O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Eleições

Investigado por: 2021-07-15

Vídeo não prova fraude em eleição de 2014

  • Falso
Falso
Não há provas de que as eleições de 2014 tenham sido fraudadas. Em um vídeo de 2018, que voltou a ser compartilhado nas redes sociais depois de comentários feitos sobre o assunto pelo presidente Jair Bolsonaro, um suposto especialista usa metodologia incorreta para analisar os dados da apuração minuto a minuto dos votos para presidente no segundo turno.
  • Conteúdo verificado: Em vídeo publicado nas redes sociais em 2018, um suposto especialista analisa a apuração dos votos das eleições de 2014 e conclui que houve fraude no segundo turno e que a vitória deveria ter sido de Aécio Neves (PSDB).

Um vídeo com acusações inconsistentes de fraude nas eleições de 2014 voltou a circular nas redes sociais após comentários do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), durante conversas com apoiadores, no dia 8 de julho. O conteúdo mostra uma entrevista da ex-candidata a deputada federal de São Paulo pelo PSL Naomi Yamaguchi com uma fonte anônima que apresenta supostos indícios de irregularidades no pleito daquele ano.

Ao contrário do que sugere o vídeo, não há, até o momento, provas de que ocorreram fraudes nas eleições de 2014 e em outras disputas eleitorais desde a adoção do sistema eletrônico para o processamento dos resultados, em 1994. Especialista consultado pelo Comprova, verificações antigas, bem como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já desmentiram os apontamentos enganosos propagados no material.

O vídeo erra ao comparar os resultados parciais iniciais da eleição com pesquisas de intenção de voto. Além dos principais levantamentos apontarem para um resultado final próximo ao registrado, diferenças entre pesquisas eleitorais e o desfecho de eleições não configuram prova sólida de fraude.

A análise gráfica sobre a curva dos votos dos candidatos ignora que a contabilização dos votos não é distribuída de maneira uniforme durante o período de apuração. A queda na curva do candidato Aécio Neves (PSDB) não foge do esperado, tampouco permite concluir que houve fraude. O padrão alardeado no vídeo se baseia em uma metodologia pouco clara e imprecisa.

Já a aplicação da chamada Lei de Benford — princípio matemático usado para tentar identificar fraudes em auditorias fiscais e contábeis — no contexto eleitoral é controversa e, isoladamente, não fornece indícios suficientes para provar a ocorrência de irregularidades.

Como verificamos?

Para analisar o vídeo enganoso, o primeiro passo do Comprova foi confirmar se os dados dos resultados parciais apresentados na gravação estavam corretos. A reportagem identificou que os dados foram extraídos de uma cobertura do portal de notícias G1, que tem como fonte o TSE. Também solicitamos ao Tribunal acesso aos dados do acompanhamento minuto a minuto das eleições 2014.

Em seguida, considerando que o vídeo foi publicado há pelo menos dois anos, o Comprova promoveu buscas por verificações de outros veículos sobre o vídeo e as alegações disseminadas pelo conteúdo. Identificamos uma checagem de fatos da Agência Pública e uma resposta do TSE publicada em 2018, que contestavam os boatos. Também encontramos uma verificação antiga do Comprova acerca de um boato similar sobre a Lei de Benford e eleições 2014.

Consultamos o professor do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, Diego Aranha, que confirmou a inviabilidade das análises presentes no vídeo e nos recomendou a matéria da Agência Pública. Procuramos também por manifestações recentes no TSE sobre a segurança das urnas eletrônicas.

Além disso, tentamos contato com o homem identificado como Alexandre Chut. Ele aparece no vídeo como suposto especialista, mas não obtivemos retorno.

Verificação

Pesquisas eleitorais não determinam resultado da eleição

O primeiro argumento enganoso do vídeo diz respeito às pesquisas eleitorais. Um homem identificado como Alexandre Chut e um entrevistado anônimo, que aparece conversando com Naomi Yamaguchi, apontam que pesquisas eleitorais “fundamentadas” indicavam que Aécio Neves teria cerca de 70% das intenções de votos antes da eleição. Eles não esclarecem, no entanto, qual instituição foi responsável pelos levantamentos, tampouco quem foram os contratantes da pesquisa.

Pesquisas do Datafolha e do Ibope, por outro lado, indicavam uma disputa acirrada, na margem do empate técnico entre os candidatos. Nos dois últimos levantamento do Ibope, alguns dias antes da eleição, Dilma Rousseff (PT) abriu uma vantagem entre 8% e 10% em relação ao tucano. No dia anterior ao pleito, a Vox Populi indicou 7% de vantagem para a petista, já uma pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes estipulou um empate técnico.

De qualquer maneira, a diferença do resultado final para pesquisas eleitorais não implica fraude. Em nota publicada ainda em 2018, em resposta ao vídeo enganoso, o TSE aponta que “o desempenho dos candidatos nas pesquisas eleitorais não constitui um fator determinante no resultado das eleições, pois pesquisas estão sujeitas a erros amostrais inexistentes na realidade do processo eleitoral.”

Curva acentuada no início é comum

As pessoas que aparecem no vídeo mencionam a suposta pesquisa eleitoral que mostrava uma vitória folgada de Aécio para ancorar uma análise equivocada sobre o gráfico da apuração de votos do segundo turno. Tanto o entrevistado anônimo como Alexandre Chut tratam com estranheza que o candidato tucano tenha alcançado 67% dos votos no início da apuração e sofrido uma queda até ser ultrapassado por Dilma depois de 2 horas e meia de apuração.

“Como cai tanto em 2h30 quando os votos do sul do país estavam sendo computados…”, diz uma imagem apresentada no vídeo.

O gráfico, porém, não mostra nada além de que Aécio obteve muitos votos nas regiões Sudeste e Sul do País, cujos dados foram processados primeiro. Diferentemente do que o vídeo sugere, é natural que no começo da apuração a diferença entre os candidatos seja maior do que o resultado final.

Isso pode acontecer porque no começo da contagem o número absoluto de votos é baixo, então a diferença entre o número de votos dos candidatos nas primeiras parciais terá um impacto mais significativo na curva do gráfico do que quando já se tem muitos votos apurados. O tucano começou na frente embalado pela apuração de votos da região Sudeste, onde obteve um bom desempenho.

Ao atingir a marca de 67% alardeada no vídeo, Aécio continha 94,6 mil de 194 mil votos computados. Em vias de comparação, após duas horas e meia de apuração, 94 mil votos significariam um percentual de apenas 0,0001% do total de votos válidos.

Quantidade de votos apurados por minuto não é uniforme

O fato da porcentagem de Aécio cair após atingir 67% não significa necessariamente que ele obteve menos votos ou que teria ficado atrás de Dilma nas parciais seguintes e na região Sul e Sudeste, mas apenas que a diferença proporcional entre o candidato e sua adversária não se manteve nas parciais seguintes. O tucano não conseguiu fechar com esse percentual de votos em nenhuma das regiões brasileiras.

A reportagem da Agência Pública mostra que Aécio esteve à frente da petista em todas as parciais até às 18h25.

A peça desinformativa ainda faz um falso alarde ao questionar porque os votos de Aécio não caíram acentuadamente após a virada de Dilma. Um dos equívocos da interpretação do entrevistado anônimo é ignorar que a quantidade de votos apurados não é distribuída uniformemente minuto a minuto na eleição.

A virada aconteceu às 19h32, quando as curvas do gráfico se cruzam. Naquele momento, 94 milhões do total de 105,5 milhões dos votos válidos já estavam apurados, segundo os dados do TSE. Logo, apenas cerca de 10% do total de votos válidos foi computado no período de seis horas após a virada de Dilma.

Ou seja, ainda que Dilma tenha registrado vantagem em parciais nas horas seguintes, esses votos tiveram um impacto proporcional já reduzido, porque representavam uma pequena parcela dos votos totais da eleição. Além disso, Dilma venceu por uma diferença de 12 milhões de votos no Nordeste. Isso significa que os votos da região já eram contabilizados antes da virada acontecer.

Para o TSE, o vídeo não faz nada mais do que uma constatação óbvia do resultado observado.

“Os primeiros dados da apuração são recebidos da região Sudeste, e os últimos da região Norte e Nordeste, sendo esperado que a referida candidata possua realmente a vantagem nas regiões em que recebeu mais votos. Consequentemente, ao analisar a linha temporal das parciais nessas regiões onde teve mais votos, é esperado que as variações percentuais sejam mais favoráveis para aquela candidata.”, afirmou o tribunal em nota.

Padrão fabricado

O vídeo enganoso ainda faz uma análise com metodologia confusa para traçar o padrão apresentado como prova de que um algoritmo teria manipulado os resultados do pleito. Como apontado nesta checagem da Agência Pública, publicada em 2018, a análise não reflete a quantidade de votos recebidos pelos candidatos em cada parcial.

O cálculo consiste na subtração do total de votos do candidato no minuto analisado pela “variação do incremento” do minuto anterior. Por exemplo, a variação de Dilma no minuto 17:09 é o resultado dos 270.466 votos totais da candidata, menos a “variação de incremento” do minuto anterior, de 111.843. Essa conta fecha em 158.623. Não está claro, porém, a metodologia utilizada para calcular essa variação.

A partir disso, o entrevistado anônimo marca qual dos dois candidatos apresentou uma maior diferença em relação à “variação de incremento” anterior. Ele não deixa claro porque adotou essa metodologia, mas o fato é que o cálculo não prova fraude. A quantidade de votos totais recebidos pelos candidatos minuto a minuto mostra um padrão bem diferente, conforme mostra a reportagem da Pública.

No vídeo, o homem compara a chance de encontrar um padrão como o que obteve a partir desta metodologia com um “cara ou coroa”: “se você jogar uma moeda e der cara, e na vez seguinte der coroa; e na vez seguinte der cara; e na outra coroa… 241 vezes. É a mesma probabilidade”. A mesma comparação foi usada pelo presidente Bolsonaro no dia 9 de julho, em conversa com apoiadores, e não faz sentido.

De acordo com o TSE, “a alternância das vantagens também não constitui indício da inexistência de tendências no desempenho dos candidatos”. Isso ocorre porque a análise apresentada no vídeo não considera a magnitude das variações, mas somente as frequências em que elas ocorreram.

O Comprova procurou o professor do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, Diego Aranha, que coordenou o projeto Você Fiscal em 2014. Esses dados foram usados na auditoria realizada pelo PSDB em 2014 e 2015. À nossa reportagem, o professor disse que essa auditoria não encontrou problemas nas etapas posteriores ao momento da votação.

“A crítica técnica sobre a transparência do sistema brasileiro de votação é centrada no software de votação, e não no que acontece depois: transmissão e totalização”, afirma. O professor disse ainda que “o vídeo não faz qualquer sentido” e nos referiu a checagem feita pela Agência Pública.

Em nota enviada ao UOL após declarações do presidente Bolsonaro contra o sistema eleitoral brasileiro, Aécio Neves disse não acreditar que tenha ocorrido fraude nas eleições de 2014. O ex-senador Aloysio Nunes (PSDB), que concorreu à vice-presidência na chapa de Aécio, afirmou à Folha de S. Paulo que a “eleição foi limpa” e reconheceu ter perdido a disputa “porque faltou voto”

Lei de Benford

Outro argumento falho remete à Lei de Benford. Em 2018, o Comprova já desmentiu um vídeo que aplicava a lei matemática para estabelecer uma prova de que as eleições de 2014 foram fraudadas. Porém, o método, por si só, não é capaz de provar irregularidades, como explicaram especialistas na reportagem.

A Lei de Benford sugere que em números naturais, gerados sem interferência humana, a probabilidade de ocorrência de dígitos menores (1, 2, 3) é maior do que a de dígitos maiores (7, 8, 9). O método é muito utilizado em auditorias contábeis e fiscais para identificar possíveis manipulações, porém sua aplicação no contexto eleitoral ainda é controversa no universo acadêmico.

Além disso, especialistas defendem que o modelo pode ser um sinalizador de possíveis irregularidades, e não uma prova concreta. Já um estudo do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE-DF) aplicou a lei matemática nos resultados de eleições anteriores, segmentando a votação por município. Segundo os autores, a análise por cidades seria mais adequada. Os resultados indicaram que não houve fraudes em nenhum dos pleitos.

TSE defende processo de totalização dos votos

O homem entrevistado no vídeo repete, por diversas vezes, que as urnas eletrônicas não são auditáveis. Como já mostraram verificações anteriores do Comprova e de outros veículos, o TSE defende que as urnas podem ser auditadas antes, durante e depois da eleição.

Perguntado sobre qual parte do processo de votação poderia estar comprometida, o homem diz que o problema pode estar no “módulo de criptografia” das urnas, que poderia, por exemplo, imprimir boletins de urna com resultados diferentes dos realmente digitados no equipamento. Porém, não há evidências de que algo similar já tenha ocorrido.

Em nota, divulgada na semana passada, o TSE defendeu a segurança do processo de totalização dos votos das urnas eletrônicas. O comunicado diz que após o encerramento da votação, o total de votos registrados em cada aparelho é gravado em uma mídia digital. O resultado é transmitido ao TSE por meio de uma rede exclusiva da Justiça Eleitoral, o que impediria, segundo o tribunal, qualquer tentativa de interceptação por hackers.

Os dados chegam criptografados ao TSE, onde são checados e somados por um programa. Isso significa que as informações são protegidas por um código que pode ser decifrado apenas por uma “chave” em posse do tribunal. A instituição ainda reforçou que os equipamentos são auditáveis.

“Antes da eleição, os códigos-fonte usados na urna eletrônica podem ser conferidos no TSE. Durante todo o processo eleitoral, é permitido checar e auditar todos os softwares que realizam a totalização dos votos. Por fim, depois da votação, tudo fica registrado no Boletim de Urna (BU), um relatório detalhado, que contém, entre outras informações, o total de votos por partido e por candidato, bem como a totalidade de eleitores aptos a votar na seção e a quantidade de votos nulos e brancos.”, diz a nota.

Há um debate técnico em torno da efetividade desses processos. Uma auditoria independente promovida pelo PSDB entre 2014 e 2015 concluiu que não foi possível identificar fraudes na votação de 2014. Os autores ressaltaram, porém, que mesmo com os recursos do TSE, o sistema não permitia uma auditoria externa independente e efetiva. O tribunal contesta.

Quanto à possibilidade levantada de fraude nos boletins de urna, é preciso considerar o processo de Auditoria de Funcionamento das Urnas Eletrônicas. No dia das eleições, todos os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) fazem um processo de votação paralelo ao oficial, usando equipamentos sorteados entre os que serão efetivamente usados nas seções eleitorais.

Para mostrar que as urnas estão funcionando e apurando os votos corretamente, pessoas registram os votos em uma planilha e digitam o mesmo número na urna. Todo o processo, incluindo a cabine de votação, é filmado, para garantir que os representantes digitaram os números certos, e acompanhado por empresas terceirizadas. Ao final, faz-se uma comparação entre o boletim da urna e a planilha do TRE.

