Zavascki, as melhores evidências de segurança e eficácia partem de testes amplos e bem desenhados para eliminar o risco de viés. “Nas ciências médicas, as relações de causalidade entre medicações e efeitos são definidas a partir de ensaios clínicos”, aponta. O cenário ideal consiste em testes com grupos controle (base de comparação que recebe placebo), randomizados (espécie de sorteio entre os participantes) e duplo-cego (nem médico, nem paciente sabem a qual grupo cada indivíduo pertence), de preferência com uma quantidade expressiva de voluntários.

A professora Djane Braz, da UNB, acredita que a dose utilizada no kit analisado pelo estudo mexicano provavelmente não produziu efeitos adversos significativos, como anunciaram as autoridades. Isso porque a dosagem se assemelha com aquelas recomendadas para tratar verminoses. “O problema é que temos visto um uso indiscriminado deste fármaco, com o objetivo de prevenção da covid-19, com pessoas utilizando ivermectina a cada 15 dias… Este sim pode causar toxicidade. No tratamento antiparasitário, as doses são anuais, e não quinzenais”, alerta.

A pandemia no México

Segundo o Banco Mundial, o México tem cerca de 127 milhões de habitantes e, conforme divulgado pelo governo, até o dia 20 de maio, soma 2.387.512 casos positivos e 220.850 mortes desde o início da pandemia. Os casos ativos oficiais eram 15.688 e havia, na data, 436.982 suspeitas sendo investigadas no país.

Com esses números, o México ocupa o 15º lugar no mundo em número de infecções e o quarto como o país com mais mortes por pandemia, atrás de Estados Unidos, Brasil e Índia, de acordo com dados da Universidade Johns Hopkins.

Em março deste ano, o Ministério da Saúde do México revisou dados divulgados sobre a pandemia, indicando que o número de mortes causadas pelo coronavírus no país era 60% maior do que o relatado anteriormente.

A campanha de vacinação teve início em 24 de dezembro, com a aplicação de vacinas da Pfizer/BioNTech. No dia 19 de maio, o governo do México informou que haviam sido aplicadas 24,2 milhões de doses de vacina e que 16,1 milhões de pessoas estavam imunizadas com ao menos uma aplicação, cerca de 12,7% da população. Além do produto da Pfizer, o País aplica as vacinas de Cansino, Sinovac, Sputnik V e Oxford/Astrazeneca.

O país usa um esquema de semáforo epidemiológico que, atualmente, não registra áreas em vermelho, quando apenas as atividades econômicas essenciais são permitidas. A maior parte do País está sinalizada como verde, quando são permitidas todas as atividades, incluídas as escolares.

A Cidade do México, especificamente, registrou o total de 651.967 casos confirmados, com 42.621 mortes e 4.486 casos ativos. A capital responde pelo maior número de casos e mortes por covid-19 do País, em números absolutos. Está na segunda semana de semáforo amarelo (de 17 a 23 de maio) após observar queda no número de internações hospitalares.

Em maio de 2020, nos primeiros meses da pandemia, a chefe de governo da Cidade do México, Claudia Sheinbaum, anunciou a obrigatoriedade do uso de máscaras em espaços públicos e reforçou publicamente a importância da proteção. No primeiro semestre de 2020 o país restringiu a circulação e abertura de estabelecimentos na cidade, mas depois promoveu a reabertura gradativa.

Em dezembro do ano passado, o país alcançou o pico de infecções e os hospitais da cidade lotaram, o que forçou nova suspensão das atividades não essenciais. Na ocasião, Sheinbaum justificou que o governo vinha evitando o fechamento — realizado apenas após a lotação de leitos — por considerar a época muito importante em termos econômicos para as famílias, referindo-se ao período de Natal.

A microbióloga mexicana Laurie Ann Ximénez-Fyvie, doutora em Ciências Médicas pela Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e chefe do laboratório de Genética Molecular da Faculdade de Odontologia da Universidade Nacional Autônoma do México, criticou duramente, em março, a condução do país durante a crise pandêmica.

Conforme ela, o subsecretário de Prevenção e Promoção da Saúde, Hugo López-Gatell, que é médico epidemiologista, se deixou levar por critérios “mais políticos do que científicos”, tendo apostado na chamada “imunidade de rebanho”.

Da mesma forma, ao longo da pandemia, o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, posicionou-se contra medidas recomendadas para conter a disseminação, como a adoção de lockdown, por exemplo, chegando a sugerir que os políticos que impõem bloqueios ou toques de recolher agem como ditadores.

Obrador também incentivou o contato físico e, poucas vezes foi visto utilizando máscara, defendendo que o uso ou não deveria partir do desejo de cada cidadão. Em janeiro de 2021, ele foi infectado pela covid-19 e, após se recuperar, afirmou que não usaria mais a proteção, argumentando ‘não ser mais contagioso’. Incentiva, por outro lado, a vacinação, tendo incluído educadores nos grupos prioritários e prometido concluir a campanha até outubro.

Ao lado de Egito, Brasil e Argentina, o México foi um dos países que mais investiram em pesquisas clínicas com ivermectina logo na esteira do estudo australiano in vitro. Em 29 de janeiro, no entanto, um painel de especialistas coordenado pelo governo mexicano afirmou que não existem evidências científicas suficientes para recomendar o uso do vermífugo no tratamento da covid-19 e contraindicou a droga fora de estudos clínicos em qualquer estágio da doença, assim como o uso preventivo.

Contrariando esse posicionamento, a secretária de Saúde da Cidade do México, Oliva López Arellano, uma das autoras do estudo mencionado, defendeu a continuidade da distribuição do medicamento para a população, iniciada no final de dezembro, em coletiva de imprensa, por considerar que a política era “muito pertinente na ausência de antivirais específicos”, segundo a revista Expansión.

Poucos dias antes, ao site Animal Político e ao jornal El Heraldo de México, a pasta justificou a entrega de ivermectina nos quiosques com base em uma manifestação da Aliança para Cuidados Intensivos na Linha de Frente da Covid-19 (FLCCC), um grupo de médicos norte-americanos favorável ao uso. Nos Estados Unidos, o FDA não concorda com esse posicionamento, como citado anteriormente.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Projeto Comprova investiga conteúdos duvidosos com grande circulação nas redes sobre a pandemia de covid-19 e políticas públicas. As postagens em questão tiveram mais de 55 mil interações no Facebook, no Instagram e no Twitter.

As peças foram difundidas por políticos que defendem o chamado “tratamento precoce” — um kit de remédios sem eficácia comprovada, propagandeado pelo presidente Jair Bolsonaro — como os deputados federais Bibo Nunes (PSL-RS) e Bia Kicis (PSL-DF), além de blogs e páginas de apoiadores do governo federal.

Boatos sobre o uso da ivermectina e de outros remédios sem eficácia comprovada contra a covid-19 já foram alvo de várias checagens do Comprova. O projeto mostrou que é falso que 52 municípios tenham zerado o número de mortes ao supostamente adotarem o “tratamento precoce” e que um protocolo italiano de atendimento domiciliar não tem relação com o conjunto de remédios sem eficácia comprovada, por exemplo.

Enganoso, para o Comprova, é qualquer conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; e o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Eleições

Investigado por: 2021-05-20

Vídeo enganoso de 2018 volta a circular para desacreditar Datafolha

  • Enganoso
Enganoso
Três dias após Datafolha mostrar pesquisa eleitoral com Lula à frente de Bolsonaro, uma página no Facebook que apoia o atual presidente publicou um vídeo de 2018 em que um homem tenta desacreditar o instituto de pesquisa porque o funcionário não o deixou ler as perguntas. Como o Comprova já havia verificado à época, o vídeo é enganoso pois o pesquisador apenas seguiu os procedimentos do instituto, que não permitem a leitura prévia para não sugestionar os participantes.
  • Conteúdo verificado: Página de apoio a Jair Bolsonaro no Facebook publicou um vídeo antigo para desacreditar a pesquisa Datafolha que mostrou o atual presidente atrás de Lula em uma eventual disputa eleitoral.

Um vídeo de 2018 em que um homem critica o Datafolha por ter sido proibido de ler as perguntas da pesquisa engana ao questionar a credibilidade do instituto, sem esclarecer que se trata de uma gravação antiga. Postada no perfil Força Patriótica, de apoio a Jair Bolsonaro (sem partido) no Facebook, a gravação voltou a circular nas redes sociais em 15 de maio deste ano, três dias após a Folha publicar resultado de pesquisa eleitoral que mostra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) liderando a corrida com 55% no segundo turno, contra 32% de Bolsonaro.

“Foi anulada a pesquisa Datafolha porque foi negada a informação de eu ler as perguntas. (…) Aí, como é que eu posso dar credibilidade a uma pesquisa que eu não posso ler as perguntas?”, afirma o autor da gravação, feita, conforme o Comprova verificou em 2018, entre os dias 6 e 7 de junho daquele ano, no Rio de Janeiro. 

O colaborador do instituto agiu corretamente, já que, como foi informado à época, “os procedimentos de campo seguidos pelos profissionais do Datafolha não permitem que os entrevistados leiam as perguntas antes para evitar estímulos não previstos quando da elaboração da pesquisa”. Ainda de acordo com o instituto, os entrevistados nunca têm acesso ao questionário aplicado por meio de tablet.

Procurado pelo Comprova, Rui Cosmedson, responsável pelo perfil Força Patriótica, afirmou que recebeu o vídeo e publicou. “Apenas submetemos à análise de nosso público.” Após ser avisado sobre o conteúdo enganoso, ele complementou a legenda afirmando que a gravação é de 2018 e “não reflete a situação atual”, dando o link para a verificação daquele ano do Projeto Comprova.

Como verificamos?

O primeiro passo foi recuperar a verificação sobre o mesmo vídeo feita pelo Comprova e publicada em 23 de agosto de 2018. A equipe também analisou o resultado da pesquisa eleitoral do Datafolha realizada recentemente, dias antes de o vídeo voltar a circular.

Para saber a regulamentação sobre registros de pesquisas eleitorais, também contatamos, por telefone e e-mail, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e, por telefone, entrevistamos o especialista em Direito Eleitoral e Constitucional Acácio Miranda da Silva Filho e o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino. 

Posteriormente, o Comprova entrou em contato com o perfil que postou o vídeo novamente, que respondeu por WhatsApp.

Verificação

O vídeo

Conforme o Comprova verificou em 2018, o vídeo foi gravado entre os dias 6 e 7 de junho daquele ano, no Rio de Janeiro. O homem que faz a gravação se identifica como Fábio Figueiredo e questiona a credibilidade de uma pesquisa do Datafolha por ter sido proibido de ler as perguntas antes de respondê-las.

“O rapaz aqui do Datafolha está fazendo um questionário sobre eleição presidencial e eu não posso ler as perguntas no tablet dele”, diz o autor da gravação. “Eu vou respondendo aqui e ele vai clicando, e eu não sei o que ele está clicando… Como é que eu posso dar credibilidade a um cidadão desse que faz uma pesquisa dessa?”

Ele pede para que o pesquisador, que esconde o rosto atrás de um papel, mostre a cara e, posteriormente, diz: “É uma pena, senhores. Podem crer, não deem informação para o Datafolha; provavelmente, é tudo fraudado”. No fim do vídeo, ele afirma: “Esse é o Brasil que a gente vive. Mas, vamos lá, galera, Bolsonaro neles”.

Como informado acima, o vídeo foi feito em junho de 2018 e, antes de voltar a circular em 2021, viralizou em 22 de agosto de 2018, um dia depois de pesquisa Datafolha mostrar Lula à frente dos outros candidatos.

Pesquisa Datafolha de 2021

O vídeo de 2018 e a legenda que o acompanha na postagem de 15 de maio de 2021 feita por um perfil de apoio a Bolsonaro tentam descredibilizar o Datafolha dias depois de uma  pesquisa do instituto, realizada nos dias 11 e 12 de maio de 2021, mostrar o ex-presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva na liderança do ranking de intenções de voto para o 1º e 2º turnos das eleições presidenciais de 2022. 

O levantamento foi realizado com 2.071 pessoas, de forma presencial, em 146 municípios, nos dias 11 e 12 de maio. A margem de erro é de dois pontos percentuais.

A pesquisa aponta que no 1º turno Lula teria 41% dos votos e Jair Bolsonaro 23%, ambos disparados em relação aos possíveis demais candidatos.  

Os entrevistados também foram questionados sobre eventuais cenários de 2º turno, nos quais Bolsonaro perderia para Lula, Ciro Gomes (PDT) e João Doria (PSDB), atual governador de São Paulo. O estudo aponta também que Lula ganharia contra todos os candidatos com vantagem.

Na disputa entre Lula e Jair Bolsonaro, o candidato petista ganharia com 55% contra 32% dos votos. 11% responderam que votariam em branco ou nulo e 2% não souberam responder.

Veja abaixo o resultado das outras apurações de 2º turno feitas pelo Datafolha:

  • Lula (53%) x Sergio Moro (33%). Brancos e nulos (13%), não sabe (1%)
  • Lula (57%) x João Doria (21%). Brancos e nulos (20%), não sabe (2%)
  • Jair Bolsonaro (36%)  x Ciro Gomes (48%). Brancos e nulos (15%), não sabe (2%)
  • Jair Bolsonaro (39%) x João Doria (40%). Brancos e nulos (20%), não sabe (2%)

Registro

A pesquisa Datafolha de intenção de voto para presidente nas eleições de 2022 foi divulgada no dia 12 de maio de 2021. O Comprova apurou que o levantamento não possui registro no Tribunal Superior Eleitoral porque a legislação determina que os registros desse tipo sejam feitos somente nos anos com realização de votações no país, o que não acontecerá em 2021. Portanto, não há regulamentação de pesquisas fora do período eleitoral.

A equipe de verificação confirmou a informação por telefone e e-mail com a assessoria de imprensa do Tribunal Superior Eleitoral.

O Comprova também procurou o especialista em Direito Eleitoral e Constitucional Acácio Miranda da Silva Filho, que informou em entrevista, por telefone, que as pesquisas realizadas fora do período eleitoral não se submetem às mesmas regras da legislação que vigora nos anos com eleições. Segundo o advogado, geralmente a data considerada como “período eleitoral” é estabelecida e divulgada na última semana do ano que antecede a votação. 

