O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Eleições

Investigado por: 2020-11-20

É possível, sim, auditar e realizar recontagem dos votos, ao contrário do que afirma vídeo

  • Enganoso
Enganoso
Ao contrário do que afirma youtuber, existem várias formas de auditar o processo eleitoral brasileiro, antes, durante e após o pleito e a recontagem de votos é prevista no Código Eleitoral
  • Conteúdo verificado: Vídeo publicado no YouTube no qual um homem diz que o sistema eleitoral no Brasil é fraudulento, que não há como fazer recontagem ou auditoria e que a Smartmatic está envolvida no processo eleitoral.

Um vídeo publicado no YouTube engana ao dizer que não há como fazer recontagem e auditoria nas eleições brasileiras para tentar sustentar argumento de que a votação em São Paulo foi fraudada. Existem várias formas de auditar o processo eleitoral brasileiro, antes, durante e após o pleito, estabelecidas na Resolução 23.603/19. A recontagem de votos é prevista no Código Eleitoral, porém, sob circunstâncias específicas. Em seu portal, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) esclarece e disponibiliza informações sobre as auditorias e o funcionamento das urnas eletrônicas.

A publicação também engana ao falar sobre a centralização da totalização e divulgação dos votos. Em entrevista coletiva, o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, e o secretário de Tecnologia da Informação do Tribunal, Giuseppe Janino, explicaram que a concentração dos dados se tratou de uma ação estratégica de segurança. “A centralização, no TSE, da totalização dos votos foi adotada a partir de uma recomendação da Polícia Federal para reduzir a quantidade de superfícies de ataque”, disse o ministro Barroso.

O autor do vídeo também afirma, sem apresentar provas, que “todo o sistema é fraudado”. De acordo com o TSE, nenhum caso de fraude foi identificado e comprovado no sistema eleitoral eletrônico desde que ele foi adotado, em 1996.

Também é enganoso afirmar que a Smartmatic está envolvida no processo eleitoral brasileiro. O Comprova já verificou isso e constatou que a Smartmatic, que forneceu urnas para a Venezuela, nunca vendeu aparelhos para o Brasil.

Como verificamos?

Para essa verificação, o Comprova entrou em contato com o Tribunal Superior Eleitoral, que respondeu por e-mail enviado pela assessoria de comunicação com alguns links do site do órgão sobre como funcionam as auditorias e recontagem de votos. Também buscamos informações com o secretário de tecnologia da informação e comunicação no Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE), George Maciel, e o advogado especialista em direito eleitoral Hugo Souza.

Também procuramos reportagens sobre a contagem e divulgação dos votos no primeiro turno, que explicam a lentidão e as falhas no sistema do TSE. Fez parte ainda da verificação a busca de checagens anteriores do Comprova sobre a empresa Smartmatic.

Contatamos ainda a plataforma YouTube a fim de entender por que o canal envolvido nesta verificação foi desmonetizado, informação que o próprio criador menciona ao longo do vídeo verificado.

Tentamos contato com o youtuber, mas até o fechamento desta verificação não obtivemos retorno.

Verificação

Auditoria e recontagem de votos podem ser realizadas

Há várias formas de fazer auditoria no processo eleitoral brasileiro, previstas na Resolução 23.603/19 e realizadas antes, durante e após o pleito. De acordo com o TSE, é possível auditar sob oito aspectos: verificação do resumo digital (hash); reimpressão do boletim de urna; comparação entre o boletim impresso e o recebido pelo sistema de totalização; verificação de assinatura digital; comparação dos relatórios e das atas das seções eleitorais com os arquivos digitais da urna; auditoria do código-fonte lacrado e armazenado no cofre do TSE; recontagem dos votos por meio do Registro Digital do Voto (RDV); e comparação da recontagem do RDV com o boletim de urna (formato PDF).

Os dois principais sistemas são a auditoria de funcionamento das urnas eletrônicas em condições normais de uso (conhecidas antes como “votação paralela”) e a auditoria de verificação da autenticidade e da integridade dos sistemas instalados nas urnas eletrônicas. “Todas as cerimônias de preparação de urna são públicas. A gente divulga um edital e tem dia, local e hora para acontecer, para que os interessados possam participar. Convocamos partidos, Ministério Público e outras entidades interessadas. Toda cerimônia tem a presença do juiz e do MP, às vezes a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Polícia Federal também comparecem. Acontece em todo o Brasil”, explica o secretário de tecnologia da informação e comunicação no Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco, George Maciel.

No dia anterior às eleições, tanto para primeiro quanto para segundo turno, uma comissão realiza um sorteio das seções eleitorais que serão submetidas às auditorias, que pode ser acompanhado por qualquer cidadão.

No caso da auditoria de funcionamento das urnas eletrônicas em condições normais de uso, as urnas sorteadas são submetidas a uma votação simulada – respeitando as mesmas condições de uma seção eleitoral oficial. São usadas cédulas de papel, preenchidas por representantes de partidos e entidades públicas. Cada voto é registrado na urna eletrônica e em um computador à parte, com outro sistema. Ao final da votação (no mesmo horário do pleito oficial), são comparados os dois resultados. O processo é filmado e acompanhado por uma empresa de auditoria externa contratada pelo TSE.

Já na auditoria de verificação da autenticidade e integridade dos sistemas, são analisadas se as assinaturas digitais dos sistemas instalados nas urnas eletrônicas são iguais aos sistemas lacrados em cerimônia pública realizada anteriormente pelo TSE. Essa auditoria é realizada no dia da votação, antes do início oficial, em seções eleitorais sorteadas na véspera, também em audiência pública.

Cada urna emite um relatório de resumos digitais dos arquivos instalados nela, que podem ser conferidos a qualquer momento pelos fiscais dos partidos, representantes da Ordem dos Advogados do Brasil e do Ministério Público.

“Além disso, no ano anterior à eleição, a gente chama a comunidade científica para tentar hackear a urna. A gente coloca ela à prova, para corrigir eventuais falhas a tempo, mas até hoje ninguém conseguiu vulnerabilizá-la”, acrescenta George Maciel, do TRE-PE. A Justiça Eleitoral divulga detalhes sobre esse teste em um site.

Além das auditorias, é possível pedir recontagem dos votos. Desde 2004, a urna eletrônica tem um dispositivo, o Registro Digital do Voto (RDV), que guarda as informações dos votos dos eleitores de forma aleatória. Por meio dele, é gerado um boletim de urna, um relatório com a apuração dos votos da seção, que fica à disposição para consulta dos representantes dos partidos. Com o RDV, é possível fazer a recontagem, a apuração e totalização dos votos.

A recontagem é prevista no Código Eleitoral, porém sob circunstâncias específicas. Pode ser solicitada por partidos, coligações ou candidatos por meio de requerimentos aos tribunais regionais ou superior ou por uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije). “A Aije é uma ação judicialmente legal, prevista na legislação eleitoral, em que o partido, a coligação ou o candidato podem entrar com o pedido de revisão, desde que comprovem o tipo de abuso que está ensejando a ação”, explica o advogado especializado em direito eleitoral Hugo Souza. O TSE divulga os pedidos de recontagem já realizados no país.

Centralização dos votos

Nessas eleições, pela primeira vez, a contagem dos votos de todas as regiões brasileiras foi centralizada no TSE, o Tribunal Superior Eleitoral.

Em eleições anteriores, o Tribunal Regional Eleitoral de cada estado e do Distrito Federal era responsável pelo processo de envio dos votos da região para serem somados nacionalmente pelo TSE e, posteriormente, realizar a divulgação dos votos. Neste ano, o próprio TSE fez toda a soma antes da divulgação dos votos.

A centralização no TSE gerou atraso de mais de duas horas na totalização dos votos. De acordo com esclarecimentos do TSE, essa centralização foi uma recomendação da Polícia Federal, visando, de maneira estratégica, reduzir a possibilidade de ataques ao sistema eleitoral.

Em entrevista coletiva, o ministro Luís Roberto Barroso explicou que “um supercomputador foi fornecido pela empresa Oracle para computar, de forma centralizada, os dados provenientes das urnas eletrônicas de todo o país”.

Na mesma coletiva, o secretário de Tecnologia da Informação, Giuseppe Janino, assegurou que “os peritos da Polícia Federal trataram a totalização da distribuição, no âmbito dos 27 Tribunais Regionais Eleitorais, como uma tática chamada de redução de superfície de ataque”.

Janino disse também que “quando se têm 27 pontos, em tese, você teria o mesmo número de chances de pontos para atacar. Mas quando você concentra em um ponto e, nesse ponto, se concentram vários requisitos de segurança, como uma sala cofre de segurança, além de vários softwares, gestão e um serviço de vigilância 24 horas por sete dias na semana, se tem uma possibilidade menor de ataques”.

Sobre a lentidão e falhas no sistema utilizado pelo TSE, o presidente do Tribunal disse, também em coletiva, publicada em texto no site do órgão, que “em razões de limitações nos testes prévios, no dia da eleição a inteligência artificial do equipamento demorou a realizar o aprendizado para processar os dados num volume e velocidade com que chegavam, daí sua lentidão e travamento que exigiu que a totalização fosse interrompida e reiniciada”.

No Brasil nunca foi comprovada fraude no sistema eleitoral

O Comprova não encontrou nenhum indício de que existam provas de fraude no sistema eleitoral brasileiro. Segundo o TSE, desde implantado, em 1996, o sistema nunca foi fraudado.

Em vídeo publicado no Youtube, no canal da Justiça Eleitoral, em 31 de agosto deste ano, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Luís Roberto Barroso, enfatiza que o sistema eletrônico de votação é seguro e que no Brasil nunca foram constatadas fraudes que interfiram no resultado das eleições. “A votação por meio da urna eletrônica, que já vigora no Brasil há mais de duas décadas, já passou por diversas auditorias nos últimos anos e jamais foi constatada qualquer fraude”.

O ministro pontua ainda que “tudo que é humano está sujeito ao aperfeiçoamento, mas nunca se documentou nenhum tipo de fraude relevante que pudesse comprometer o resultado das eleições”.

Em outro vídeo, também disponível no canal da Justiça Eleitoral, o TSE traz de uma maneira didática, em menos de um minuto, informações sobre a segurança da urna, destacando que “a urna eletrônica tem mais de 30 barreiras de segurança”, “todos os programas utilizados na urna ficam disponíveis e são lacrados em uma cerimônia específica”, e que “não é possível mudar os dados que estão nela [urna] após a lacração”.

Autor do vídeo e desmonetização do canal

Renato Barros é um youtuber declaradamente apoiador da direita. Ele é criador de alguns canais disponíveis na plataforma YouTube.

Em julho de 2019, Renato e outros youtubers de direita se encontraram com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), como mostra esta matéria de “O Globo”.

O canal verificado pelo Comprova está desmonetizado há pouco mais de três meses. De acordo com explicações dadas pelo youtuber no próprio canal, a plataforma Youtube classificou o conteúdo como nocivo.

Sobre a questão, o YouTube afirmou que “para que um canal gere receita, ele primeiro precisa ser aceito no Programa de Parcerias do YouTube (YPP, na sigla em inglês)” e atender alguns critérios. A empresa afirmou que “todos os canais no Programa de Parcerias da plataforma são revisados por um ser humano para garantir que atendem os critérios de aprovação. Além disso, passam por revisão periódica, podendo ser removidos do programa”. A remoção pode acontecer, entre outras questões, por tentar gerar receita com vídeos que não são próprios ou não atendem às diretrizes de conteúdo adequado para publicidade.

Sobre conteúdos nocivos, a empresa afirmou que opera com diretrizes da comunidade, ou seja, políticas que descrevem qual conteúdo não é aceitável na plataforma. “Trabalhamos para remover rapidamente material que viola nossas políticas. Usamos uma combinação de pessoas e aprendizado de máquina para detectar, em escala, conteúdo potencialmente problemático”, diz o YouTube, em nota.

Por que investigamos?

Na terceira fase, o Projeto Comprova investiga conteúdos suspeitos relacionados à pandemia da covid-19, a políticas públicas e às eleições. No dia do primeiro turno deste ano, viralizaram postagens a respeito de possíveis fraudes, usando como argumento o atraso que ocorreu na totalização dos votos. As postagens não tinham provas concretas sobre a acusação.

Embora o autor enfatize no vídeo que não tem provas quanto às questões que traz e que se trata da sua opinião, o conteúdo investigado é perigoso pois levanta diversas questões para desacreditar o sistema eleitoral brasileiro e confirmar uma eventual fraude nas eleições de São Paulo. A publicação no YouTube teve mais de 155 mil visualizações. O Comprova já mostrou, neste ano, que o sistema eletrônico de votação pode ser auditado e checou boatos sobre a possibilidade de a apuração dos votos ser secreta, sobre violação da segurança da eleição por hackers e sobre a transformação da justificativa em votos válidos.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos; que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano; ou que é retirado de seu contexto original e usado em outro, de modo que seu significado sofra alterações.

Eleições

Investigado por: 2020-11-19

Sistema usado em vídeo para simular fraude não é o mesmo de urnas eletrônicas

  • Falso
Falso
Equipamento usado para simulação de fraude em um vídeo antigo que voltou a circular nas redes sociais não é uma urna eletrônica. É também falsa a informação de que três venezuelanos e um português seriam os responsáveis pela elaboração do código-fonte das urnas eletrônicas do Brasil
  • Conteúdo verificado: Vídeo afirma que urnas eletrônicas seriam fáceis de serem fraudadas por meio do código-fonte e que este seria elaborado por estrangeiros que não estariam preocupados com a segurança e confiabilidade do processo eleitoral do Brasil.

São falsas as informações veiculadas em um vídeo no YouTube, insinuando que as urnas eletrônicas usadas nas eleições brasileiras são fáceis de serem fraudadas por meio de alterações no código-fonte. Na filmagem, o autor se apresenta como desenvolvedor de sistemas operacionais e mostra o que seria uma simulação computadorizada da urna.

No entanto, de acordo com o próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e um especialista em tecnologia ouvido pelo Comprova, o programa que é utilizado no vídeo como simulador da urna eletrônica é muito mais simples que o equipamento em si, que conta com inúmeros dispositivos de segurança que impedem que ela funcione com um arquivo modificado.

Além disso, é falsa a informação de que três venezuelanos e um português seriam os responsáveis pela elaboração do código-fonte das urnas eletrônicas do Brasil. Essa responsabilidade é de apenas um grupo restrito de servidores públicos da Justiça Eleitoral, no qual não há estrangeiros.