Quem são as pessoas que aparecem no vídeo

O vídeo verificado nesta checagem foi feito por Naomi Yamaguchi, irmã da médica Nise Yamaguchi, que é conhecida aliada do presidente Jair Bolsonaro e defensora de tratamentos comprovadamente ineficazes contra a covid-19.

Naomi tem atuação política desde 2016, quando se candidatou a vereadora em São Paulo pelo Partido Novo. Nas eleições seguintes, em 2018, se candidatou a deputada federal no estado pelo PSL, e está na lista de suplentes.

Apesar da legenda do vídeo no YouTube a identificar como jornalista, Naomi se apresenta como “consultora intercultural” de uma empresa da área de Recursos Humanos em sua página na plataforma LinkedIn.

Ela mantém, até hoje, uma página no Facebook com o mesmo nome que aparece no início do vídeo: “Naomi Yamaguchi pensa”. Ela tem mais de 24 mil curtidas e mais de 48 mil seguidores e já publicou outros vídeos defendendo voto impresso e falando em fraude nas eleições e sobre o uso de tratamentos ineficazes contra a covid-19. Em abril, outro vídeo dela, sobre o uso da cloroquina em pacientes com coronavírus, foi marcado como falso em uma checagem da Agência Lupa.

Um dos homens que aparece no vídeo é identificado apenas como Alexandre Chut. A única pessoa que o Comprova localizou com este nome nas ferramentas de busca foi um psicólogo e astrólogo de São Paulo. Enviamos um e-mail para o contato que aparece nas redes sociais desta pessoa, para confirmar se ela realmente é quem aparece no vídeo e pedir detalhes sobre a metodologia da análise realizada, mas não tivemos retorno. Não localizamos qualquer ligação entre esta pessoa e o PSDB ou a avaliação de resultados eleitorais.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos relacionados à pandemia da covid-19 ou a políticas públicas do governo federal que tenham viralizado na internet.

Bolsonaro tem afirmado, sem provas, desde o começo do ano passado, que houve fraude nas eleições de 2018. Ele também critica de forma recorrente o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas e já fez insinuações sobre a lisura do processo para 2022.

Conteúdos como o vídeo de Nise Yamaguchi, que já foi visto mais de 151 mil vezes no Facebook e 1,5 mil vezes no YouTube, reforçam a falsa impressão de que o processo eleitoral brasileiro não é seguro e colocam em xeque a própria democracia.

O mesmo material também foi checado pela Agência Lupa, que concluiu serem falsos os dados usados na análise. O Comprova já verificou outros conteúdos relacionados às eleições e mostrou que as urnas eletrônicas brasileiras não foram hackeadas nos Estados Unidos, que o sistema de votação eletrônico pode ser auditado e que o resultado de uma enquete sobre o voto impresso não reflete a opinião da população.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Política

Investigado por: 2021-07-14

Constituição brasileira não permite a revogação de mandato político por assinaturas

  • Falso
Falso
É falso que 1.713.566 assinaturas tenham o poder de revogar mandatos de senadores brasileiros. No país, pessoas eleitas só podem ser retiradas dos cargos se forem condenadas por irregularidades, como nos casos de crimes por responsabilidade.
  • Conteúdo verificado: Posts no Facebook afirmam ser possível, com 1.713.566 assinaturas, revogar os mandatos de políticos, acrescentando que devem ser alvos de revogação, expulsão e cobrança de multa os senadores Randolfe Rodrigues, Omar Aziz, Renan Calheiros, Humberto Costa, Rogério Carvalho, Jorge Kajuru e Fabiano Contarato. Criticam, ainda, a CPI da Pandemia, que teria sido armada, conforme as postagens, para derrubar o presidente eleito (Jair Bolsonaro).

O Brasil não possui mecanismos que possibilitem a revogação de mandatos políticos por meio da coleta de assinaturas de cidadãos, ao contrário do que afirmam posts publicados por contas do Facebook sustentando a possibilidade mediante 1.713.566 assinaturas.

Atualmente, há duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) no Senado que pedem a revogação de mandatos de políticos, incluindo senadores, mas elas estão em tramitação – ou seja, não foram aprovadas.

No país, pessoas eleitas só podem ser retiradas dos cargos se forem condenadas por irregularidades. E, de acordo com a Constituição Federal, senadores só perdem o mandato por determinação do Senado ou da Justiça Eleitoral.

As postagens também atacam a CPI da Pandemia e sete senadores: Omar Aziz (PSD-AM), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Renan Calheiros (MDB-AL), Humberto Costa (PT-PE), Rogério Carvalho (PT-SE), Jorge Kajuru (Podemos-GO) e Fabiano Contarato (Rede-ES). Os três primeiros são o presidente, o vice-presidente e o relator da comissão, respectivamente.

O autor do post original encontrado pela reportagem foi procurado pelo Comprova, mas não respondeu até a publicação deste texto. A postagem também foi divulgada no perfil bolsonarista ForçaBrasil.

Como verificamos?

Primeiramente consultamos os sites da Câmara e do Senado para obter informações sobre a tramitação de projetos com relação a este assunto. Também entrevistamos Abraão Luiz Filgueira Lopes, mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Por fim, procuramos o autor da postagem via mensagem privada no Facebook, mas não obtivemos resposta até a publicação deste texto.

O Comprova fez esta verificação baseada em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 14 de julho de 2021.

Verificação

Mecanismo atual

Atualmente, um senador só pode perder o mandato por determinação do Senado ou da Justiça Eleitoral, como previsto no artigo 55 da Constituição Federal.

Na mesma seção, a V, a Constituição aborda os direitos e as proibições de deputados e senadores. No artigo 54, é vedado a eles firmar contratos com empresas ou órgãos públicos ou aceitar cargo remunerado nelas; ser dono de empresa que firme contrato com o poder público; ser titular de mais de um cargo ou mandato público eletivo. Fazer qualquer uma dessas coisas leva à perda do mandato, conforme o artigo 55.

Também ocorre a cassação em caso de falta de um terço das sessões legislativas, de suspensão dos direitos políticos, quando a perda do mandato for determinada pela Justiça Eleitoral, quando for condenado criminalmente em sentença transitada em julgado e quando houver quebra de decoro parlamentar.

O regimento interno do Senado estabelece que denúncias de quebra de decoro parlamentar serão levadas primeiro ao Conselho de Ética. Lá, o grupo de parlamentares deve discutir a admissibilidade do caso e a consequente apuração. No conselho, são consideradas as medidas disciplinares cabíveis. Após ser aprovada no Conselho de Ética, a decisão precisa ser referendada pelo plenário do Senado.

Tentativas

No Brasil, não há nenhum mecanismo em funcionamento que permita aos cidadãos revogar o mandato de um político de qualquer esfera eleito pelo voto. Entretanto, já houve tentativas de se criar tal ferramenta.

No site do Senado há ao menos oito proposições de PECs relacionadas à revogação de mandato de políticos.

Uma delas, inclusive, está em tramitação. A PEC 21, de 2015, de autoria do então senador Antonio Carlos Valadares, determina “que a soberania popular será exercida, nos termos da lei, mediante veto popular e direito de revogação de mandato de membros dos poderes Executivo e Legislativo, estabelecendo que poderão ter seus mandatos revogados após transcurso de dois anos da data da posse”.

Em junho de 2017, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) aprovou um texto substitutivo da proposta original, com a revogação valendo apenas para o cargo de presidente. Desde então, segundo o Senado, o documento está “pronto para deliberação no plenário”.

Também de 2015 e em tramitação, a PEC 8, do senador José Reguffe, tem objetivo semelhante: “permitir que mandatos políticos, em todas as esferas, possam ser revogados pela Justiça Eleitoral, mediante ação ajuizada por qualquer eleitor”. O texto está com o relator, conforme a última atualização, de agosto de 2019.

Outras tentativas foram engavetadas. Em 2015, por exemplo, o então senador Cristovam Buarque propôs a PEC 160, que alterava a Constituição “para estabelecer que o presidente da República, o governador de estado ou do Distrito Federal, o prefeito ou senador poderá ter o mandato eletivo revogado pelo voto da maioria absoluta dos eleitores da respectiva circunscrição eleitoral, nos termos de lei complementar, por meio de consulta popular pela Justiça Eleitoral”.

De acordo com o texto, deveria haver “amplo debate público” e a emenda entraria em vigor assim que publicada, sem poder ser aplicada “aos mandatos em curso por ocasião de sua vigência”. Mas, depois de três anos em tramitação, o texto foi arquivado em dezembro de 2018.

Como afirmou a Agência Senado à época, o projeto apresentava a mesma medida que nos Estados Unidos é chamada de recall político.

Há ainda PECs sobre revogação de mandatos políticos em tramitação, mas que não envolvem o cargo de senador, como afirma o post verificado aqui. É o caso da PEC 17/2016, que dispõe sobre o mandato de presidente e vice.

O que diz o especialista

Em entrevista ao Comprova, o jurista Abraão Luiz Filgueira Lopes, autor do artigo “As manifestações populares e a impossibilidade de revogação dos mandatos eletivos em curso por insatisfação dos eleitores”, publicado pelo Tribunal Superior Eleitoral, explica que a mudança depende exclusivamente de alteração na Constituição Federal.

Conforme ele, outros países, como os Estados Unidos, possuem o mecanismo conhecido como recall, bastante divulgado quando o governador da Califórnia, o democrata Gray Davis, passou por esse processo, em 2003, dando lugar ao ator Arnold Schwarzenegger (Partido Republicano).

“Esse instituto, como chamamos, é a possibilidade de, no curso do mandato, a população de uma determinada localidade revelar seu descontentamento com um governante e tomar para si de volta o mandato, elegendo um outro representante no lugar dele”.

No Brasil, reforça, não existe até o momento essa possibilidade. “Esse tipo de discussão aparece muito forte quando há um cenário de polarização”, diz, explicando que em relação aos governantes, como presidente e governadores estaduais, o caminho previsto pelo direito brasileiro seria o impeachment, mas este depende da demonstração de crime de responsabilidade.

No caso de senadores, os mandatos podem ser cassados caso irregularidades sejam comprovadas. Conforme ele, publicações como as verificadas aqui, entretanto, podem aumentar a pressão popular na tentativa de forçar um representante a uma renúncia.

“Para mudar o cenário, teria que ser aprovada uma Proposta de Emenda Constitucional e eu particularmente entendo que essa mudança só poderia ser pra frente, ou seja, se aprovasse agora, ela só poderia valer para os mandatos que se iniciarem após a promulgação da lei. Não poderia se criar a possibilidade de abreviação do mandato quando o representante foi eleito antes, pois ele foi eleito com a garantia constitucional de que terminaria o mandato”, sustenta.

A CPI da Pandemia

A Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia foi instaurada no Senado para apurar possíveis negligências da gestão Bolsonaro no combate à covid-19. Ela ganhou o foco da cobertura política e se tornou o principal fator de desgaste do governo federal, com pesquisas mostrando perda de popularidade do presidente. Com isso, muitos dos integrantes da CPI passaram a ser alvo de campanhas de desinformação nas redes sociais.

A CPI possui onze titulares e sete suplentes, dos quais cinco são citados na postagem aqui checada. Omar Aziz é o presidente da CPI e Randolfe Rodrigues, o vice-presidente. A relatoria está a cargo de Renan Calheiros. Já Humberto Costa e Rogério Carvalho são, respectivamente, titular e suplente. Todos eles fazem parte do grupo de oposição ou independência com relação ao governo federal.

O boato ainda cita Fabiano Contarato e Jorge Kajuru. Eles são autores de uma notícia-crime enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar se Bolsonaro cometeu o crime de prevaricação.

A notícia-crime se baseia no depoimento do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), que afirma ter relatado ao presidente uma suposta cobrança de propina e irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin. Os senadores acusam Bolsonaro de não ter levado as suspeitas aos órgãos investigatórios para apuração. O presidente não nega ter tido a conversa com Miranda e já afirmou que “não pode tomar providência sobre qualquer coisa”.

Quem publicou o conteúdo falso?

As postagens com conteúdo falso foram publicadas em três grupos de apoio ao presidente Bolsonaro e à reeleição dele. O mesmo usuário foi responsável pelos posts nos grupos Nação Bolsonarista 2022 e ForçaBrasil e outra usuária pela postagem no grupo Aliança pelo Brasil.

As postagens foram sinalizadas como informação falsa pelo Facebook, após checagens por verificadores de fatos independentes.

Procurado, o autor do post mais antigo encontrado pela reportagem não respondeu ao pedido de entrevista.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova checa conteúdos suspeitos sobre o governo federal ou a pandemia de covid-19 que tenham atingido alto grau de viralização. A postagem aqui checada foi compartilhada ao menos 435 vezes e recebeu 979 reações.

A pandemia já matou mais de 530 mil pessoas no Brasil e tem consequências sociais, econômicas e políticas. Publicações falsas sobre este assunto são compartilhadas com a intenção de apoiar determinados posicionamentos políticos e deslegitimar outros. O Comprova já mostrou, por exemplo, ser falso que os irmãos Miranda tivessem mostrado recibos forjados da compra da Covaxin para prejudicar Bolsonaro.

A alegação de que senadores poderiam ter o mandato revogado por pressão popular também foi checada por Checamos AFP, Aos Fatos e Fato ou Fake.

Falso, para o Comprova, é conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Política

Investigado por: 2021-07-14

Para exaltar governo Bolsonaro, vídeo ignora que resultado da transposição é obra de diversas gestões

  • Enganoso
Enganoso
Os resultados da transposição do Rio São Francisco, bem como a execução da obra, não são legados exclusivos e específicos da gestão Bolsonaro. O empreendimento, iniciado em 2007, já atravessou quatro governos e ainda não foi concluído. Quando Bolsonaro assumiu, as obras já estavam com mais de 90% de execução.
  • Conteúdo verificado: Vídeo publicado em um site que enfatiza a atuação do governo Bolsonaro na execução da transposição do Rio São Francisco, mas ignora o quanto da obra já estava concluído quando a atual gestão assumiu. A publicação dá a entender que, com isso, Bolsonaro acabou com a seca no Nordeste e com a “máfia dos carros-pipas”.

É enganoso o conteúdo de um vídeo produzido pelo Jornal da Cidade Online sobre a transposição do Rio São Francisco e a participação do governo Jair Bolsonaro (sem partido) na execução das obras. O vídeo exalta o mérito do atual governo nos resultados do empreendimento e dá a entender que apenas por conta desta gestão o projeto, executado desde 2007, passou a caminhar para uma conclusão, o que não é verdade.

A obra ocorre desde o segundo mandato de Lula (PT) e atravessou os governos Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), seguindo na gestão Bolsonaro. Michel Temer, em 2017, inaugurou o começo do Eixo Leste. Em 2020, Bolsonaro deu início ao funcionamento de uma parte do Eixo Norte. A obra segue em curso, com 97,58% de conclusão. Quando Bolsonaro assumiu, a execução física já estava acima de 90%, como mostra esta verificação do Comprova.