Segundo o TSE,  para as eleições em 2020, a regra que exige o registro começou a valer no dia 1º de janeiro e foi disciplinada pela Resolução nº 23.600/2019. O tribunal informou à equipe do Comprova que ainda não tem uma data definida para registro de pesquisas para 2022.  

A equipe de checagem encontrou no site do Datafolha informações sobre os registros das pesquisas. O instituto esclarece que: “em todos os anos eleitorais, a partir do dia 1º de janeiro, os institutos devem fazer o registro das pesquisas presidenciais no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e, no caso de pesquisas estaduais, no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de cada Estado. Esse registro deve conter informações sobre quem contratou a pesquisa, o valor e a origem dos recursos necessários, a metodologia utilizada e o período de realização, entre outros dados. A pesquisa deve ser registrada na Justiça Eleitoral até cinco dias antes de sua divulgação”.

Por telefone, o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, explicou que todos os levantamentos feitos pelo instituto seguem o mesmo padrão, mesmo quando feitos fora do período eleitoral. Paulino também esclareceu que esta edição da pesquisa foi encomendada pelo jornal Folha de S.Paulo. 

Assim como o Comprova verificou em 2018, a metodologia da pesquisa não permite que os entrevistados leiam as perguntas antes para que o resultado seja considerado válido. De acordo com o site do Datafolha, “o questionário é o principal instrumento das pesquisas e a ordem das perguntas pode influenciar as respostas dos entrevistados”. Paulino reforça que essa regra continua valendo. 

O Comprova consultou o documento completo sobre a pesquisa de maio de 2021, disponível no site do instituto e verificou a metodologia utilizada. A pesquisa quantitativa com abordagem pessoal ouviu 2071 pessoas com 16 anos ou mais em 146 municípios brasileiros entre os dias 11 e 12 de maio de 2021.  Conforme consta no arquivo, “a margem de erro máxima para o total da amostra é de 2 pontos percentuais, para mais ou para menos, dentro do nível de confiança de 95%.”

As perguntas do questionário aplicado, durante cerca de 25 minutos, também estão disponíveis. Os entrevistados deveriam responder: 

  • Em outubro do ano que vem haverá eleição pra presidente. Em quem você pretende votar para presidente em 2022? 
  • Alguns nomes já estão sendo cogitados como candidatos a presidente em 2022. Se a eleição para presidente fosse hoje e os candidatos fossem estes (MOSTRE CARTÃO 1), em quem você votaria? 
  • Em quais desses possíveis candidatos (MOSTRE CARTÃO 1) você não votaria de jeito nenhum no primeiro turno da eleição para presidente da República em 2022. E qual mais? 

Os perfis das amostras com dados sobre sexo, escolaridade, renda familiar, ocupação, religião e cor podem ser acessados no mesmo arquivo. 

Nos períodos eleitorais as pesquisas devem seguir as regras que constam na lei de número 9.504, de 30 de setembro de 1997. O detalhamento das normas adotadas nas últimas eleições foi publicado no site do TSE.

Silva Filho, advogado consultado pelo Comprova, esclarece que em caso de suspeitas de fraude,  eleitores ou políticos podem contestar as pesquisas nas Justiças Eleitoral e Comum ou por meio de denúncia ao Ministério Público Eleitoral, órgãos que farão a análise dos questionamentos.

O TSE informou que “a Justiça Eleitoral não realiza qualquer controle prévio sobre o resultado das pesquisas, tampouco gerencia ou cuida de sua divulgação, atuando conforme provocada por meio de representação”.

O post de agora

O vídeo foi postado na página Força Patriótica em 15 de maio de 2021. O perfil se descreve como “uma organização democrática, patriótica, nacional, com base na democracia participativa e visa a restauração da ordem, a defesa da democracia, a preservação do estado de direito e o resgate da dignidade nacional”. 

O responsável pela página, de apoio a Bolsonaro, é Rui Cosmedson. Em entrevista à Folha em 2017, ele disse acreditar que 1964 “foi mais revolução do que ditadura”, com, no máximo, “exageros e abusos por parte de indivíduos.”

Contatado pelo Comprova por e-mail e WhatsApp, ele disse que recebeu o vídeo e pediu que os seguidores da página opinassem sobre o conteúdo – ele pede a opinião dos seguidores em vários posts. “Em nenhum momento, afirmamos concordar com o conteúdo ou atestamos a veracidade do mesmo; apenas submetemos à análise de nosso público”, disse ele à equipe.

Em seguida, ele afirmou que deixaria um alerta para os seguidores. Modificou a legenda do vídeo para “Pesquisa Datafolha. Dê sua opinião sobre isso. Conforme nos foi informado pelo grupo Folha, esse vídeo é de 2018 e não reflete a situação atual”.

Por que investigamos?

Em sua 4ª fase, o Comprova checa conteúdos possivelmente falsos ou enganosos sobre a pandemia ou o governo federal que tenham alcançado alto grau de viralização.

O post com o vídeo verificado aqui teve 802 mil visualizações no Facebook, além de 50 mil compartilhamentos até a tarde de 20 de maio. Nos últimos anos, conteúdos falsos ou enganosos a respeito do processo eleitoral se proliferaram de maneira intensa nas redes sociais e em aplicativos de mensagens, como WhatsApp e Telegram. O debate sobre a credibilidade do sistema eleitoral e das pesquisas é legítimo, mas de modo a promover avanços deve ser baseado em eventuais problemas concretos, o que não é o caso do vídeo verificado aqui. Criado em 1983, o Datafolha tem papel importante não só em levantamentos eleitorais, mas também sobre a opinião do brasileiro em relação a temas como pandemia e fome, dentre tantos outros.

Como já informado, o vídeo foi verificado pelo Comprova há três anos. E, na semana passada, a Folha publicou verificação semelhante, sobre vídeo também de 2018 em que jovem afirmava, erroneamente, que pesquisador do Datafolha teria se recusado a entrevistá-lo por ele ser eleitor de Bolsonaro –o Estadão Verifica também checou o assunto.

Enganoso, para o Comprova, é conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-05-19

Ao contrário do que afirma deputado, estudo de vencedor do Nobel não prova eficácia da ivermectina contra a covid

  • Enganoso
Enganoso
São enganosas as afirmações do deputado federal Bibo Nunes em live no Facebook em que ele defende o uso da ivermectina contra o coronavírus. O político se baseia em um estudo de Satoshi Omura, vencedor do Nobel de medicina, que não comprova a eficácia do medicamento.
  • Conteúdo verificado: Em live no Facebook, o deputado bolsonarista Bibo Nunes destaca texto do japonês Satoshi Omura, Nobel de medicina, e afirma que a ivermectina é eficaz contra a covid-19.

São enganosas as afirmações feitas pelo deputado federal Bibo Nunes (PSL) em defesa do uso da ivermectina contra a covid-19 em uma live realizada no seu perfil no Facebook em 26 de abril. Ele apresenta o estudo “Global trends in clinical studies of ivermectin in Covid-19” (Tendências globais em estudos clínicos de ivermectina para Covid-19, em tradução livre), que tem entre os autores Satoshi Omura, vencedor do Prêmio Nobel de medicina em 2015 pela pesquisa que levou ao descobrimento do remédio.

O estudo tem falhas, como usar dados postados na plataforma ivmmeta.com, um site informal sem nenhum valor de publicação científica, como mostra essa checagem feita pelo Estadão Verifica. Além disso, os próprios autores afirmam que, embora os ensaios clínicos venham mostrando dados positivos, ainda não há estudos que expliquem esses resultados. Por isso mesmo, pedem uma cooperação internacional para acelerar as pesquisas sobre o uso da ivermectina em pacientes com covid-19.

Ao contrário do que afirma o deputado, não é verdade que “a ivermectina não tem efeito colateral; só faz bem”. Segundo a bula do medicamento produzido pela Vitamedic, sua ingestão pode causar “reações adversas leve e transitória”, que são “diarreia, náusea, falta de disposição, dor abdominal, falta de apetite, constipação e vômitos”. Ainda de acordo com a bula, “também podem ocorrer: tontura, sonolência, vertigem, tremor, coceira, lesão de pele até urticária, inchaço na face e periférico, diminuição da pressão arterial ao levantar-se e aumento da frequência cárdica”. Ainda há registros de hepatite medicamentosa por uso do chamado “kit Covid”, que inclui a ivermectina.

A própria Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) anunciou em comunicado que as “indicações aprovadas para a ivermectina são aquelas constantes da bula” – ou seja, não incluem o combate ao coronavírus. E, em 16 de maio de 2021, a Folha divulgou informações sobre o documento “Diretrizes Brasileiras para Tratamento Hospitalar do Paciente com Covid-19”, que foi elaborado pelo Ministério da Saúde após revisão de estudos com especialistas e que não recomenda o uso de ivermectina, cloroquina e azitromicina, entre outros medicamentos para tratamento de pacientes hospitalizados com covid-19.

O Comprova tentou contatar Bibo Nunes, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.

Como verificamos?

Após assistir ao vídeo, o Comprova buscou o estudo citado pelo deputado e analisou o conteúdo do material. Também encontrou a checagem feita pelo Estadão Verifica, que serviu de apoio ao trabalho.

Por telefone, a equipe entrevistou Vinícius Medina Kern, professor de Ciência da Informação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Além disso, o Comprova pesquisou comunicados de entidades de saúde em relação ao uso da ivermectina no combate à covid.

A equipe ainda tentou contatar a empresa Vitamedic. Por telefone, um funcionário disse que havia recebido o e-mail da reportagem, mas, mesmo após pedidos de retornos, não houve resposta. A equipe também enviou e-mail e mensagens via Facebook para Bibo Nunes e ligou no escritório do deputado. Uma funcionária passou o número do “responsável pelo escritório”. Por WhatsApp, ele respondeu: “Assim que possível repasso ao deputado para ver se ele tem interesse em responder! Vou tentar te dar um retorno o mais breve possível!”. Às 10h30 do dia 19 de maio, o Comprova perguntou se ele iria responder e não recebeu resposta até a publicação desta checagem.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 19 de maio de 2021.

Verificação

O que diz o artigo

O artigo usado pelo deputado Bibo Nunes em sua live no Facebook tem 52 páginas, foi revisado e aceito para publicação no dia 10 de março de 2021 pelo The Japanese Journal of Antibiotics e é assinado por Satoshi Omura, vencedor do Prêmio Nobel de medicina de 2015, e também por Morimasa Yagisawa, Hideaki Hanaki e Patrick J. Foster. Yagisawa é, junto com Foster e Omura, membro do Instituto Memorial Satoshi Omura, da Universidade Kitasato, no Japão. Yagisawa e Foster são professores da Faculdade de Farmácia da Universidade Keio, no mesmo país.

Diferente do que diz o deputado, o artigo não prova que a ivermectina é eficaz contra a covid-19, nem que previne a doença. Na publicação, os autores fazem um apanhado geral da situação do uso de drogas para tratamento da covid-19 e afirmam que medicamentos como hidroxicloroquina, cloroquina, a combinação de lopinavir e ritonavir e o interferon tiveram eficácia limitada ou nula no tratamento da covid-19.

Sobre outras drogas, como o Remdesivir, falam de limitações, como a melhoria de 30% na recuperação de pacientes críticos, mas o fato de não ser indicado para casos leves e moderados. O argumento utilizado pelos pesquisadores, antes de falarem sobre a ivermectina, é de que não há remédios para pacientes em casos leves e que, por isso, um método de tratamento eficaz ainda está sendo procurado.

A ivermectina surge no artigo no momento em que os pesquisadores citam um grupo australiano, que teria registrado que o medicamento suprimiu a replicação do SARS-CoV-2 em um experimento in vitro, ou seja, em laboratório. Em seguida, eles falam sobre o histórico do uso de ivermectina desde 1987 para tratamento de oncocercose e filariose linfática – ambas doenças tropicais –, bem como no tratamento da escabiose em humanos.

A partir daí, eles fazem uma ampla defesa da ivermectina para pacientes com covid-19, mas utilizam relatos de ensaios clínicos listados na plataforma ivmmeta.com, um site informal sem valor de publicação científica, com análises enviesadas sobre o medicamento, como mostrado nesta verificação, feita em março, pelo Estadão Verifica. Eles argumentam que os ensaios clínicos começaram a ser publicados por pesquisadores de diversos países no site Clinical Trials.gov (dos Estados Unidos) e na OMS, na área dedicada aos ensaios.

O discurso dos pesquisadores é de que esses ensaios clínicos, com cerca de 15 mil pacientes, têm apresentado resultados positivos para a ivermectina tanto no tratamento quanto na prevenção de casos de covid-19 e que a probabilidade de que os resultados desses ensaios sejam um erro é “tão baixa quanto 1 em 4 trilhões”.

Eles não deixam de apontar que os resultados encontrados levam em conta altas doses do medicamento, mas mencionam que há relatos de que, na prática médica real, existem respostas eficazes com o uso de doses consideradas normais. Por isso, seria necessário definir qual a sensibilidade do SARS-CoV-2 às doses de ivermectina.

Nas considerações finais, os autores afirmam que, embora os ensaios clínicos venham mostrando eficácia da ivermectina, ainda não há achados que expliquem razoavelmente esses resultados. Por isso, eles dizem que vêm buscando o máximo de apoio possível para acelerar as pesquisas sobre o uso da ivermectina em pacientes com covid-19.

Qual a validade científica do artigo?

Professor de Ciência da Informação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Vinícius Medina Kern observa que o fato de um dos autores ter sido laureado com um Nobel não significa que o estudo não possa ser contestado, particularmente se considerar que Satoshi Omura recebeu o prêmio justamente pelas pesquisas que o levaram à descoberta da ivermectina. Nesse contexto, inclusive, estaria numa condição de conflito de interesses. Artigos científicos costumam mencionar os possíveis conflitos de interesse. O artigo em questão, no entanto, diz que não há conflitos de interesse a declarar.

Vinícius Kern, cuja atuação tem foco em avaliação da ciência, ressalta que apenas a publicação do estudo não sustenta uma licença para o uso da ivermectina contra a covid-19.

Para validar as informações deste ou qualquer outro estudo, explica Vinicius Kern, é preciso haver consenso científico a partir, por exemplo, de revisões sistemáticas na literatura sobre o tema que, neste caso, é a indicação de ivermectina para prevenir a infecção pelo coronavírus ou tratar pacientes já contaminados. Outra metodologia é a meta-análise, que faz uma avaliação estatística de resultados de vários estudos individuais para se obter uma conclusão geral.