Vale ressaltar que este vídeo foi originalmente postado por outro canal no Youtube, entre o primeiro e o segundo turno das eleições de 2018. A página que o publicou desta vez posta apenas conteúdos de cunho conservador e de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O Comprova fez contato com o canal, mas não obteve retorno.

Como verificamos?

Para esclarecer quem são os responsáveis pela elaboração do código-fonte das urnas eletrônicas usadas no Brasil, averiguar a possibilidade dele ser alterado e saber quais os mecanismos de segurança existentes, o Comprova acessou documentos elaborados e publicados no site oficial do Tribunal Superior Eleitoral, incluindo uma nota de esclarecimento sobre o vídeo verificado.

Além disso, a equipe também entrevistou Paulo Lício de Geus, professor do Instituto de Computação e diretor de informática (CIO) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que também é representante da Sociedade Brasileira de Computação nos testes públicos de segurança do sistema eletrônico de votação do TSE. Ele detalhou o que seria necessário para alterar o código-fonte e como o trabalho seria complexo.

Já para explicar qual a origem da falsa informação de que três venezuelanos e um português estariam por trás da elaboração do código-fonte das urnas eletrônicas, foi feita inicialmente uma pesquisa no Google com essa associação de palavras que resultou em diversas verificações realizadas há dois anos. Em busca reversa no Google Images, com um frame do vídeo, o Comprova também chegou à publicação original, de 2018.

Verificação

TSE é o responsável pelo código-fonte das urnas

Conforme indica o próprio Tribunal Superior Eleitoral, responsável pelas eleições, as urnas brasileiras têm código-fonte. De acordo com o órgão, “somente um grupo restrito de servidores e de colaboradores do Tribunal Superior Eleitoral tem acesso ao repositório de código-fonte e está autorizado a fazer modificações no software (…) que é o mesmo em todo o Brasil”.

No documento Sistema Eletrônico de Votação: Perguntas Mais Frequentes, o TSE também esclarece que “a Justiça Eleitoral utiliza ferramentas modernas de controle de versão do código-fonte dos sistemas eleitorais” e que por meio delas “é possível acompanhar toda modificação feita sobre o código-fonte, o que foi modificado e por quem”.

Outro mecanismo de segurança se dá com a segregação dentro do Tribunal. “A equipe responsável pelo software da urna não é a mesma que cuida do sistema de totalização”, exemplifica. “A quantidade de sistema eleitorais envolvidos na realização de uma eleição é tão grande que se torna impraticável a um agente interno ter grau de conhecimento do todo que lhe permita realizar algum tipo de ataque”, garante.

Em uma nota de esclarecimento publicada no dia 17 de novembro de 2020 sobre as falsas informações veiculadas pelo vídeo em questão, o TSE ainda afirma que na filmagem “é exposta, de forma didática, uma maneira de se fazer uma urna usando um kit simples, como é o caso de placas com processador Arduino (plataforma de prototipagem)” e que “uma urna eletrônica não é tão simples”.

Sem estrangeiros

Diferentemente do que afirma o autor do vídeo, o código-fonte utilizado nas urnas eletrônicas das eleições brasileiras não é elaborado por “três venezuelanos e um português, pessoas que não têm obrigação nenhuma com a política brasileira”. Essa responsabilidade, na verdade, é exclusiva do próprio TSE, que garantiu ao Comprova que “não há estrageiro na equipe, formada por servidores públicos da Justiça Eleitoral”.

A informação falsa tem origem provável em outro vídeo, que circulou na internet em 2018, ano de Eleições Gerais. Na época, esse conteúdo foi verificado por diversos veículos de comunicação como UOL Confere, Agência Lupa, Boatos.org e Aos Fatos. Em todos, ele foi classificado como falso, distorcido ou boato.

A afirmação distorcia uma fala do então professor Pedro Antônio Dourado de Rezende, que atuava no Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Brasília (UnB) até 2019. Durante uma audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), ele criticou o resultado do edital nº 106 de 2017, que visava a contratação de módulos impressores para as urnas.

Na ocasião, em meio às críticas, o professor afirmou que a empresa vencedora da licitação “pertencia a três venezuelanos e um português”. Embora tenha venezuelanos entre os fundadores, a empresa Smarmatic é estadunidense e acabou desclassificada após uma análise técnica do TSE, que chegou a emitir uma nota na qual esclareceu nunca ter entregue o código-fonte da urna eletrônica para qualquer empresa privada, nacional ou estrangeira.

Vale lembrar que em junho de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a regra da chamada Minirreforma eleitoral que previa a impressão do voto eletrônico. O plenário entendeu o dispositivo como inconstitucional por colocar em risco “o sigilo e a liberdade do voto, contrariando a Constituição Federal”. Neste ano, uma decisão unânime reafirmou o posicionamento.

O parecer do último mês de setembro, aliás, foi distorcido por um tuíte que dizia que o voto impresso era inconstitucional. O que, por sua vez, foi verificado pelo Comprova e classificado como enganoso. Recentemente, outra verificação também mostrou ser falsa a informação de que a empresa Smarmatic, que forneceu urnas eletrônicas para a Venezuela, tinha vendido os equipamentos ao Brasil.

Os mecanismos de segurança das urnas

Ainda de acordo com a nota de esclarecimento do TSE, cada urna é identificada de forma única e protegida contra tentativas de invasão que, se forem tentadas, serão evidenciadas. Para a identificação são gerados parâmetros criptográficos ainda na fabricação, que nunca são expostos. Como essa identidade é conferida antes e depois da votação, se a urna não for exatamente aquela que foi carregada, há meios para que ela não seja considerada válida.

O TSE também explica que as urnas eletrônicas têm firmwares – classificações de softwares – que iniciam operacionalmente a urna e softwares básicos que carregam o sistema operacional. Porém, de forma diferente dos computadores comuns, cada urna conta com uma “cadeia de confiança” que verifica a autenticidade e a integridade de cada componente. Ou seja, impede que softwares alheios à Justiça Eleitoral sejam carregados e executados na urna.

Além disso, “os códigos-fonte dos softwares e dos firmwares são abertos à consulta durante seis meses antes das eleições, para qualquer pessoa que queria encontrar algum mecanismo malicioso e comunicar sua existência à Justiça Eleitoral”, seja ele na geração de mídias, na votação, na apuração, na transmissão ou no recebimento de arquivos. É o chamado Teste Público de Segurança (TPS).

Para atestar a idoneidade do sistema e descartar a possibilidade de uma alteração no período entre a realização desta consulta pública e o início da votação, o TSE também realiza um procedimento que pode ser acompanhado pelos próprios eleitores, chamado de “cerimônia de votação paralela”.

“Na véspera da eleição, em audiência pública, são sorteadas urnas para verificação. Estas urnas, que já estavam instaladas nos locais de votação, são conduzidas ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e substituídas por outras, preparadas com o mesmo procedimento das originais. No dia da votação, em cerimônia pública, às urnas sorteadas são submetidas à votação nas mesmas condições em que ocorreria na seção eleitoral, mas com registro, em paralelo, dos votos que são depositados na urna eletrônica. Cada voto é registrado em uma cédula de papel e, em seguida, replicado na urna eletrônica. Tudo é registrado em vídeo. Ao final do dia, no mesmo horário em que se encerra a votação, são feitas a apuração das cédulas de papel e a comparação do resultado com o boletim da urna”, explica o TSE.

Desde a implementação das urnas eletrônicas nas eleições brasileiras, em 1996, o TSE garante que foram frequentes os casos de suspeita de fraude, mas que “nenhum caso até hoje foi identificado e comprovado”. A conclusão de que a urna é segura é também de outros órgãos que têm a prerrogativa de investigar o processo eleitoral brasileiro e já realizaram auditorias independentes na urna eletrônica, como o Ministério Público e a Polícia Federal”.

Especialista: “urna não roda com bit modificado”

O Projeto Comprova consultou o professor do Instituto de Computação e CIO da Universidade Estadual de Campinas, Paulo Lício de Geus, que esclarece não ser possível programar votos como mostra o vídeo. Segundo o especialista, as imagens foram usadas para enganar pessoas que não entendem de computação por meio de um programa de demonstração, mas que não têm relação com o sistema do TSE, exceto a aparência do painel.

O autor do vídeo afirma que o Linux, um dos sistemas operacionais mais conhecidos no mundo, é o mesmo usado pelo TSE. Entretanto, Paulo Lício, que também é representante da Sociedade Brasileira de Computação nos testes públicos de segurança do sistema eletrônico de votação do Tribunal Superior Eleitoral, nega a informação e comenta que mesmo com a eficiência desta tecnologia, ela apresenta vulnerabilidades que poderiam comprometer seu uso nas urnas, não fossem outros mecanismos.

“A urna só roda programas criados dentro do TSE, graças a um dispositivo de hardware chamado de HSM (hardware security module), embutido em todas as urnas. A criptografia garante que só os programas criados lá – assinados com a chave privada que fica trancada na sala forte do Tribunal – sejam aceitos para execução”. O especialista aponta que, mesmo que nenhum sistema computacional seja 100% seguro, criar um procedimento interno reduz a possibilidade de alteração dos votos das urnas no Brasil. “A urna sequer roda se tiver qualquer um de seus arquivos modificados por um bit sequer (a menor unidade de informação, dentre gigabytes de código)”, garante.

No vídeo, o autor também sugere que seria possível “driblar” a auditoria – uma verificação dos arquivos de programas presentes nas urnas – com o código já alterado, mas Paulo explica que a auditoria, por si só, não garante segurança à urna, sendo essencial também para a confiabilidade do sistema, a arquitetura interna dos sistemas de software e hardware.

E, diferentemente da simplicidade sugerida pelo vídeo, alterar o código para comandar uma fraude nas eleições exige alta complexidade. “Para se ter alguma chance de alterar a contagem de votos é necessária uma quantidade de recursos de todos os tipos muito grande, especialmente de tempo. Não é uma empreitada para amadores. Teria que ser algo feito por equipes especialistas que hoje só se encontram em exércitos de países líderes mundiais. E não sei se teriam sucesso dentro do tempo de uma eleição (um ano)”, afirma.

Vale lembrar que, de acordo com o TSE, “a urna eletrônica não é vulnerável a ataques externos”. “Ela é um equipamento que funciona de forma isolada. Ou seja, não possui nenhum mecanismo que possibilite sua conexão a redes de computadores, como a internet. Além disso, não possui o hardware necessário para se conectar a uma rede ou mesmo a qualquer forma de conexão com ou sem fio.”

Vídeo de 2018 republicado

Apesar de ter sido publicado no dia 11 de novembro deste ano, exatamente quatro dias antes da eleição, na qual os brasileiros votaram para prefeitos e vereadores, o vídeo “DENÚNCIA GRAVE! Veja como são feita as fraudes nas urnas eletrônicas do Brasil” foi publicado originalmente em 16 de outubro de 2018, entre o primeiro e segundo turno das eleições para presidente.

O próprio homem que aparece no vídeo – e se apresenta como Jeterson, desenvolvedor de sistemas – usa como exemplo a votação para presidente no simulador simplificado da urna eletrônica e fala, por volta do minuto oito, que “as pessoas vão ficar mais atentas no próximo dia de votar, no dia 28”. Dia 28 de outubro foi a data do segundo turno das últimas eleições de 2018.

Com o título “Explicação simples da fraude das eleições 2018”, ele também foi publicado no YouTube pelo canal de Ana Calheiros. Nele já foram publicados dezenas de vídeos, mas o mais recente já tem mais de dois anos. Entre os conteúdos, destacam-se outros que apontam supostas fraudes em eleições ou que criticam membros do PT ou são favoráveis ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

O perfil da página

Criado em 20 de junho deste ano, o canal Geração Patriotas já publicou 77 vídeos no YouTube. De forma geral, os conteúdos apoiam politicamente a direita, os militares e o presidente Bolsonaro, que já afirmou ter havido fraudes nas eleições brasileiras sem apresentar qualquer prova e se declara a favor da volta do voto impresso.

Conforme links nas descrições dos vídeos, o Geração Patriotas tem grupos no WhatsApp e no Telegram; e perfis no Instagram e no Twitter, criados em setembro deste ano. Há ainda um grupo público no Facebook que é descrito como “grupo de direita em apoio ao nosso governo conservador” e cita o lema de campanha de Bolsonaro: “Deus acima de tudo, Brasil acima de todos”. O único moderador e administrador da página é Ivan Souza.

O Comprova entrou em contato com ele por meio de uma mensagem privada no Facebook e enviou outra no perfil do Instagram do Geração Patriotas, ambas enviadas na manhã do dia 19 de novembro. Porém, até o momento em que esta verificação foi publicada, a equipe não tinha recebido qualquer retorno.

Por que investigamos?

Na terceira fase, o Comprova verifica conteúdos duvidosos que estejam viralizando nas redes sociais e que trate de políticas do governo federal, da pandemia ou das eleições de 2020. Até a data de publicação deste texto, o vídeo verificado tinha mais de 2.800 compartilhamentos apenas no YouTube.

Conteúdos falsos, como esse, colaboram para que as pessoas fiquem em dúvida sobre a segurança e a confiabilidade das urnas eletrônicas utilizadas nas eleições do Brasil há mais de 20 anos, prejudicando o processo eleitoral e colocando em xeque um dos mecanismos mais importantes da nossa democracia.

Falso, para o Comprova, é qualquer conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Eleições

Investigado por: 2020-11-18

Apuração da eleição brasileira é aberta a qualquer pessoa, ao contrário do que afirma post

  • Falso
Falso
Post sugere que apuração das eleições municipais deste ano foi secreta e que isso configura fraude, mas o processo é aberto e qualquer cidadão tem acesso aos resultados das seções eleitorais
  • Conteúdo verificado: Postagem no Facebook sugere que apuração dos votos foi realizada de forma secreta no primeiro turno das eleições deste ano e afirma que isso configuraria fraude

É falsa a afirmação, em um post no Facebook, de que houve “apuração secreta” dos votos nas eleições municipais e que isso configuraria fraude. Na verdade, a apuração não é secreta, já que, quando encerrado o horário de votação, os mesmos dados que são transmitidos ao sistema de totalização são impressos na forma de boletins de urna e podem ser conferidos por qualquer pessoa.

Neste ano, houve atraso na divulgação dos resultados das eleições municipais, mas, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a apuração ocorreu normalmente e o atraso ocorreu por lentidão no sistema responsável pela totalização dos votos, que é a soma da apuração de cada urna.

Como verificamos?

Entramos em contato com o Tribunal Superior Eleitoral, para saber como funcionam os sistemas de apuração e totalização dos votos. A corte respondeu por e-mail, por meio da assessoria de imprensa, e encaminhou um vídeo que explica a diferença entre os dois procedimentos.