A possibilidade de canalizar as águas do São Francisco foi pensada ainda no Império. Mas, diferentemente do que sugere o argumento do vídeo de que “Bolsonaro consegue o que muitos tentaram por mais de um século e não conseguiram”, o projeto executado não é o mesmo da época de D. Pedro II.

Outro equívoco do vídeo é afirmar que a transposição pode “acabar de vez com a seca no Nordeste”. Ainda que seja comum nos discursos relativos à obra a menção a um suposto “fim da seca”, a ideia é inadequada, pois a obra pode garantir segurança hídrica para que os habitantes da região possam conviver com o semiárido, mas, como a estiagem é um fenômeno natural, não é possível dar um fim a ela. Tampouco a transposição, que beneficia 4 dos 10 estados do semiárido do Brasil, tem essa pretensão.

Também não é possível afirmar categoricamente, como faz o vídeo, que Bolsonaro “acabou com a máfia dos carros-pipa no Nordeste”. Na prática, é plausível dizer que a obra ajuda a reduzir a dependência desse tipo de medida. A Operação Carro-Pipa, cujo intuito é auxiliar populações atingidas pela falta de água, desde 1998, é mantida pelo próprio Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR). De 99 municípios da Paraíba, Pernambuco e Ceará já beneficiados com a transposição, 46 anteriormente dependiam integralmente de carros-pipa.

Como verificamos?

As informações que constam no vídeo foram sistematizadas e o Comprova, inicialmente, procurou o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) para saber sobre o andamento das obras da Transposição do Rio São Francisco, os investimentos feitos no atual governo e as entregas asseguradas ou previstas para a gestão de Jair Bolsonaro. Não houve resposta, então foi recuperado um e-mail enviado entre o final de maio e o início de junho, no contexto de outra verificação, com dados referentes ao mês de abril.

Em seguida, foram consultadas checagens anteriores publicadas pelo Comprova sobre o mesmo assunto (aqui e aqui) e reportagens que tratavam de obras deste projeto.

Também foi feita uma busca em documentos históricos no setor imperial da Biblioteca Nacional, digitalizados e disponibilizados por meio de consulta na Hemeroteca Digital, a fim de encontrar registros anteriores sobre a intenção de se canalizar as águas do Rio São Francisco para combater a seca no Nordeste desde Dom Pedro II, como diz o vídeo.

Por fim, foram acionadas por e-mail e por telefone a Secretaria de Infraestrutura, dos Recursos Hídricos e do Meio Ambiente da Paraíba, a Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará, a Secretaria de Infraestrutura e Recursos Hídricos de Pernambuco e a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Rio Grande do Norte – todos estados incluídos no projeto –, para saber quantas e quais as cidades beneficiadas pela transposição, bem como a dependência delas de carros-pipa.

O Comprova também entrevistou, por e-mail, a representante da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES) para a região Nordeste para analisar o propósito e os resultados do que já foi entregue da transposição. Por fim, a reportagem buscou o Jornal da Cidade Online, site que publicou o vídeo, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

Verificação

O que é a transposição?

Com 477 quilômetros de extensão, o Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional (PISF), popularmente conhecido como “transposição do São Francisco”, é a maior obra de infraestrutura hídrica do país, segundo o MDR.

Iniciada em 2007, no segundo governo Lula, a construção do empreendimento atravessou os governos Lula e Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), seguindo na gestão Bolsonaro. Em abril de 2021, segundo o governo federal, estava com 97,58% de execução. O atual Governo recebeu a obra com mais de 90% da execução, como mostra uma publicação de 2018 do Ministério da Integração Nacional, não mais disponível, mas recuperada através da ferramenta WayBack Machine.

A previsão, quando a transposição foi iniciada, em 2007, era de que o empreendimento ficaria pronto até 2012, mas o processo, conforme já mostrado em verificação do Comprova, tem sido marcado por aditivos e atrasos, bem como diversos problemas de planejamento, verba e execução.

Dividida em dois eixos (Leste e Norte), a transposição capta água no Rio São Francisco – um dos mais importantes do Brasil – e a transporta por meio de túneis, adutoras, estações de bombeamento e barragens para bacias hidrográficas do Ceará, da Paraíba, de Pernambuco e do Rio Grande do Norte.

 

Fonte: Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) do Projeto de Integração do Rio São Francisco

Assim, ao interligar açudes estratégicos ao São Francisco – que nasce em Minas Gerais e passa por Bahia, Pernambuco, Sergipe e termina em Alagoas – conseguiria garantir segurança hídrica às regiões que sofrem historicamente com a escassez e a irregularidade das chuvas.

No Eixo Norte, com 260 km de extensão, o empreendimento tem início em Cabrobó (PE) e passa por Salgueiro, Terranova, Verdejante (PE), Penaforte, Jati, Brejo Santo, Mauriti, Barro (CE), São José de Piranhas, Monte Horebe e Cajazeiras (PB).

Já o Eixo Leste, com 217 km, atravessa as cidades de Floresta, Custódia, Betânia, Sertânia (PE) e Monteiro (PB).

A entrega mais recente aconteceu em 2020, quando Bolsonaro inaugurou um dos trechos finais do Eixo Norte, em Penaforte, no Ceará, que já tinha 92,5% das obras concluídas em 2017, como mostrou o Comprova no dia 1º de junho.

O governo federal estima que, ao ser concluída, a transposição será capaz de assegurar abastecimento a 12 milhões de habitantes de, pelo menos, 390 municípios dos quatro estados citados.

Até o momento, com o que já está concluído da obra, dentre os quatro estados, somente cidades do Rio Grande do Norte ainda não são beneficiadas com a chegada das águas do “Velho Chico”.

Conforme informações fornecidas ao Comprova pelas secretarias da gestão hídrica na Paraíba, em Pernambuco e no Ceará, até o momento, 99 cidades são beneficiadas nas três unidades pela transposição.

Na lista de 390 municípios do governo federal constam todos os territórios nos quais, segundo a União, há a possibilidade de água aduzida chegar até o abastecimento público do município em questão, mesmo que para isso tenha que percorrer outros sistemas e ser armazenada em reservatórios não construídos diretamente no projeto da transposição.

Isso porque a transposição tem eixos estruturantes, mas também associados – que são complementares e podem ser ou ter sido executados em parceria com as gestões estaduais –, como o Cinturão das Águas no Ceará, que faz com que a água chegue a cidades distantes daquelas com obras físicas da transposição, como, por exemplo, Fortaleza, que já é beneficiada pelo empreendimento.

 

 

Durante todos esses anos, atrasos e problemas de planejamento têm marcado a estruturação do empreendimento, orçado inicialmente em R$ 4,5 bilhões, mas que já consumiu, até o momento, mais de R$ 12 bilhões.

Devido à relevância e ao volume de recursos para a implantação, o Tribunal de Contas da União fiscaliza as ações ligadas à transposição desde 2005. O Comprova contatou a assessoria de imprensa do TCU por email para saber informações sobre a execução periódica da obra, mas não obteve resposta até a publicação desta verificação.

Divisão da obra

Os dois eixos da transposição começam em Pernambuco.

Em 2007, coube ao Exército começar a construir canais de aproximação, para ligar o Rio São Francisco às primeiras estações de bombeamento.

O restante da execução do empreendimento foi dividida em 14 lotes, todos licitados em 2007. Mas, em 2011 e 2012, os lotes 5 e 8 passaram por nova licitação.

A partir de 2012, o governo deixou de usar a divisão de lotes e os transformou em seis metas de execução — três em cada um dos eixos.

Eixo Leste – 217 km

Quando foi entregue e qual a situação atual?

O Eixo Leste foi inaugurado no dia 10 de março de 2017, pelo ex-presidente Michel Temer em Monteiro, na Paraíba. Na época, ao participar, na cidade pernambucana de Sertânia, do acionamento da comporta que libera as águas para a Paraíba, conforme matéria da Agência Brasil, Temer disse que “esta é uma obra pensada desde o tempo do Império e executada nos últimos governos, por isso que eles, com a delicadeza e a civilidade que devem presidir as relações políticas, disseram que quem terminou a obra foi o Temer, mas isto passou por vários governos. Vários governos merecem o aplauso de todos”.

O Comprova questionou, no dia 8 de julho, ao Ministério do Desenvolvimento Regional, a atual execução de cada trecho da obra. O pedido foi reforçado no dia 12, mas não obteve retorno até esta publicação. No início de junho, em resposta a outra verificação do Comprova também sobre a transposição, o Ministério informou que até abril o Eixo Leste apresentava 97,13% de execução.

Conforme o governo federal, os principais avanços se deram nesse Eixo, que está em fase de enchimento (teste e comissionamento).

O que falta fazer?

Nesse trecho, segundo o Ministério, a atual gestão precisou “concentrar esforços na recuperação de etapas que já apresentavam 100% de execução física, mas que exigiram intervenções e reparos nos sistemas”.

Eixo Norte – 260 km

Quando foi entregue e qual a situação atual?

A inauguração do Eixo Norte ocorreu em 26 de junho de 2020 e foi feita por Bolsonaro, quando a comporta que libera as águas da transposição para o Ceará foi acionada.

Na resposta enviada ao Comprova no começo de junho, o ministério informou que o Eixo estava com 97,84% de execução física.

O que falta fazer?

Conforme registro no site do MDR, “todas as estruturas responsáveis pela passagem de água até o Reservatório Caiçara (no Rio Grande do Norte) estão concluídas, restando apenas a recuperação da tubulação em atalho e outros serviços complementares que não comprometem a pré-operação”.

Um projeto histórico

O vídeo verificado afirma ainda que “Bolsonaro consegue o que muitos tentaram por mais de um século e não conseguiram” e faz uma retrospectiva até o Império, indicando que Dom Pedro II teria tentado “convencer o parlamento a abraçar a causa [de garantir água para as regiões secas], mas não convenceu as lideranças das províncias nordestinas”.

Em 2017, ao inaugurar um trecho do Eixo Leste, o então presidente Michel Temer também destacou que a obra era pensada desde o Império, mas isso não significa que o projeto executado a partir do segundo governo Lula (PT) é o mesmo idealizado há mais de 160 anos.

O Brasil sofre com as secas há séculos e, em 1877, um desses episódios, conhecido como A Grande Seca, conforme registro em documentos históricos, motivou o imperador Dom Pedro II a montar uma comissão imperial para pensar soluções para enfrentar o problema.

Sobre a Grande Seca, há uma série de documentos e fotografias na Biblioteca Nacional, entre eles um mapa das regiões afetadas, feito pelo engenheiro André Rebouças, em 1878. Antes disso, entre o final da década de 1840 e o início dos anos 1850, Dom Pedro II encomendou ao engenheiro Henrique Guilherme Halfeld um relatório sobre a exploração do Rio São Francisco. O documento, de mais de 100 páginas, foi publicado em 1860 e inclui mapas, textos e planilhas sobre, por exemplo, como navegar pelo rio.

Halfeld também menciona a primeira proposta de canalizar as águas do São Francisco para outros rios da região. A canalização foi concebida em 1847 pelo então intendente da comarca do Crato, no Ceará, Marcos Antônio de Macedo.

 

 

Um artigo publicado no portal Brasiliana Iconográfica afirma que o projeto nunca saiu do papel, nem mesmo após a criação da comissão imperial, depois da seca de 1877, “principalmente por conta das limitações técnicas da época”.

Em 1886, mesmo ano em que foi produzido um mapa hidrográfico para navegação e irrigação pelo São Francisco, os estudos do engenheiro Teodoro Sampaio, integrante da Comissão Hidráulica do Império, complementaram os trabalhos de Halfeld, mas a obra não foi feita, apenas a retirada de algumas pedras do leito do rio, ainda no final dos anos 1800. O projeto voltou a ser lembrado em 1909 e 1919, mas foi arquivado.

Um relatório da autoria de César Nunes de Castro, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em fevereiro de 2011, aponta que a ideia da transposição do São Francisco voltou a ser estudada durante o governo de Getúlio Vargas, com a criação em 1943 do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (DNOCS). Em 1981, os técnicos do DNOCS elaboraram um novo plano, também arquivado.

Já em 1993, durante o governo de Itamar Franco, o então ministro da Integração Nacional, Aluísio Alves, propôs a construção de um canal em Cabrobó (PE) para retirar água do São Francisco e canalizá-la, beneficiando o Ceará e o Rio Grande do Norte. A proposta era iniciar o projeto em 1994, mas ele foi arquivado novamente após parecer contrário do Tribunal de Contas da União.

Em 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), também segundo o relatório, duas novas versões do projeto foram feitas, mas ambas foram arquivadas: a primeira de autoria da Secretaria Especial de Políticas Regionais, do Ministério da Integração Nacional, e a segunda, da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco. A transposição só começou a sair do papel no governo Lula, quando a incumbência de executar a obra foi entregue ao então ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes.

“Acabar com a seca”

O vídeo verificado enfatiza também que a transposição é “outra fortíssima candidata a ser uma das promessas para a próxima eleição até acabar de vez com a seca no Nordeste”. Tal afirmação também é incorreta, pois, ainda que historicamente seja comum nos discursos relativos à obra a menção a uma suposta possibilidade de “fim da seca”, o adequado é falar de convivência com o semiárido, tendo em vista que a estiagem é um fenômeno natural, ao qual não é possível dar um fim, mas sim gerar condições para que a população possa conviver com essas características.

O fenômeno da seca é secular e provocado por distintos fatores. Envolve as irregularidades das chuvas nas regiões afetadas, as temperaturas elevadas e o alto índice de evaporação nos territórios semiáridos. A transposição pode garantir o abastecimento permanente da população, mas não tem pretensão de reverter essas condições naturais.

Ainda que fosse possível supor que a transposição pode “acabar com seca no Nordeste”, é preciso considerar que embora, de fato, seja a maior obra estruturante para garantir segurança hídrica no país atualmente, e tenha aspiração de resultados abrangentes, ela serve à população específica de quatro (Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco) dos 10 estados do semiárido brasileiro (que ainda inclui Maranhão, Piauí, Alagoas, Sergipe, Bahia e Minas Gerais). Logo, embora atenda a um público significativo, não abrange o Nordeste inteiro.

No total, segundo o governo federal, o semiárido brasileiro ocupa 12% do território nacional e abriga cerca de 28 milhões de habitantes nos 10 estados. A transposição, quando concluída, deverá garantir, segundo projeção do Governo, segurança hídrica a 12 milhões de pessoas.

Além disso, dentre os propósitos do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) da transposição de 2004, documento público no qual constam as características e objetivos do projeto, produzido pelo então Ministério da Integração Nacional (hoje Ministério do Desenvolvimento Regional), não há menção a possibilidade de “acabar com a seca no Nordeste”. Consta “assegurar a oferta de água para uma população e uma região que sofre com a escassez e a irregularidade das chuvas”.