O professor buscou referências na PubMed, uma base de dados com resultados de pesquisas médicas, mas encontrou apenas cinco estudos que citam a ivermectina e nenhum, até o momento, tem evidência forte de que a medicação funcione para a covid-19.

Em artigo publicado no Blogs de Ciência da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a farmacêutica e doutora em Genética e Biologia Molecular Tatyana Tavella também aponta que o rigor científico é indispensável para que um estudo seja legitimado, isto é, há critérios que precisam ser observados durante a análise. No texto, ela cita a ivermectina e frisa que não existe tratamento precoce para a covid-19.

O Estadão fez a checagem de um vídeo com o mesmo teor e, segundo especialistas consultados, o artigo de Satoshi Omura não é relevante cientificamente para atestar a eficácia da ivermectina.

O que dizem as fabricantes

Em 4 de fevereiro deste ano, a norte-americana Merck, que fabrica a ivermectina (mas não vende no Brasil), anunciou em um comunicado que não “há base científica para potencial efeito terapêutico do medicamento contra a covid-19 a partir de estudos pré-clínicos”. O texto afirma ainda que não existe “evidência significativa para atividade clínica ou eficácia clínica em pacientes com covid-19” e conclui que a empresa não acredita que haja dados que sustentem a segurança e eficácia da ivermectina além das doses e populações indicadas na bula.

Um dia depois, a Vitamedic, que fabrica ivermectina em Anápolis, em Goiás, divulgou que está com a produção em ritmo acelerado porque “é um medicamento que está sendo testado em várias partes do mundo com uma grande expectativa que ela reduza a carga viral do coronavírus impedindo que a infecção causada por ele se desenvolva para quadros graves”.

Segundo a bula do medicamento da Vitamedic, a ivermectina é indicada para “o tratamento de várias condições causadas por vermes ou parasitas” e funciona no tratamento de infecções como “estrongiloidíase intestinal, oncocercose, filariose (elefantíase), ascaridíase (lombriga), escabiose (sarna) e pediculose (piolho)”. Ou seja, não há nenhuma referência ao coronavírus.

Ainda segundo a bula, no campo “interações medicamentosas” é explicado que “não há relatos sobre interações medicamentosas com a ivermectina; no entanto, deve ser administrada com cautela a pacientes em uso de medicamentos que deprimem o Sistema Nervoso Central, como medicamentos para o tratamento de insônia, ansiedade, alguns analgésicos ou mesmo bebidas alcoólicas. Informe ao seu médico ou cirurgião-dentista se você está fazendo uso de algum outro medicamento. Não use medicamento sem o conhecimento do seu médico. Pode ser perigoso para a sua saúde”.

O penúltimo item da bula é a pergunta “Quais os males que este medicamento pode me causar?”. A resposta, diferentemente do que afirma Bibo Nunes no vídeo quando diz que a ivermectina “só faz bem”, é: “as reações adversas são leves e transitórias: diarreia, náusea, falta de disposição, dor abdominal, falta de apetite, constipação e vômitos. Também podem ocorrer: tontura, sonolência, vertigem, tremor, coceira, lesão de pele até urticária. Inchaço na face e periférico, diminuição da pressão arterial ao levantar-se e aumento da frequência cárdica”.

O que dizem as entidades de saúde

A posição mais recente da Organização Mundial de Saúde (OMS) é de 31 de março de 2021, portanto 21 dias após a revisão e publicação do artigo de Satoshi Omura sobre o assunto. Segundo o órgão, a recomendação ainda é de que a ivermectina seja usada para tratar a covid-19 apenas em ensaios clínicos.

“Até que mais dados estejam disponíveis, a OMS recomenda que o medicamento seja usado apenas em ensaios clínicos”, diz a organização, em nota. A recomendação, agora, faz parte das diretrizes para tratamentos de pacientes com covid-19, atualizadas periodicamente, e se aplica àqueles em qualquer gravidade e com qualquer duração de sintomas.

Posicionamento semelhante teve a Agência Europeia de Medicamentos (EMA, na sigla em inglês), que, em 22 de março, divulgou um comunicado em que conclui que os dados disponíveis não apoiam o uso do medicamento para covid “fora de ensaios clínicos bem planejados”. O documento afirma ainda que “os medicamentos com ivermectina não estão autorizados para uso na Covid-19 na União Europeia, e a EMA não recebeu nenhum pedido para tal uso”.

Ainda antes disso, em 5 de março, a FDA, órgão de saúde dos Estados Unidos, publicou em seu site o texto “Por que você não deve usar a ivermectina para tratar ou prevenir a Covid-19”. No documento, a entidade afirma que o medicamento é usado nos Estados Unidos para tratar ou prevenir parasitas em animais e que “tem recebido inúmeros relatos de pacientes que solicitaram ajuda médica e foram hospitalizadas após se auto medicarem com ivermectina destinada a cavalos”.

No Brasil, a ivermectina foi um dos medicamentos sem eficácia comprovada defendidos pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido), ao lado da cloroquina e da azitromicina, entre outros.

Em julho do ano passado, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) anunciou em comunicado que “é preciso deixar claro que não existem estudos conclusivos que comprovem o uso desse medicamento para o tratamento da Covid-19, bem como não existem estudos que refutem esse uso” e que as “indicações aprovadas para a ivermectina são aquelas constantes da bula do medicamento” – ou seja, não é indicada contra a covid.

Embora tenha sido defendida pelo governo, entidades da área da saúde são contra o uso do remédio para conter a pandemia. A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e a Associação Médica Brasileira (AMB) afirmaram em 19 de janeiro que “as melhores evidências científicas demonstram que nenhuma medicação tem eficácia na prevenção ou no tratamento precoce para a covid-19 até o presente momento”.

Além disso, em 16 de maio deste ano, um parecer do Ministério da Saúde contraindica a prescrição da ivermectina, entre outras drogas, para pacientes hospitalizados com Covid, como a Folha informou em 16 de maio. Foi a primeira vez que a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) avaliou o uso desses medicamentos contra o coronavírus.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos possivelmente falsos ou enganosos, divulgados em redes sociais, sobre a pandemia e que tenham alcançado alto grau de viralização.

O vídeo investigado teve mais de 364 mil visualizações, 32 mil interações e 7,2 mil comentários até a tarde do dia 19 de maio de 2021. Conteúdos suspeitos sobre medicamentos sem eficácia comprovada colocam a população em risco, pois podem dar a entender que basta tomar o remédio para estar imune ao coronavírus, o que é mentira. É importante que todos saibam que é preciso seguir as medidas realmente eficazes na redução dos casos de covid-19, como a vacinação, o uso de máscaras e álcool em gel, a lavagem das mãos e o distanciamento social.

Nesta fase, o Comprova já investigou outros conteúdos suspeitos relacionados à ivermectina e ao chamado “tratamento precoce”, com uso de substâncias que não têm eficácia comprovada contra a covid-19. No mês passado, matéria destacava que a OMS não indica o uso de ivermectina, após uma publicação no Facebook sugerir que a organização recomendava o remédio. Outra reportagem indicava ser falsa a alegação de que 52 municípios zeraram as mortes provocadas pelo coronavírus devido ao uso de remédios do “tratamento precoce.”

Em 7 de maio, o Estadão Verifica também analisou um conteúdo semelhante, que usava o mesmo estudo de pesquisadores japoneses para defender a ivermectina.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações.

Saúde

Investigado por: 2021-05-17

Deputado usa vídeo editado e fora de contexto para afirmar que governador admite uso da cloroquina no Ceará

  • Enganoso
Enganoso
Vídeo postado pelo deputado Capitão Wagner Sousa (PROS/CE), com declaração do governador do Ceará, Camilo Santana (PT), foi editado e tirado de contexto. Conteúdo original é de 2020 e trechos que viralizaram agora não comprovam que o governo cearense admite uso da cloroquina. Não existe recomendação de prescrição rotineira ou de uso domiciliar de cloroquina no estado.
  • Conteúdo verificado: Um vídeo publicado no Instagram mostra o governador cearense, Camilo Santana (PT), afirmando que a cloroquina está no protocolo do Ceará e que todas as decisões tomadas pelo estado estão pautadas nas questões técnicas e científicas. Uma tarja no vídeo tem o seguinte texto: “Camilo Santana admite uso da cloroquina no Ceará. E agora?”. O autor da postagem questiona: “Vai depor na CPI da Pandemia no Senado também?”

É enganosa a postagem feita pelo deputado federal Capitão Wagner (PROS/CE), no dia 16 de maio de 2021, segundo a qual o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), teria admitido o uso da cloroquina no tratamento da covid-19 no Ceará. O vídeo, de 12 segundos, engana ao usar trechos recortados e descontextualizados de uma gravação do governador publicada no Instagram em 18 de maio de 2020.

No vídeo original, Camilo Santana menciona o protocolo para uso da medicação no estado à época da publicação e reforça a inexistência de evidências científicas que justificassem a adoção da substância. No vídeo verificado aqui, trechos de frases são recortados e unidos para dar a entender que o governador garantiu o uso da cloroquina. O Governo do Ceará, em nota divulgada no dia 16 de maio, afirma que o vídeo é uma montagem, com falas usadas fora de contexto.

Como verificamos?

Primeiramente o Comprova buscou nos perfis oficiais no Instagram e Facebook do Governo do Ceará, da Secretaria de Saúde do Estado e do governador Camilo Santana, vídeos recentes nos quais o gestor aparecesse e houvesse alguma menção ao uso da cloroquina no tratamento da covid no estado. Não foi registrado nada do tipo.

Em paralelo, foi feita uma pesquisa no Google sobre protocolo de uso do remédio no Ceará na pandemia. Os documentos oficiais encontrados foram publicados em 30 de maio de 2020, 17 de abril e 23 de abril de 2020. Com isso, foi feita uma nova busca nos perfis mencionados, nas publicações dos meses em questão. Assim, o Comprova chegou ao vídeo original, publicado no dia 18 de maio de 2020, no Instagram de Camilo Santana.

Pelas informações do vídeo, constatamos que o material foi exibido durante uma live promovida por Santana, com duração de 12 minutos e 31 segundos, na data publicada. Ao ouvir a gravação foi possível identificar trechos utilizados no vídeo publicado pelo deputado.

Em seguida, o Comprova entrou em contato com o Governo do Ceará, via WhatsApp, ligação e por e-mail. A assessoria confirmou a veracidade do vídeo, mas acrescentou, por meio de nota oficial, que a versão editada – que circula nas redes sociais – está fora de contexto. A assessoria também enviou, por email, uma das notas técnicas emitidas pela Secretaria de Saúde do Ceará, no dia 30 de maio de 2020.

O Comprova também procurou o deputado Capitão Wagner Sousa. A assessoria de imprensa informou, por meio de nota no WhatsApp, que o post foi uma crítica “sobre a fala dúbia do Governo do Ceará sobre a utilização do medicamento em questão, independente se o vídeo é de 2020”. A equipe de comunicação do parlamentar informou ainda ter “responsabilidade com as informações postadas como também coerência sobre o que defendem”. Após o contato da equipe de verificação a legenda do post foi alterada duas vezes.

O Comprova fez esta verificação com base em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 17 de maio de 2021.

Verificação

Vídeo original x vídeo manipulado

O vídeo original do governador Camilo Santana é de um live feita no dia 18 de maio de 2020 e transmitida pelos perfis do gestor no Facebook e no Instagram. O vídeo real foi publicado no perfil oficial de Camilo Santana (@camilosantanaoficial) no Instagram na mesma data. A gravação original tem duração de 12 minutos e 31 segundos.

Na publicação, Camilo fala de algumas ações referentes ao combate à pandemia e, dentre elas, um decreto estadual que, à época, tratava das medidas de isolamento social no Ceará.

Na gravação original, aos 10min28, o governador menciona o uso da cloroquina. Ele diz: “Uma outra polêmica também que tem surgido, aliás com muita fake news, muita fake news nas redes sociais, é a questão do uso da cloroquina. Cloroquina é um medicamento que ainda não tem comprovação científica, comprovada no mundo inteiro”.

Camilo também afirma: “Quero dizer que o estado não utiliza a cloroquina. A cloroquina está no protocolo do estado do Ceará, agora, ela só é utilizada com a recomendação do médico. Só com a autorização do médico é que é utilizada a cloroquina para os seus pacientes. Então, deixar muito claro que todas as decisões que o estado tem tomado são pautadas nas decisões técnicas e científicas. Não há política. Aliás, eu acho que a política tem que estar fora de qualquer contexto nesse momento de enfrentamento à pandemia”.

Já o vídeo publicado pelo deputado federal Capitão Wagner, no dia 16 de maio de 2021, em seu Instagram (@capitaowagnersousa), tem duração de 12 segundos, e nele é possível ouvir trechos recortados do vídeo original do governador.

Na publicação editada e descontextualizada, Camilo supostamente disse apenas: “A cloroquina está no protocolo do estado do Ceará. Deixar muito claro que todas as decisões que o estado tem tomado são pautadas nas decisões técnicas e científicas”. No vídeo manipulado é possível perceber um corte brusco de edição entre a finalização de uma frase do governador e o início da outra.

Na primeira legenda da postagem, há a seguinte frase: “Vai depor na CPI da Pandemia no Senado também?”.

Após o contato feito pela equipe do Comprova, a legenda foi alterada, na tarde do dia 17 de maio de 2021, para: “Repostamos novamente este vídeo, para frisar que, em virtude do tema que voltou à tona, existe uma tentativa de criminalização do Ministério da Saúde por recomendar os uso da Cloroquina, sendo que, os próprios governadores incluíram no auge da pandemia o medicamento em seus protocolos. Camilo Santana governador do Ceará, Flávio Dino governador do Maranhão, João Doria, Governador de São Paulo, dentre outros. Vai depor na CPI da Pandemia no Senado também?”.

Horas depois, ainda no dia 17 de maio de 2021, uma nova legenda foi postada: “Esse vídeo é apenas uma crítica sobre a fala dúbia do Governo do Ceará sobre a utilização do medicamento em questão, independente se o vídeo é de 2020. O tema voltou à tona com as discussões da CPI da Pandemia no Senado. Existe uma tentativa de criminalização do Ministério da Saúde por recomendar o uso da Cloroquina, sendo que os próprios governadores incluíram no auge da pandemia o medicamento em seus protocolos. Camilo Santana, governador do Ceará, Flávio Dino, governador do Maranhão, João Doria, Governador de São Paulo, dentre outros. Temos responsabilidade com as informações postadas, como também coerência sobre o que defendemos”.