Também consultamos reportagens com detalhes sobre o tema e sobre o atraso na totalização dos votos que ocorreu neste ano, no primeiro turno.

Contatamos a página do Movimento Avança Brasil, responsável pela postagem no Facebook, mas não tivemos resposta até a publicação deste texto. O post, de 16 de novembro, já não estava disponível no dia seguinte, mas não conseguimos confirmar se foi retirado do ar pelo Facebook ou pelos donos da página. O conteúdo ainda está disponível em outras publicações compartilhadas.

Verificação

A apuração de domingo foi secreta?

Apesar de o voto ser secreto, a apuração é feita de forma transparente, em tempo real, e a contabilização é passível de auditoria. Antes do início da votação, informa o TSE, o chefe de cada seção eleitoral emite um boletim chamado zerésima, que assegura que nenhum voto foi computado ali antes da abertura do processo.

Qualquer cidadão, inclusive representantes de partidos e do poder público, pode participar de duas auditorias que são feitas nas urnas imediatamente antes da votação – uma de funcionamento, que simula uma votação, e outra de verificação de autenticidade, que permite conferir as assinaturas digitais.

Quando a votação chega ao fim, o chefe da seção digita uma senha na urna eletrônica que impede que novos votos sejam computados ali. O equipamento emite o Boletim da Urna, com o total de votos recebidos naquele aparelho por cada candidato, partido político, votos brancos, nulos, número da seção, identificação da urna e a quantidade de eleitores que votaram naquela seção. Esse boletim é impresso e fixado na porta da seção. Assim, qualquer pessoa que queira conferir o resultado daquela urna tem acesso ao material.

Outras cópias desse boletim são entregues pelo chefe da seção a pessoas que acompanham a votação no local: os representantes dos partidos políticos e o Ministério Público, por exemplo. Os votos de cada urna são gravados num arquivo chamado Registro Digital de Voto (RDV) e enviados a um ponto de acesso, mas não antes de receber uma assinatura digital, um ato público. Os boletins de urna estão, também, disponíveis no site oficial do TSE.

Em termos práticos, portanto, a apuração dos votos é feita na própria seção, a partir do boletim emitido pela urna. Já a divulgação oficial é parte do processo de totalização dos votos – a soma dos votos apurados em cada seção e zona eleitoral. Neste ano, pela primeira vez, a totalização foi centralizada pelo TSE. Antes, cada Tribunal Regional Eleitoral (TRE) fazia esse processo e enviava os dados ao Tribunal Superior.

Reportagem publicada pela BBC Brasil, em 13 de novembro deste ano – dois dias antes da votação – mostra que uma série de procedimentos é feita pelo TSE para garantir a segurança no processo de votação e que a maior parte dos especialistas concorda que a segurança das votações aumentou desde a adoção da urna eletrônica no país.

Qual a diferença entre totalização e apuração?

Em um vídeo postado em seu canal oficial do YouTube em 26 de outubro deste ano, o TSE explica a diferença entre apuração e totalização dos votos. Após encerrada a votação, a urna eletrônica faz a apuração dos votos e emite o chamado boletim de urna. “Depois de receber os dados enviados pelas zonas eleitorais ou diretamente via satélite, os TREs dão início ao processo de totalização dos votos”, diz um trecho do vídeo.

Neste ano, no entanto, o processo de totalização foi feito pelo próprio TSE, em uma tentativa de gerar mais economia, segundo o tribunal. “A mudança é justamente a centralização desse processo. Foi formada uma nuvem computacional e essa nuvem permite a chamada elasticidade ou o compartilhamento de recursos em termos de processamento. Isso significa que todos têm as mesmas condições e capacidade e recebem o potencial de processamento à medida em que houver a demanda”, explica Giuseppe Janino, secretário de TI do TSE.

Para somar os votos, a informação armazenada na urna – a mesma que foi impressa no boletim ao final da votação – é gravada na mídia de resultados, assinada digitalmente e criptografada. Essa mídia, então, é levada a um ponto de transmissão, conectada via rede privativa. Lá, as informações são transferidas para o TSE. À medida que esses resultados vão chegando, eles são captados pelo sistema de divulgação de resultados, que é quem faz a divulgação para a população através do aplicativo Resultados TSE.

Demora

Nos últimos anos, a totalização dos votos foi concluída rapidamente e, cerca de duas horas após ser encerrada a votação, os brasileiros já sabiam quem eram os eleitos no pleito. Neste ano, no entanto, houve um atraso na divulgação. A cidade de São Paulo, por exemplo, levou algumas horas até que a totalização saísse de 0,39% das urnas e chegasse até 37,77%, o que aconteceu somente por volta das 22h20. Um pouco mais tarde, a totalização chegou a 57,77%.

Ainda na noite do último domingo (15), por volta das 19h30, o TSE informou, em nota, que uma lentidão na totalização dos votos estava provocando uma demora na divulgação dos resultados por meio do site e aplicativo do Tribunal. O TSE informou ainda que o problema não era nos tribunais regionais, que estavam remetendo os dados normalmente para a nuvem, mas no banco de totalização, que estava fazendo a soma com lentidão. Segundo o TSE, o atraso não tinha a ver com a tentativa de ataque cibernético sofrida durante a manhã de domingo, que foi neutralizada e não comprometeu a segurança das eleições, como mostrou esta verificação do Comprova.

Na segunda-feira (16), o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, informou que contratou uma empresa, a Oracle, para fornecer um supercomputador para desempenhar a tarefa da totalização de votos – como mostrou esta outra verificação do Comprova. No entanto, devido à pandemia, houve demora na entrega do equipamento — a compra ocorreu em março e o supercomputador só chegou em agosto. Por isso, a equipe técnica do tribunal diz não ter conseguido fazer testes prévios suficientes. Barroso informou que parte dos testes foram feitos por videoconferência, o que prejudicou a organização.

Por que investigamos?

Na terceira fase, o Projeto Comprova investiga conteúdos suspeitos relacionados à pandemia da covid-19, a políticas públicas e às eleições. No dia do primeiro turno deste ano, viralizaram postagens a respeito de possíveis fraudes, usando como argumento o atraso que ocorreu na totalização dos votos. As postagens não tinham provas concretas sobre a acusação.

O post investigado sugere problemas na contabilização dos votos no pleito deste ano, e desinforma ao falar em “apuração secreta”. A publicação alcançou mais de 11 mil interações no Facebook. O discurso que tenta desacreditar o sistema eletrônico de votação usado no Brasil é frequente, e adotado inclusive pelo presidente Jair Bolsonaro. Nos meses anteriores à eleição, o Comprova já checou boatos sobre a suposta procedência venezuelana das urnas eletrônicas, sobre um documento que, ao contrário do que afirmava o autor de um vídeo, não comprova irregularidades nas eleições presidenciais de 2018, e já esclareceu que o sistema de votação pode sim ser auditado.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

 

Saúde

Investigado por: 2020-11-18

É enganoso que laudo do IML descarte suicídio de voluntário da CoronaVac

  • Enganoso
Enganoso
A hipótese de suicídio foi levantada pela Polícia Civil desde o início do caso, por conta de indícios coletados no local onde o corpo foi encontrado. O exame do IML detectou a presença de opióides, sedativos e álcool no sangue da vítima
  • Conteúdo verificado: Postagem no Twitter afirma que o laudo do IML mostrando que um voluntário da CoronaVac morreu por “intoxicação por agentes químicos”, o que apontaria que o caso não foi um suicídio, como registrou a polícia

É enganoso o tuíte segundo o qual um laudo do Instituto Médico Legal (IML) de São Paulo havia demonstrado que a morte de um dos voluntários que participava dos testes da CoronaVac, uma das vacinas contra a covid-19, não foi decorrência de um suicídio. O laudo deixa evidente que a pessoa não morreu por conta do imunizante.

A postagem verificada descartava a possibilidade de suicídio ao enfatizar que o laudo apontava morte por “intoxicação exógena”, em uma tentativa de atribuir a morte à vacina. Esse tipo de intoxicação, porém, é compatível com a possibilidade de suicídio e não tem nenhuma relação com a aplicação da vacina.

A hipótese de suicídio foi levantada pela Polícia Civil desde o início do caso, por conta de indícios coletados no local onde o corpo foi encontrado. O exame do IML detectou a presença de opióides, sedativos e álcool no sangue da vítima, como confirmou ao Comprova a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo.

Também ouvidos pela reportagem, o médico perito legista José Mário de Lima Júnior e o médico e diretor científico da Associação Brasileira de Medicina Legal e Perícias Médicas (ABMLPM), Jozefran Berto Freire, esclarecem que esse resultado apenas determina o que causou a morte de uma pessoa. Somente a investigação da Polícia Civil, que considera outros elementos da ocorrência, pode indicar, de fato, se uma intoxicação química ocorreu por tentativa suicida, acidente ou homicídio.

O Comprova também tentou contato, por e-mail, com o blogueiro Oswaldo Eustáquio, que publicou o conteúdo verificado, mas não teve retorno até a publicação deste texto.

Como verificamos?

Para essa verificação, o Comprova procurou por matérias na imprensa a respeito do boletim de ocorrência sobre o falecimento do voluntário e os laudos produzidos pelo IML e pelo Instituto de Criminalística (IC) de São Paulo. Em seguida, buscamos a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo, que confirmou o conteúdo dos documentos, e o 93º Distrito Policial, responsável pelo caso. A Delegacia informou que a investigação segue em andamento.

Para entender como os laudos são usados na investigação e se eles podem descartar a hipótese de suicídio, entrevistamos o médico José Mário de Lima Júnior, integrante da Associação dos Médicos Peritos Legistas do Ceará (Ampelce), e Jozefran Berto Freire, diretor científico da Associação Brasileira de Medicina Legal e Perícias Médicas. Por fim, buscamos a posição do Instituto Butantan, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) sobre a retomada dos testes com a CoronaVac, na verificação publicada pelo Comprova em 13 de novembro.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 18 de novembro de 2020.

Verificação

Investigação e laudo

A Polícia Civil de São Paulo registrou como suicídio a morte do voluntário que participava dos testes da vacina CoronaVac, como noticiaram, no dia 10 de novembro, O Estado de S. Paulo, UOL e Rede Globo, veículos que tiveram acesso ao boletim de ocorrência número 2.460/2020, registrado pelo 93º Distrito Policial. De acordo com as reportagens, o boletim de ocorrência foi registrado às 16h02 do dia 29 de outubro na delegacia da Zona Oeste de São Paulo. Trechos do documento foram exibidos pela Globo, mostrando que os policiais encontraram uma seringa e diversas ampolas de remédio próximas ao braço da vítima.

No dia 12 de novembro, o UOL e a GloboNews noticiaram que os laudos do IML e do IC apontaram, segundo o exame toxicológico, que o voluntário de 32 anos faleceu por consequência de uma intoxicação aguda por agentes químicos. No sangue da vítima foram detectados álcool, uma grande quantidade de sedativos e um analgésico usado em procedimentos cirúrgicos.

A ocorrência com o voluntário fez a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) suspender, no dia 9 de novembro, temporariamente os testes da CoronaVac. Após uma ampla repercussão do caso e algumas manifestações públicas das entidades envolvidas no processo de teste da vacina no Brasil, a Anvisa afirmou ter recebido detalhes sobre o caso, fornecidos pelo Instituto Butantan e pelo Comitê Independente de Monitoramento e Segurança da vacina e, no dia 11 de novembro, determinou a retomada dos testes.

O que dizem as autoridades

Em nota enviada ao Comprova, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo confirmou que a morte do voluntário ocorreu por uma “intoxicação exógena”, isto é, causada por substâncias químicas externas ao corpo e que nada têm a ver com a vacina CoronaVac, cujo voluntário participava dos testes. Segundo a secretaria, “foram constatadas a presença de opióides, sedativos e álcool no sangue na vítima”.

Por telefone, o escrivão do 93º Distrito Policial, no Jaguaré, em São Paulo, disse que o inquérito segue em andamento. O delegado responsável pelo caso não foi localizado. Legalmente, o prazo para a conclusão do inquérito é de 30 dias, a contar da data da instauração do procedimento.

Avaliação de peritos

Por e-mail, o médico perito legista, integrante da Associação dos Médicos Peritos Legistas do Ceará (Ampelce), José Mário de Lima Júnior, explicou que o laudo cadavérico só aponta a causa da morte e o instrumento ou meio que levou ao falecimento. “Essa conclusão, porém, não significa, nem reforça necessariamente, que houve suicídio. Tampouco descarta esta hipótese: tudo dependerá da análise de todas as informações produzidas na investigação do caso, bem como das perícias feitas no local de encontro do corpo”, exemplificou. Portanto, ao contrário do que alega a postagem verificada, o laudo não indica se a ocorrência foi um suicídio ou um homicídio, por exemplo.

Segundo Lima Júnior, a diferenciação entre as diversas hipóteses pode ser feita analisando imagens de circuitos de segurança, registros de entrada e saída da portaria, impressões digitais, entre outras possibilidades. O perito afirma que uma série de elementos pode levar à conclusão de que a causa da morte foi suicídio, como a ausência de vestígios de violação do domicílio, de sinais de luta corporal ou a falta de indícios sobre a presença de terceiros no local da morte.

“Caso haja suspeita de morte provocada por uso de agentes químicos, faz-se necessário confirmar a presença de vestígios destas substâncias no local da morte ou no organismo, além da confirmação da presença destes agentes em níveis letais nas amostras biológicas recolhidos do corpo durante a necropsia”, lembra Lima Júnior.

Por telefone, o médico Jozefran Berto Freire, diretor científico da Associação Brasileira de Medicina Legal e Perícias Médicas (ABMLPM), reiterou que, ao indicar que uma morte foi provocada por intoxicação química, o laudo pericial não descarta, nem reforça, que foi suicídio. O que vai apontar isso é a investigação, assegura ele.

O médico também explicou que, em situações semelhantes ao caso do voluntário da vacina, quando um corpo é encontrado, o primeiro passo é acionar a polícia, responsável por chamar o serviço de perícia criminal. “Depois que tudo é feito no local, esse corpo é transportado para o IML, onde é feita a necropsia”, informa. No local da ocorrência vão os peritos criminais. No IML, o trabalho fica a cargo do médico legista. Ambos emitem laudos a serem considerados pela autoridade policial que investiga o caso.