O documento indica ainda que os objetivos básicos do projeto são:

  • aumentar a oferta de água, com garantia de atendimento ao Semiárido;
  • fornecer água de forma complementar para açudes existentes na região, viabilizando melhor gestão da água;
  • reduzir as diferenças regionais causadas pela oferta desigual da água entre bacias e populações.

Ao Comprova, a diretora da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES) para a região Nordeste, engenheira sanitarista e ambiental Vanessa Britto Cardoso, explicou que, “de fato, a realidade para atendimento ao abastecimento humano das populações do semiárido situadas fora dos limites de sua bacia hidrográfica é bastante crítica e a segurança hídrica é condição indispensável para o desenvolvimento social e econômico”.

Ela acrescenta que, para os estados receptores das águas, “o que se espera é que haja, sim, garantia de justiça hídrica, social, ambiental e econômica. Que as cidades, principalmente as que se situam às margens dos rios que receberão as águas, implementem a política de saneamento básico, em conformidade com as legislações vigentes, e que as águas sejam prioritariamente para o consumo humano e dessedentação animal”.

Um dos impasses da transposição é justamente a finalidade do uso, além do modelo de gestão pelos estados que utilizam ou vão utilizar o recurso. A representante da ABES reforça: “Em algumas das nossas discussões, entendemos que há impasses para o pleno funcionamento da transposição, tais como a definição do seu modelo de gestão, a busca pelos investimentos necessários para as obras complementares e o equacionamento do pagamento pelos altos custos operacionais dos canais”.

Outro ponto a ser destacado é que com a transposição não se pretende encher completamente com as águas do São Francisco todos os açudes do percurso, conforme explicou em 2019 o gerente regional da Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa), Ronaldo Meneses, à imprensa da Paraíba, e em 2021, o secretário de Recursos Hídricos do Ceará, Francisco Teixeira, à do Ceará.

Portanto, a obra também não tem capacidade e nem o objetivo de encher integralmente os reservatórios incluídos no caminho, mas sim garantir que eles não entrem no volume morto e, com o acesso à água transportada, a população possa ter segurança hídrica.

Redução de dependência de caminhões-pipa

O vídeo verificado também faz menção ao fim da “máfia dos carros-pipa no sertão” e destaca que “equipes acabaram ainda com o monopólio da água por empresários locais proprietários de frotas de caminhões-pipa que durante décadas foi (sic) a única fonte de água para milhões de nordestinos”.

De fato, a dependência dos chamados caminhões-pipa no semiárido brasileiro é um problema criticado historicamente, e obras estruturantes como a Transposição do São Francisco tendem a reduzir ou eliminar esse vínculo.

No Brasil, o governo federal realiza desde 1998, por meio do Ministério da Defesa, a Operação Carro-Pipa. Nela o Ministério da Defesa, por intermédio do Comando do Exército, contrata pipeiros e outros serviços terceirizados de mão de obra para a operação. Já os governos estaduais, por meio dos órgãos de defesa civil, devem realizar a distribuição de água potável em cidades ou áreas não atendidas pelo Comando do Exército.

Hoje, de quatro estados – Paraíba, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte –, somente o último ainda não recebe as águas da transposição. Conforme informações repassadas pelas secretarias de estado da Paraíba, de Pernambuco e do Ceará, dos 99 municípios que já são beneficiados com a transposição, 46 anteriormente dependiam integralmente de carros-pipa.

A Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Rio Grande do Norte também foi acionada, mas não respondeu até a publicação da verificação.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre as políticas públicas do governo federal ou sobre a pandemia de covid-19 que tenham viralizado nas redes sociais. Como uma obra que se arrastou por vários governos, a paternidade sobre a transposição tem sido disputada pelo menos desde 2017, quando o então presidente Temer inaugurou oficialmente o Eixo Leste e este foi, horas depois, visitado pelos ex-presidentes Lula e Dilma, que fizeram uma “inauguração simbólica” no local.

Com a posse de Bolsonaro, seus apoiadores também passaram a reivindicar a participação dele no projeto, principalmente após ele acionar a comporta que levou as águas para o Ceará, na cidade de Penaforte, em junho de 2020. Desde então, várias informações incorretas têm circulado sobre o papel do atual governo na obra. O tema voltou a ganhar força depois que Bolsonaro inaugurou em maio um trecho do Canal do Sertão, obra complementar da transposição em Alagoas.

O vídeo verificado teve 110.483 visualizações até a manhã desta quarta-feira (14), no YouTube, além de outros 16.971 compartilhamentos do texto publicado no site.

O Comprova já mostrou que postagens inflavam a responsabilidade da atual gestão no andamento das obras; que o Exército não refez todo o trecho da transposição inaugurado por Temer e Lula; que a família do ex-ministro Ciro Gomes não atrasou o projeto por ser dona de empresas de carros-pipa; que não havia provas de que o rompimento ocorrido na barragem inaugurada por Bolsonaro fosse fruto de sabotagem; que posts faziam comparações enganosas sobre o projeto para exaltar Bolsonaro; e que obras da transposição atribuídas em vídeo a Bolsonaro em Cabrobó foram inauguradas por Dilma e Temer.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-07-14

Estudo é insuficiente para comprovar eficácia da ivermectina contra covid-19

  • Enganoso
Enganoso
São enganosos posts nas redes sociais que dizem que estudo comprova que a ivermectina é capaz de reduzir as mortes por covid-19 em até 56%. Apesar da pesquisa citada realmente falar nessa estimativa de redução da mortalidade, os dados não são considerados suficientes para apontar o benefício do antiparasitário para o combate à doença. Isso porque a maior parte das pesquisas utilizadas na análise não foram revisadas, não houve diferença da mortalidade em casos graves e o número de pacientes observados é muito pequeno.
  • Conteúdo verificado: Informação compartilhada nas redes sociais de que um novo estudo comprovaria que a ivermectina é capaz de reduzir as mortes por covid-19 em até 56%. A mesma pesquisa foi citada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em live semanal no Facebook na quinta-feira (8).

São enganosas publicações nas redes sociais que afirmam que uma metanálise mostrou que a ivermectina pode reduzir em até 56% as mortes por covid-19. Apesar do estudo em questão realmente apontar para este número, existem diversos problemas nas pesquisas que impedem que o resultado seja considerado conclusivo.

O estudo em questão é uma metanálise. Nesse tipo de pesquisa, estudos sobre um mesmo assunto são agrupados e, então, os resultados são comparados.

Os próprios pesquisadores advertem que cada um dos estudos analisados tinha um número muito pequeno de participantes, com populações distintas e que não houve diferenças significativas na sobrevivência em pacientes graves.

Além disso, a maior parte dos estudos utilizados na análise não foi revisada por pares, o que é necessário para validar uma pesquisa científica. Dos 24 estudos, somente oito haviam sido revisados.

O Comprova procurou os autores dos posts no Twitter e no Instagram. Somente o empresário Paulo Figueiredo Filho nos respondeu com o link para a pesquisa.

Como verificamos?

O Comprova pesquisou sobre o estudo citado nas postagens. Em seguida, consultou a infectologista da Secretaria de Saúde do Distrito Federal Joana Darc Gonçalves e o infectologista do Hospital Sírio-Libanês Alexandre Cunha.

Para a verificação, também foram consultadas outras pesquisas sobre o uso da ivermectina no tratamento da covid-19 e agências reguladoras que falam sobre o medicamento.

Por fim, entramos em contato com o autor do post no Twitter e com os autores da postagem no Instagram.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 14 de julho de 2021.

Verificação

A metanálise de ensaios clínicos randomizados de ivermectina para tratar a infecção por SARS-CoV-2 (Meta-analysis of randomized trials of ivermectin to treat SARS-CoV-2 infection), publicada no Open Forum Infectious Diseases em julho, é uma análise de 24 estudos sobre o uso da ivermectina para tratamento de covid-19. Dessas pesquisas, 11 mostraram um resultado positivo para o uso do remédio contra a doença, com a redução de 56% da mortalidade.

No entanto, a pesquisa apresenta vários problemas. A maior parte dos estudos analisados não foi revisada por pares, fator determinante para a validação de uma pesquisa. Dos 24 estudos incluídos, oito eram artigos publicados, nove eram pré-prints (ainda não tinham sido revisados), seis eram resultados que sequer tinham sido publicados e um era uma publicação independente.

Além disso, uma das limitações apontada pelos próprios autores é que a quantidade de pacientes avaliada é muito pequena para se chegar a uma conclusão. Os 24 estudos só somam 3.328 pacientes.

A infectologista da Secretaria de Saúde do Distrito Federal Joana Darc Gonçalves ainda aponta vários problemas nos estudos analisados na metanálise. Segundo ela, os resultados não mostram quais pacientes usaram corticoides e quais não, só dois estudos demonstraram redução de sintomas e nenhuma das análises demonstrou redução na hospitalização. Ademais, foram misturados pacientes ambulatoriais e hospitalizados, o que pode ter interferido nos resultados. Por isso, ela ressalta que este estudo não pode ser considerado conclusivo. “Permanece a necessidade complementar de ensaios clínicos randomizados que testem o tratamento precoce, para delinear os benefícios clínicos, resolução dos sintomas e redução de hospitalização”, indica ela.

De acordo com o infectologista do Hospital Sírio-Libanês Alexandre Cunha, por ser uma metanálise, ou seja, a junção de vários estudos, a qualidade da pesquisa fica prejudicada. “Quando você faz um apanhado de vários estudos, vários ou alguns deles têm má qualidade e isso acaba atrapalhando o resultado. Em toda metanálise, o mais importante não é o número de estudos, mas a qualidade dos dados. As metanálises bem feitas sobre ivermectina, com estudos bem controlados, não mostraram bons resultados”, enfatiza.

Além disso, ele lamenta que esse tipo de análise seja publicada. “Outro problema é que se misturam estudos muito diferentes. O problema de metanálises que pegam estudos ruins é que acaba amplificando um resultado que não é verdadeiro”, explica.

A infectologista Joana Darc Gonçalves também ressalta que o mais importante é focar na vacinação para evitar que as pessoas fiquem doentes. “Com certeza é importantíssimo avaliarmos os resultados das metanálises, mas acredito que já temos a solução para o problema. Precisamos buscar os meios para vacinarmos nossa população. Vacinar continua sendo a melhor solução”, destaca.

Não há comprovação da eficácia de ivermectina contra covid-19

Desde março de 2020, quando um estudo mostrou resultados animadores do antiparasitário contra a covid-19 in vitro, várias outras pesquisas com o remédio foram realizadas ao redor do mundo. Nenhuma mostrou resultados conclusivos para a eficácia do medicamento no tratamento da doença.

Um estudo publicado em junho deste ano na revista científica EClinical Medicine, publicação que faz parte da The Lancet, mostrou que não houve diferença na redução da carga viral entre os grupos que utilizaram a ivermectina e os que não.

Outra metanálise publicada na Clinical Infectious Diseases, da Oxford University Press, em junho, concluiu, com base em outros estudos, que a ivermectina não funciona para o tratamento da covid-19. “Em comparação com tratamento padrão ou placebo, a ivermectina não reduziu todas as causas de mortalidade, tempo de internação ou depuração viral em estudos controlados por placebo em pacientes com covid-19, principalmente com doença leve. Ivermectina não é uma opção viável para tratar pacientes com covid-19”, concluíram os pesquisadores.

Em março, um estudo publicado na revista científica Jama Network concluiu que o “uso da ivermectina não melhorou significativamente o tempo de resolução dos sintomas. Os resultados não apoiam o uso de ivermectina para o tratamento de covid-19 leve”.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) só recomenda o uso da ivermectina para ensaios clínicos. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou nota em julho de 2020 e atualizada em abril deste ano em que diz não existirem estudos conclusivos que comprovem a eficácia da ivermectina no tratamento da covid-19.

A Agência de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA) também desaconselha o uso do medicamento para tratamento da covid-19. Assim como a Agência de Medicamentos Europeia (EMA), que concluiu que os estudos disponíveis só suportam o uso do remédio em ensaios clínicos.

O laboratório Merck, fabricante do remédio nos Estados Unidos, disse em fevereiro de 2021 que analisou os estudos disponíveis sobre o remédio e que, até o momento, não há base científica que aponte um efeito terapêutico do uso da ivermectina contra a covid-19.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais sobre a pandemia ou sobre políticas públicas do governo federal.

O post viral foi publicado pelo empresário Paulo Figueiredo Filho em seu Twitter no dia 6 de julho. Até o dia 12 de julho, o boato teve alcance de mais de 18 mil curtidas e 5 mil compartilhamentos, além de circular em páginas no Instagram de simpatizantes do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), como no @direita.piauiense, onde a publicação teve 1.161 curtidas e no @politizados, que teve 2.760 curtidas.

A checagem de fatos envolvendo informações sobre supostos tratamentos para a covid-19 é necessária, pois falsas esperanças podem levar as pessoas a colocarem sua saúde em risco. O antiparasitário ivermectina tem sido alvo de desinformação desde o início da pandemia e o uso indiscriminado do medicamento pode causar hepatite medicamentosa.

Esse mesmo estudo foi verificado pelo UOL Verifica depois de citado por Bolsonaro em sua live semanal no Facebook na última quinta-feira (8).

Postagens sobre a ivermectina já foram verificadas pelo Comprova, mostrando ser enganoso que a Universidade de Oxford encontrou ‘fortes indícios’ da eficácia da ivermectina contra a covid-19 e outra que ivermectina em altas doses pode causar até convulsão.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Eleições

Investigado por: 2021-07-13

Urnas brasileiras não foram hackeadas nos EUA

  • Falso
Falso
Urnas brasileiras não foram hackeadas em conferência nos Estados Unidos, e trecho do programa Estúdio i, da GloboNews, não prova que os equipamentos usados nas eleições brasileiras são inseguros.
  • Conteúdo verificado: Em vídeo publicado no Facebook e no YouTube, homem usa trechos de um programa do canal GloboNews em que eram discutidos os resultados de uma conferência hacker que testou a segurança das urnas eletrônicas dos Estados Unidos para dizer que os equipamentos usados nas eleições brasileiras não são seguros.

É falso que urnas brasileiras tenham sido hackeadas durante uma conferência hacker nos Estados Unidos, e que isso provaria falhas no sistema eleitoral usado no Brasil.

O autor de um vídeo publicado no YouTube e no Facebook tira de contexto um vídeo de 2017, com um trecho do programa Estúdio i, do canal pago GloboNews, para afirmar que “Bolsonaro tem razão”. Na reportagem, o advogado e diretor científico do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio), Ronaldo Lemos, comenta o resultado do trabalho de hackers durante a DEF CON 2017, maior conferência hacker do mundo, que, naquele ano, avaliou a segurança de urnas eletrônicas usadas nos Estados Unidos.

Como explicitado na fala do especialista, e ao contrário do que afirma o autor do vídeo, Felipe Lintz, os equipamentos testados não são os mesmos usados no processo eleitoral brasileiro. Em artigo recente, o próprio Ronaldo Lemos contesta o uso de sua fala na ocasião, que vem sendo utilizada fora de contexto para desinformar a respeito do processo eleitoral brasileiro.