Protocolo de uso da cloroquina no Ceará

O Comprova entrou em contato nesta segunda-feira (17) com a Secretaria da Saúde do Ceará, que informou, por meio de nota enviada por e-mail, que nunca existiu recomendação de prescrição rotineira ou de uso domiciliar de cloroquina no estado.

No site oficial da Secretaria, há três notas técnicas publicadas em 30 de maio de 2020, 17 de abril e 23 de abril de 2020 sobre o uso dos medicamentos hidroxicloroquina e cloroquina durante a pandemia no Ceará.

Na do dia 30 de maio, a secretaria informa que “considerando as melhores evidências científicas disponíveis até a data da publicação desta nota, a Secretaria de Saúde do Estado do Ceará não recomenda a prescrição rotineira de antimaláricos para pacientes ambulatoriais e hospitalizados com diagnóstico suspeito ou confirmado de COVID19”.

Contudo, acrescenta a nota, “sendo o ato médico de responsabilidade maior deste profissional, não cabe ao Estado constranger a decisão médica quanto à referida prescrição. Os profissionais de saúde têm como prerrogativa, segundo o julgamento clínico, a perícia profissional e a atitude ética, para tomada de decisões que podem prevalecer as orientações e diretrizes gerais”.

Na nota do dia 17 de abril de 2021, o objetivo é orientar e informar os critérios de distribuição e fluxo de acesso à hidroxicloroquina (sulfato) e a cloroquina (Difosfato) para o tratamento de pacientes internados em hospitais públicos privados com Covid. O documento informa que “o uso dessas drogas estará condicionado ao preenchimento do Termo de Consentimento Informado (TCI), que deverá ser aplicado pelo médico responsável, bem como o preenchimento do formulário sobre o uso e as reações adversas”.

A nota informa como será a logística para distribuição em hospitais de Fortaleza e do interior do estado e ressalta “não existem evidências científicas disponíveis sobre a utilização de tais medicamentos de forma profilática e por isto recomendamos que estas não sejam utilizadas com essa finalidade”.

O documento do dia 23 de abril de 2020, voltado aos profissionais de saúde, trata, de forma técnica, sobre o uso das duas medicações como drogas experimentais para tratamento da covid-19. A Secretaria reitera na nota questões tratadas nas anteriores, e reforça que “o uso seja pautado na segurança do paciente e na busca da observação dos princípios elementares da bioética de beneficência e não maleficência”.

A secretaria diz no texto que “compreendendo a legítima angústia de pacientes, familiares e profissionais, além do impulso de possibilitar oferecer a melhor oportunidade possível aos casos que evoluem de forma desfavorável, a Sesa/Ce tomou a iniciativa de fornecer abaixo algumas informações relevantes, que podem ser úteis para médicos e pacientes internados, na decisão conjunta de eventualmente fazer uso de Hidroxicloroquina (HCQ)/Cloroquina (CLQ) para o tratamento de COVID-19”.

E acrescenta que “tais orientações levaram em consideração que não há estudos robustos efetivos que demonstrem eficácia da HCQ/CLQ na redução de mortalidade ou melhora dos desfechos clínicos no paciente com COVID-19 e que a prescrição do seu uso deverá ser feita por decisão do médico com o paciente e com familiares”.

Conforme já publicado pelo Comprova, o apoio ao uso da cloroquina e da hidroxicloroquina nos casos de covid-19 se disseminou mundialmente após a publicação, em março de 2020, de um estudo conduzido pelo francês Didier Raoult. O então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, passou a apoiar a utilização e, logo depois, no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) encampou o mesmo discurso.

Em outubro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) rejeitou de forma conclusiva o uso da cloroquina no combate ao coronavírus. Portanto, no atual cenário, diferentemente da situação de abril e maio de 2020 quando o vídeo original foi publicado e as notas técnicas divulgadas no Ceará, as evidências científicas já comprovam a ineficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da Covid.

Quem é o Capitão Wagner

O autor do post, Wagner Sousa Gomes, chamado de Capitão Wagner, é um militar da reserva da Polícia Militar do Ceará, eleito deputado federal pelo estado em 2018. No pleito, Wagner foi o deputado federal mais votado do Ceará, com 303 mil votos.

Antes, Capitão Wagner, em 2012, foi eleito vereador de Fortaleza. Em 2014, garantiu vaga na Assembleia Legislativa do Estado, e fez oposição à gestão de Camilo Santana. Em 2016, concorreu a Prefeitura de Fortaleza e ficou em segundo lugar. Em 2020, pleiteou novamente o cargo de prefeito de Fortaleza e perdeu, no segundo turno, para Sarto Nogueira (PDT).

Na eleição de 2020, o presidente Jair Bolsonaro, em lives, manifestou apoio ao Capitão e pediu votos para o candidato.

Wagner também ganhou projeção política por ter liderado o motim da Polícia Militar no Ceará, iniciado em dezembro de 2011 e encerrado em janeiro de 2012.

Entre o final de 2019 e o início de 2020, voltou a vivenciar motim de PMs, e na campanha eleitoral de 2020 em Fortaleza, um dos maiores embates públicos ocorreu entre Capitão Wagner e Camilo Santana. O governador, em campanha para o atual prefeito de Fortaleza, Sarto Nogueira, acusou Wagner de ter liderado o último motim de PMs. Wagner negou e afirmou que a paralisação foi espontânea e sua participação se deu apenas para ajudar nas negociações.

Em março de 2020, Wagner apresentou à Câmara Federal um projeto que altera a Lei 12.505/2011, para incluir a concessão de anistia aos policiais e bombeiros militares do Ceará, que participaram dos motins a partir de outubro de 2019.

Por que investigamos?

Em sua 4ª fase, o Comprova verifica conteúdos possivelmente falsos ou enganosos, divulgados em redes sociais, sobre a pandemia ou o governo federal, e que tenham alcançado alto grau de viralização.

O vídeo investigado teve mais de 213 mil reproduções, 16,2 mil curtidas e 1,5 mil comentários no Instagram até a tarde do dia 17 de maio de 2021. Conteúdos suspeitos sobre o chamado tratamento precoce e uso de drogas como a cloroquina têm sido recorrentes nas verificações feitas pelo Comprova durante a pandemia.

Na terceira fase, das 194 verificações relacionadas à crise sanitária, 52 investigações foram sobre esses temas. Na quarta fase, ao menos três verificações já foram feitas tratando de publicações envolvendo cloroquina. Uma delas mostrou ser enganoso um tuíte de Carlos Bolsonaro afirmando que o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), é defensor da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. Em outra, um post também enganoso distorceu a entrevista do médico Roberto Kalil Filho para sugerir que ele apoia uso amplo da cloroquina.

Tais publicações editadas e tiradas de contexto são completamente prejudiciais ao debate público. Em se tratando de saúde pública, trazem ainda o agravante de gerar consequências e riscos drásticos e diretos à população, em um momento tão crítico como o da pandemia.

Enganoso, para o Comprova, é conteúdo retirado do contexto original e usado em outro, de modo que seu significado sofra alterações.

Saúde

Investigado por: 2021-05-14

Site distorce notícia de TV australiana para alegar que China testou o coronavírus como arma biológica

  • Enganoso
Enganoso
Relato da jornalista Sharri Markson, do canal australiano de televisão Sky News, sobre livro escrito por cientistas militares chineses, não sustenta a afirmação de que a China teria testado o coronavírus como arma biológica cinco anos antes da pandemia. Para especialistas, evidências certificam que o novo coronavírus é natural, ou seja, não foi criado em laboratório.
  • Conteúdo verificado: Texto do site Terra Brasil Notícias afirma que um canal de TV australiano teria revelado documentos que mostram que a China testou o coronavírus como arma biológica, cinco anos antes da pandemia.

Não é verdade que documentos mostrem o coronavírus sendo testado como arma biológica pela China antes da pandemia, como alega um texto do site Terra Brasil Notícias que viralizou nas redes. O conteúdo distorce uma reportagem divulgada pelo canal australiano de televisão Sky News. Não existem evidências que sustentem essa afirmação.

O conteúdo faz referência a um comentário da jornalista Sharri Markson, em 9 de maio. Ela relata a existência de um livro escrito por cientistas militares chineses, em 2015, em que é discutida a possibilidade de utilização de patógenos como os coronavírus como estratégias de ataque. O fato de um trabalho acadêmico abordar o assunto, porém, não quer dizer que a China tenha investido na produção de armamento biológico.

Esse documento, a que o Comprova teve acesso, defende a tese controversa de que o agente causador da SARS teria sido criado por terroristas e lançado sobre o país asiático, em 2002. Essa afirmação é rebatida por evidências sólidas, desde 2003, e o consenso no meio científico é o de que a mutação se originou naturalmente em morcegos.

A página que compartilhou a desinformação ainda usa o termo “coronavírus” de forma enganosa para promover a ideia de que o documento noticiado pela Sky News estaria falando sobre o agente causador da covid-19 antes mesmo do surgimento da pandemia, o que não é verdade.

O coronavírus tratado na obra é o Sars-Cov, responsável pela epidemia de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS, ou SRAG). A covid-19, por sua vez, é provocada pelo vírus Sars-Cov-2, agente que ficou conhecido popularmente como o “novo coronavírus” durante a pandemia.

Evidências apontam que tanto o Sars-Cov quanto o Sars-Cov-2 têm origem natural. Em relação ao segundo caso, a hipótese de construção artificial foi descartada por um estudo publicado na revista Nature ainda em março de 2020. Especialistas consultados pelo Comprova também refutam a tese de criação do vírus em laboratório.

Como verificamos?

O Comprova chegou ao vídeo original da jornalista Sharri Markson por meio de uma pesquisa simples no Google. O conteúdo está publicado no site oficial da Sky News, com o título “Documento chinês discutindo coronavírus como arma biológica fornece informações arrepiantes”.

A reportagem constatou que Sharri Markson apresenta um programa aos domingos no canal australiano de TV paga, que existe desde 1996. O assunto foi abordado primeiro em uma reportagem do jornal The Australian e também repercutiu em veículos internacionais, como o tabloide britânico The Sun e o chinês Global Times.

A checagem então comparou o texto divulgado pelo Terra Brasil Notícias com o relato de Sharri Markson na Sky News e verificou que o site brasileiro distorceu informações.

Em novas buscas, o Comprova encontrou uma reportagem do jornal South China Morning Post, de Hong Kong, que ouviu explicações de um dos principais autores do livro e menciona que a obra chegou a ser vendida na internet.

Com a ajuda de ferramentas gratuitas de tradução (Google Tradutor e DeepL), a reportagem conseguiu confirmar que o livro foi vendido na Amazon e chegou até a publicação original, compartilhada por usuários em uma plataforma de acesso aberto, em chinês.

O Comprova checou o nome e a filiação dos autores no livro e identificou uma das referências citadas pelo pesquisador chinês ao jornal de Hong Kong, um documento desclassificado do Departamento de Defesa dos Estados Unidos.

A equipe ainda pesquisou artigos científicos e notícias e entrevistou dois especialistas – Daniel Cláudio de Oliveira Gomes, doutor em Imunologia e professor do Núcleo de Doenças Infecciosas da UFES, e Flávio da Fonseca, virologista do departamento de Microbiologia da UFMG e presidente da Sociedade Brasileira de Virologia – para entender quais as melhores evidências científicas atualmente sobre a origem do Sars-Cov e Sars-Cov-2, além de contextualizar o assunto.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 14 de maio de 2021.

Verificação

O relato da jornalista da Austrália

Em 9 de maio, Sharri Markson afirmou em seu programa na Sky News que cientistas militares da China discutiram o uso de coronavírus como arma biológica em um documento de 2015. Segundo ela, a informação foi retirada de um livro escrito por cientistas do Exército da Libertação Popular da China e por altos funcionários de saúde pública do país.

O nome do livro é “The Unnatural Origin of SARS and New Species of Man-Made Viruses as Genetic Bioweapons” (A origem não natural da SARS e novas espécies de vírus criados pelo homem como armas biogenéticas). Ele foi editado por Xu Dezhong, um professor aposentado da Universidade Médica da Força Aérea (chefe de um grupo de especialistas que analisou a epidemia de Sars), e Li Feng, ex-vice-diretor do Escritório de Prevenção de Epidemias da China.

Em nenhum momento do vídeo Sharri Markson afirma que a China testou algum tipo de coronavírus como arma biológica. O seu relato sobre o documento não permite esse tipo de afirmação, assim como os trechos do livro mostrados na reportagem, nem existem provas até o momento de que isso seja verdade.

O livro mencionado na matéria defende uma tese controversa de que o vírus da SARS teria sido manipulado por terroristas e lançado em um ataque contra a China, em 2002. O material discute a possibilidade desse modelo de pesquisa estar sendo conduzido no mundo e traz detalhes de como um ataque dessa natureza ocorreria e quais seriam os impactos esperados.

Desde 2003, evidências sólidas apontam que o vírus da SARS surgiu em animais. Em 2017, virologistas chineses identificaram todas as “peças genéticas” que compõem o Sars-Cov humano em 15 cepas virais encontradas em uma caverna de morcegos — praticamente encerrando a questão, segundo a Scientific American.

A Sky News mostra cinco frases do livro. A primeira fala sobre a existência de uma “nova era de armas genéticas”. A segunda, sobre avanços científicos permitirem hoje o congelamento de agentes biológicos e a sua aerossolização durante ataques.

O terceiro trecho aborda condições apropriadas para a liberação de partículas, enquanto o quarto fala sobre as consequências esperadas e o efeito prolongado desse tipo de conflito. Por fim, um parágrafo aborda o terror psicológico que as armas biológicas podem causar na população. Nenhuma dessas frases indica que houve investimento da China na produção de armas biológicas.

Críticas ao artigo

A reportagem do The Australian repercutida pela Sky News recebeu críticas na China. O jornal Global Times, alinhado com o Partido Comunista Chinês, publicou uma nota afirmando que o veículo australiano escreveu um “artigo embaraçoso para sustentar uma teoria da conspiração de que a China investiu na criação do novo coronavírus como arma biológica anos antes da pandemia”.