O médico reforça que quem estabelece essa relação entre as provas e a causa da morte são os investigadores da polícia. “Tem que haver uma relação que se faz tecnicamente para dizer da possibilidade disso ou daquilo, a partir da prova constituída por exames que justifiquem. A prova é o meio que a gente usa em busca da verdade. A prova tem que ser científica, consistente. Não é por opinião: ‘eu acho que’. O delegado tem elementos técnicos, tem laudos, para concluir a investigação”, afirma. O mais comum é que, durante o inquérito, a autoridade policial chame os peritos que estiveram no local da ocorrência para conversar e orientar a investigação.

Retomada dos testes

No dia 13 de novembro, o Instituto Butantan afirmou ao Comprova ser inverídico que a morte do voluntário tenha sido causada pela CoronaVac. De acordo com o órgão de pesquisa, já foi esclarecido amplamente que o evento adverso grave ocorrido com um participante dos estudos clínicos não teve qualquer relação com a vacina, “como já chancelado pelo órgão regulador e comitês internacional e nacional que acompanham os estudos”. Testes feitos com 50 mil voluntários na China mostraram que apenas 5,36% deles tiveram reações adversas de grau baixo, como dor no local a aplicação, fadiga, estado febril e perda de apetite.

No mesmo dia, a Conep, entidade que acompanha os testes de vacinas contra a covid-19 no país, disse que, até o momento, em nenhum dos “eventos adversos graves” ocorridos durante os testes dos quatro imunizantes em curso no Brasil, houve a confirmação de que a vacina teria sido o causador do evento. “Ao contrário, nos casos estudados sempre foram encontrados outros elementos relacionados com os indivíduos vacinados, que explicariam a ocorrência do problema com mais argumentos do que pela vacinação”, assegura.

Na ocasião, a Anvisa informou ao Comprova que “teve subsídios suficientes para permitir a retomada da vacinação” no caso da CoronaVac, embora lembre que a medida não dispensa o aprofundamento da investigação sobre a morte pautada pelos protocolos de segurança e eficácia de vacinas.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19, as políticas públicas do governo federal ou as eleições municipais de 2020. Quando a publicação envolve tratamentos e vacinas contra o novo coronavírus, a checagem se torna ainda mais importante, já que a informação equivocada pode levar pessoas a não se protegerem ou a adotarem tratamentos sem comprovação científica. O conteúdo verificado pelo Comprova teve 29,4 mil interações no Twitter e 2,8 mil interações no Facebook.

À medida em que avançam os testes de eficácia e segurança de vacinas contra o novo coronavírus, peças de desinformação têm tido amplo alcance, principalmente após a suspensão temporária de testes pela Anvisa, prática comum no processo de testagem de imunizantes. Na última semana, o Comprova mostrou que a CoronaVac não matou um voluntário; que a morte do homem não está relacionadas a alterações neurológicas e que o Instituto Butantan informou o evento às autoridades, ao contrário do que circulou na Internet. O Comprova também mostrou que um voluntário da vacina de Oxford morreu após contrair a covid-19, não por efeitos adversos do imunizante.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos, que é retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações ou que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Eleições

Investigado por: 2020-11-18

É falso que votos recebidos por candidata a vereadora no Tocantins tenham reduzido ao longo da apuração

  • Falso
Falso
Imagem que circula em publicações e vídeos em redes sociais foi manipulada digitalmente para representar uma votação que a candidata a vereadora em Palmas, no Tocantins, na realidade não obteve
  • Conteúdo verificado: Vídeo que alega que uma candidata a vereadora de Palmas começou a apuração das urnas com 1.111 votos e terminou com 58, sugerindo fraude no pleito.

É falsa a denúncia sobre uma suposta fraude nas eleições municipais de Palmas presente em um vídeo baseado em duas capturas de tela do aplicativo Resultados, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na primeira imagem, feita durante a apuração das urnas, a candidata a vereadora pelo Republicanos Rose Ribeiro parece estar com 1.111 votos. Na segunda, do resultado final do pleito, Rose tem apenas 58. A primeira imagem foi, contudo, alterada digitalmente e não representa a votação da candidata, que não foi eleita.

A manipulação pode ser percebida ao comparar a captura de tela viralizada com a interface do aplicativo do TSE em diferentes sistemas operacionais. Como verificado pelo Comprova, qualquer número superior a 999 aparece com um ponto de separação de milhar no aplicativo da corte, ao contrário do que é visto na captura de tela dos supostos votos iniciais de Rose Ribeiro. O padrão pode ser visto na captura de tela abaixo.

No Twitter, o Comprova também localizou dois registros de como estava a apuração de votos em Palmas em horários próximos ao da captura de tela compartilhada nas redes. Nenhum dos dois mostrava Rose com 1.111 votos.

Em nota oficial, o Tribunal Regional Eleitoral de Tocantins (TRE-TO) negou a alegação viralizada, afirmando não ser possível “alterar os dados inseridos nas urnas eletrônicas pelos eleitores”.

Como verificamos?

Para analisar a veracidade das capturas de tela, consultamos o portal de resultados do Tribunal Superior Eleitoral, confirmando que Rose Ribeiro terminou a votação do último dia 15 de novembro com 58 votos.

Em seguida, comparamos a captura de tela na qual Rose parecia ter 1.111 votos com a interface do aplicativo em diferentes sistemas operacionais: iOS, da Apple, Android, do Google, e a versão para desktop.

Para consultar como ocorreu a distribuição de votos ao longo da apuração das urnas na capital do Tocantins, buscamos no Twitter por publicações feitas no próprio dia 15 de novembro com as palavras-chave “Palmas + vereadores”. Essa pesquisa permitiu localizar dois registros de como estava a apuração às 17h37 e às 18h04 do dia do primeiro-turno.

Também consultamos o posicionamento oficial do TRE de Tocantins, publicado em seu site e, por fim, procuramos a candidata a vereadora Rose Ribeiro por e-mail e mensagem no Facebook, mas não obtivemos retorno até a publicação deste artigo.

Verificação

Em um vídeo de 35 segundos, um homem é ouvido dizendo: “Esse é o print da candidata Rose Ribeiro […] onde mostra que, antes da paralisação do sistema, ela tinha 1.111 votos e, quando o sistema voltou, ela ficou com apenas 58 votos. Então, o TSE tem por obrigação de responder essa pergunta: para onde foram os votos da candidata a vereadora Rose Ribeiro?”.

Ao longo da gravação, são exibidas duas capturas de tela do aplicativo do TSE: uma, das 17h39, em que Rose parece ter 1.111 votos, e outra do resultado da eleição, que ela terminou com 58 votos.

Em um segundo vídeo também compartilhado nas redes, uma mulher que se identifica como Rose Ribeiro aparece junto a um grupo de pessoas em frente a uma unidade da Polícia Federal e afirma ter sido responsável por fazer o print viralizado.

“Às 17h39, eu estava com 1.111 votos. Finalizou a eleição eu estou com 58 votos. Então, nós, que estamos aqui, nós queremos saber o que aconteceu. Nós queremos saber onde estão esses votos, não só o meu. O meu caso é o caso que eu consegui, por Deus, ter tirado o print no momento que eu vi a quantidade de votos”, diz.

A captura foi, no entanto, alterada digitalmente.

Como demonstrado na comparação abaixo, qualquer número superior a 999 aparece com um ponto de separação de milhar no aplicativo Resultados do TSE, independentemente do sistema operacional utilizado. Isso não ocorre, contudo, com os supostos “1111” votos atribuídos a Rose na captura de tela compartilhada nas redes.

Publicações localizadas no Twitter fornecem mais um indício de que Rose Ribeiro não contabilizava 1.111 votos às 17h39 de 15 de novembro.

Após o fechamento das urnas do primeiro turno, um usuário publicou no Twitter uma captura de tela do aplicativo do TSE, feita apenas dois minutos antes do horário citado no vídeo – às 17h37 – na qual é possível ver a quantidade de votos dos candidatos a vereadores em Palmas.

Listado em primeiro lugar, com 1.042 votos, estava Marilon Barbosa (DEM). Como explicou a assessoria do TSE ao Comprova, durante a apuração das urnas o aplicativo da corte exibe os candidatos por ordem decrescente de votos. Ou seja: se Rose estivesse com 1.111 votos naquele momento, ela apareceria em primeiro lugar na lista.

Nesta captura, como nos testes realizados pelo Comprova, o número de votos superior a 999 também aparece com o ponto de separação de milhar.

Às 18h04, uma outra usuária compartilhou no Twitter capturas de tela de como estava a apuração de votos da cidade, segundo o Jornal do Tocantins. Como é possível verificar em seu site, este periódico também exibe os candidatos por ordem decrescente de votos.

Nos prints, Marilon Barbosa aparece em primeiro lugar, com os mesmos 1.042 votos. Da mesma maneira, Rose não aparece antes de Barbosa, ou mesmo figura na lista que apresentava os 25 candidatos mais votados naquele momento.

Em posicionamento oficial, o TRE de Tocantins negou que os votos de Rose Ribeiro tenham diminuído durante a apuração das urnas.

“O Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins esclarece que o processo eleitoral é totalmente transparente e que não há como alterar os dados inseridos nas urnas eletrônicas pelos eleitores. Para conferir a lisura do processo, basta comparar a soma dos resultados dos boletins de urna, impressos na frente dos fiscais de partidos, ainda na seção eleitoral, com os dados disponibilizados pelo sistema da Justiça Eleitoral”, diz a nota, publicada neste dia 18 de novembro.

O vídeo viralizado nas redes possui uma marca d’água do usuário do TikTok “meupartidoeobrasil”. Uma busca na rede social de vídeos por esse nome mostra, contudo, que o perfil não está mais disponível.

O Comprova entrou em contato com a Polícia Federal em Tocantins para saber se o órgão apura alguma irregularidade no pleito, mas não obteve retorno até a publicação deste artigo.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos que viralizam nas redes sociais ligados às eleições municipais, às políticas públicas do governo federal e à pandemia, como, por exemplo, o tuíte que afirmava que as justificativas de eleitores estavam sendo transformadas em votos válidos e a postagem que dizia que a votação estável ao longo da apuração em São Paulo era indício de fraude.

Apesar de apresentar uma denúncia local, o vídeo aqui verificado reflete um movimento amplo de descrédito de instituições eleitorais, que coloca em crédito a confiança dos brasileiros no sistema de votação como um todo e, por consequência, na democracia.

Em poucas horas, o vídeo foi visualizado dezenas de milhares de vezes no Twitter e sua alegação central foi replicada em diversas outras publicações no Facebook, YouTube e Instagram.

Esse conteúdo também foi verificado pelo site de checagem e-Farsas.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu conteúdo original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Eleições

Investigado por: 2020-11-17

Votação estável ao longo da apuração não indica fraude em São Paulo

  • Enganoso
Enganoso
As porcentagens de votos válidos para cada candidato permaneceram estáveis durante a apuração porque não houve grande variação nos votos de cada zona eleitoral, como mostra a apuração do Comprova
  • Conteúdo verificado: Post no Facebook usa os resultados das apurações parciais da eleição na capital paulista para afirmar que houve fraude no primeiro turno

Um post no Facebook afirma, sem evidências, que o resultado das parciais de votação das eleições à Prefeitura de São Paulo aponta para uma fraude eleitoral – o mesmo conteúdo está se espalhando em correntes no WhatsApp. O texto lista as porcentagens de votos dos quatro primeiros concorrentes a prefeito na capital paulista em diferentes momentos da apuração e argumenta que seria impossível que os porcentuais para cada candidato permanecessem os mesmos durante toda a noite. Não há nenhuma prova para essa alegação.

As porcentagens de votos válidos para cada candidato permaneceram estáveis durante a apuração porque não houve grande variação nos votos de cada zona eleitoral. O postulante à reeleição, Bruno Covas (PSDB), venceu em todas as regiões da cidade. Guilherme Boulos (PSOL) ficou em segundo lugar em quase todas as zonas eleitorais – exceto em Parelheiros e no Grajaú, na zona sul paulistana, onde Jilmar Tatto (PT) conquistou essa colocação.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) explicou que “a estabilidade no percentual de votos em candidatos durante a totalização não constitui indício de fraude e indica apenas homogeneidade nos votos recebidos durante a totalização”. O tribunal comunicou ainda que “os resultados da totalização das eleições são completamente transparentes e podem ser verificados por qualquer cidadão”.

Como verificamos?

Buscamos os resultados parciais do primeiro turno em reportagens sobre a marcha da apuração publicadas em diferentes veículos de imprensa e também utilizamos informações de outras verificações feitas pelo Comprova sobre temas relacionados a supostas fraudes nas eleições.

Entrevistamos, por telefone, o cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira, coordenador do curso de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP), e contatamos, por e-mail, o TSE. Reforçamos a checagem com declarações que o presidente do órgão, ministro Luís Roberto Barroso, fez em coletivas de imprensa nos últimos dias.

Verificação

Números do post

Os dados dos resultados parciais divulgados no post estão corretos. O TSE confirmou que a votação foi mesmo homogênea, e também foi possível verificar os números comparando-os com notícias publicadas ao longo do dia do primeiro turno. O UOL informou que a primeira parcial divulgada pelo TRE-SP foi às 17h32, com 0,39% das urnas apuradas. Os resultados são iguais aos informados no post verificado aqui.

Por volta das 22h15, Jovem Pan e Estadão reportaram os resultados com 37,7% das urnas apuradas e a porcentagem de votos dos quatro primeiros candidatos bate com o informado nas redes. Cerca de 20 minutos depois, a CNN informou a atualização, com 57,7% das urnas apuradas e os números também são os mesmos dos do post.

Para o cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira, coordenador do curso de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, “a explicação é que os eleitores da cidade tiveram a mesma percepção dos candidatos”. Segundo ele, a população votou “independentemente da classe social ou do território”.

“Não tivemos aquela história de que, ao entrar as urnas da Capela do Socorro, tal candidato vai ser mais beneficiado; ou que com as urnas de Itaquera, tal candidato vai ter mais votos e pode virar o jogo”, diz ele. Para Teixeira, “ao que parece”, foi a primeira vez que a votação ocorreu de forma tão estável em uma grande capital brasileira.

“Talvez uma das razões seja o fato de que não houve uma discussão acalorada em que a dimensão ideológica, classista, separou muito as pessoas. O primeiro turno não foi pautado pela opção por esse ou aquele candidato porque ele representa melhor determinada região. Pode ser que o segundo turno promova isso.”

O porcentual de votos de Covas variou entre 44,52% (Jardim Paulista) e 25,39% (Valo Velho). No total, o tucano conquistou 32,85% dos votos válidos. Os votos para Boulos variaram de 31,89% (Pinheiros) a 15,85% (Vila Maria). O candidato do PSOL obteve 20,24% dos votos válidos.