Procurado pelo Comprova, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reafirmou, em uma nota publicada em 2017, que as vulnerabilidades encontradas nos equipamentos americanos foram em conexão com a internet ou em tecnologias que não são usadas nas urnas eletrônicas brasileiras.

O Comprova tentou contato com Lintz pelo e-mail fornecido na descrição da página “O jacaré de tanga”, no YouTube, mas não tivemos retorno até a publicação desta checagem.

Como verificamos?

Através de uma busca no Google, encontramos o vídeo original exibido pela GloboNews no site da emissora. Contatamos Ronaldo Lemos, especialista ouvido pelo canal por meio do WhatsApp. Ele nos encaminhou o link de um artigo escrito por ele em que rebate as alegações em relação ao programa. Também procuramos a assessoria de imprensa do TSE para saber se os aparelhos testados nos EUA eram utilizados no Brasil. Verificações publicadas anteriormente pelo Comprova nos ajudaram a identificar quais empresas já venderam urnas eletrônicas para a Justiça Eleitoral brasileira.

Buscamos no Google o nome do homem que apresenta o vídeo e descobrimos que ele foi candidato a prefeito de Mogi da Cruzes nas eleições de 2020. Enviamos e-mail para o endereço de contato que consta na página, mas não tivemos resposta até a publicação deste texto.

Verificação

O programa

A edição do Estúdio i citada no vídeo foi ao ar no dia 7 de agosto de 2017. O Comprova conseguiu reencontrar o vídeo da conversa no site da GloboNews.

Antes de falar sobre as urnas eletrônicas, o programa exibiu uma matéria sobre uma maratona hacker (também chamada de hackathon) promovida pela Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) em parceria com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) nos dias 5 e 6 daquele mês. No evento, programadores se reuniram para desenvolver soluções utilizando inteligência artificial para combater a corrupção ou casos de pornografia infantil. O evento teve cobertura da Rede Globo. É a esse evento que a apresentadora Cecília Flesch se referia quando ela cita “hackers trabalhando para o bem”.

Em seguida, o programa começa a abordar a realização de testes em urnas eletrônicas nos EUA durante a DEF CON, maior conferência hacker do mundo, que ocorre em Las Vegas. Em 2017, foi a primeira vez que a segurança de urnas eletrônicas foi testada no evento. Os modelos que estavam lá foram violados dentro de duas horas.

As urnas eletrônicas utilizadas pelos participantes da DEF CON 2017 não eram as mesmas usadas nas eleições brasileiras. Na própria entrevista com Ronaldo Lemos, cujo trecho em áudio o youtuber usa no vídeo, o especialista explica: “A gente tem que lidar com calma com essa situação, porque também, depois, as pessoas ficam achando que isso tem a ver com o Brasil; não, isso aconteceu nos Estados Unidos, com alguns modelos, e não é claro se o modelo da urna brasileira, específico, foi uma dessas que foram testadas ou não.”

Em 2017, portais brasileiros e americanos noticiaram a conferência, antes e depois dos resultados. Todos os textos explicam que os equipamentos testados foram os usados nos Estados Unidos.

O especialista convidado para comentar os resultados da conferência é o advogado Ronaldo Lemos, diretor científico do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio) e apresentador do programa Expresso Futuro, no Canal Futura.

Em maio deste ano, ele escreveu um artigo no jornal Folha de S. Paulo em que contesta o uso do vídeo desse programa como argumento para adoção do voto impresso no Brasil. No texto, ele fala que nenhuma das urnas testadas foi a brasileira e que, desde 2017, o TSE tem atuado para dar mais segurança e transparência à utilização das urnas. Ele também argumenta que a logística necessária para fazer um ataque capaz de alterar o resultado da eleição é tão grande que a chance de alguém conseguir fazê-lo “é zero”. Para ele, a possibilidade de fraudar a eleição seria maior se a votação fosse de papel.

Urnas brasileiras não têm as vulnerabilidades identificadas nos EUA

Na época em que aconteceu a conferência, o TSE divulgou uma nota explicando que apenas urnas usadas nos EUA foram testadas. As vulnerabilidades encontradas foram em conexão com a internet (no caso da urna WinVote) ou através de portas de depuração (acesso e testagem) da placa-mãe que utilizavam a tecnologia JTAG. Nenhuma dessas tecnologias é usada nas urnas eletrônicas brasileiras.

Neste ano, o Tribunal preparou um vídeo sobre o tema, para a série “Fato ou Boato”. Em uma publicação sobre o conteúdo, no site oficial, o TSE explica que “não é possível comparar o sistema norte-americano com o brasileiro, uma vez que os dois operam de formas distintas. No Brasil, os programas utilizados na urna eletrônica são assinados digitalmente e lacrados em uma cerimônia pública. Se houver qualquer tentativa de adulteração do software, o equipamento nem sequer começa a funcionar. Uma invasão hacker também é uma hipótese improvável, pois a urna brasileira é um dispositivo isolado, sem conexão com a internet.”

O texto se baseia em outra peça de desinformação que circulava sobre o tema e falava sobre os mecanismos de impressão do voto para confirmação do resultado. Segundo o TSE, foram realizados “diversos testes para a implementação do módulo impressor do voto”, sendo que o primeiro ocorreu durante as Eleições de 2020. Foram constatadas, porém, diversas falhas nesse processo, que atrasaram a votação e violaram o sigilo do voto, já que foi preciso intervenção de outras pessoas para correção dos problemas mecânicos nas impressoras.

É importante ressaltar, ainda, que um dos aparelhos testado durante a DEF CON pertencia à empresa Diebold, que já produziu urnas eletrônicas para o Brasil em várias ocasiões entre os anos de 2000 e 2015, como mostra essa verificação do Comprova. “Sobre a Diebold, embora a empresa tenha fabricado as urnas brasileiras nos últimos anos, ela segue um projeto genuinamente nacional, desenvolvido pelo TSE e aberto em edital público de licitação. Assim, a empresa não pode vender a urna brasileira nos EUA e nem tampouco adotar as tecnologias de seus produtos na nossa urna, sendo obrigatório seguir o projeto brasileiro”, afirmou o TSE na nota divulgada após a conferência.

A empresa Smartmatic, citada no vídeo verificado aqui, não é mencionada nenhuma vez durante o programa da GloboNews. Ela também nunca forneceu urnas eletrônicas para a Justiça Eleitoral brasileira. Os testes realizados na DEF CON em 2017 foram acompanhados de perto por dois técnicos do TSE.

O autor do vídeo

O homem que aparece no vídeo fazendo críticas em relação às urnas eletrônicas se chama Felipe Lintz. Ele foi candidato a prefeito de Mogi das Cruzes, em São Paulo, pelo PRTB. Terminou a eleição em quarto lugar, com 16.971 votos. De acordo com o sistema de divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (DivulgaCandContas) do TSE, ele tem 26 anos e não há registro de que tenha disputado eleições anteriores. Ele também não declarou sua ocupação à Justiça Eleitoral.

O Comprova enviou e-mail para o endereço de contato disponível na página no dia 9 de julho, uma sexta-feira. Na segunda, dia 12, o vídeo não estava mais disponível para o público no YouTube e não era mais possível encontrá-lo na página do Facebook.

Por que investigamos?

Atualmente em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e a pandemia de covid-19 que tenham viralizado nas redes sociais. Publicações que questionam a segurança das urnas eletrônicas são importantes de serem checadas porque colocam em risco a confiança dos cidadãos nas eleições diretas.

O vídeo verificado pelo Comprova teve 513 mil visualizações no Facebook e foi assistido 147 mil vezes no YouTube, pelo menos até o dia 9 de julho.

O Estadão Verifica e a Agência Lupa já verificaram o mesmo conteúdo e o classificaram como fora de contexto e falso, respectivamente.

Anteriormente, o Comprova também já mostrou que o sistema de votação eletrônica pode ser auditado; que a Smartmatic nunca vendeu urnas para o Brasil; e que o resultado de uma enquete sobre o voto impresso não reflete a opinião da população.

Para o Comprova, falso é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

 

Eleições

Investigado por: 2021-07-12

É enganoso afirmar que resultado de enquete sobre voto impresso reflete opinião da população

  • Enganoso
Enganoso
Enquetes não usam uma amostragem que reflita a composição da população e a participação é espontânea e, portanto, não têm valor científico. Para indicar de forma adequada a opinião dos brasileiros, pesquisas de institutos confiáveis ouvem entrevistados em proporções de sexo, idade, escolaridade e renda semelhantes às da população do país. Dessa forma, os participantes são representativos do restante da sociedade, ainda que em número menor.
  • Conteúdo verificado: Texto afirma que 91% da população brasileira quer o voto impresso. O número se baseia em uma enquete aberta no site da Câmara dos Deputados sobre a PEC 139/2019, que propõe a adoção de comprovantes impressos de votação nas eleições.

São enganosas postagens no Facebook que afirmam que 91% da população brasileira quer o voto impresso. O número se baseia em uma enquete aberta no site da Câmara dos Deputados sobre a proposta de adoção de comprovantes impressos de votação. O próprio site da Câmara informa que a enquete não tem valor científico e não representa necessariamente a opinião da sociedade.

O Comprova já mostrou em outras verificações que enquetes não usam uma amostragem que reflita a composição da população. Como a participação é espontânea e quem responde às perguntas conhece o resultado da votação antes do encerramento, isso pode influenciar as conclusões.

Pesquisas de opinião pública, realizadas por institutos como Ipec (empresa criada por ex-integrantes do Ibope Inteligência) e Datafolha, usam métodos estatísticos para garantir que os entrevistados são representativos de todos os brasileiros. Ou seja: os participantes são selecionados em cotas proporcionais às características de sexo, escolaridade e renda da população do país.

Por fim, é importante ressaltar que o link para participação na enquete no Facebook foi compartilhado principalmente em páginas e grupos bolsonaristas. Como o voto impresso é uma bandeira do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), é possível que o resultado seja enviesado.

Atualização: Após a publicação desta checagem, o responsável pelo site Imprensa Brasil corrigiu seu texto. O título que antes dizia “Enquete sobre o voto Impresso da Câmara dos Deputados aponta que 91% da população brasileira quer o Voto Impresso”, foi alterado para “Enquete sobre o voto Impresso da Câmara dos Deputados tem resultado positivo sobre Voto Impresso”. Além disso, o texto também passou a ressaltar que “o número se baseia sobre a enquete da Câmara dos Deputados e não tem valor científico e não apresenta opinião da sociedade”. [Esta atualização foi feita em 15 de julho de 2021 para incluir informação sobre providências tomadas pelo site para corrigir a publicação original]

Como verificamos?

O Comprova procurou a enquete citada no site da Câmara dos Deputados e verificou os resultados. Constatamos no portal quais as regras de participação na dinâmica e baixamos os dados dos comentários na enquete. Usamos a ferramenta de monitoramento de redes sociais CrowdTangle para analisar os compartilhamentos do link da enquete no Facebook. Pesquisamos outros levantamentos de opinião sobre voto impresso e recuperamos o contexto da proposta sobre o assunto na Câmara dos Deputados. Os materiais consultados estão citados abaixo. Por fim, entramos em contato com o blog que publicou o conteúdo.

Verificação

A enquete na Câmara dos Deputados

As postagens analisadas aqui reproduzem o título de um texto publicado no blog Imprensa Brasil: “Enquete sobre o voto Impresso da Câmara dos Deputados aponta que 91% da população brasileira quer o Voto Impresso”. A enquete em questão é sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135/2019, da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), que prevê a adoção de comprovantes de voto em papel em todas as eleições.

Até a noite de 11 de julho, 93% dos participantes disseram que “concordam totalmente” com a proposta, com 104.830 votos. Apenas 6% afirmaram “discordar totalmente” da PEC, com 6.850 votos.

O portal da Câmara abre enquetes para todas as proposições em tramitação na Casa. O objetivo é “estimular o debate sobre as propostas” e “propiciar oportunidade e canal para os cidadãos se manifestarem”, segundo a página de perguntas e respostas do portal.

O site deixa claro que os resultados não têm valor científico. “A intenção de votar parte do cidadão e não há limitação de público, como em pesquisas oficiais de opinião pública, nas quais se prepara uma amostragem específica”, informa o portal. “Porém, os resultados ficam disponíveis aos deputados, que recebem os dados analisados periodicamente em seus gabinetes e servem como termômetro do interesse e da mobilização popular”.

Como o Comprova mostrou recentemente, pesquisas de opinião pública usam dados oficiais sobre a população brasileira para determinar cotas de sexo, idade, escolaridade e outras características. O objetivo é ouvir um grupo proporcional à população brasileira, ainda que em número menor.

É importante lembrar que nem todos os brasileiros sabem da existência das enquetes no site da Câmara e nem todos têm acesso à internet para votar. Além disso, as conclusões do levantamento podem ser influenciadas pelo fato de o resultado parcial ser conhecido do público antes do encerramento da votação. Uma pessoa que discorda totalmente da PEC, por exemplo, poderia se sentir estimulada a votar para melhorar a porcentagem de respostas negativas à proposta.

Participação também tem motivação política

O Comprova pesquisou os compartilhamentos do link para a enquete no Facebook na ferramenta CrowdTangle e verificou que a maior parte dos posts sobre o assunto foi feita em páginas e grupos bolsonaristas. A própria autora da PEC do voto impresso, Bia Kicis, publicou uma postagem para estimular a participação no levantamento no dia 28 de junho e obteve 8,5 mil compartilhamentos.

Ao votar na enquete, os participantes também podem registrar comentários sobre pontos positivos e negativos da proposição. Os dados desses comentários indicam que houve picos de participação em datas específicas. Esses picos coincidem com compartilhamentos do link da enquete em postagens no Facebook. Ou seja: a interação na enquete da Câmara aumentou depois que páginas bolsonaristas publicaram sobre o assunto na rede social.

No dia em que Bia Kicis pediu que seus seguidores no Facebook participassem na enquete, foram registrados 933 comentários na Câmara dos Deputados; no dia seguinte, 1.307 comentários – a segunda maior participação desde que a votação foi aberta, em 2019.

De acordo com o site da Câmara, os participantes só podem votar na enquete uma vez. Para participar, é necessário cadastrar um e-mail no portal. Ao votar, é possível cadastrar mais de um comentário sobre pontos negativos ou positivos. Vários comentários têm termos como “#Bolsonaro2022” e “#BolsonaroReeleito2022”.

Diante desses dados, é possível inferir que uma parte dos respondentes teve motivação política ao participar, já que o voto impresso é uma bandeira de Bolsonaro. Os resultados, portanto, podem ter tendência a favor da PEC em questão.

Outros levantamentos sobre voto impresso

O portal do Senado também tem uma seção de consulta pública em que se pergunta a opinião dos internautas a respeito de diversos temas. Uma enquete sobre voto impresso aberta em 2018 tem disputa acirrada: até a noite do dia 11 de julho, 1.044.887 disseram apoiar a impressão de votos, e 1.044.943 disseram ser contra. Novamente, esse resultado não é suficiente para afirmar que a população esteja dividida sobre o tema.