O tabloide chinês critica o jornal por tratar como um “documento vazado” o que seria apenas “um livro acadêmico que explora o bioterrorismo e as possibilidades de vírus sendo usados ​​na guerra” que chegou a ser vendido na Amazon, ainda que esteja fora de estoque atualmente.

O Comprova confirmou que o livro esteve disponível para compra na Amazon, como aponta o Global Times. Com a ajuda do Google Tradutor, a reportagem pesquisou pelo título do livro em chinês e o encontrou em uma página no marketplace da empresa de varejo.

A Amazon informa que a obra foi publicada em agosto de 2015, pela Imprensa Militar de Ciências Médicas — uma editora chefiada pelo Exército da Libertação Popular da China e patrocinada pela Academia de Ciências Médicas Militares. Os principais autores são Xu Dezhong e Li Feng.

O South China Morning Post, um jornal de Hong Kong, também publicou uma reportagem sobre o caso. Ele afirma ter entrado em contato com o principal autor do livro, Xu Dezhong, que declarou que a sua teoria sobre a origem não natural do vírus da SARS não foi levada a sério. Dezhong alegou ainda que parte dos trechos citados pela mídia australiana foram retirados de um capítulo que comentava sobre um documento desclassificado das Forças Armadas dos Estados Unidos.

O Comprova rastreou o documento pelo nome do autor, o coronel Michael Ainscough, do Centro de Contraproliferação da Força Aérea dos Estados Unidos. O artigo é intitulado “Next Generation Bioweapons: The Technology of Genetic Engineering Applied to Biowarfare and Bioterrorism(A próxima geração de armas biológicas: a tecnologia de engenharia genética aplicada para a guerra química e o bioterrorismo).

A origem do novo coronavírus

A teoria de que o Sars-Cov-2 pudesse ter sido desenvolvido em laboratório se espalhou ainda no ano passado, com uma contribuição decisiva do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump. Evidências científicas, no entanto, apontam que o vírus que causa a covid-19 tem origem natural.

Ainda em março de 2020, em um estudo publicado na revista Nature, cinco pesquisadores dos Estados Unidos, Reino Unido e Austrália concluíram que “a análise mostra claramente que o SARS-CoV-2 não é uma construção de laboratório ou um vírus propositalmente manipulado”.

Para chegar ao resultado, os pesquisadores compararam a estrutura genética do SARS-CoV-2 com a de outros vírus da mesma família. Os cientistas destacam que, se houvesse manipulação genética em laboratório, a estrutura do novo coronavírus seria parecida com a de outros organismos existentes, porque essas alterações partiriam de moldes conhecidos. “As informações genéticas mostram de maneira irrefutável que o SARS-CoV-2 não é derivado de nenhuma estrutura central de vírus usada anteriormente”.

Doutor em Imunologia e professor do Núcleo de Doenças Infecciosas da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Daniel Cláudio de Oliveira Gomes disse ao Comprova que estudos como o da Nature apontam que o Sars-Cov-2 tem um perfil de mutação muito semelhante a outros vírus naturais encontrados em morcegos, hospedeiros que podem guardar a origem do agente infeccioso da covid-19.

Os pesquisadores puderam chegar a essa conclusão, segundo ele, porque o Sars-Cov-2 tem um genoma pequeno (a informação genética do vírus), sendo possível fazer o sequenciamento genético e observar suas mutações. Essas alterações mostraram-se imprecisas, o que não é uma característica de vírus fabricados em laboratório. Estes, ao contrário, apresentam um elevado grau de precisão toda vez que replicam porque os genes podem ser selecionados.

“É como se montássemos um quebra-cabeças, colocando as peças onde queremos. Por isso, os vírus fabricados são tão precisos. Os naturais são imprecisos como qualquer vírus circulante”, compara Daniel Gomes.

Outra questão, apontada por Flávio da Fonseca, virologista do Departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV), é que tanto o Sars-Cov quanto o Sars-Cov-2 não têm cicatrizes em seus genomas. “Quando fazemos uma manipulação genética em qualquer pedaço de DNA, a gente utiliza ferramentas que deixam marcas, as cicatrizes”, diz Fonseca. “E nenhum dos vírus tem cicatriz que possa nos levar a pensar que ele foi manipulado geneticamente.”

Por que investigamos?

Em sua 4ª fase, o Comprova verifica conteúdos de redes sociais ligados à pandemia e a ações do governo federal. Priorizamos informações suspeitas que têm grande alcance, como o texto analisado nesta checagem.

Quando um conteúdo tenta associar um vírus que já matou mais de 3,3 milhões de pessoas no mundo todo430.596 só no Brasil– a armas biológicas e à China, ele tenta criar uma narrativa política, colocando pessoas contra o país asiático. O texto segue a linha de pensamento do presidente Jair Bolsonaro, que, em 5 de maio, entre outros ataques, sugeriu que a China está fazendo uma “guerra biológica” com a Covid.

O conteúdo verificado aqui, que teve mais de 4 mil interações e 2,8 mil compartilhamentos só no Facebook, segundo a ferramenta CrowdTangle, também coloca a população em risco, pois, ao fazer tal associação, sem nenhum embasamento científico, pode sugerir para que as pessoas não se vacinem com a Coronavac, produzida na China.

Como o virologista Flávio da Fonseca disse ao Comprova, “qualquer informação falsa é muito ruim para a ciência porque gera descredibilidade, desinformação e confusão”.

A postagem do site Terra Brasil Notícias também foi analisada pela Agência Lupa, que classificou o conteúdo como falso.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

 

Política

Investigado por: 2021-05-13

Post usa notícia de 2019 para parabenizar Bolsonaro por acordo Mercosul-UE, mas negociações estão paradas

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa uma publicação no Facebook do dia 9 de maio de 2021, em um grupo de apoio ao presidente Jair Bolsonaro, que utiliza manchete de uma edição impressa do Correio Braziliense para parabenizar Bolsonaro pelo acordo Mercosul-UE. A manchete utilizada no post é de 29 de junho de 2019, quando o acordo foi anunciado durante a cúpula do G20, mas as negociações para que o acordo entre em vigor estão estagnadas.
  • Conteúdo verificado: Publicação de 9 de maio de 2021 no Facebook com foto da manchete “Maior acordo da história pode render US$ 100 bi ao Brasil”, da edição de junho de 2019 do jornal Correio Braziliense. A reportagem fala sobre o acordo entre a União Europeia e Mercosul, e o autor da postagem parabeniza Jair Bolsonaro pelo novo bloco econômico em grupo de apoio ao presidente.

É enganosa uma publicação no Facebook feita no dia 9 de maio de 2021, em um grupo de apoio ao presidente Jair Bolsonaro, que utiliza manchete de uma edição impressa do Correio Braziliense para parabenizar Bolsonaro pelo acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia.

A manchete utilizada no post é de 29 de junho de 2019, quando o acordo foi anunciado durante a cúpula do G20, em Bruxelas, na Bélgica. Apesar de assinado, o tratado ainda não está em execução e as negociações para que o acordo entre em vigor se encontram estagnadas por entraves relacionados à política ambiental do governo Bolsonaro.

O acordo foi assinado em 2019, mas as negociações já aconteciam há 24 anos, com início em 1995. Segundo o Itamaraty, as principais discussões, divididas em três fases, ocorreram entre 2000 e 2019, para então consagrar o pacto entre os dois blocos econômicos em 2019, primeiro ano de mandato do presidente Jair Bolsonaro.

O Comprova entrou em contato com o autor do post em 13 de maio, via Facebook, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.

Como verificamos?

Inicialmente, o Comprova buscou a capa do jornal Correio Braziliense, cuja foto foi publicada na postagem, e a encontrou no site oficial do jornal, veiculada no dia 29 de junho de 2019. Em seguida, buscou notícias publicadas posteriormente sobre o acordo em questão.

Os dois blocos econômicos foram procurados, além do autor do post publicado em 2019, também responsável por compartilhá-la em 2021, mas este não respondeu à mensagem encaminhada via Facebook.

Por fim, foi ouvido o especialista Renato Flôres, professor do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getulio Vargas (FGV) para comentar o assunto.

Verificação

O Acordo

A manchete do jornal Correio Braziliense, “Maior acordo da história pode render US$ 100 bi ao Brasil”, cuja foto foi publicada na postagem, é verdadeira e foi veiculada em 29 de junho de 2019, dia seguinte ao anúncio do acordo.

A notícia detalha o acordo de diálogo político, cooperação e livre-comércio entre os países que compõem o Mercosul e a União Europeia (UE). Ele foi considerado, em junho de 2019, o maior acordo entre dois blocos econômicos da história, já que o Mercosul e a UE somavam um PIB de US$ 20 trilhões e representavam 25% da economia mundial na ocasião, além de terem um mercado de 780 milhões de pessoas, conforme reportagem publicada pela Agência Brasil e replicada no site oficial da Secretaria-Executiva da Câmara de Comércio Exterior (Camex) do Ministério da Economia.

Pelo acordo, estariam eliminadas as tarifas de importação para mais de 90% dos produtos comercializados entre os dois blocos. Para os produtos em que as tarifas não fossem eliminadas, elas seriam reduzidas. A eliminação de tarifas não seria imediata – o acordo estipulava que esse prazo levaria até 15 anos, dependendo do produto.

Antes do tratado, segundo o Itamaraty, apenas 24% das exportações brasileiras para a União Europeia estavam livres de tarifas. O bloco europeu era o segundo principal parceiro comercial do Mercosul. O bloco sul-americano, por outro lado, era apenas o 8º parceiro da UE, para quem o Brasil exportou, em 2018, mais de US$ 42 bilhões.

Um documento divulgado em julho de 2019 pelo Itamaraty expõe as principais regras do acordo e explica, por exemplo, que os países dos dois blocos têm garantido o direito de adotar medidas de defesa comercial previstas da Organização Mundial do Comércio (OMC), como antidumping (que impede a exportação a preços abaixo do valor de mercado), medidas compensatórias e salvaguarda global.

O acordo também prevê, segundo o documento do Itamaraty, o combate a práticas anticompetitivas, como a formação de cartéis.

As negociações já aconteciam há mais de 20 anos, sendo iniciadas em 1995, com a assinatura de um Acordo-Quadro de Cooperação Interregional entre o Mercosul e a UE, em Madri. Só em 1999, no entanto, é que se fixou o objetivo de iniciar as negociações para um acordo birregional entre os blocos. A decisão foi tomada na Cúpula Mercosul-UE no Rio de Janeiro.

A primeira fase das negociações aconteceu entre 2000 e 2004, mas a discussão ficou parada até 2010, quando foi retomado o diálogo. A segunda fase aconteceu entre 2010 e 2012. Uma terceira foi iniciada em 2016 até o anúncio, em junho de 2019, da conclusão da parte comercial do acordo. Esta linha do tempo está disponível no resumo do acordo divulgado pelo Itamaraty.

O anúncio de que o acordo havia sido firmado após mais de duas décadas de negociações ocorreu durante a cúpula do G20 em Bruxelas, na Bélgica, onde estiveram presentes o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (sem partido), e o então ministro das Relações Exteriores do país, Ernesto Araújo. O presidente comemorou o feito e o tratou como uma vitória da equipe liderada por Araújo, afirmando que o acordo traria “benefícios enormes” e admitindo, posteriormente, que o ex-presidente Michel Temer tinha participação na conclusão das negociações.

Qual a situação atual?

O fechamento do acordo quanto à parte comercial não significa que ele esteja em vigor. Isso porque, após o anúncio, é necessária a revisão técnica e jurídica do documento, além de tradução para os idiomas de todos os países envolvidos. Cada país precisa, individualmente, ratificar o acordo em seus parlamentos para que ele entre em vigor.

Na Europa, entretanto, há uma extensa discussão envolvendo descontentamento com a atual política ambiental brasileira. Em outubro do ano passado, o Parlamento Europeu aprovou texto afirmando que o acordo não poderia ser ratificado por este motivo, demonstrando a insatisfação de parte dos parlamentares com a forma como o documento está redigido.

No início de maio de 2021, a Folha publicou extensa reportagem avaliando a atual situação do acordo, destacando que a discussão está pausada e aguardando um anexo de compromissos ambientais adicionais que sequer começou a ser negociado.

A União Europeia discute, atualmente, legislação para reduzir o desmatamento global e um dos principais pontos é garantir que as cadeias de fornecimento dos países da UE não importem produtos provenientes de áreas desmatadas.

No dia 10 de maio de 2021, o presidente da Argentina, Alberto Fernández, presidente temporário do Mercosul, se reuniu com o primeiro-ministro de Portugal, António Costa, e ambos falaram sobre o acordo comercial, segundo noticiado pela imprensa. Em declaração conjunta após a reunião, Fernández lembrou os entraves ambientais que necessitam ser superados para o andamento do acordo.

Três dias antes, em 7 de maio de 2021, no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro esteve com a ministra das Relações Exteriores da Espanha, Arancha González Laya. Após o encontro, ela declarou à imprensa que a Espanha é a favor da inclusão de um protocolo adicional no pacto que “contemple compromissos em matéria de desmatamento”.

O Comprova encaminhou e-mails às assessorias de comunicação do Mercosul e também do Parlamento Europeu. A primeira recomendou estabelecer contato com a Presidência Pro-tempore do Mercosul, mas não conseguimos contacto com a instituição. 

[ATUALIZAÇÃO: os próximos três parágrafos foram acrescidos à verificação em 18 de maio para incluir a resposta do Parlamento Europeu recebida após a publicação da reportagem]

O Parlamento Europeu respondeu em 18 de maio, após a publicação da verificação, informando que, atualmente, a Comissão está finalizando a revisão jurídica do acordo e afinando pormenores técnicos, em conjunto com o Mercosul. O passo seguinte, diz o posicionamento, será traduzir o documento para todas as línguas oficiais da União Europeia antes de ser apresentado ao Conselho e ao Parlamento Europeu para assinatura e conclusão.

A assessoria de comunicação afirma, ainda, que a Comissão Europeia, que negociou o acordo em nome da UE, está buscando um acordo paralelo com o Mercosul a ser anexado ao original para dissipar dúvidas com respeito à proteção do meio-ambiente e de direitos trabalhistas.