TSE teve dificuldades técnicas na divulgação dos resultados

Na noite deste domingo, 15, o TSE admitiu ter tido dificuldades técnicas na divulgação dos resultados, por causa de uma lentidão no processo de totalização dos votos. O TSE afirmou que os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) remetiam normalmente os dados, e que o banco de totalização do Tribunal recebia essas informações. No entanto, esse banco somava os totais de votação de forma mais lenta que o previsto.

São Paulo foi uma das cidades em que a divulgação de resultados demorou mais do que em anos anteriores. A apuração ficou estacionada em 0,39% das urnas totalizadas durante o início da noite. Em 2016, às 20h40 todos os votos já tinham sido apurados, e João Doria (PSDB) foi eleito prefeito da capital. Neste ano, a apuração só foi concluída por volta de 0h20.

O processo de totalização dos votos foi feito de forma diferente neste ano. Essa etapa passou a ser concentrada no centro de dados do TSE. Nas eleições passadas, o processamento desses dados era feito pelos TREs. Ou seja, houve uma redução de 27 pontos de totalização para um. De acordo com o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, a mudança foi adotada por recomendação de segurança da Polícia Federal.

Em coletiva de imprensa nesta segunda-feira, 16, Barroso explicou que o TSE contratou a empresa Oracle para fornecer um supercomputador para desempenhar a tarefa da totalização de votos. No entanto, devido à pandemia de covid-19 houve demora na entrega do equipamento — a compra ocorreu em março e o supercomputador só chegou em agosto. Dessa forma, a equipe técnica do tribunal não conseguiu fazer testes prévios suficientes. Barroso informou que parte dos testes foram feitos por videoconferência, o que prejudicou a organização.

O atraso no processamento de dados foi de 2 horas, informou Barroso. “Em razão das limitações dos testes prévios, a inteligência artificial do equipamento demorou a aprender como processar os dados no volume e velocidade. Daí a lentidão, que exigiu que a totalização fosse reiniciada”, afirmou o ministro.

O presidente do TSE voltou a afirmar que a segurança da votação não foi comprometida. “Em nenhum momento a integridade do sistema esteve em risco. O que houve foi um atraso na totalização”, disse.

Ataque hacker não comprometeu segurança da votação

No domingo da votação, um grupo hacker disse ter obtido acesso a dados do TSE. Especialistas em segurança digital ouvidos pelo Comprova e pelo site de fact checking Aos Fatos foram unânimes ao avaliar que as informações vazadas não têm qualquer relação com as eleições 2020 – eram documentos administrativos e antigos.

Na noite do domingo, Barroso descartou que o ataque hacker tenha tido alguma influência no processo de totalização de votos. “Esse sistema de onde se teriam extraído esses dados dos velhos funcionários é um sistema antigo e que não tem nenhuma relação com os servidores onde são processados os dados do sistema eleitoral”, disse ele em coletiva.

As urnas eletrônicas não funcionam em rede e não podem ser acessadas pela internet. Só depois que a votação termina, quando o boletim de urna é impresso, é que a memória em que os votos são salvos é conectada a um sistema para que os votos sejam totalizados pela Justiça Eleitoral. Um sistema de criptografia impede que dados falsos sejam inseridos no momento em que os votos são somados. As várias cópias do boletim de urna, registradas em cartório, permitem que o resultado seja auditado, se necessário.

Os resultados dos boletins de urna ficarão disponíveis neste link a partir da próxima quarta-feira (18), segundo o TSE. Para acessá-los, é preciso selecionar “Boletins de Urna” em “Tipo de Consulta”. O Tribunal explica como ler os dados dos boletins neste artigo.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos que viralizam nas redes sociais ligados às eleições municipais, às políticas públicas do governo federal e à pandemia.

Ao afirmar que houve fraude na contagem dos votos, o post segue a campanha que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem feito, questionando a lisura do sistema de urnas eletrônicas. Isso coloca em risco a credibilidade do resultado das eleições.

O post, que teve mais de 550 compartilhamentos até 17 de novembro, é apenas uma das publicações que estão viralizando na rede, na contramão do fato de que o Brasil usa as urnas eletrônicas há 24 anos e nunca houve nenhum caso de fraude comprovado, segundo o TSE.

O Comprova já verificou conteúdos semelhantes, em artigos como o que checou que o ataque de hackers no sistema do TSE não viola a segurança da eleição (produzido em parceria com a agência Aos Fatos) e o que mostrou que o sistema de voto eletrônico brasileiro pode ser auditado, ao contrário do que afirmava um post nas redes sociais.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos; que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano; ou que é retirado de seu contexto original e usado em outro, de modo que seu significado sofra alterações.

Eleições

Investigado por: 2020-11-16

CoronaVac não matou voluntário nem Doria anunciou aplicação da vacina em novembro

  • Falso
Falso
Morte não teve relação com a vacina e o que o governador de São Paulo anunciou foi a chegada de um lote de vacinas em 20 de novembro, não o início da vacinação
  • Conteúdo verificado: Texto cujo título afirma que a CoronaVac teria causado a morte de um homem e cujo conteúdo diz que a suspensão dos testes da vacina pela Anvisa teria acontecido um dia após o governo de São Paulo anunciar a aplicação das primeiras 120 mil doses para o dia 20 de novembro.

É falso que a CoronaVac teria causado a morte de um homem e que o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), tenha anunciado a aplicação das primeiras doses da vacina para 20 de novembro. A afirmação consta em um texto do site Estudos Nacionais publicado em 10 de novembro, dia seguinte ao da suspensão dos testes do imunizante pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

A interrupção realizada pela Anvisa aconteceu por causa de um evento adverso grave, que depois ficou claro ser um óbito ocorrido no final de outubro, em decorrência de uma morte que está sendo investigada como suicídio por intoxicação de um dos voluntários da vacina. Nenhuma outra morte foi verificada. A paralisação durou dois dias e os testes no Brasil já foram retomados, após ficar comprovado que o óbito não tinha relação com a CoronaVac. Apesar disso, a Anvisa informou que seguirá acompanhando o desfecho do caso “para que seja definida a possível relação de causalidade entre o EAG [evento adverso grave] inesperado e a vacina”.

Nesse período, a Anvisa e o Instituto Butantan concederam entrevistas coletivas e documentos oficiais da Polícia Militar e da Polícia Civil vieram a público com esclarecimentos sobre o caso. O episódio se tornou mais um da politização da pandemia, inclusive com o presidente Jair Bolsonaro comemorando que “teria ganhado mais uma”.

Reportagens que cobriram o avanço da vacina no Brasil e o próprio Instituto Butantan afirmaram que, por enquanto, apenas a compra das doses do imunizante foi realizada e que a aplicação depende da aprovação da Anvisa, que ainda está em análise e sem data para ocorrer. O acordo é entre o Governo de São Paulo e o laboratório Sinovac.

Como verificamos?

Para verificar a causa da morte do voluntário da CoronaVac e elucidar a suspensão feita pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, o Comprova procurou no Google por notícias divulgadas em veículos de imprensa que acompanharam o caso de perto. Também procuramos as notas oficiais publicadas pela Anvisa e acionamos o Instituto Butantan.

Com o objetivo de esclarecer se a interrupção dos testes da vacina teria se dado de maneira correta e entender como funcionam as etapas anteriores à aprovação e à comercialização de imunizantes no Brasil, a equipe também entrevistou Valéria Vianna, coordenadora de Pesquisa Clínica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ), por telefone.

Por fim, para analisar o autor e a página do texto verificado, o Comprova recorreu às informações que constam no próprio site que publicou o conteúdo, às reportagens de outros veículos, encontradas por meio de uma pesquisa no Google com os respectivos nomes, e à consulta da lista de mestres da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 16 de novembro de 2020.

Verificação

Suspensão dos testes da CoronaVac: causas e desdobramentos

Em nota publicada no dia 9 de novembro, a Anvisa informou ter interrompido os estudos clínicos da CoronaVac “após a ocorrência de um evento adverso grave” em 29 de outubro. O objetivoera “avaliar os dados observados até o momento e julgar o risco/benefício da continuidade do estudo”. Por medidas de segurança, durante esse período, nenhum voluntário novo poderia ser vacinado.

De acordo com a Resolução da Diretoria Colegiada nº 9 de 2015 do Ministério da Saúde, são considerados eventos adversos graves: óbito, evento potencialmente fatal, incapacidade ou invalidez persistente ou significativa, exigência de internação hospitalar ou prolongamento da internação, anomalia congênita ou defeito de nascimento, suspeita de transmissão de agente infeccioso por meio de dispositivo médico e evento clinicamente significante.

Neste caso específico, trata-se da morte de um voluntário de 32 anos. Durante a manhã do dia 10 de novembro, Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan, parceiro da fabricante chinesa Sinovac para produzir o imunizante no Brasil, afirmou, em entrevista coletiva, que era “impossível que haja relacionamento desse evento com a vacina”, sem detalhar por qual motivo ou qual havia sido a causa do óbito.

Embora a suspensão dos testes da vacina tenha gerado grande repercussão no mundo político, o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, alegou que a medida foi técnica, devido às informações insuficientes repassadas pelo Instituto Butantan. A declaração foi dada durante outra entrevista coletiva, também no dia 10 de novembro.

Durante a tarde do dia 10, UOL e Estadão reveleram que o óbito era tratado como suicídio pelas autoridades. De acordo com o registrado pela Polícia Militar, o voluntário foi encontrado morto no chão do apartamento, com uma seringa no braço. Para o Estadão, a Polícia Civil de São Paulo afirmou não ter dúvidas de que foi um suicídio, mas esclareceu que ainda aguarda o exame toxicológico.

Além do Brasil e da China, a CoronaVac é testada na Turquia e na Indonésia. Veículos de imprensa mostraram que nesses outros países não houve interrupção dos testes. Responsável pela avaliação ética das pesquisas envolvendo humanos no Brasil, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) também foi comunicada sobre o óbito e recomendou a continuidade do estudo.

Já na manhã do dia 11 de novembro, menos de 48 horas depois do anúncio da suspensão, a Anvisa autorizou a retomada dos estudos da CoronaVac. De acordo com a agência, a mudança foi possível graças a novas informações enviadas pelo Instituto Butantan, como a provável causa da morte, o boletim de ocorrência e o parecer do Comitê Independente de Monitoramento de Segurança.

“Após avaliar os novos dados apresentados pelos patrocinador depois da suspensão do estudo, a Anvisa entende que tem subsídios suficientes para permitir a retomada da vacinação (…) É importante esclarecer que uma suspensão não significa necessariamente que o produto sob investigação não tenha qualidade, segurança ou eficácia”, afirma o texto.

Depois, no dia 12 de novembro, a GloboNews teve acesso ao laudo do exame toxicológico do Instituto Médico Legal (IML), no qual consta que o voluntário morreu por intoxicação aguda causada por agentes químicos. Foi detectada a presença de álcool, grande quantidade de sedativos e um analgésico cirúrgico cem vezes mais potente que a morfina

CoronaVac não matou voluntário e Doria não anunciou a aplicação da vacina

Diferentemente do que afirma o título do texto “Vacina chinesa mata homem após Doria gastar meio milhão em doses”, não é possível afirmar que a CoronaVac foi a causa da morte do voluntário e nenhuma autoridade chegou a dizer isso. Pelo contrário, as informações indicam que não há relação.

Publicado no dia 10 de novembro, dia da suspensão dos testes da CoronaVac pela Anvisa, o texto verificado até cita que as causas da morte ainda eram investigadas e que o Instituto Butantan afirmou que não era um óbito relacionado à vacina. No entanto, nas publicações nas redes sociais da página, apenas o título fica disponível para os internautas, que acabam recebendo uma informação distorcida.

Aliás, no post no Facebook, o único trecho citado do texto diz respeito a um anúncio que teria sido feito pelo governador João Doria da “aplicação do primeiro lote de 120 mil doses, que são parte de um acordo firmado pelo governador com o governo chinês, em 2019”. Essa informação também está incorreta.

Na verdade, o governador de São Paulo anunciou que as primeiras 120 mil doses da CoronaVac chegarão ao estado no dia 20 de novembro. No entanto, a aplicação delas depende da aprovação da Anvisa.

Por outro lado, corretamente, o texto afirma que essas 120 mil doses fazem parte da aquisição anterior de 46 milhões de doses, com custo de U$ 90 milhões. Na época, o valor equivalia a cerca de R$ 505 milhões. Porém, a assinatura do contrato se deu entre o governo de São Paulo e a Sinovac (não o governo chinês) e ocorreu em setembro deste ano, e não em 2019 – antes da pandemia – como afirma o texto.

Por meio de nota, o Instituto Butantan reforçou que é “totalmente inverídica a informação de óbito de voluntário em decorrência da vacina CoronaVac” e que “em nenhum momento o Governo de São Paulo ou o Instituto Butantan confirmaram a vacinação sem a aprovação e registro da Anvisa”. Assim como detalhou os eventos adversos leves mais comuns e esclareceu que “a parceria efetiva para produção e testes em estágio avançado de uma vacina contra o coronavírus foi firmada somente em junho de 2020, entre o Governo de São Paulo, por meio do Instituto Butantan, e a farmacêutica chinesa Sinovac”.

O Comprova enviou questionamentos sobre o conteúdo ao site Estudos Nacionais no dia 12 de novembro pelo e-mail disponível na página de contato. Embora não tenha obtido retorno, parte do texto passou a ficar disponível apenas para assinantes. Até a data, ele não havia sido atualizado nenhuma vez com as novas informações. No período, o site apenas publicou novos textos relacionados ao caso, mas ainda tratando a morte como “misteriosa”.

Conhecendo o autor e a página

Autor do texto verificado e editor-chefe do site Estudos Nacionais, Cristian Derosa é mestre em jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e “aluno do seminário de filosofia de Olavo de Carvalho”.

Em entrevista à Folha de S.Paulo em julho do ano passado, Cristian Derosa afirmou que a editora catarinense foi criada em 2016 e “tem como como principal foco a produção de pensamentos alinhados a valores conservadores”.

Na mesma época, ele publicou um texto que leva a um documento com produções que receberam recurso da Agência Nacional do Cinema (Ancine), mas que “não deviam ter sido aprovadas”. Dois dias depois, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) declarou o desejo de mudar a política do patrocínio federal.