Em maio deste ano, o site Poder360 realizou uma pesquisa sobre o tema por telefone. O levantamento indicou que 46% rejeitam a adoção do comprovante nas urnas, e 40% apoiam a ideia. Outros 14% não souberam responder. O PoderData ouviu 2.500 pessoas em 462 municípios das 27 unidades da federação entre 24 e 26 de maio, com margem de erro de 2 pontos porcentuais para mais ou para menos.

A pesquisa indicou que a rejeição à proposta é mais comum em grupos mais jovens (56% entre pessoas de 16 a 24 anos), moradores da região Sudeste e Nordeste (50% e 49%, respectivamente) e com renda mais alta (67% entre os que recebem mais de 5 salários mínimos).

Os segmentos mais favoráveis à impressão do voto estão em pessoas de 45 a 59 anos (52%), moradores do Norte e do Centro-Oeste (59% e 50%, respectivamente) e participantes sem renda fixa (49%).

A pesquisa também cruzou a opinião sobre o voto impresso com o apoio a Bolsonaro. Entre os que avaliam o governo como ótimo ou bom, 74% são a favor da proposta e 20% são contra; no grupo que considera a gestão federal regular, 44% são favoráveis e 36% são contrários. Esses índices entre as pessoas que opinaram que o presidente é péssimo ou ruim, a tendência é contrária: 60% são contra a impressão do voto, ante 24% que concordam com a PEC.

A metodologia das pesquisas do PoderData é diferente das de Ipec e Datafolha, que entrevistam presencialmente. No Poder360, os levantamentos são feitos por ligações automáticas, em um sistema chamado Unidade de Resposta Audível (URA). Apenas as chamadas em que os participantes respondem a todas as perguntas são consideradas. O portal entrevista pessoas até cumprir as cotas de sexo, idade, renda, escolaridade e localização geográfica em proporções similares à da população brasileira. Muitas vezes, é necessário fazer centenas de milhares de ligações até que se consiga ouvir uma parcela representativa do restante da sociedade.

A proposta de emenda à Constituição

A PEC 135/2019, de autoria de Bia Kicis, aguarda apreciação no Plenário da Câmara. A proposta prevê a obrigatoriedade de comprovantes impressos de votação. Após registrar o voto na urna eletrônica, o eleitor conferiria a cédula com suas escolhas, sem manuseá-la, e o papel seria depositado em uma “urna indevassável” para fins de auditoria. No último mês, a proposição passou por uma comissão especial na Câmara; o relator, Filipe Barros (PSL-PR), fez um parecer favorável à aprovação da PEC.

Presidentes de 11 partidos se posicionaram contra a iniciativa: PSL, Progressistas, PL, PSD, MDB, PSDB, Republicanos, DEM, Solidariedade, Avante e Cidadania. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e especialistas ouvidos pelo Estadão avaliam que a proposta aumenta o risco de fraude. Segundo a coordenadora da Transparência Eleitoral Brasil, Ana Claudia Santano, a comissão especial na Câmara ignorou fatores de risco na adoção da impressão de comprovantes. Ela opina que a tendência é de aumento da judicialização do pleito.

“Se tem um comprovante em papel, eu posso pedir a recontagem. Porque se não for para pedir a recontagem, por que é que eu vou ter o papel?”, afirmou em entrevista ao jornal. “A questão da judicialização já existe. O terceiro turno está aí há muito tempo. Agora, além da alta judicialização que a gente tem nas candidaturas, vai também judicializar os resultados”.

O presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, citou dificuldades logísticas e financeiras que dificultariam a implementação da proposta pouco mais de um ano antes das eleições de 2022. “Qual a razão pela qual o TSE tem se empenhado contrariamente ao voto impresso? É que nós vamos ter que transportar 150 milhões de votos no País do roubo de carga, da milícia, do Comando Vermelho, do PCC, do Amigos do Norte, já há aí um primeiro problema”, argumentou no início de julho.

O magistrado afirmou que não há mais tempo hábil para implementar um sistema de contagem automática das cédulas de papel. Nesse caso, a recontagem de votos teria de ser manual, o que, segundo ele, seria um “terror”. O ministro pontuou ainda que seria um paradoxo adicionar um passo extra de verificação, já que as urnas já têm mecanismos de auditoria. Como o Comprova mostrou no ano passado, entre as possibilidades de auditagem, há cerimônias públicas para testagem das urnas antes e no dia das eleições. É possível ainda fazer recontagem de votos com o Registro Digital de Voto (RDV), dispositivo presente desde 2004 nas urnas que registra de forma anônima todos os votos computados naquela seção eleitoral.

“O voto impresso seria imprimido pela mesma urna que estaria sob suspeita, portanto, se fraudar o eletrônico, frauda o impresso”, disse Barroso. “Vamos gastar R$ 2 bilhões, criamos um inferno administrativo para essa licitação, com o risco de fraude, e pior, quebra de sigilo”.

Em 2015, um artigo da minirreforma eleitoral estabelecia a implementação de comprovantes de votação em papel. O trecho foi vetado pela então presidente Dilma Rousseff, que indicou o alto custo da iniciativa, mas o veto foi derrubado pelo Congresso. Em 2018, a proposta foi questionada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no Supremo Tribunal Federal (STF), e a Corte concedeu liminar que impediu que o mecanismo de impressão fosse utilizado no pleito daquele ano. Em 2020, o Plenário do Tribunal decidiu que a legislação era inconstitucional, porque colocava em risco o sigilo do voto.

O site

O texto analisado nesta checagem foi publicado pelo blog Imprensa Brasil. O Comprova entrou em contato por meio de um e-mail listado no site, mas não recebeu resposta até a publicação desta verificação. Posteriormente, o site enviou mensagem informando ter tomado providências para corrigir partes do texto.

Os responsáveis pelo site Imprensa Brasil entraram em contato com o Estadão Verifica, que faz parte do Comprova, depois que o artigo foi marcado como “Parcialmente falso” no Programa de Verificação de Fatos Independente do Facebook. Por meio desse programa, iniciativas de fact-checking podem marcar conteúdos enganosos na rede social, que diminui a circulação dessas publicações. Várias outras páginas também administradas pelos mesmos responsáveis pelo site cujo conteúdo foi aqui verificado, como “Notícia Brasil Online”, “Escapuliu” e “Aliança pelo Brasil Eu Apoio”, já tiveram postagens marcadas como “Falso” pelo Estadão Verifica anteriormente.

As publicações do site Imprensa Brasil têm vários títulos enviesados (exemplo 1, exemplo 2, exemplo 3), com termos como “CPI do Circo” e “esquerdopatas”. Além disso, nenhum texto é assinado e o blog não informa os responsáveis pela redação. 

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova checa conteúdos suspeitos sobre o governo federal ou a pandemia de covid-19 que tenham atingido alto grau de viralização. O conteúdo verificado teve mais de 28 mil interações no Facebook, sendo 1.968 compartilhamentos, de acordo com a ferramenta CrowdTangle.

Conteúdos que questionam a credibilidade do sistema eleitoral brasileiro, ainda que por meio de informações manipuladas e enganosas, corroboram as acusações, sem fundamentos, que o presidente Jair Bolsonaro faz constantemente à veracidade do processo eleitoral. Desde o início do voto eletrônico no Brasil, em 1996, nenhum caso de fraude foi identificado e comprovado.

Desde a última eleição presidencial, quando as supostas falhas no sistema eleitoral passaram a ser divulgadas, o Comprova já verificou diversas vezes conteúdos falsos e enganosos sobre o assunto. Em outubro do ano passado, o projeto mostrou que um documento não prova fraude nas eleições de 2018 nem comprova vitória de Bolsonaro no 1º turno. No mês seguinte, duas publicações do Comprova apontaram para o fato de o voto eletrônico no Brasil já ser auditável.

Para o Comprova, um conteúdo é enganoso quando confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano, porque usa dados imprecisos e induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor, além de ter sido retirado do contexto original e usado em outro, com alterações no significado.

Política

Investigado por: 2021-07-12

É falso que a atriz Maria Flor recebeu R$ 10 mi de governos anteriores

  • Falso
Falso
São falsos os posts que apresentam a foto da atriz Maria Flor com a declaração de que sua empresa, a Fina Flor Produções, recebeu R$ 10.476.871 em recursos públicos entre 2013 e 2018. A produtora recebeu R$ 924 mil do governo federal no período.
  • Conteúdo verificado: Montagem compartilhada por dois perfis no Instagram contendo fotos da atriz Maria Flor e o comentário “entre 2013 e 2018, a Fina Flor Produções, empresa que pertence a atriz (sic) da Globo, Maria Flor, (sic) recebeu dos governos anteriores R$ 10.476.871. A partir do governo Bolsonaro, a empresa dessa atriz não recebeu 1 centavo sequer de dinheiro público”. As legendas em ambas as publicações afirmam que “esse é o real motivo de tanta raiva da classe artística com relação ao governo do presidente Bolsonaro”.

São falsos os posts no Instagram que afirmam que a Fina Flor Produções, da atriz e diretora Maria Flor, captou mais de R$ 10 milhões em verbas públicas “entre 2013 e 2018” e que, no governo Bolsonaro, não recebeu nenhum centavo. Ao todo, como mostra o site da Agência Nacional do Cinema (Ancine), a produtora foi contemplada com R$ 924 mil do governo federal no período citado.

Além disso, não é verdade que a produtora não tenha recebido durante o governo Bolsonaro. Procurada pelo Comprova, a artista afirmou que acabou de receber uma verba de R$ 3,7 milhões para a produção de uma série para o Canal Brasil, como publicado no Diário Oficial da União. “Este valor é de um edital de 2013 e, por conta da paralisação da Ancine, só recebemos em 2020, apesar do projeto ter sido aprovado em 2014”, disse ela, que foi alvo de ataques semelhantes em janeiro.

Um dos perfis responsáveis pelo conteúdo alegou não saber que a informação era falsa e apagou o conteúdo. O outro não respondeu, mas o post foi sinalizado como informação falsa pela plataforma.

Como verificamos?

O Comprova acessou quatro verificações anteriores de conteúdos semelhantes, feitas pela Agência Lupa, pelo Boatos.Org, pela AFP Checamos e pelo Estadão Verifica. Em seguida, pesquisou quem é a atriz Maria Flor, atacada nas postagens, e utilizou a ferramenta Cruzagrafos, que faz verificações cruzadas e investigações avançadas de dados, para identificar de quais empresas a atriz é sócia.

Com os nomes das empresas, a reportagem buscou informações sobre captação de recursos no Versalic, portal de visualização do sistema de apoio às leis de incentivo à cultura, e consultou o site da Ancine, ambos do governo federal.

Por meio de notícias veiculadas na imprensa, identificou o vídeo no qual a atriz interpreta a personagem “Flor Pistola”, que pede o impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e que foi o pontapé para que Maria Flor virasse alvo de postagens falsas.

Por fim, o Comprova procurou, por e-mail, a atriz, e, por mensagem privada no Instagram, os dois perfis do Instagram que publicaram a postagem falsa.

Verificação

Captação de recursos

Diferentemente do que afirmam os posts, a Fina Flor ou quaisquer outras empresas ligadas à atriz não captaram nem perto de R$ 10 milhões.

Em uma consulta no site da Ancine, aparecem oito projetos ligados à Fina Flor. Desses, três não captaram nada – o programa de TV “Em Movimento”, o filme “Rio do barroco ao contemporâneo, um museu a céu aberto” e o trabalho “Você e Eu” – e cinco receberam, no total, R$ 924 mil do governo federal – o filme “Ensaio” (R$ 230 mil), a obra “Inclassificáveis” (R$ 100 mil), a série “MMA em Família (R$ 294 mil), o longa “No Ano que Vem” (R$ 100 mil) e o documentário “Samuel Wainer” (R$ 200 mil).

No Versalic, plataforma que apresenta projetos apoiados pela Lei Rouanet, há apenas um projeto em nome da Fina Flor Produtora de Filmes LTDA, de 2015, que não recebeu nada e está no status “encaminhado para avaliação”. Na mesma plataforma há uma outra empresa com o nome completo da atriz, Maria Flor Leite Calaça, e um projeto, a peça de teatro “Pata”, que, segundo o site, também não captou nada.

No nome da empresa A L’Aventura Produções, da qual a atriz aparece como sócia na ferramenta Cruzagrafos, há três projetos. A peça “Tudo que você sempre quis dizer sobre o casamento”, de 2019, aparece como “autorizada a captação dos recursos” – o valor solicitado é de R$ 634.129,06. O pedido para o espetáculo “Pata”, de 2011, foi “indeferido” e, uma outra solicitação para uma peça de mesmo nome, também de 2011, teve o “edital encaminhado à comissão de avaliação” – não aparece o valor solicitado.

Em entrevista ao Comprova, Maria Flor contou que acabou de receber uma verba de R$ 3.796.949,26 para a produção de uma série de dez episódios para o Canal Brasil. “Este valor é de um edital de 2013 e, por conta da paralisação da Ancine, só recebemos em 2020, apesar do projeto ter sido aprovado em 2014”, diz ela – ou seja, os posts também enganam ao afirmar que ela não recebeu nenhum centavo no governo Bolsonaro. “Foi o maior valor que já captamos pela Lei do Audiovisual”, completa.

Conteúdo semelhante, afirmando que a atriz havia recebido R$ 10 milhões da Lei Rouanet nos governos petistas, foi checado como falso pela agência Lupa em janeiro de 2021. No mesmo mês a Boatos.Org também desmentiu o assunto, explicando detalhadamente como funciona a Lei Rouanet.

Em fevereiro foi a vez do Estadão Verifica desmentir que a atriz tivesse recebido R$ 10,47 milhões do governo federal entre 2013 e 2018, conforme divulgado em postagens em redes sociais naquela época. A AFP Checamos também publicou verificação sobre o assunto no mesmo mês.

Quem é Maria Flor e por que é alvo de boatos?

Maria Flor Leite Calaça é uma atriz e diretora brasileira, tendo atuado em diversos longas-metragens, novelas e especiais nacionais. Tornou-se alvo de informações falsas após vídeo publicado em sua conta no Instagram, em 18 de janeiro, no qual pede o impeachment do presidente Bolsonaro (sem partido). A postagem que viralizou, alcançando quase 2 milhões visualizações, foi publicada em um quadro, intitulado “Flor Pistola”, que a atriz mantém na plataforma.

Em entrevista concedida a O Globo, publicada em 23 de maio deste ano, Maria Flor falou sobre as reações ao quadro e sobre as críticas ao presidente. Ela afirma que “Flor Pistola” é uma personagem que carrega a indignação sentida também por ela sobre alguns assuntos e que precisava colocar para fora diante de tanta notícia ruim. “Esse governo não nos dá um dia de paz.”