Esse acordo, uma vez alcançado, deverá ser aprovado pelo Conselho e, em seguida, o texto original e o anexo deverão ser aprovados pelo Parlamento Europeu. Ainda não se sabe se os parlamentos de cada país da UE também deverão votar o acordo. Não foram mencionados prazos no posicionamento. 

O responsável pela publicação no Facebook também foi procurado e não retornou.

Ratificação do acordo

Apesar de assinado pelos representantes dos países, o acordo ainda não está vigente. Isso porque é necessário que o Parlamento Europeu valide os termos da união dos dois blocos.

O especialista Renato Flôres, professor do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getulio Vargas (FGV), explicou ao Comprova que há dois obstáculos para a ação: a pandemia do coronavírus e a política ambiental do governo Jair Bolsonaro.

Segundo o professor, a pandemia é um grande dificultador para qualquer operação entre países, já que trouxe demandas mais urgentes para a fila de prioridades de qualquer governo.

Sobre a política ambiental, Flôres destaca que a discussão é fator que gera dúvidas na diplomacia internacional, e com o acordo entre a União Europeia e o Mercosul não é diferente. “Há muito ruído. A questão da Amazônia mal explicada, mal compreendida, há grupos de países que questionam isso. Essa é a dimensão que o assunto vem sendo discutido”, afirma.

Questionado sobre a previsão de ratificação do acordo, o especialista diz que é para daqui um ano, caso a pandemia já não seja mais uma ameaça para o mundo como hoje. O professor considera que será um importante passo para a recuperação econômica a longo prazo.

Por que investigamos?

Em sua 4ª fase, o Comprova checa conteúdos possivelmente falsos ou enganosos de redes sociais, sobre a pandemia ou o governo federal, e que tenham alcançado alto grau de viralização.

A postagem analisada foi publicada em um grupo de Facebook que reúne 223,5 mil membros, somando 752 comentários, 1,3 mil compartilhamentos e 3,8 mil reações na data da verificação, dia 13 de maio de 2021. Nos comentários, leitores apoiam o acordo como se ele tivesse sido assinado agora e celebram os US$ 100 bilhões mencionados na manchete como se fosse uma receita garantida pelo governo Bolsonaro.

Enganoso, para o Comprova, é conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

 

Saúde

Investigado por: 2021-05-12

Post distorce entrevista para sugerir que médico Roberto Kalil Filho apoia uso amplo da cloroquina

  • Enganoso
Enganoso
Logo após deixar o hospital em que ficou internado por covid no ano passado, o médico Roberto Kalil Filho deu uma entrevista à Jovem Pan contando ter tomado cloroquina. O título da matéria foi "Recuperado, Dr. Roberto Kalil revela que tomou hidroxicloroquina e defende uso em casos graves". O post verificado aqui, que foi feito no mesmo dia da entrevista e voltou a circular agora, traz como chamada: "Recuperado, Dr. Roberto Kalil revela que tomou hidroxicloroquina e defende: 'Tem que ser utilizada'". O post é enganoso porque em nenhum momento o médico defendeu o uso indiscriminado e, ainda no ano passado, disse "não ser garoto-propaganda de nada". Em maio de 2020, quando o post foi criado, já se sabia da ineficácia do remédio, mas, hoje, um ano depois, os próprios fabricantes e a OMS não recomendam seu uso para covid.
  • Conteúdo verificado: Post de 8 de maio de 2021 no Facebook recupera reportagem de 8 de abril de 2020 da rádio Jovem Pan com o cardiologista Roberto Kalil Filho, alterando o título para afirmar que ele apoia o uso indiscriminado da cloroquina, medicamento sem eficácia comprovada que tomou quando foi infectado pelo coronavírus, para tratar casos de covid.

É enganoso o post que usa afirmações do cardiologista Roberto Kalil Filho sobre a cloroquina para sugerir que ele apoia o uso indiscriminado do medicamento em casos de covid. A publicação, que foi feita no ano passado e voltou a circular agora, traz uma fotomontagem com o título alterado de uma reportagem da rádio Jovem Pan. No texto original, a chamada é “Recuperado, Dr. Roberto Kalil revela que tomou hidroxicloroquina e defende uso em casos graves” e, no post, “Recuperado, Dr. Roberto Kalil revela que tomou hidroxicloroquina e defende: ‘Tem que ser utilizada'”.

Na entrevista à Jovem Pan, o médico contava como foi sua recuperação da doença e afirmava ter tomado hidroxicloroquina e outros remédios. Já naquela entrevista o diretor-geral do Centro de Cardiologia do Hospital Sírio-Libanês dizia: “Minha opinião é que independentemente das ideologias, devemos procurar minimizar o dano à população e evitar mortes. Se existe medicação com evidências que pode haver benefícios, aliada a outras medicações, numa situação desta, tem que ser utilizada e pronto. Não tem conversa”. Em nenhum momento ele defende a hidroxicloroquina como a única ou principal responsável por sua recuperação.

Em 10 de abril, dois dias depois da entrevista, Kalil afirmou para a Folha que não era “garoto-propaganda de nada” e que seu tratamento incluiu uma combinação de remédios, não apenas a cloroquina.

O post tira as afirmações de Kalil de contexto e utiliza-as um ano depois, quando o conhecimento sobre o uso da cloroquina contra a covid já está mais avançado. Em outubro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou que o tratamento é ineficaz e, em março deste ano, passou a contraindicá-lo em casos de covid. No mesmo mês, quatro das seis fabricantes de cloroquina no Brasil já não recomendavam o remédio contra o coronavírus.

O Comprova tentou falar com Kalil, mas sua equipe informou que ele não poderia responder às perguntas.

Quanto ao autor da postagem no Facebook, a rede social não permitiu o contato direto com o perfil.

Como verificamos?

Buscamos as reportagens da rádio Jovem Pan sobre as declarações do médico Roberto Kalil, e o vídeo completo da entrevista concedida por ele ao veículo, no ano passado.

As assessorias de imprensa do médico e do Hospital Sírio Libanês, onde ele atua profissionalmente, foram procuradas, mas disseram à nossa reportagem que o cardiologista não teria disponibilidade para uma entrevista.

O Comprova não encontrou declarações diretas do cardiologista sobre o uso da hidroxicloroquina em pacientes da covid-19 após a publicação de diversos estudos que atestam a ineficácia do medicamento nesses casos. Por isso, buscamos em entrevistas e colunas assinadas por ele, em diferentes veículos, declarações recentes que dessem pistas sobre a visão dele sobre o assunto.

Também buscamos os posicionamentos da OMS e de fabricantes da cloroquina e verificações nossas para averiguar o que mudou sobre o conhecimento científico que se havia em maio de 2020 e no mesmo mês deste ano.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 12 de maio de 2021.

Verificação

Kalil e a cloroquina

A matéria publicada no site da Jovem Pan, em 8 de abril de 2020, tem o seguinte título: “Recuperado, Dr. Roberto Kalil revela que tomou hidroxicloroquina e defende uso em casos graves”. O texto se refere a uma entrevista concedida ao programa Jornal da Manhã, da emissora, na mesma data, e cita trechos das respostas do cardiologista sobre o uso da hidroxicloroquina no próprio tratamento, quando ficou internado por causa da covid-19, e no tratamento de outros pacientes infectados pelo novo coronavírus.

Na entrevista, Kalil, que ainda estava internado, se recuperando do quadro de covid, afirma que recebeu um coquetel de medicações diante da gravidade do próprio quadro. Entre os fármacos, ele confirma que tomou hidroxicloroquina: “Foram propostos antibióticos, anticoagulantes, oxigenoterapia e a hidroxicloroquina. Obviamente, eu aceitei sim tomar a hidroxicloroquina — embora todos saibam que não tem grandes estudos comprovando o benefício, eu acho que num paciente mais grave tem sim que ser ponderado o uso”.

Perguntado sobre o uso do medicamento mesmo em pacientes com quadro leve, o médico ressalta que não é infectologista, mas que acreditava que a hidroxicloroquina poderia ser um dos medicamentos utilizados no tratamento, desde que com acompanhamento médico. Kalil ressalta que a possibilidade deveria ser especialmente considerada diante da gravidade da pandemia e a possível demora até que surgissem estudos científicos robustos sobre a eficácia dos medicamentos.

Depois da entrevista, no mesmo dia 8 de abril, o presidente Jair Bolsonaro mencionou a entrevista de Kalil em um pronunciamento oficial em defesa da cloroquina. Dois dias depois, em 10 de abril, a Folha publicou uma entrevista com o médico, em que ele ressaltou que o tratamento incluiu outros medicamentos e a estrutura do Hospital Sírio-Libanês. “Eu não sou garoto-propaganda de nada. Eu sou garoto-propaganda do que salva vidas. […] É verdade que não temos grandes estudos científicos mostrando benefícios, mas é uma doença que mata. Se daqui a seis meses sair um estudo mostrando que a cloroquina não funciona, parabéns, fizemos o que tinha que fazer”, afirmou.

Hoje, diante das novas evidências científicas de ineficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19, o cenário é bem diferente do de abril de 2020. Roberto Kalil não chegou a declarar de maneira direta, à imprensa, o seu novo entendimento sobre o uso dos fármacos, mas há várias publicações em que ele afirma que não há medicamento contra o novo coronavírus.

É o caso, por exemplo, de uma uma coluna publicada no UOL, com uma conversa com a também cardiologista Ludhmilla Hajjar, publicada em 1º de março de 2021. O tema são as novas evidências científicas relacionadas à covid-19, e Kalil diz, ao final da entrevista: “Tratamento? Tem tratamento de suporte. Mas não existe um anti-viral. A arma é a vacina”.

No mesmo veículo, em 11 de janeiro, ele já havia conversado com o infectologista David Uip sobre a inexistência de medicamentos. No vídeo da entrevista, Uip diz que “hoje, nós damos suporte à vida. Nos casos graves, o que nós fazemos é isso: suportamos a vida. No sentido de fazer o que é possível para o paciente grave continuar vivo — e estamos conseguindo, na grande maioria dos pacientes, graças a Deus. Mas infelizmente — e eu insisto nisso, infelizmente — ainda nós não temos um medicamento preventivo”. E Kalil completa: “A única medicação pra evitar o vírus chama-se vacina”.

O Comprova tentou agendar uma entrevista com Roberto Kalil sobre o tema, mas a assessoria dele disse que o médico estava atarefado com a rotina de trabalho em dois hospitais, e não poderia atender à reportagem.

Ineficácia contra a covid-19

O apoio ao medicamento se disseminou após a publicação, em março de 2020 –com o coronavírus já se espalhando pelo mundo–, de um estudo conduzido pelo francês Didier Raoult. Segundo a pesquisa, o uso da cloroquina teria curado 75% dos pacientes com covid-19 em seis dias. Mas o estudo foi alvo de críticas da revista Science, referência em estudos científicos, e seus resultados foram questionados e considerados incompletos.

O então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, passou a apoiar o medicamento e, logo depois, Jair Bolsonaro (sem partido) encampou o mesmo discurso. Já em 21 de março de 2020, Bolsonaro anunciou que o Exército ampliaria a produção do remédio no país para pacientes com o coronavírus. Quatro dias depois, o Ministério da Saúde emitiu uma nota técnica autorizando seu uso em pacientes graves.

Nos meses seguintes, Bolsonaro demitiu dois ministros da saúde, Luiz Henrique Mandetta, em 16 de abril, e Nelson Teich, em 15 de maio. Ambos são médicos e se opunham à prescrição de cloroquina para tratar pacientes com quadros leves da doença.

Em 20 de maio, o Ministério da Saúde, já tendo como ministro interino o general Eduardo Pazuello, passou a orientar o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no “tratamento medicamentoso precoce” de pacientes com o novo coronavírus, mas ressaltava que “ainda não há meta-análises de ensaios clínicos multicêntricos, controlados, cegos e randomizados que comprovem o benefício inequívoco dessas medicações para o tratamento da covid-19”.

Só naquele mês, o Comprova publicou quatro verificações sobre o uso da cloroquina – todas com a etiqueta de conteúdo enganoso.

Enquanto o chefe do governo federal defendia o medicamento sem eficácia comprovada, alguns médicos do Brasil todo passaram a fazer o mesmo. Começaram a surgir falsas teorias de que cidades, como Porto Feliz, teria evitado mortes pelo vírus por terem adotado o tratamento com o remédio.

Ainda em outubro de 2020, a OMS rejeitou de forma conclusiva o uso da cloroquina no combate ao coronavírus e, quatro meses depois, a Apsen, maior fabricante do medicamento no Brasil, afirmou que não recomendava que ele fosse usado para este fim. Outras três farmacêuticas –Farmanguinhos/Fiocruz, EMS e Sanofi-Medley já haviam feito declarações nesse sentido. A Cristália, outra das seis fabricantes, divulgou um texto em março deste ano em que um representante ressaltou: “Não vendo nenhum produto fora do que a Anvisa autorizou. Ela autoriza para algumas coisas, como malária, mas não tem nada a ver com Covid. Na minha bula, que é dada pela Anvisa, só forneço cloroquina para estes fins específicos”. O sexto produtor é o Laboratório do Exército, pertencente ao governo federal, que continua defendendo o medicamento.

Por que investigamos?

Em sua 4ª fase, o Comprova verifica conteúdos de redes sociais ligados à pandemia e a ações do governo federal. Priorizamos informações suspeitas que têm grande alcance, como o post analisado nesta checagem.

Embora não tenha eficácia comprovada, a cloroquina vem sendo amplamente defendida pelo presidente e seus apoiadores. Isso pode significar um risco para a população já que as medidas eficazes conhecidas até agora, além da vacina, são o distanciamento social, restrição de circulação, uso de máscaras e higienização das mãos. Só assim o país vai diminuir os índices de contaminação e morte pela doença.

No ano passado, quando o post com Kalil foi publicado, houve 183 mil compartilhamentos no Facebook. Desde 8 de maio de 2021, quando ele voltou a circular, já foram 6,6 mil compartilhamentos e 12 mil interações.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-05-12

É enganoso que Coronavac foi proibida nos EUA e na Europa

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso um vídeo no Facebook que afirma que a vacina Coronavac, do laboratório Sinovac, tenha sido proibida nos Estados Unidos e na Europa. A agência reguladora europeia ainda analisa a segurança e eficácia do imunizante, enquanto a sua semelhante no país americano não fez essa análise e, por ora, há forma de brasileiros entrarem nesses locais, tendo sido imunizados com ele ou não.
  • Conteúdo verificado: Vídeo publicado no Facebook traz uma reportagem em vídeo do Jornal da Record e, em uma legenda sobre as imagens, a inscrição: “CoronaVac é proibido (sic) nos EUA e na Europa. Por isso que Bolsonaro não queria a Vacina Chinesa”.