Cristian Derosa também distorceu uma notícia da BBC News sobre mentiras a respeito das vacinas contra a covid-19, como o suposto uso de células de fetos abortados em imunizantes. Ao contrário do que afirma o autor, o Comprova conseguiu mostrar que era falsa a afirmação de que as vacinas serão capazes de provocar danos genéticos e vão monitorar a população.

Segundo a revista Carta Capital, o site Estudos Nacionais teria sido um dos portais que impulsionou uma antiga notícia falsa que relacionava a esquerda política à tentativa de descriminalizar a pedofilia. Em 2018, o Comprova já havia mostrado ser inverídico que um projeto de lei queria tornar legal o abuso sexual de crianças.

Politização da pandemia e visão do especialista

Desde o início, com a recomendação do uso de máscara e do distanciamento social até a defesa ou não de remédios como cloroquina e ivermectina, a pandemia passou por um processo de politização no Brasil, dos quais os protagonistas foram o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o governador de São Paulo, João Doria. No próprio dia da suspensão dos testes da CoronaVac pela Anvisa, o presidente escreveu no Facebook que “ganhou mais uma”.

Apesar de fazer a ressalva de que a emergência sanitária global obriga os pesquisadores a abrirem mão de parte das exigências científicas – como encurtamento de prazos e aceleração de análises, por exemplo, Valéria Vianna, coordenadora de Pesquisa Clínica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acredita que a interrupção dos estudos decretada pela agência se deu dentro deste cenário politizado.

“Eu entendo que o Butantan, com o respeito e prática que eles têm, tenha reportado dentro do intervalo de tempo exigido para o laboratório; e não acredito. Ao longo de todos os meus anos de pesquisa clínica, nunca passei pela situação da Anvisa suspender um estudo por conta de um evento, até porque esse evento, pelo que a mídia publicou, foi um suicídio”, comentou.

Para Valéria Vianna, “a gente ficou no meio de uma briga política, porque a vacina deixou de ser contra a covid-19, deixou de ser uma vacina conduzida por pesquisadores, por um instituto muito sério, que é o Butantan, e outros hospitais da rede, para se tornar a vacina do governador X que é contra o presidente Y. Eu vejo muito mais como uma questão política”, opinou.

Por que investigamos?

Na terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos relacionados a políticas públicas do governo federal ou à pandemia. Neste caso, a divulgação de informações enganosas ou falsas é ainda mais grave, porque pode colocar a saúde das pessoas em risco. Nesta verificação, o texto falso contribui para o descrédito das vacinas contra a covid-19, apontadas por especialistas como o meio mais promissor controlar à doença que já tirou a vida de mais de 165 mil brasileiros, de acordo com os dados do Ministério da Saúde.

Até o dia 13 de novembro, o texto publicado no site Estudos Nacionais tinha mais de 47 mil interações no Facebook e mais de 1.500 compartilhamentos, principalmente em grupos ou páginas de apoio ao presidente Jair Bolsonaro. De acordo com a ferramenta CrowdTangle, também tiveram compartilhamentos menos numerosos no Twitter e na rede social Reddit.

Recentemente, o Comprova já mostrou ser falso que um médico morreu por efeitos adversos da vacina de Oxford; já esclareceu não ser necessário dez anos de pesquisa para que uma vacina seja segura; e já provou que a CoronaVac não matou mais de 2 mil voluntários e que as vacinas não causam danos neurológicos ou de DNA.

Falso, para o Comprova, é qualquer conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Eleições

Investigado por: 2020-11-16

Justificativas dos eleitores não podem ser transformadas em votos válidos, como sugere tuíte

  • Falso
Falso
De acordo com o TSE, os votos registrados no dia da eleição e as justificativas de abstenções são registradas no mesmo banco de dados, mas são arquivos diferentes. Além disso, especialistas ouvidos pelo Comprova dizem que o vazamento de dados por um ataque hacker não seria capaz de alterar os resultados da eleição
  • Conteúdo verificado: Tuíte diz que Justiça Eleitoral pode aproveitar números de abstenção para fabricar votos e que ataque hacker seria prova de fraude

É falsa a publicação no Twitter afirmando ser possível às autoridades eleitorais transformarem as justificativas dos eleitores ausentes dos seus domicílios eleitorais em votos válidos. A afirmação do jornalista Oswaldo Eustáquio e da ex-deputada federal Cristiane Brasil (PTB) relaciona o suposto vazamento de dados administrativos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) à “descoberta” de que votos e justificativas são registrados em separado – informação, aliás, que é pública.

De acordo com o tribunal, os votos registrados no dia da eleição e as justificativas de abstenções são registradas no mesmo banco de dados, mas são arquivos diferentes. Todas estas informações, seja qual for o arquivo, vão para o Cadastro Nacional de Eleitores.

Além disso, o vazamento de dados por um ataque hacker que, segundo os autores, comprovaria a tentativa de fraude, não seria capaz de alterar os resultados da eleição, conforme quatro especialistas em cibersegurança ouvidos pelo Comprova.

Como verificamos?

Para verificarmos se havia alguma possibilidade de justificativas de ausência serem computadas como votos, consultamos o TSE, que emitiu nota de esclarecimento detalhando os fluxos desse processo.

Para comentar o conteúdo do ataque dos hackers, entrevistamos Fernando Amatte, diretor de Inteligência da Cipher, empresa de consultoria de segurança da informação, e fontes ouvidas para uma verificação publicada mais cedo neste domingo de eleições. Foram elas: Thiago Tavares, presidente da SaferNet, Paulo Lício de Geus, representante da Sociedade Brasileira de Computação nos testes públicos de segurança do TSE, Márcio Correia, analista de sistemas da Universidade Federal do Ceará (UFC) e professor de Tecnologia de Informação da Faculdade Cearense (FaC), e Hiago Kin, presidente da Associação Brasileira de Segurança Cibernética e CEO da empresa Deepcript Segurança Digital.

Também dessa verificação utilizamos as afirmações do responsável pelo grupo que vazou os dados do TSE.

Por fim, o Comprova procurou Cristiane Brasil e Oswaldo Eustáquio.

Esta verificação foi feita em conjunto com Aos Fatos.

Verificação

A origem da acusação

Dois dias antes da votação de 2020, Cristiane Brasil deu uma entrevista para Oswaldo Eustáquio e levantou suspeitas sobre o modo como é feita a justificativa dos votos. Com base numa experiência pessoal, Cristiane disse que, quando uma pessoa justifica não ter votado, esse registro leva um mês para ser computado pela Justiça Eleitoral porque as informações sobre a apuração dos votos e a da justificativa eleitoral ficam salvas em banco de dados diferentes. Sem apresentar provas, ela diz, então, que isso abriria brecha para que inventassem votos equivalentes à quantidade de pessoas que decidiu se abster. Segundo Cristiane, várias pessoas do Nordeste se mudam para o Sudeste, mas mantém o seu título no estado de origem; ela disse isso também sem apresentar provas.

No Twitter, após um grupo de hackers divulgar dados do TSE não relacionados à apuração das eleições, Oswaldo escreveu que a existência de dois bancos de dados diferentes permitiria que se “descarregasse na esquerda” os votos de quem vai justificar. Ele faz tal afirmação sem apresentar qualquer evidência.

Justificativas não podem ser computadas como votos

Por volta das 20h de domingo (15), o TSE divulgou nota de esclarecimento explicando que os arquivos gerados pelos votos são gravados na urna eletrônica de forma separada dos arquivos de justificativa. Desta forma, não haveria como justificativas serem computadas como votos.

Além disso, o tribunal lembra que há uma razão bastante simples para que justificativas eleitorais não sejam computadas como votos: “O eleitor que justifica a ausência nas eleições, obviamente, não vota. Assim, não há votos a serem “descarregados” a quem quer que seja” .

Segundo o TSE, “a urna eletrônica só computa os votos que foram efetivamente recebidos, digitados por quem compareceu à seção eleitoral e teve o seu acesso liberado após a identificação pelos mesários.”

“Da mesma forma, o Cadastro Nacional de Eleitores é atualizado com a informação de que o eleitor fez sua justificativa. Nesse sentido, havendo justificativa de ausência às urnas e votação ao mesmo tempo, a situação é facilmente identificada e a Corregedoria-Geral da Justiça Eleitoral – em seu papel de fiscal do cadastro – pode adotar medidas de apuração quanto ao fato”, afirma o tribunal.

Banco de dados é um só

O tribunal diz ainda que “não há separação de banco de dados em relação aos votos, abstenções e justificativas.”

“Todas essas informações são tratadas em um mesmo sistema de totalização, devidamente auditado e com assinaturas digitais lacradas em audiência pública com a participação de partidos políticos, Ministério Público e Ordem dos Advogados do Brasil”, afirma o TSE. “É importante lembrar que toda urna eletrônica emite um boletim de urna com os votos coletados ao longo do dia. Assim, eventual tentativa de alteração de banco de dados seria rapidamente identificada com uma simples conferência do Boletim de Urna, que é impresso e entregue a representantes de partidos políticos presentes nos locais de votação e disponibilizado posteriormente na internet.”

No dia da eleição, quem não estiver no seu local de votação pode justificar a ausência pelo aplicativo e-Título ou pelo formulário de Requerimento de Justificativa Eleitoral (RJE), informa o TSE em seu site. O formulário de RJE pode ser obtido online ou nos locais de votação, e deve ser entregue também nos locais de votação.

Quem não justificou a ausência no dia da eleição pode fazê-lo em até 60 dias após cada turno de votação, entregando o RJE presencialmente em uma zona eleitoral ou o Sistema Justifica, que permite a entrega do RJE pela internet.

Ataque de hackers

Neste domingo, um grupo de hackers disse ter obtido dados do TSE. Eles afirmam ter acessado “sete arquivos com dados de utilizador de diferentes sistemas”. Segundo eles, isso significaria que os sistemas do Tribunal tiveram as credenciais comprometidas.

O Comprova entrevistou Fernando Amatte, diretor de Inteligência da Cipher, empresa de consultoria de segurança da informação. Segundo ele, o link divulgado pelos hackers traz “várias tabelas de um banco de dados”. De acordo com ele, entre as informações vazadas há registros sobre auxílio farmácia, atestado, afastamentos, benefícios e rotina de cálculo de aposentadoria, o que leva a crer se tratar de um banco de dados da área de recursos humanos.

Thiago Tavares, presidente da SaferNet, associação que promove a defesa dos direitos humanos na internet, tem a mesma opinião. “A invasão se limitou a um servidor que hospedava informações do sistema de Recursos Humanos do tribunal”, disse ele, conforme outra verificação do Comprova e da agência Aos Fatos publicada neste domingo (15).

Sobre a data em que os dados foram coletados, Amatte diz que não é possível determiná-la com as informações do link: “É prática comum de criminosos pegar uma informação em um determinado dia e requentar quando eles acham ser interessante, mas, a partir desses dados que temos aqui, não tenho como falar qual é a data.”

Em uma coletiva de imprensa neste domingo, o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso garantiu que “nada ocorreu hoje, nem tampouco nos últimos dias relativamente a ataques” e disse ter “muitas razões para supor que estas informações vazadas se refiram a ataques antigos”. Um desses indícios é que os e-mails que aparecem no material divulgado têm o final “.gov”, embora há bastante tempo o TSE use a extensão “.tse.br”. Outro é que os servidores que tiveram os seus nomes listados são antigos funcionários da Justiça Eleitoral.

Horas depois, durante a divulgação, Barroso voltou a comentar o fato acrescentando mais detalhes: “Esse sistema de onde se teriam extraído esses dados dos velhos funcionários é um sistema antigo e que não tem nenhuma relação com os servidores onde são processados os dados do sistema eleitoral.”

Também diferentemente do que os hackers afirmam, não é possível ligar os dados à insegurança das urnas eletrônicas, pois são sistemas diferentes, separados. “São dados pessoais de saúde, de idade das pessoas. Pelas características dos dados, fica claro que não tem nada a ver com o sistema de votação eletrônico, que é totalmente diferente. É como se aqui na Unicamp você conseguisse acesso aos dados de recursos humanos. Mas a nossa base de dados de pesquisa está salva em outro lugar”, completa o professor Paulo Lício de Geus, representante da Sociedade Brasileira de Computação nos testes públicos de segurança do TSE.

Além disso, as urnas são aparelhos que funcionam sem nenhuma conexão com a Internet. Só depois que a votação termina, quando o boletim de urna é impresso, é que a memória em que os votos são salvos é conectada a um sistema para que os votos sejam totalizados pela Justiça Eleitoral. Um sistema de criptografia impede que dados falsos sejam inseridos no momento em que os votos são somados. As várias cópias do boletim de urna, registradas em cartório, permitem que o resultado seja auditado, se necessário.

Márcio Correia, analista de sistemas da Universidade Federal do Ceará e professor de Tecnologia de Informação da Faculdade Cearense, também disse se tratar de arquivos que não são relacionados à votação. “O hacker mostrar que teve acesso a esses arquivos administrativos e de configurações dos sites do TRE e TSE não significa nada e não tem força alguma para colocar em dúvida a segurança da votação, apesar de não ser interessante que tenha havido essa brecha de segurança no site do TSE, ainda que pequena”, explica o professor, que já foi convidado para testar a segurança do sistema.

“Os bancos de dados das eleições são outros, alheios aos dos sites. Dizer que uma coisa está relacionada à outra é especular sem provas. Os IPs expostos pertencem unicamente aos sites”, reforça Hiago Kin, presidente da Associação Brasileira de Segurança Cibernética e CEO da Deepcript.

Em contato com a reportagem via Facebook, o grupo que vazou os dados do TSE, CyberTeam, afirmou que o ataque é de hoje e que “não explorou o TSE por completo”. “Só me foquei em reunir os dados de utilizador”, afirmou a pessoa, identificada como Zambrius. O Twitter retirou a página do ar.

À noite, o ministro Barroso afirmou que a Polícia Federal já apurou o vazamento e descobriu que o ataque não ocorreu hoje. “O que a PF apurou é que esse vazamento ocorreu anteriormente a 23 de outubro passado e provavelmente se refere a fatos bastante pretéritos, porque as informações que foram vazadas são informações entre 2001 e 2010, e informações absolutamente irrelevantes. O que vazou foram informações administrativas sobre ministros aposentados e sobre antigos funcionários do TSE. (Um vazamento) sem qualquer consequência para o processo eleitoral”, afirmou o ministro.

Cristiane Brasil

O Comprova entrou em contato por telefone com Cristiane Brasil para falar sobre o post de Oswaldo Eustáquio compartilhado por ela no Twitter. Questionada sobre como obteve informações sobre a suposta fraude na apuração dos votos, Cristiane alegou que estava dentro do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ), na condição de presidente do PTB-RJ, e que a falha aconteceria na retirada do flash card (cartão de memória com registro eletrônico dos votos da urna) – sem no entanto ter presenciado alguma falha onde se encontrava.