Diz que após a publicação teve fotos dela espalhadas em vários perfis bolsonaristas e que acredita haver uma organização para o conteúdo se espalhar com velocidade. Conta que teve o número de celular vazado e recebeu recados ameaçadores, inclusive de morte, por aplicativo de mensagem, afirmando ser conhecido o endereço dela. “Também inventaram que a minha produtora, a Fina Flor Filmes, fez uma captação de 10 milhões pela Lei Rouanet e que eu tinha sumido com o dinheiro”.

Segundo a ferramenta Cruzagrafos, a atriz é sócia das empresas A L’aventura Produções, atuante nas artes cênicas, e Fina Flor Produtora de Filmes LTDA, que produz conteúdo audiovisual.

A Fina Flor, alvo das postagens falsas, informa no site oficial produzir filmes curtos, longos, comerciais ou autorais, tendo iniciado os trabalhos em 2008 e sendo responsável por trabalhos para canais como Multishow, Globo Filmes, GNT, Bis e +Globosat, além de campanhas institucionais e videoclipes.

Ao Comprova, a atriz lamentou que a população continue a propagar informações falsas e de ódio nas redes. “É lamentável que este governo e as pessoas que o apoiam tentem desmoralizar e descredibilizar a cultura brasileira. Essa é uma prática do atual governo e precisa ser combatida com a verdade”, defende.

Incentivo à cultura é frequentemente atacado

O Comprova frequentemente verifica conteúdos que deturpam legislações de incentivo à cultura, principalmente a Lei Rouanet, aprovada em 1991, no governo Fernando Collor, e alvo de conteúdos falsos e enganosos há anos. A legislação é considerada a principal ferramenta de fomento à cultura no país e funciona por meio de incentivos fiscais.

Por meio dela, a Secretaria de Cultura do governo federal autoriza projetos a receberem recursos de empresas para patrocínio de eventos culturais. Em contrapartida, essas empresas podem abater o valor do patrocínio ou uma porcentagem dele do Imposto de Renda. Não são realizados repasses diretos de recursos do orçamento para os responsáveis pelos eventos culturais aprovados por meio desta lei.

O Comprova já provou, por exemplo, que orçamento do governo para hospitais não foi desviado para projetos culturais, ser enganoso que a Lei Paulo Gustavo pretende liberar R$ 43 bi da Lei Rouanet, que um filme de Carlos Vereza indicado a prêmio não usou a legislação e que post usava vídeo antigo para acusar museu de exibir pornografia com dinheiro público.

Quem compartilhou o conteúdo?

Os perfis @direita.conservadora.oficial, de apoio ao presidente, e @direitamaisbrasilcs, que afirma lutar pelo crescimento da direita no Brasil, postaram a mesma publicação em 7 de julho e com a mesma legenda: “Esse é o real motivo de tanta raiva da classe artística com relação ao governo do Presidente Bolsonaro”.

Ambas foram procuradas pelo Comprova, mas apenas a conta @direita.conservadora.oficial respondeu, afirmando que recebeu o conteúdo de um seguidor, que não sabia se tratar de informação falsa e que ele foi apagado.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais sobre a pandemia ou sobre políticas públicas do governo federal.

A captação de recursos para produções culturais por meios legais vem sendo reiteradamente atacada com postagens falsas ou enganosas nas redes sociais, dando a entender que artistas e produtores culturais agem de má fé ou são beneficiados por determinados governos.

Esses ataques são frequentemente motivados por alinhamento político ou por descontentamento de parcela dos espectadores com o conteúdo apresentado e podem até levar a ameaças à segurança de indivíduos, como a informada por Maria Flor nessa verificação.

As duas postagens aqui verificadas, por exemplo, alcançaram quase 9 mil curtidas no Instagram em poucos dias. Conteúdos semelhantes foram desmentidos no início deste ano por agências de checagem, como Estadão Verifica, Lupa, AFP Checamos e Boatos.Org.

Falso, para o Comprova, é conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2021-07-09

Estudos não comprovam que a cúrcuma ajuda a combater a covid-19

  • Enganoso
Enganoso
Apesar de ser uma planta fitoterápica reconhecida pela Anvisa e usada no tratamento de algumas enfermidades, ainda não há estudos que comprovem que a cúrcuma pode ser usada para combater a covid-19.
  • Conteúdo verificado: Texto publicado no Instagram e no Twitter, no qual um médico indica que as pessoas comprem a cúrcuma em lojas de produtos naturais para ajudar a combater a covid, pois, de acordo com ele, já existiriam vários estudos a respeito disso. Ele ainda afirma que a planta tem potencial anti-inflamatório e “fator protetor”. Por fim, o médico indica a ingestão de 1,5 g todo dia.

Ao contrário do que afirma um médico no Instagram e no Twitter, não há estudos que comprovem que a cúrcuma, uma planta originária do sudeste da Ásia, possa ajudar a combater o coronavírus. A cúrcuma (Curcuma longa L) é reconhecida como fitoterápica pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e é utilizada tradicionalmente para combater algumas enfermidades, mas as pesquisas com a planta para casos de covid-19 ainda estão nas fases iniciais.

Além disso, até o momento, não há nenhum medicamento ou produto, com indicação das autoridades sanitárias, que possa ser usado no chamado “tratamento precoce”. O médico responsável pelas postagens foi procurado pelo Comprova por e-mail, porém não deu retorno. As postagens que ele fez sobre a cúrcuma já não estão mais disponíveis nos perfis do Instagram e do Twitter.

Como verificamos?

Para obter mais informações sobre o uso de cúrcuma e as suas propriedades, o Comprova consultou documentos oficiais do Ministério da Saúde e da Anvisa, como uma monografia de 2015 que relaciona estudos feitos com a planta e sua utilização para fins medicinais.

Para a verificação, também foram entrevistados especialistas: Cristiano Augusto Ballus, doutor em Ciência dos Alimentos; Carlos Takeshi Hotta, doutor em Ciência das Plantas pela University of Cambridge; Maria Angélica Fiut, presidente da Associação Brasileira de Fitoterapia (ABFIT) e Juliana Bello Baron Maurer, professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Por fim, entramos em contato com o médico que postou o texto, que já foi apagado das redes sociais.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 9 de julho de 2021.

Verificação

O que é cúrcuma

A cúrcuma (Curcuma longa L), segundo monografia elaborada pelo Ministério da Saúde e Anvisa em 2015, é uma planta milenar originária do sudeste da Ásia, encontrada principalmente nas encostas de morros das florestas tropicais da Índia.

Também conhecida como “açafrão”, “gengibre-dourado” e “açafrão-da-terra”, foi introduzida no Brasil e é cultivada ou encontrada como subespontânea (definição em Botânica para vegetais que se adaptam a regiões para onde foram levados) em vários estados.

O documento aponta que a cúrcuma é utilizada tradicionalmente para diversas enfermidades, sendo os rizomas – tipo de caule que cresce horizontalmente – a principal parte da planta empregada nas preparações.

Confira alguns dos principais usos do rizoma da planta no gráfico abaixo:

Uso medicamentoso

Maria Angélica Fiut, nutricionista, fitoterapeuta e presidente da ABFIT, afirma que a cúrcuma tem uso medicamentoso e apresenta potencial anti-inflamatório. “Ela acaba trabalhando nos marcadores inflamatórios que temos no corpo, reduzindo o processo inflamatório. Tem medicamento, inclusive, pronto da indústria, que é de cúrcuma, como o Motore (da Aché).”

O professor Cristiano Augusto Ballus, do Departamento de Tecnologia e Ciência dos Alimentos da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), pontua que há diversas publicações indicando benefícios da cúrcuma – sobretudo de um de seus compostos, a curcumina – porém carecem de mais estudos antes de apontá-la como benéfica para a covid.

Doutor em Ciência de Alimentos, ele relata que um artigo de revisão publicado recentemente no periódico Journal of Functional Foods resume algumas das evidências científicas relacionadas a ensaios com extratos de cúrcuma, ou, então, com aplicação direta da curcumina. Na publicação, está descrita a possibilidade de a planta atuar na redução do risco de doenças cardiovasculares e diabetes, e ainda reporta, entre outras propriedades, melhora na atividade anti-inflamatória e na antioxidante.

“Essas evidências são muito interessantes e servem como base para a realização de mais estudos com número maior de participantes e monitorando diversas características metabólicas. Alguns ensaios foram realizados somente in vitro, ou seja, em laboratório, e posteriormente podem não ser significativos quando testados in vivo (com modelos animais ou com humanos)”, alerta Ballus.

Essa também é uma preocupação do professor Carlos Takeshi Hotta, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP). Ele é enfático ao observar que a cúrcuma é uma especiaria que muitos vinculam a efeitos anti-inflamatórios, apesar de não haver um estudo em grande escala para atestar essa indicação, demonstrando que não há consenso sobre o uso terapêutico da planta.

Eficácia contra a covid

Na postagem verificada, o autor sugere o uso de cúrcuma para o combate à covid-19, embora, até o momento, não haja nenhum medicamento ou produto, com indicação das autoridades sanitárias, que possa ser usado no chamado “tratamento precoce.” Ao contrário, o Comprova registrou, em mais de uma publicação, que em relação a algumas substâncias, inclusive, a ineficácia foi confirmada.

Por outro lado, há estudos sendo conduzidos sobre o uso da cúrcuma nos casos de covid. Mais uma vez, assim como a análise sobre outras propriedades da planta, ainda incipientes.

Maria Angélica Fiut afirma que há muitas pesquisas sendo desenvolvidas, devido ao potencial anti-inflamatório, porém estão todas em estágios iniciais, a maioria in vitro (laboratório). Não há ainda uma validação ou eficácia comprovada.

“Não dá para afirmar que a cúrcuma combate a covid. Conhecemos muito pouco da doença, então, não podemos afirmar que algo possa ser usado contra ela com toda a certeza”, adverte.

O professor Carlos Takeshi Hotta afirma que há pesquisas sobre o uso da cúrcuma, associadas à piperina (substância presente na pimenta-do-reino), para avaliar seus efeitos em relação à doença, porém pequenas demais para se alcançar um resultado conclusivo.

“Esse estudo envolveu humanos – 70 pacientes tratados com cúrcuma e piperina, 70 não tratados. É muito pouco. Este é o grande problema da cúrcuma: há muitos artigos científicos propagando a sua eficácia, mas poucos dados de qualidade apoiando-a”, constata.

Com doutorado em Ciência das Plantas pela University of Cambridge, Carlos Hotta observa ainda que o princípio ativo da cúrcuma é pouco absorvido pelo organismo e rapidamente eliminado. Isso, segundo o professor, já é um indício de que a ação da cúrcuma no corpo é improvável. “Muitos tentam minimizar essa condição combinando com outras substâncias e, por isso, usam a piperina”, aponta.

Uma das pesquisas para investigar os possíveis efeitos da cúrcuma contra a covid-19 é da UFPR, coordenada pela professora Juliana Bello Baron Maurer, do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular e do Núcleo Paranaense de Pesquisa Científica e Educacional de Plantas Medicinais (NUPPLAMED).

A pesquisa se baseou, afirma a professora, nas propriedades antivirais e anti-inflamatórias da planta, que já eram conhecidas antes da covid. O estudo partiu da pergunta: será que fitoterápicos e/ou seus produtos na forma de nanoformulações podem ser uma alternativa terapêutica para enfrentamento da covid-19 e síndromes respiratórias agudas graves?

No entanto, Juliana Maurer destaca que estão finalizando a fase 1- e ainda são necessárias outras duas etapas antes de se chegar a algum resultado conclusivo sobre a possibilidade de a cúrcuma servir no combate à doença. O que há são evidências que as espécies selecionadas – a Salvia officinalis L (sálvia) também está sendo estudada – podem ser uma alternativa promissora no desenvolvimento das formas terapêuticas.

“É uma irresponsabilidade de um profissional indicar um produto, seja natural ou não, para a covid. Além disso, temos muito conhecimento sobre a cúrcuma e, mesmo sendo um produto natural, tem contraindicações”, frisa Juliana Maurer.

Ela destaca ainda que a maioria dos estudos avalia o composto curcumina, e, “apesar de a cúrcuma ser uma planta fantástica, a gente absorve uma quantidade pequena, tendo um efeito mais a longo prazo. No caso de infecções agudas, sabe-se que os fitoterápicos não são a forma mais adequada para tratamento porque os sintomas aparecem muito rapidamente.”

Dosagem e contraindicações

A cúrcuma faz parte da lista de drogas vegetais inseridas no formulário de fitoterápicos da Anvisa – documento que traz os padrões de qualidade para a produção de medicamentos fitoterápicos. É recomendado o uso de diferentes quantidades, conforme o problema a ser tratado. Em outro documento da Anvisa, de 2010, é indicado o uso de rizomas por meio de decocção (técnica na qual o material vegetal é fervido, coado e depois consumido na forma de chá): 1,5 g (3 colheres de café) em 150 mL (1 xícara de chá).

No formulário de fitoterápicos, também há uma lista de contraindicações, como, por exemplo, para casos de obstrução dos dutos biliares, de úlcera gastroduodenal e durante a gestação, lactação e menores de 18 anos.

Independentemente da dosagem, Carlos Hotta reforça que é muito arriscado à saúde utilizar substâncias sem evidências científicas fortes, no caso a cúrcuma, para combater uma doença como a covid-19.

Cristiano Ballus acrescenta que a população precisa compreender que, no momento, não há “tratamento precoce” para a covid-19. “Alguns medicamentos para tratamento foram autorizados pela Anvisa, porém normalmente para os casos graves que estão hospitalizados. Sendo assim, a melhor maneira de prevenir o contágio é mantendo as recomendações de uso de máscara, limpeza frequente das mãos com água e sabão ou álcool em gel e distanciamento social, evitando aglomerações.”

Quem é o autor do post?

Marcos Falcão Farias Monte é médico com registro no Conselho Regional de Medicina do Estado de Alagoas, sob o número 8608-AL. A primeira inscrição na entidade é de 15 de dezembro de 2020. Não há especialidades registradas.

Em seu perfil nas redes sociais, ele descreve que faz telemedicina e oferece tratamento imediato e ainda se apresenta como ativista político. Marcos Falcão já teve outro conteúdo verificado pelo Comprova, no qual afirmava que a ivermectina era um remédio “enviado por Deus” e seguro em altas doses, o que se mostrou enganoso – nenhum medicamento é seguro fora das doses estipuladas

As postagens que fez sobre a cúrcuma já não estão mais disponíveis nos perfis do Instagram e do Twitter. Em uma das páginas que o médico mantém no Instagram, ele informa que o perfil principal foi banido pela rede social e menciona que também sofreu sanção do YouTube, mas não diz por quais publicações recebeu as punições e atribui à influência que exerce sobre seus seguidores.

Marcos Falcão foi procurado pelo Comprova por e-mail, porém, não deu retorno.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova checa conteúdos suspeitos sobre o governo federal ou a pandemia que tenham atingido alto grau de viralização. A postagem do médico chegou a ter 6,5 mil interações.