É enganoso um vídeo publicado no Facebook que afirma que a vacina Coronavac tenha sido proibida na Europa e nos Estados Unidos. A agência reguladora europeia ainda analisa a segurança e eficácia do imunizante, enquanto a sua semelhante no país americano não fez essa análise.

A alegação enganosa foi inserida em cima de uma reportagem do Jornal da Record sobre um certificado de vacinação que será adotado pela União Europeia. A reportagem diz que o Parlamento Europeu aprovou tirar restrições para viajantes que já tenham sido vacinados com um dos imunizantes autorizados pelo órgão regulador do bloco econômico.

A Coronavac não está entre esses imunizantes até o momento de publicação deste texto. Porém, não é possível afirmar que brasileiros não podem entrar nesses locais, já que há outras formas para viajar tanto para a Europa quanto para os Estados Unidos.

O Comprova entrou em contato com o autor do post, que compartilhou a publicação em grupo no Facebook chamado “Bolsonaro 2022”, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.

Como verificamos?

Primeiramente, fizemos buscas em sites de notícias para entender o que poderia ser a tal proibição. Também pesquisamos as páginas oficiais da European Medicines Agency (EMA) e do Food and Drugs Administration (FDA), onde são disponibilizados conteúdos sobre o andamento do processo de aprovação de vacinas no bloco europeu e nos Estados Unidos, respectivamente, e o site da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Entramos em contato, por e-mail, com a Comissão Europeia e o FDA e tentamos falar com o autor do post por mensagem direta no Facebook, mas ele não respondeu até a publicação deste texto.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 12 de maio de 2021.

Verificação

Coronavac nos Estados Unidos

Nos Estados Unidos, o FDA é o órgão regulador equivalente à Anvisa no Brasil. Ele avalia e garante a segurança e eficácia de remédios, produtos biológicos, alimentos e cosméticos. Assim, é ele quem avalia os dados obtidos em testes clínicos por candidatas a vacinas contra a covid-19, por meio de seu Comitê Consultivo de Vacinas e Produtos Biológicos Relacionados.

As pautas de todos os encontros do comitê estão disponíveis no site da FDA. O Comprova consultou os encontros de 2020 e 2021 e não encontrou nenhuma menção à vacina da Sinovac. Portanto, a vacina que no Brasil é chamada de Coronavac ainda não passou pela análise e não possui nem autorização nem recusa do comitê.

A postagem analisada afirma que ela “foi proibida” e isso pressupõe que ela já teria sido analisada e negada pela FDA, o que é falso. Ela não pode ser aplicada, mas isso pode mudar caso venha a passar pela análise e seja aprovada.

O Comprova perguntou ao FDA se a Sinovac já havia feito algum pedido de análise, mas o órgão respondeu por meio de sua assessoria que “não comenta testes clínicos de vacinas de covid-19 nem o contato estabelecido com nenhum dos fabricantes de vacinas sobre seus produtos em investigação”.

Até a publicação deste texto, o comitê havia analisado as vacinas das farmacêuticas Pfizer/BioNTech, Moderna e Janssen (Johnson & Johnson). Todas elas foram consideradas seguras e eficientes em proteger contra o novo coronavírus e receberam autorização de uso emergencial, o que significa que elas podem ser aplicadas nos Estados Unidos.

Coronavac na União Europeia

Usada no Brasil, China, Turquia, Chile, Indonésia e outros países, a Coronavac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac e produzida por aqui em parceria com o Instituto Butantan, está sob análise contínua pela EMA (agência regulatória europeia).

A análise contínua é um processo pelo qual o órgão analisa dados de segurança e eficácia do imunizante conforme eles vão se tornando públicos. Com isso, é possível acelerar o processo de análise e a possível aprovação. Quando o comitê regulador decide que há dados suficientes, o laboratório ou empresa farmacêutica pode apresentar o pedido formal de autorização para uso.

A EMA começou a avaliar os dados da Coronavac no dia 4 de maio. Seu uso não ter passado por análise até agora não quer dizer que ela foi proibida na Europa.

Brasileiros na Europa

Um ponto que está em discussão é a permissão para entrada de turistas de outros países nas nações que formam a União Europeia. O bloco defende que quem foi imunizado com as vacinas aprovadas para uso na região – BioNTech/Pfizer, Moderna, AstraZeneca e Janssen – possa viajar com o Certificado Digital Verde, que vem sendo chamado de “passaporte da vacina”. Mas quem não tiver sido vacinado e quiser viajar poderá apresentar teste negativo para a Covid ou comprovar que se recuperou da doença. Ou seja, não há uma proibição da Coronavac ou de qualquer outro imunizante.

Segundo a Comissão Europeia anunciou em 3 de maio, além de propor a entrada na União Europeia por motivos não essenciais, como turismo, de pessoas que tomaram uma das vacinas autorizadas pelo bloco, a intenção é permitir o acesso também daquelas que vêm de países com uma situação epidemiológica controlada.

Além disso, ainda de acordo com o órgão, a proposta pode ser ampliada para pessoas que receberam uma das vacinas que tenham concluído o processo de uso de emergência da OMS. Isso ainda deixaria de fora a Coronavac, mas incluiria a vacina Sinopharm, também fabricada na China.

Funcionaria da mesma forma que o imunizante, por exemplo, contra a febre amarela, cujo comprovante de vacinação é exigido para se entrar em alguns países como a Tailândia.

Brasileiros em viagem

O Departamento de Estado dos Estados Unidos da América concede, atualmente, permissão para a entrada de brasileiros com visto de estudante válido e matriculados em instituições de ensino locais e para viajantes qualificados que procuram entrar no país para fins relacionados a viagens humanitárias, resposta à saúde pública e segurança nacional.

Os viajantes internacionais para os Estados Unidos são obrigados a fazer um teste viral três dias antes do voo e fornecer documentação por escrito do resultado do teste de laboratório (papel ou cópia eletrônica) à companhia aérea.

Na Europa, a entrada de brasileiros saindo do Brasil também é permitida em alguns casos. Podem entrar, por exemplo, pessoas que têm cidadania de um dos países da União Europeia e essa liberação se estende para os familiares diretos, como filhos e cônjuge.

Quem estuda ou trabalha no continente, com uma carta específica do país em questão, e quem trabalha na saúde, com pesquisas ou em funções diplomáticas e militares, também consegue um visto europeu.

Mesmo quem mora em um país europeu, entretanto, precisa fazer um exame para detectar a Covid-19 e, em caso positivo, não poderá viajar. Além disso, algumas nações recomendam quarentena compulsória antes de voltarem à rotina.

Existem países que fazem parte do território europeu e que estão aceitando a visita de brasileiros. A maioria deles não faz parte da União Europeia ou do Espaço Schengen, o que explica a liberação para os moradores do Brasil que estão viajando a turismo.

Entre os países da União Europeia que permitem a entrada de brasileiros em viagem para Europa estão a Croácia, Irlanda e Eslovênia. Além deles, outras nações do Velho Continente estão abertas aos brasileiros, sendo elas a Albânia, Andorra, Bósnia e Herzegovina, Kosovo, Macedônia do Norte e Sérvia.

Por que investigamos?

Em sua 4ª fase, o Comprova checa conteúdos possivelmente falsos ou enganosos de redes sociais sobre a pandemia ou o governo federal e que tenham alcançado alto grau de viralização. Peças de desinformação sobre vacinas são nocivas porque enfraquecem a confiança da população no principal método disponível para controle da pandemia.

Desenvolvida pela empresa biofarmacêutica chinesa Sinovac Biotech e produzida no Brasil pelo Instituto Butantan, a Coronavac é, até agora, o imunizante mais aplicado no país e, desde que o governo de São Paulo anunciou sua inclusão no plano estadual de vacinação, no ano passado, tornou-se alvo de disputas entre o governador, João Doria (PSDB) e Bolsonaro.

Em outubro, o presidente chegou a desautorizar sua compra, já anunciada, pelo Ministério da Saúde. Desde então, apoiadores de Bolsonaro criticam o imunizante, como faz o post verificado neste texto ao dizer “Olha aí o problemão. Depois a culpa é do presidente da República Bolsonaro”. A postagem foi publicada no perfil de um usuário do Facebook e compartilhada no grupo de apoio ao presidente, somando 7,3 mil interações até o dia 11 de maio. No perfil a postagem somava 447 reações, 61 comentários e 2,6 compartilhamentos. Já no grupo foram registradas mais de 2,7 mil reações, 174 comentários e 1,4 compartilhamentos.

Enganoso, para o Comprova, é conteúdo que usa dados imprecisos e que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

 

Saúde

Investigado por: 2021-05-11

É falso tuíte afirmando que Pazuello viajou para os EUA com passaporte diplomático

  • Falso
Falso
É falso o tuíte que afirma que o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, tenha recebido um passaporte diplomático do governo federal e viajado para os Estados Unidos, sem data para voltar. O post usava o nome e o logotipo do site de notícias G1 e foi criado por um perfil já verificado por outras agências de checagem. Logo após tentativa de contato do Comprova, o perfil bloqueou os conteúdos. O Exército confirmou que Pazuello não tem viagem programada.
  • Conteúdo verificado: Post no Twitter, usando logotipo e nome do G1, afirma que o Itamaraty teria concedido passaporte diplomático para Pazuello viajar aos EUA e que o ex-ministro não teria data definida para retorno.

É falso o tuíte do dia 10 de maio que afirma que o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, teria recebido um passaporte diplomático do governo federal e viajado para os Estados Unidos, sem data para voltar.

A publicação afirmava, erroneamente “#URGENTE – Itamaraty concede passaporte diplomático e Pazuello viaja para os EUA. Assessoria do ex-ministro informa que ‘não há data definida para retorno'”. Nela, havia um link para uma reportagem, de fato, do G1, mas que nada tinha a ver com uma possível saída do país do ex-ministro da Saúde – era sobre o vice-presidente, Hamilton Mourão, dizendo que ter Pazuello como ministro foi “uma decisão de risco”.

Outro indício de que a informação era falsa é que o perfil usava o nome e o logotipo do site de notícias G1, da Globo, no post. Contudo, o nome de usuário, precedido pela @, evidenciava não se tratar do perfil oficial do portal de notícias da Globo, que no Twitter tem G1 tanto no nome do perfil, quanto no de usuário, além do selo de conta verificada.

Contatado pelo Comprova, o Exército confirmou que “não solicitou passaporte diplomático e não recebeu qualquer comunicação de viagem do militar citado na matéria” e informou também que “não há previsão de viagem oficial do militar”.

O Comprova tentou contatar o autor do post, mas não recebeu resposta até a publicação deste texto.

Como verificamos?

Para verificar o conteúdo, o Comprova clicou no link colocado no post e logo percebeu que era um conteúdo suspeito, pois ele levava a uma matéria que tratava de outro assunto. Também percebeu que, embora o nome e o logotipo fossem do site G1, a “@” usada pelo perfil não era a do portal e, na definição no campo da biografia, havia apenas a palavra “paródia”.

Mesmo assim, a equipe tentou contato no dia 10, com o perfil, enviando uma mensagem direta via Twitter. A página bloqueou o conteúdo minutos depois. O dono do perfil não respondeu à reportagem até a publicação deste texto.

O Comprova conversou, por telefone e e-mail, com o Ministério da Saúde, que respondeu que a equipe deveria contatar o Exército. Por e-mail, a instituição respondeu confirmando que não há previsão de Pazuello viajar.

Também verificamos informações sobre como funciona a emissão do passaporte diplomático, com base no que diz o decreto federal número 5.978, de 4 de dezembro de 2006. O dispositivo versa sobre a emissão de cinco tipos de passaporte, entre eles o diplomático.

Ex-ministros de Estado não estão entre os possíveis contemplados com o documento especial de viagem. Pazuello pode receber o passaporte diplomático desde que o Itamaraty considere que ele representa algum interesse do país. A pasta não respondeu às tentativas de contato do Projeto Comprova.

Verificação

O post

Embora utilize o logo e o nome do G1, o perfil do Twitter que fez a publicação não tem ligação oficial com o veículo. Além disso, o link para o qual o post leva, do portal do grupo Globo, é sobre outro assunto, uma reportagem intitulada “‘Pazuello como ministro da Saúde foi uma decisão de risco’, diz Mourão”, que nada aborda sobre o ex-ministro da Saúde ter recebido passaporte diplomático.

Ao afirmar que “Itamaraty concede passaporte diplomático e Pazuello viaja para os EUA” e que “assessoria do ex-ministro informa que ‘não há data definida para retorno'”, o post poderia estar insinuando que Pazuello iria deixar o Brasil para não depor na CPI da Covid, uma vez que, na semana passada, ele alegou contato com servidores infectados pelo coronavírus para adiar seu comparecimento. A nova convocação está marcada para 19 de maio.

O Comprova contatou, por e-mail, o Exército, que afirmou não ter solicitado a emissão de passaporte diplomático para o general, ou recebido “qualquer comunicação de viagem do militar citado na matéria”. Acrescentou ainda que “não há previsão de viagem oficial do militar”.

A página

O perfil @cotore entrou no Twitter em agosto de 2018 e, na tarde desta segunda-feira (10), no campo de descrição sobre a página havia apenas a palavra “paródia”.

Além de se identificar com o logotipo e o nome do site de notícias G1, o perfil colocou um símbolo ao lado do nome para parecer um perfil verificado pelo Twitter, mas, já em uma análise superficial, é possível perceber que é um símbolo diferente – inclusive, com a cor, preta, e não azul, como é a oficial dessa rede social.

Às 17h30 de segunda, o Comprova enviou uma mensagem pessoal para o perfil, pedindo entrevista. Oito minutos depois, a página tuitou “Imagina os verificandinhos p* da vida no grupo do zap mandando o amigo da agência de checagem vir encher meu saco”, referindo-se aos jornalistas que trabalham em agências de verificação.

Por volta das 18h, o perfil mudou a foto para uma imagem de um palhaço e, o nome, para hmm. Também fechou o perfil, permitindo a visualização dos posts apenas para seguidores aprovados.