“Se eles (TRE) não têm condição de garantir a estabilidade do sistema porque estão sendo frequentemente invadidos por hackers, eles não tem condição de tocar o processo eleitoral sozinhos”, afirmou. Segundo o TSE, a lentidão na divulgação dos resultados não aconteceu por ataques de hackers e sim, por atraso no processamento dos dados no sistema central, em Brasília.

Procurado por meio do Twitter, Oswaldo Eustáquio não respondeu até a publicação dessa verificação.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos que viralizam nas redes sociais ligados às eleições municipais, às políticas públicas do governo federal e à pandemia.

Ao questionar a lisura do processo eleitoral, Cristiane Brasil e Oswaldo Eustáquio, apoiadores de Jair Bolsonaro (sem partido), seguem a campanha que o presidente vem fazendo desde antes de ser eleito, colocando em dúvida o sistema de urnas eletrônicas. Os autores dos posts colocam em risco a confiança dos brasileiros nos resultados das eleições e, por consequência, na democracia. Só o tuíte de Eustáquio teve 2,8 mil repostagens e quase 10 mil curtidas até o dia 15 de novembro.

Ainda neste domingo o Comprova verificou, em parceria com a agência Aos Fatos, que um ataque de hackers no sistema do TSE não viola a segurança da eleição e, recentemente, mostrou que um recente ataque hacker ao STJ não podia ser visto como sinal de ameaça à segurança das eleições, que o sistema de voto eletrônico brasileiro pode ser auditado, ao contrário do que afirmava um post nas redes sociais, e que a empresa que forneceu urnas para as eleições na Venezuela nunca vendeu seus aparelhos para o Brasil.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu conteúdo original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Eleições

Investigado por: 2020-11-15

Ataque de hackers no sistema do TSE não viola segurança da eleição

  • Enganoso
Enganoso
Hackers expuseram dados administrativos antigos do TSE em links para download. Os bancos de dados acessados não têm, portanto, nenhuma relação com as eleições. Além disso, o sistema das urnas eletrônicas não funciona em rede
  • Conteúdo verificado: Duas postagens, no Twitter e Facebook, de um grupo hacker que afirma ter conseguido vazar dados do TSE

É enganoso que um suposto ataque hacker tenha violado a segurança do sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ameaçado a votação das eleições municipais. Apesar de o presidente do próprio Tribunal, ministro Luís Roberto Barroso, ter admitido que houve uma tentativa de invasão, o ataque foi neutralizado e não afetou o sistema de totalização dos votos e, muito menos, o sistema das urnas eletrônicas, que não funcionam em rede.

Ainda hoje (15), um grupo de hackers expôs dados do TSE em links para download. A ação foi reconhecida pelo tribunal, mas os especialistas ouvidos pelo Comprova foram unânimes em avaliar que se tratam de dados administrativos antigos ou mesmo informações públicas, disponíveis no Portal da Transparência. Os bancos de dados acessados não teriam, portanto, nenhuma relação com as eleições.

A postagem do grupo de hackers é considerada enganosa porque seus autores inflaram e distorceram as características do ataque com objetivo de confundir e lançar dúvidas infundadas sobre a segurança do sistema de votação do TSE.

Em contato com o Comprova via Facebook, o grupo que vazou os dados do TSE, CyberTeam, afirmou que o ataque é de hoje e que “não explorou o TSE por completo”. “Só me foquei em reunir os dados de utilizador”, afirmou a pessoa, identificada como Zambrius.

Como verificamos?

Para esta verificação, primeiro fizemos download do conteúdo divulgado para saber de que tipo de dados se tratava. Depois, procuramos entender quem eram os grupos CyberTeam e Noias do Amazonas, por meio dos conteúdos divulgados anteriormente em suas páginas e de matérias anteriores sobre os dois grupos.

Ouvimos a posição oficial do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) através de uma coletiva de imprensa feita pelo ministro Luís Roberto Barroso, presidente da Corte. Também ouvimos especialistas em cibersegurança: Paulo Lício de Geus, professor do Instituto de Computação e CIO da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e representante da Sociedade Brasileira de Computação nos testes públicos de segurança do sistema eletrônico de votação do TSE; Hiago Kin, presidente da Associação Brasileira de Segurança Cibernética e CEO da Deepcript; e Márcio Correia, analista de sistemas da Universidade Federal do Ceará (UFC) e professor de Tecnologia de Informação da Faculdade Cearense (FaC).

Por fim, conversamos com o grupo CyberTeam por meio de mensagens particulares no Facebook. O perfil Noias do Amazonas não respondeu ao pedido de contato da reportagem.

Esta é uma verificação feita em conjunto por Aos Fatos e Comprova.

Verificação

O que diz o TSE?

Em uma coletiva de imprensa, o ministro Luís Roberto Barroso disse que o TSE ainda está apurando o que aconteceu, mas garantiu que “nada ocorreu hoje, nem tampouco nos últimos dias relativamente a ataques” e disse ter “muitas razões para supor que estas informações vazadas se refiram a ataques antigos”. Um desses indícios é que os e-mails que aparecem no material divulgado têm o final “.gov”, embora há bastante tempo o TSE use a extensão “.tse.br”. Outro é que os servidores que tiveram os seus nomes listados são antigos funcionários da Justiça Eleitoral.

“As urnas já estão todas devidamente carregadas, e estão todas elas fora de rede. Portanto, eventuais ataques cibernéticos não têm o condão de afetar o processo de votação, porque as urnas não funcionam em rede”, lembrou ainda o ministro. Sobre a instabilidade no sistema, o ministro Barroso disse que “houve instabilidade pela grande quantidade de acessos relativamente a duas situações: informação sobre local de votação (…) e a justificativa de quem esteja fora do seu estado, do seu local de votação”.

O que dizem os especialistas?

Segundo o professor Paulo Lício de Geus, representante da Sociedade Brasileira de Computação nos testes públicos de segurança do TSE, o vazamento deve ter ocorrido dias antes da eleição porque, na véspera da votação, a rede do tribunal é isolada em um esquema especial para as eleições. “São dados pessoais de saúde, de idade das pessoas. Pelas características dos dados, fica claro que não tem nada a ver com o sistema de votação eletrônico, que é totalmente diferente. É como se aqui na Unicamp você conseguisse acesso aos dados de recursos humanos. Mas a nossa base de dados de pesquisa está salva em outro lugar”, afirma.

Segundo Geus, não é possível alterar o resultado da eleição porque a urna eletrônica é autônoma e funciona desconectada da Internet. Quando a votação termina, o flash da urna, uma espécie de cartão de memória, é levado para um sistema que envia esses dados para o TSE usando criptografia. “Se alguém tentar inserir dados de votação falsos, eles não serão aceitos por causa da criptografia”, diz. Além disso, ele lembra que todos os boletins de urna são disponibilizados publicamente na Internet. Por isso, qualquer candidato ou partido que suspeitar de problemas no resultado pode conferir por conta própria se a totalização foi feita corretamente.

Márcio Correia, analista de sistemas da Universidade Federal do Ceará (UFC) e professor de Tecnologia de Informação da Faculdade Cearense (FaC), analisou os arquivos das postagens a pedido do Comprova e disse se tratar de arquivos que não são relacionados à votação.

“Os TREs e TSE têm, nos sites deles, espaços para veicular informações sobre processos administrativos internos, como salários de servidores, dados que estão à disposição no que eles chamam de ‘portal da transparência’. O que eu vi nestas postagens foram essas informações, ou seja, nada relacionado à votação”, afirma. “O sistema de apuração dos votos é offline, as urnas não estão ligadas à internet e nem o sistema de apuração, que é em uma rede privada”, completa. “O hacker mostrar que teve acesso a esses arquivos administrativos e de configurações dos sites do TRE e TSE não significa nada e não tem força alguma para colocar em dúvida a segurança da votação, apesar de não ser interessante que tenha havido essa brecha de segurança no site do TSE, ainda que pequena”, explica o professor, que já foi convidado para testar a segurança do sistema.

O Comprova também enviou os arquivos para Thiago Tavares, presidente da SaferNet, associação que promove a defesa dos direitos humanos na internet. Como os dados disponibilizados nas publicações trazem informações como folhas de pagamentos, afastamentos e transferências de servidores, ele acredita que “a invasão se limitou a um servidor que hospedava informações do sistema de Recursos Humanos do tribunal, e não tem relação alguma com as urnas eletrônicas nem com a segurança do sistema usado na apuração e totalização dos votos”.

De acordo com Hiago Kin, presidente da Associação Brasileira de Segurança Cibernética e CEO da Deepcript, os dados divulgados são de banco de dados dos sites da Justiça Eleitoral, que são diferentes daqueles onde são processados os resultados da votação. Segundo Kin, os hackers usaram uma técnica que permite ler o conteúdo de alguns bancos de dados mais vulneráveis, mas que não poderia ser usada para alterar o resultado da apuração de votos.

“O comando de escrita (utilizado no desenvolvimento do site) provavelmente não tenha sido permitido e sequer explorado, porque dispararia alguns alertas de segurança”, explica. Segundo Kin, a maioria dos dados vazados são informações pessoais de servidores e não de sistemas ou pessoas que apuram as eleições. “Os bancos de dados das eleições são outros, alheios aos dos sites. Dizer que uma coisa está relacionada à outra é especular sem provas. Os IPs expostos pertencem unicamente aos sites”, afirma.

Segurança das eleições

Segundo o TSE, a segurança do sistema eletrônico de votação é feita em camadas, ou seja, por meio de dispositivos de segurança de tipos e com finalidades diferentes, são criadas diversas barreiras que, em conjunto, não permitem que o sistema seja violado. Em resumo, qualquer ataque ao sistema causa um efeito dominó e a urna eletrônica trava, não sendo possível gerar resultados válidos.

Para afastar esses questionamentos sobre a segurança das urnas, o TSE promove um desafio desde 2009, ocasião na qual especialistas colocam a segurança de urnas eleitorais à prova para tentar invadir o sistema – seja na parte da votação, apuração, transmissão e recebimento de arquivos. É o que o TSE chama de TPS (Teste Público de Segurança), em que grupos de hackers “do bem” se reúnem para fazer ataques variados aos dispositivos. Eles acontecem, normalmente, no ano anterior às eleições. O último foi concluído em 29 de novembro de 2019, e contou com a participação de 25 especialistas, entre professores, estudantes e peritos (veja aqui o relatório técnico).

No documento Sistema Eletrônico de Votação: perguntas mais frequentes, publicado no site do TSE, o órgão responde questões sobre o processo eleitoral e dúvidas em relação à segurança da votação. Na resposta da primeira pergunta, “Como o eleitor pode ter certeza de que a urna eletrônica é segura?”, o documento explica que “há diversos mecanismos de auditoria e de verificação dos resultados que podem ser efetuados pelos candidatos, pelas coligações, pelo Ministério Público”, entre outras entidades.

Ainda de acordo com o tribunal, as urnas eletrônicas começaram a ser utilizadas no Brasil em 1996 e, “em 24 anos de existência, nunca foi comprovada nenhuma fraude no equipamento”.

Para as eleições de 2020, o TSE preparou a série “Desvendando a Urna”, com reportagens sobre o assunto. Uma delas é sobre o tema abordado no post verificado aqui e traz a pergunta “É verdade que a urna eletrônica não é auditável?”. O texto, então, explica que o equipamento possui “diversos recursos que possibilitam e fortalecem a possibilidade de auditagem”. Entre os recursos, estão auditorias pré e pós-eleição e lacração dos sistemas. “Além disso, os sistemas podem ser requisitados para análise e verificação, não somente no período de seis meses que antecedem o pleito, mas a qualquer tempo e pelo prazo necessário para se proceder a uma auditoria completa”, finaliza a reportagem.

No dia da votação

De acordo com verificação do Comprova de 13 de novembro, uma auditoria ocorre no dia da eleição, quando o TSE promove um sorteio de urnas eletrônicas que serão fiscalizadas. A ação é para verificar a autenticidade e demonstrar a integridade do processo eleitoral “para eleitores sem conhecimentos específicos em tecnologia”, como afirma o site do órgão.

As urnas sorteadas são encaminhadas para os tribunais regionais eleitorais, onde é feita uma simulação de voto. “Cédulas em papel são preenchidas e depositadas em uma urna de lona, para que os participantes digitem esses votos tanto na urna eletrônica quanto em um sistema específico que computará os votos consignados em paralelo”, explica o TSE.

Também no dia da eleição, cada urna eletrônica emite um comprovante com os votos recebidos, chamado de Boletim de Urna (BU). Esse documento é impresso pelos mesários e se torna público logo após o fim da votação – qualquer pessoa pode verificá-lo, inclusive no celular, com o aplicativo Boletim na Mão, desenvolvido pelo TSE.

O grupo de hackers

O CyberTeam é um grupo de hackers com base em Portugal, de acordo com o site Tecmundo e segundo confirmou o perfil de mesmo nome no Facebook, por meio de mensagens privadas. Também conforme publicado pelo Tecmundo, os hackers invadiram o site oficial do então deputado federal Beto Mansur (PRB-SP) em 2017 e, anteriormente, já haviam derrubado o Skype por algumas horas.

O link verificado aqui lista ataques recentes do grupo contra o Conselho Nacional de Justiça, o Tribunal de Justiça do Estado do Pará, entre outros órgãos brasileiros, e ressalta que nem o CyberTeam nem seus aliados foram responsáveis pelo ataque Superior Tribunal de Justiça. De acordo com o site, neste caso do suposto ataque ao TSE, o CyberTeam agiu em parceria com o perfil Noias do Amazonas – que o Comprova tentou contatar via Twitter, mas não recebeu resposta até a publicação deste texto.

A pessoa do CyberTeam que trocou mensagens com o Comprova se apresentou com o apelido Zambrius e confirmou ser o jovem que foi detido em Portugal em abril deste ano por crimes ligados à cibersegurança.

Questionado sobre as afirmações de Barroso, que disse que “esse vazamento não é produto de um ataque atual”, que é “um ataque antigo que nós ainda não fomos capazes de precisar, se foi antigo de dez dias ou antigo de cinco anos”, Zambrius confirmou que “o ataque é de hoje”.

Quando confrontado com a avaliação de especialistas ouvidos pelo Comprova, segundo a qual o vazamento não tem ligação com dados ligados à eleição, Zambrius respondeu: “Eu não explorei por completo o TSE e só me foquei em reunir os dados de utilizador”.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos virais sobre as eleições 2020, a pandemia de covid-19 e as políticas públicas do governo federal. Conteúdos que questionam a segurança das urnas eletrônicas ou do sistema de apuração podem colocar em risco a confiança dos cidadãos nos resultados das eleições e, por consequência, na democracia. O caso é ainda mais grave por ocorrer no dia das eleições municipais, quando milhões de pessoas foram às ruas em todo o país para eleger prefeitos e vereadores.

Recentemente, o Comprova mostrou que um recente ataque hacker ao STJ não podia ser visto como sinal de ameaça à segurança das eleições. Também mostrou que o sistema de voto eletrônico brasileiro pode ser auditado, ao contrário do que afirmava um post nas redes sociais e que a empresa que forneceu urnas para as eleições na Venezuela nunca vendeu seus aparelhos para o Brasil.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos; que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano; ou que é retirado de seu contexto original e usado em outro, de modo que seu significado sofra alterações.

Saúde

Investigado por: 2020-11-13

Morte de voluntário não está relacionada a alterações neurológicas causadas por vacina

  • Enganoso
Enganoso
A publicação cita estudos feitos com poucos casos e que não são conclusivos. Especialistas dizem que não há comprovação na literatura médica de que uma vacina possa causar danos neurológicos
  • Conteúdo verificado: Texto publicado em site fala de uma possível relação entre a CoronaVac e a morte de um voluntário da vacina por suícidio.

É enganoso que a morte de um voluntário de testes da vacina CoronaVac esteja relacionada a alterações neurológicas causadas pelo imunizante. A possibilidade foi levantada em um post no site Estudos Nacionais, que especula que a vacina poderia ter causado “danos psíquicos graves”. A hipótese também chegou a ser levantada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), sem apresentar qualquer evidência. Especialistas ouvidos pelo Comprova descartam essa possibilidade. A causa provável da morte do voluntário foi suicídio, de acordo com a Polícia Civil.

Segundo a imunologista Cristina Bonorino, não há comprovação na literatura médica de que uma vacina possa causar danos neurológicos. Até o momento, os voluntários que participaram do teste não apresentaram danos neurológicos.

No texto verificado pelo Comprova, o autor afirma que, de acordo com essas pesquisas, “alterações neurológicas podem ser causadas por inflamações geradas por vacinas da gripe ou da febre tifóide, como já foi registrado no passado e foi objeto de pesquisas. A inflamação é uma reação do sistema imunológico”.

Em coletiva realizada no dia 9 de novembro, o governo de São Paulo disse que, no caso em questão, houve um “evento externo” não relacionado com a vacina que gerou a notificação ao órgão regulador de que um participante do estudo clínico teve um efeito adverso grave.

O Instituto Butantan, questionado pelo Comprova, afirmou ser inverídico que a morte de um voluntário tenha sido causado pela CoronaVac. O episódio ocorreu 25 dias após o voluntário receber o composto. O Butantan não informou se, nesse caso, foi aplicada a vacina ou o placebo.

O jornalista Cristian Derosa, que respondeu ao Comprova em nome do site Estudos Nacionais, afirmou que “os motivos que levam jornalistas a ligar hipóteses de causa sobre determinado fato diz respeito a escolhas editoriais previstas pela liberdade de imprensa. Em nenhum momento afirmou-se taxativamente a causa, mas buscou-se, como eu disse, estudos já consagrados sobre o tema”.

Como verificamos?

Para esta verificação, consultamos reportagens sobre a CoronaVac e sobre a morte de um dos mais de nove mil voluntários do imunizante desenvolvido pela empresa chinesa Sinovac com o Instituto Butantan.

Também fomos em busca de esclarecimentos do próprio Butantan, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

Buscamos ainda a avaliação de especialistas em vacinas. Entrevistamos a imunologista Cristina Bonorino, professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI), e Mellanie Fontes-Dutra, doutora em Neurociências pela UFRGS, idealizadora e coordenadora da Rede Análise covid-19.

Acionamos o site que publicou o artigo “Morto após tomar vacina pode ter sofrido alterações neurológicas graves”. O jornalista responsável pela página, Cristian Rosa, respondeu por e-mail.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 13 de novembro de 2020.

Verificação

A paralisação dos testes

A Anvisa suspendeu os testes da CoronaVac em 9 de novembro. Em coletiva realizada na mesma data, o governo de São Paulo disse que, no caso em questão, houve um “evento externo” não relacionado com a vacina, que gerou a notificação ao órgão regulador de que um participante do estudo clínico teve um efeito adverso grave. O episódio ocorreu 25 dias após o voluntário ser inoculado. O Instituto Butantan não informou se, nesse caso, foi aplicada a vacina ou o placebo.

A Polícia Civil registrou o caso como suicídio, como noticiaram O Estado de S. Paulo, UOL e Rede Globo, veículos que tiveram acesso ao boletim de ocorrência número 2.460/2020, registrado pelo 93º Distrito Policial. Trechos do documento foram exibidos pela Globo, incluindo detalhes de como o corpo foi encontrado.

Em 10 de novembro, o coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), Jorge Venâncio, afirmou que o órgão analisou os dados iniciais sobre a morte do voluntário e avaliou que não havia necessidade da suspensão dos testes.

Após receber detalhes sobre o caso, fornecidos pelo Instituto Butantan e pelo Comitê Independente de Monitoramento e Segurança da vacina, a Anvisa determinou a retomada dos testes no dia 11 de novembro. “Após avaliar os novos dados apresentados pelo patrocinador depois da suspensão do estudo (conforme listado na tabela), a Anvisa entende que tem subsídios suficientes para permitir a retomada da vacinação e segue acompanhando a investigação do desfecho do caso para que seja definida a possível relação de causalidade entre o EAG inesperado e a vacina”, informou a agência.

Em nota, a Sinovac afirmou que está confiante na segurança da vacina. “Acreditamos que uma vacina com bom perfil de segurança e eficácia pode ser fornecida apenas se os estudos clínicos forem conduzidos de acordo com padrões elevados”, diz o texto.

O que dizem os órgãos públicos

Procurado pelo Comprova, o Instituto Butantan afirmou ser inverídico que a morte de um voluntário tenha sido causado pela CoronaVac. De acordo com o órgão de pesquisa, já foi esclarecido amplamente que o evento adverso grave ocorrido com um participante dos estudos clínicos não teve qualquer relação com a vacina “como já chancelado pelo órgão regulador e comitês internacional e nacional que acompanham os estudos”.

O Butantan também lembrou que testes preliminares realizados com 50 mil voluntários na China apresentaram um índice de apenas 6,36% de efeitos adversos, todos de grau baixo. Os mais frequentes foram dor no local da aplicação, fadiga, febre e perda de apetite. Nenhum deles foi relacionado com problemas neurológicos. “Vale ressaltar que a formulação da CoronaVac utiliza técnica de inativação do vírus. Ou seja, a formulação do imunizante contém coronavírus mortos num processo de inativação química para que apenas estimulem a proteção imunológica do organismo sem causar a infecção”, explica a nota do instituto.

Em nota enviada ao Comprova, a Conep, entidade que acompanha os testes de vacinas contra a covid-19 no Brasil, disse que, até o momento, “nada foi encontrado com respeito a um risco digno de nota de que estas vacinas possam causar danos cerebrais ou neurológicos, mesmo já tendo sido vacinados em ambiente das pesquisas, milhares de indivíduos”.

Segundo a entidade, em nenhum dos “eventos adversos graves” ocorridos no Brasil durante os testes do imunizante contra o novo coronavírus houve a confirmação de que a vacina teria sido o causador do evento. “Ao contrário, nos casos estudados sempre foram encontrados outros elementos relacionados com os indivíduos vacinados, que explicariam a ocorrência do problema com mais argumentos do que pela vacinação”, assegura.

Segundo a Conep, as vacinas são responsáveis por salvar uma quantidade enorme de vidas em todo o mundo. De acordo com a comissão, o imunizante é uma intervenção no organismo e, como tal, está sujeita a riscos. “Muito raras são as ocorrências graves (como as neurológicas, por exemplo) e mais raros ainda são os óbitos”, explica. De acordo com a Conep, autores que publicaram artigos associando a vacina a esses eventos tiveram seus trabalhos retirados de publicação ou retratados por “insuficiência de evidências que amparassem suas conclusões”.

Ao Comprova, a Anvisa informou que “teve subsídios suficientes para permitir a retomada da vacinação”, embora lembre que a medida não dispensa o aprofundamento da investigação pautada pelos protocolos de segurança e eficácia de vacinas.

O que pensam os especialistas

De acordo com Mellanie Fontes-Dutra, coordenadora da Rede Análise covid-19, atualmente não há nenhum registro de uma causalidade confirmada entre efeitos adversos neurológicos e vacinas. Ainda que alguns relatos relacionem a presença da síndrome de Guillain-Barré em pessoas que se vacinaram com a vacina do vírus influenza, da gripe, ela lembra que o Manual de Eventos Adversos Pós-Vacina do Ministério da Saúde afirma que o próprio vírus da gripe pode desencadear essa síndrome e que não há nenhum trabalho que demonstre que a vacina seria capaz de aumentar o risco para esta doença.

“A única relação é de os dois eventos terem acontecido em tempos próximos, porém, não há causalidade entre eles estabelecidas. É como dizer que sempre que chove, eu encontro uma moeda de 25 centavos no chão. Pode ter ocorrido de os dois eventos acontecerem ao mesmo tempo. Mas eu poderia ter encontrado a moeda num dia sem chuva. Ou chover e não ter encontrado nada. Só existe aqui associação temporal, e não causalidade”, explica Fontes-Dutra.

A imunologista Cristina Bonorino afirma desconhecer qualquer registro na literatura vacinal de que tenha ocorrido algum dano neurológico em seres humanos causado por imunizantes.

“Um efeito psiquiátrico, que eu saiba, nunca foi relatado para nenhuma vacina. O que pode causar efeito psiquiátrico é o vírus vivo, não a vacina. Essa vacina CoronaVac é o vírus inativado (agentes mortos ou apenas partículas do vírus, sem capacidade infecção), então não tem como ele fazer isso. O vírus tem essa característica de infectar neurônios, diferentes tipos deles. Inclusive os do olfato e do paladar, que são sintomas nos pacientes (com covid-19). Então, o vírus vivo poderia fazer. O que é mais uma razão para se tomar a vacina. O vírus morto vai te proteger e ele não pode fazer isso. Um vírus que não está vivo não consegue infectar um neurônio”, lembra Bonorino.

Estudos citados no texto

O primeiro estudo usado como referência no texto analisado é o artigo Neural Origins of Human Sickness in Interoceptive Responses to Inflammation (Origens neurais da doença humana em respostas interoceptivas à inflamação, em tradução livre), publicado em 2009 no site Biological Psychiatry, o jornal oficial da Society of Biological Psychiatry, dos Estados Unidos. O estudo aborda a associação de inflamações a distúrbios psicológicos, emocionais e comportamentais, conhecidos como comportamento doentio. A pesquisa em questão, porém, realizou testes em 16 homens jovens e saudáveis. Além da amostra ser pequena e não representar todos os estratos sociais, a próprio conclusão do artigo diz que “nosso experimento não pode provar que a inflamação cause diretamente os padrões verificados”.

O segundo artigo se chama Comparison of cytokine levels in depressed, manic and euthymic patients with bipolar disorder (ou Comparação dos níveis de citocinas em pacientes deprimidos, maníacos e eutímicos com transtorno bipolar, na tradução livre), publicado no Journal of Affective Disorders. Esse estudo avaliou a associação entre a mania e a depressão bipolar com o estado pró-inflamatório em 61 pacientes bipolares. Mas também não é conclusivo, com os autores indicando que o estudo fornece subsídios para investigações futuras.

O site

O artigo “Morto após tomar vacina pode ter sofrido alterações neurológicas graves” foi publicado no Estudos Nacionais. Em sua página no Facebook, o portal se descreve como “Observatório de mídia, com artigos, vídeos, palestras e cursos e lançamento de projetos editorais [sic]”. Suas publicações costumam ser mais conservadoras e alinhadas ao governo Bolsonaro, como contestações da vitória de Joe Biden sobre Donald Trump na eleição estadunidense e críticas à mídia tradicional. Também há outras publicações sobre vacinas, algumas contestando a efetividade dos imunizantes.

Questionado se não seria cedo para associar a morte do voluntário com alterações neurológicas em consequência da vacina, já que ainda não é público se a vítima tomou o medicamento ou placebo, o jornalista Cristian Derosa, cofundador do portal, disse que a “busca por esclarecimento inclui a consulta de fontes científicas e estudos anteriores que lancem luz sobre as hipóteses que envolvem o ocorrido”.

“Os motivos que levam jornalistas a ligar hipóteses de causa sobre determinado fato diz respeito a escolhas editoriais previstas pela liberdade de imprensa. Em nenhum momento afirmou-se taxativamente a causa, mas buscou-se, como eu disse, estudos já consagrados sobre o tema, assim como há estudos que lançam suspeita sobre medicamentos diversos, frequentemente usados no jornalismo, inclusive no contexto da pandemia”, complementou.

O jornalista respondeu às perguntas com uma série de informações questionáveis – algumas já desmentidas – e sem apresentar provas. Já sobre a menção no texto sobre a CoronaVac, que usa a tecnologia do vírus inativado ou atenuado, Cristian alegou que “a sociedade espera do jornalismo uma cobertura completa e que atenda os diversos pontos de vista.”

Usando a ferramenta Whois, que verifica informações sobre o domínio de sites, não há dados que indiquem o nome de quem é responsável pelo site. Porém, o recurso revela que a cidade onde o registro foi feito é Burlington, nos Estados Unidos.

Por que investigamos?

O Comprova está em sua terceira fase. Nessa etapa, verifica conteúdos suspeitos sobre a covid-19 ou sobre políticas públicas do governo federal que tenham alcançado grande repercussão nas redes sociais. As publicações que veiculam informações falsas relacionadas a vacinas contra o novo coronavírus são bastante prejudiciais. Isso porque podem desencorajar a população a se imunizar – meio apontado por especialistas como o mais efetivo para conter a pandemia que já causou a morte de mais de 164 mil brasileiros, de acordo com os últimos dados do Ministério da Saúde, atualizados em 12 de novembro.

É desaconselhável, portanto, ensejar sem comprovação a possibilidade de que vacinas em teste no Brasil, como é o caso da CoronaVac, possam causar efeitos colaterais graves.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos; ou que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.