Em junho do ano passado, o mesmo perfil se passou por Donald Trump, usando a foto e o nome do então presidente dos Estados Unidos. No post, o falso Trump chamava o presidente do Brasil de Javier Bolsonaro e criticava-o em relação à gestão da pandemia. O post foi verificado como falso pela agência Lupa e o Boatos.org

Passaporte diplomático

Ele é um dos cinco tipos de documentos de viagem oferecidos pelo Governo Federal. Os outros são o comum, o oficial, para estrangeiros e de emergência. Segundo o decreto número 5.978, de 4 de dezembro de 2006, passaportes diplomáticos são emitidos pelo Ministério das Relações Exteriores.

A Seção I do decreto indica que esta modalidade de passaporte é concedida ao presidente da República, ao vice-presidente e aos ex-presidentes da República. Ministros de Estado, ocupantes de cargos de “natureza especial” e titulares de secretarias vinculadas à Presidência da República, além de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), também estão entre os contemplados.

Ex-ministros não são citados nos incisos do decreto. Em 20 de junho de 2020, por exemplo, Abraham Weintraub entrou nos Estados Unidos durante período de restrições ao ingresso de brasileiros naquela nação, uma das formas de combate à disseminação da covid-19.

A entrada foi possível porque Weintraub ainda estava na condição de titular da Educação. A exoneração dele foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) somente quando o governo brasileiro recebeu a informação de que havia aterrissado no país.

Além do passaporte diplomático, Weintraub não apresentou problemas de saúde, condição que favoreceu sua permanência no país.

Há no decreto 5.978 uma brecha por meio da qual é possível inserir pessoas que não ocupam cargos na administração pública, contida no inciso terceiro do artigo 6º. O trecho diz: “Mediante autorização do Ministro de Estado das Relações Exteriores, conceder-se-á passaporte diplomático às pessoas que, embora não relacionadas nos incisos deste artigo, devam portá-lo em função do interesse do País.”

Diferentemente dos critérios objetivos relacionados à ocupação de cargos públicos, “interesse do País” é subjetivo. Ou seja, uma pessoa pode ganhar o passaporte diplomático a partir do que o chanceler do momento considere relevante para o País.

Com base neste trecho, líderes religiosos já obtiveram passaportes diplomáticos. A prática vem desde o governo Lula (PT) e permanece sob a administração de Jair Bolsonaro (sem partido).

O Projeto Comprova entrou em contato com o Itamaraty às 18h28min de segunda-feira, 10. Por e-mail, a reportagem indagou a pasta sobre veracidade do post da conta intitulada “@cotore”. Também foi questionado se Pazuello já teve passaporte diplomático e se ainda o possui. O Comprova obteve somente um retorno automático informando que a mensagem foi recebida e que seria respondida com a “brevidade possível”.

O Projeto Comprova ainda enviou outro e-mail, no sentido de reforçar o que havia sido enviado inicialmente e cobrar uma resposta. A reportagem não obteve retorno efetivo até a tarde desta terça-feira, 11.

Por que investigamos?

Em sua 4ª fase, o Comprova verifica conteúdos de redes sociais ligados à pandemia e a ações do governo federal. Priorizamos informações suspeitas que têm grande alcance, caso do post analisado nesta checagem.

Em um período em que Eduardo Pazuello é foco de notícias por não ter comparecido à primeira audiência da CPI da Covid a que foi convocado e ser esperado para o dia 19 de maio, o tuíte, tentando se passar por um veículo de jornalismo, tenta enganar usuários do Twitter inventando que o ex-ministro estaria nos Estados Unidos –e, como tenta insinuar, faltaria à nova convocação da CPI.

Apesar de o perfil ter a palavra “paródia” no espaço da biografia no Twitter, o post não pode ser categorizado como “sátira” – uma das etiquetas do Comprova – uma vez que a página se apropriou do nome e do logo do G1, tentando se passar pelo veículo. Dessa forma, o post, que foi compartilhado ao menos 1,2 mil vezes na rede, é falso.

A mesma categorização foi usada pela agência Lupa e pelo Boatos.org em verificações do ano passado que envolviam o mesmo perfil, como escrito anteriormente.

Falso, para o Comprova, é qualquer conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2021-05-07

Postagem que associa Doria e Lulinha na compra da Coronavac é falsa

  • Falso
Falso
No site oficial da Nasdaq, bolsa de valores dos Estados Unidos onde está listada a Sinovac, fabricante da CoronaVac, não constam empresas brasileiras entre as donas de ações da farmacêutica. O número do inquérito da Polícia Federal indicado na postagem verificada não existe. Além disso, Doria e Lula negam qualquer sociedade entre as partes.
  • Conteúdo verificado: Postagem nas redes sociais, também compartilhada em aplicativos de mensagens, sugere que o governador de São Paulo, João Doria, e Fábio Luiz Lula da Silva, o Lulinha, filho do ex-presidente Lula, são sócios na empresa fabricante da vacina Coronavac, visando às eleições de 2022.

É falso o conteúdo de uma postagem no Facebook segundo a qual o governador de São Paulo, João Doria, e Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, filho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seriam sócios.

Na mensagem que circula pelo WhatsApp e por redes sociais, a sociedade entre os dois estaria relacionada à CoronaVac, vacina produzida no Brasil numa parceria entre a empresa chinesa Sinovac e o Instituto Butantan – o centro de pesquisa biomédica do governo paulista. Lulinha, segundo o texto verificado, teria destinado R$ 100 milhões para adquirir 20% das ações da empresa em troca de apoio político a Doria.

O texto cita como fonte a Polícia Federal, menciona o que seria o número do inquérito e alega que o órgão está investigando o caso.

A Sinovac está listada na Nasdaq, um dos mercados de ações baseados nos Estados Unidos, e como todas as companhias nesta condição precisa se submeter a regras de transparência a respeito de quem são seus donos. No site da Nasdaq consta a lista de empresas que possuem ações da Sinovac e nela não aparecem empresas brasileiras.

Além disso, todas as alegações foram contestadas pelas pessoas citadas durante a verificação do Comprova, a começar pela Polícia Federal, que ressalta que dados sobre operações estão disponíveis no site do órgão, e qualquer informação que tenha partido de canais não oficiais são de responsabilidade de quem faz a divulgação.

Doria e Lula negaram qualquer aliança, e ainda criticaram o que seria uma estratégia de adversários políticos.

O Comprova procurou um dos usuários que fez a publicação, mas até a divulgação desta checagem não obteve retorno. O post foi feito em uma página de apoio ao presidente Jair Bolsonaro. Tanto Doria quanto Lula são adversários políticos de Bolsonaro. Eles são, também, adversários entre si.

O conteúdo voltou a circular em abril, mas, em janeiro, a Agência Lupa já havia feito uma verificação em que apontava que era falsa mensagem de que o filho de Lula comprou 20% das ações da Sinovac.

Como verificamos?

Para verificar o conteúdo, o Comprova entrou em contato com o Departamento de Polícia Federal (DPF), ligado ao Ministério da Justiça e Segurança, solicitando informações sobre a suposta investigação reportada na postagem. A assessoria do órgão não confirma a existência de apuração sobre a compra de ações da Sinovac, fabricante da Coronavac, por Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha.

O governo de São Paulo também foi procurado para se manifestar sobre a alegação de que o governador João Doria seria sócio do filho do ex-presidente. As acusações foram refutadas pela administração estadual, à qual está vinculado o Instituto Butantan.

Lula foi questionado sobre a relação de seu filho com Doria e a suposta participação societária na Sinovac, e emitiu uma nota desmentindo qualquer envolvimento de Lulinha na empresa.

Ainda houve uma tentativa de verificação junto ao usuário do Facebook que postou o conteúdo, com o envio de mensagem pela mesma rede social que usou para a divulgação, mas ele não respondeu.

Para a checagem, também foram verificados o site da Sinovac e da Nasdaq, mercado de ações em que a empresa chinesa está listada, de modo a identificar os sócios. Entre os acionistas, nenhuma organização brasileira.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 7 de maio de 2021.

Verificação

Plano para eleição presidencial

O conteúdo que circula nas redes sociais faz conjecturas sobre o suposto acordo de Doria e Lulinha como um plano do governador paulista visando à eleição presidencial, em 2022.

Em um dos trechos, a mensagem diz que “uma força-tarefa da Polícia Federal descobriu que a empresa farmacêutica Sinovac Biotech, meses antes de assinar um acordo com o governo do Estado de São Paulo e o Instituto Butantan, teve 20% das ações compradas por um grupo de investidores, aqui do Brasil, cujo maior societário é Fábio Luís Lula da Silva, filho do corrupto condenado Lula.”

Os 20%, segundo a postagem, teriam sido adquiridos por R$100 milhões na época, mas já teriam alcançado a marca de R$ 1,5 bilhão.

Outro ponto afirma que houve uma tentativa de encobrir o acordo, cujo objetivo seria conquistar o apoio da esquerda ao projeto político de Doria de se eleger presidente.

“Ele ganha a eleição e o PT, que não se elege mais, ganha apoio político e também uma parte da venda das ações que o filho do Lula comprou, ou seja, esses políticos safados querem nos aplicar uma vacina vagabunda, sem eficácia alguma, e ainda lucrar em cima do povo doente, sofrido e cheio de medo.”

No contato feito com a Polícia Federal, o órgão foi questionado sobre a existência do inquérito 2022 13 45 – o número é a junção do ano da eleição e a representação dos partidos de Lula (PT/13) e Doria (PSDB/45). Também foi perguntado se há investigação sobre a sociedade do governador de São Paulo e Lulinha.

Em nota enviada por e-mail, a Polícia Federal informa que as ações e operações do órgão são divulgadas oficialmente no site. “Qualquer informação que circule nas redes sociais que não tenha partido dos nossos canais oficiais de comunicação é de total responsabilidade de quem a divulgou”, diz um trecho. Em pesquisa no site da PF, não há nenhum inquérito com o número indicado na postagem.

No site da Sinovac, não há nenhuma menção a Lulinha como sócio e, na seção de relacionamento com o investidor, a empresa ressalta que não oferece atualmente planos de compra direta de ações, uma modalidade de investimento em que uma pessoa interessada poderia adquirir os papéis da fabricante chinesa.

Já a página da Nasdaq, mercado de ações na qual se encontra a Sinovac, não inclui nenhum grupo brasileiro, como sugere a postagem do usuário do Facebook. Em outro site de avaliação desse mercado, consta que a maior participação é da 1 Globe Capital, que detém 26% das ações da Sinovac, seguida pela SAIF Advisors, com 15,2%. Há, ao todo, 10 acionistas, com cotas variadas, a partir de 1,72% de participação na Sinovac.

Do governo de São Paulo, o Comprova quis saber sobre a relação de Doria com Lulinha e, ainda, sobre a declaração de que a CoronaVac não é eficaz.

A resposta, também por nota, enfatiza que a “informação é completamente falsa” e completa:

“Esta é mais uma das inumeráveis fake news que têm o objetivo exclusivo de desinformar e confundir a população sobre as necessárias ações de combate à pandemia do coronavírus, que são adotadas pelo governo de São Paulo desde o início do ano passado”, pontua a Secretaria de Comunicação do governo paulista.

Procurado para se manifestar sobre o conteúdo divulgado ou intermediar o contato com Lulinha, o ex-presidente Lula sustenta, em nota, que ele e sua família “são vítimas há anos de mentiras divulgadas por grupos políticos adversários, que produzem as mentiras mais absurdas com objetivos político-eleitorais.”

Na avaliação do petista, são os mesmos grupos políticos que divulgam informações falsas sobre a pandemia, causando danos para a população brasileira no combate ao vírus que já matou mais de 411 mil brasileiros.

“Infelizmente, as autoridades e redes sociais fazem pouco para coibir esse comportamento nocivo para a sociedade brasileira. Lógico que o filho do ex-presidente Lula não tem relação nenhuma com a empresa que produz a vacina CoronaVac”, critica Lula, acrescentando que é importante que os brasileiros tenham acesso às vacinas para superar a pandemia.

A CoronaVac no Brasil

Produzida pela empresa de biotecnologia Sinovac, sediada na China, a Coronavac está no lote das primeiras vacinas contra a Covid-19 a serem usadas no Brasil ao lado da Astrazeneca/Oxford/Fiocruz. Em junho do ano passado, o governo de São Paulo, ao qual o Instituto Butantan é vinculado, anunciou a parceria para testes e produção do imunizante no país.

Três meses depois, Doria assinou um contrato com a companhia chinesa para transferência de tecnologia, possibilitando que o Butantan assumisse a produção para a distribuição da vacina no país. Já em dezembro, foi iniciada a fabricação do imunizante em território brasileiro.

No início de janeiro, o instituto divulgou que o resultado dos estudos apontavam para a eficácia da Coronavac, e foi solicitado à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) o uso emergencial no Brasil. No mesmo dia em que o órgão aprovou a utilização, em 17 de janeiro, o governo de São Paulo deu início à campanha da vacinação, antes da data que havia sido programada pelo Ministério da Saúde, provocando novos embates entre João Doria e o governo federal.

Naquele mesmo mês, começou a circular nas redes sociais a mensagem relacionando o governador de São Paulo a Lulinha, estabelecendo uma conexão com a aquisição da Coronavac. A postagem voltou a ganhar força em abril, especialmente em compartilhamentos por aplicativos de mensagem.

Ao longo de todo o processo, a vacina esteve no centro da disputa política de Jair Bolsonaro e João Doria.

Por que investigamos?

O Comprova investiga informações suspeitas com grande alcance na internet, caso do conteúdo analisado nesta checagem. As postagens circulam no Facebook, Twitter e são compartilhadas pelo WhatsApp.

O conteúdo foi considerado suspeito porque estabeleceu uma relação comercial de duas figuras públicas, de espectros políticos distintos, sem apresentar dados confiáveis.

O Projeto Comprova verifica também conteúdos que contenham informações duvidosas sobre a Covid-19. Neste caso, a mensagem levanta suspeição sobre a vacina Coronavac, uma das opções de imunização contra a doença no Brasil, e a desinformação pode comprometer a estratégia de vacinação no país.

A Agência Lupa já fez a verificação do mesmo boato, ressaltando que Lulinha não comprou 20% das ações da Sinovac. O Estadão e o projeto Fato ou Fake, do G1, também desmentiram o conteúdo ao fazer a checagem.

Falso, para o Comprova, é todo o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.