Conteúdos imprecisos sobre medicamentos “milagrosos” que supostamente combatem o coronavírus podem fazer com que a população acredite e use produtos indevidamente, podendo agravar o quadro de infecção ou levar a outros problemas de saúde. Não existe “tratamento precoce” para a covid-19 e a desinformação oferece risco porque, se as pessoas acreditarem, deixam de adotar os cuidados necessários para se prevenir.

O Comprova já demonstrou, por exemplo, ser enganoso que o uso de hidroxicloroquina seja eficaz contra a covid-19 e que a Universidade de Oxford tenha encontrado ‘fortes indícios’ da eficácia da ivermectina para a doença. Até o momento, as medidas defendidas pelas autoridades sanitárias continuam sendo a vacinação, que também já foi alvo de boatos e desinformação, o uso de máscaras, distanciamento social e higienização frequente das mãos.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

 

Saúde

Investigado por: 2021-07-07

Infecção de Rodrigo Faro não prova ineficácia da vacina contra a covid-19

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa uma postagem no Instagram que questiona a eficácia da vacinação contra a covid-19 ao mostrar fotografias do apresentador Rodrigo Faro, que testou positivo para a doença uma semana após ter sido imunizado. Especialistas ouvidos pelo Comprova explicam que a proteção completa e ideal só ocorre em torno de duas a três semanas após a segunda dose.
  • Conteúdo verificado: Publicação no Instagram apresenta montagem com duas fotos do apresentador Rodrigo Faro, uma no dia 25 de junho de 2021, quando ele foi imunizado contra a covid-19, e outra no dia 3 de julho de 2021, no leito de um hospital após ser contaminado. A legenda “mais um famoso mostrando a eficácia da vacina!” ironiza a imunização contra a doença, dando a entender que ela não funciona.

Uma publicação enganosa no Instagram sugere que a vacina contra a covid-19 pode ser ineficaz porque o apresentador de TV Rodrigo Faro testou positivo para o Sars-CoV-2 sete dias após receber a primeira dose do imunizante. Pelo período entre a vacinação e o surgimento dos sintomas, entretanto, é possível que Faro já estivesse infectado antes de se vacinar, considerando que a doença pode levar até 14 dias após o contato com o vírus para se manifestar.

Além disso, especialistas ouvidos pelo Comprova assinalam que cada dose leva em torno de duas semanas para produzir a resposta imune. A maioria das vacinas aplicadas no Brasil (Coronavac, Astrazeneca e Pfizer) também exige duas doses para completar o esquema vacinal e, nestes casos, a pessoa só poderia ser considerada imunizada 15 dias após receber a segunda dose. No país, apenas a Janssen é de única aplicação. A assessoria de Faro foi procurada, mas não informou que vacina o apresentador recebeu.

Os especialistas também ressaltam que cada vacina tem diferentes percentuais de eficácia e que a proteção contra o vírus depende da genética e do sistema imune de cada indivíduo. O aparecimento de novas variantes, como a Gama, que surgiu no Brasil, ou a Delta, já identificada em território nacional, também pode ter um papel na contaminação de pessoas já vacinadas, uma vez que os imunizantes foram desenvolvidos para proteger contra o vírus original e a eficácia diante das novas cepas ainda está sendo estudada.

Por isso, mesmo pessoas que tenham completado o esquema vacinal devem manter medidas para evitar o contágio, como o uso de máscara, o distanciamento social e a higienização das mãos até que a transmissão do vírus seja contida no país.

A página @ o_desesquerdizador, que publicou originalmente o conteúdo, afirma que em nenhum momento escreveu que a vacina não funcionava; apenas levantou uma dúvida, tendo em vista a data da vacinação. Procurada, a página @ transdedireita_of, que replicou a postagem, não respondeu ao Comprova.

Como verificamos?

Procuramos o perfil de Rodrigo Faro nas redes sociais e reportagens na imprensa para entender quando ele foi vacinado e quando passou a apresentar sintomas. A assessoria do apresentador foi procurada para mais detalhes, mas não respondeu ao Comprova.

Com base nisso, buscamos informações em sites de órgãos públicos e em verificações anteriores do Comprova sobre o funcionamento do esquema vacinal e a eficácia das vacinas contra a covid-19 aplicadas no Brasil.

Também entrevistamos o presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Juarez Cunha, e a médica infectologista Sylvia Lemos Hinrichsen, consultora em biossegurança, para entender se é possível as pessoas serem infectadas após receberem os imunizantes.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 7 de julho de 2021.

Verificação

Vacinação e contaminação

Conforme amplamente divulgado pela imprensa , (Terra, Estadão, Isto É, Folha)  Rodrigo Faro testou positivo para covid-19 no dia 2 de julho, uma semana após receber a primeira dose da vacina contra a covid, em 25 de junho.

A penúltima publicação dele no Instagram, no dia 3, é de uma foto na qual aparece deitado em um leito hospitalar, utilizando uma máscara de proteção, com a legenda “vai dar tudo certo”.

Pouco mais de uma semana antes, no dia 25, o artista postou uma foto sendo imunizado e comemorando ter recebido a vacina, aos 47 anos. Não há, nas publicações, referências à qual vacina ele recebeu. O Comprova solicitou essa informação à assessoria dele, mas não foi respondido. No dia 6 de julho, o artista fez nova publicação, desta vez em casa.

Apesar da publicação aqui verificada ironizar o fato de o apresentador ter adoecido após a vacinação, especialistas ouvidos pelo Comprova lembram que a imunização total só ocorre 14 dias após a última dose aplicada. Além disso, nenhuma vacina desenvolvida contra a doença até o momento possui 100% de eficácia.

Em entrevista concedida ao Comprova, Juarez Cunha, da SBIm, afirma que em locais como o Brasil, onde há alta carga da doença, têm sido observados casos de pessoas infectadas com covid-19 mesmo após a vacinação. Porém, a tendência é terem quadros mais leves. “Ser vacinado, mesmo com uma ou duas doses, não significa uma proteção total, mas uma chance muito grande de proteção contra a forma grave da doença”, observa.

Conforme o especialista, artigos científicos têm demonstrado que entre duas e três semanas após a primeira dose já se tem uma proteção considerável com as vacinas utilizadas no país.

Outro detalhe apontado pelo médico é a existência do escape vacinal em relação a qualquer vacina e em qualquer situação onde há muita circulação do vírus. ”Ou seja, mesmo as pessoas vacinadas podem ter a doença. O escape vacinal não significa que a vacina não está protegendo; ela protege contra formas mais graves”, diz.

Na mesma linha, a médica Sylvia Lemos Hinrichsen afirma que o organismo começa a produzir anticorpos de 14 a 15 dias após cada dose. “Há pessoas que se vacinam já infectadas e apresentam em até sete dias a doença”.

De acordo com ela, nestas brechas de tempo até que a produção de anticorpos seja iniciada, muitas pessoas estão se reunindo e relaxando em relação aos cuidados com a prevenção, como o uso de máscara, a lavagem das mãos e o distanciamento social. “Pessoas vão para restaurantes, tiram a máscara, comem, ficam em lugares fechados. As pessoas se aglomeram mesmo com quatro, cinco, seis pessoas… e aí existem as brechas”, afirma.

A médica recorda, também, que as vacinas não são 100% eficazes. “Existem margens (de eficácia) porque depende de cada pessoa e da produção de anticorpos de cada uma, da genética e das exposições. Ainda temos como agravante que essas vacinas não foram preparadas para as mutações, elas foram preparadas para um coronavírus que depois passou por mutações. E podem existir brechas, principalmente se as pessoas entram em contato com outras pessoas. Elas podem ter contato, inclusive, com pessoas assintomáticas e transmissíveis”, resume.

De acordo com Sylvia, a diminuição da contaminação depende da cobertura vacinal, ou seja, que um maior número de pessoas vacinadas gere a proteção de umas para as outras. “Desta forma, com uma população acima de 70% ou 80% vacinada, o vírus circula menos e, circulando menos, transmite-se menos e evita-se que as pessoas tenham possibilidade de adquirir a doença”.

Eficácia das vacinas aplicadas no Brasil

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Anvisa recomendam que a eficácia geral de uma vacina seja de, ao menos, 50%. A taxa de eficácia geral representa a proporção de redução de casos entre o grupo vacinado, comparado ao não vacinado nos testes clínicos. No Brasil, atualmente, quatro vacinas possuem autorização para aplicação. Dentre elas, a Astrazeneca tem em eficácia de 63,09%, a Pfizer de 95%, a Coronavac de 50,38% e a Janssen de 66,9%.

Sylvia Hinrichsen pontua que as vacinas são novas e ainda não se sabe com exatidão quanto tempo dura a proteção de quem foi imunizado. Por esse motivo, inclusive, a possibilidade de doses de reforço estão sendo estudadas. A médica destaca que os imunizantes foram aprovados em caráter emergencial e, alguns, em definitivo, passando por testes de primeira, segunda e terceira fase, que mostraram eficácia em grupos de estudo. A partir disso, em dezembro de 2020 começaram a ser aplicados na população mundial. “Ainda não chegamos a um ano (de imunização). Não sabemos quanto tempo essas vacinas vão ficar protegendo as pessoas. O que se tem agora são estudos prospectivos em cima de hipóteses”.

Outras medidas devem ser mantidas

Após os Estados Unidos liberarem pessoas imunizadas de utilizarem máscaras e de respeitarem o distanciamento social, a OMS se posicionou sustentando que o uso obrigatório do equipamento de segurança não deve levar em conta apenas a imunização. Conforme o diretor-executivo da entidade, Michael Ryan, é fundamental levar em conta a transmissão comunitária antes de relaxar medidas antitransmissão.

A médica Sylvia Hinrichsen concorda, lembrando que os efeitos da vacina são coletivos, e não individuais. “É uma ação coletiva. Eu posso estar vacinado e ir para uma área onde existam riscos e pessoas assintomáticas ou sintomáticas, que me transmitam a possibilidade de eu me reinfectar. Infelizmente, nós vamos ter que conviver com esse vírus e com medidas restritivas, flexibilizadas ou não; e com medidas como a higienização das mãos enquanto não tivermos um bom número de pessoas vacinadas”, sustenta.

Ela apresenta como exemplo o caso de Israel, que restabeleceu recentemente a obrigação de usar máscara em lugares públicos fechados e em empresas, após aumento dos casos de covid-19 mesmo com mais da metade do país tendo recebido as duas doses da vacina. “Uma opinião minha pessoal é que as pessoas devem manter as restrições até se ter um maior número de pessoas vacinadas, mais de 70% ou 80%”.

Também defendendo a continuidade da adoção de medidas protetivas paralelas à vacinação, Juarez Cunha destaca a existência de variantes, o que deixa a cobertura vacinal menor. “Por isso é importante que mesmo as pessoas vacinadas continuem se cuidando”.

Autores do post

A postagem aqui verificada foi feita no Instagram pelo perfil @ transdedireita_of, que se define como transexual de direita, conservadora, cristã e apoiadora do presidente Jair Bolsonaro. O Comprova entrou em contato via mensagem direta, mas não obteve resposta.

A foto publicada, entretanto, possuía o selo da conta @ o_desesquerdizador, também na plataforma, onde a equipe localizou a mesma postagem com a legenda “nada contra Rodrigo Faro, apenas mais um famoso mostrando a eficácia da vacina”.

Este afirma ser um site de notícias e mídia para “desesquerdizar com fatos e humor e ajudar restaurar a ordem e o progresso desse país, destruídos por socialistas”.

O perfil também foi procurado e respondeu que em momento algum está escrito na publicação que a vacina não funciona ou que o apresentador foi contaminado pelo imunizante, acrescentando ter publicado um fato: “ele testou positivo uma semana após se vacinar mesmo sendo adepto de máscaras e distanciamento social”.

O responsável pela conta defendeu, ainda, ser válida a dúvida em torno da contaminação do apresentador “mesmo seguindo todas as regras que vocês pregam”, afirmando ter feito o post dentro da liberdade de expressão garantida pela Constituição Brasileira.

Por que investigamos?

Atualmente em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre a pandemia e sobre políticas públicas do governo federal. Conteúdos que falem sobre vacinas ou tratamentos contra o novo coronavírus são ainda mais necessários, já que eles podem induzir as pessoas a recusar medidas de prevenção e se expor a riscos durante a pandemia.

O conteúdo verificado aqui teve 7.776 curtidas no Instagram e mais de 500 compartilhamentos no Facebook. No primeiro perfil em que foi postado, recebeu mais de 4 mil curtidas e 324 comentários.

O Comprova já mostrou que as vacinas usadas no Brasil passaram por testes de segurança e eficácia; que são enganosas as postagens afirmando que quem tomou CoronaVac se protegeu pela metade; que um imunizante não precisa ser estudado por dez anos para ser seguro; e que a OMS não recomendou a aplicação de uma terceira dose da CoronaVac.

A AFP Checamos verificou com um conteúdo semelhante no Twitter.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Eleições

Investigado por: 2021-07-07

É falsa foto de Schwarzenegger com camiseta de apoio a Bolsonaro

  • Falso
Falso
É falsa uma foto de Arnold Schwarzenegger usando camiseta com a imagem de Jair Bolsonaro e a inscrição "Bolsonaro presidente" publicada por um lutador de MMA no Twitter. O clique original, feito em 2015, mostra o ator e ex-governador da Califórnia com uma blusa lisa com um pequeno logo da Nike pouco abaixo do ombro.
  • Conteúdo verificado: Tuíte de um lutador de MMA, apoiador de Bolsonaro, com foto de Arnold Schwarzenegger vestindo camiseta com foto do político brasileiro e a inscrição “Bolsonaro presidente”.

Uma fotomontagem que viralizou nas redes em 2020 voltou a circular nesta semana em um tuíte do lutador Renzo Gracie. Falsa, ela mostra o ator e ex-governador da Califórnia Arnold Schwarzenegger fumando charuto com uma camiseta vermelha com o retrato ilustrado de Jair Bolsonaro (sem partido) e a inscrição “Bolsonaro presidente”.

Como já haviam verificado veículos de checagem no ano passado, a foto original foi feita em 2015 pela X17, “agência de fotos de celebridades líder de Hollywood”, e publicada pelo Daily Mail.

Renzo Gracie, que postou a foto com a legenda “Vai discutir com o Arnold”, foi procurado pela reportagem, mas não respondeu até a publicação deste texto.

Como verificamos?

Ao fazer a primeira busca no Google, com as palavras “Schwarzenegger”, “Bolsonaro” e “presidente”, os resultados mostraram verificações sobre a foto investigada aqui realizadas em fevereiro e março do ano passado por veículos de checagem brasileiros UOL Confere e Aos Fatos. Incluindo a palavra “camiseta” na pesquisa, vieram outros textos classificando a imagem como falsa.

A partir dessas verificações, chegamos à foto original, publicada no Daily Mail, como informado acima. Depois, deixamos mensagem nos comentários do tuíte de Renzo Gracie, mas ele não respondeu. Como o perfil no Twitter de Schwarzenegger não permite envio de mensagens privadas, escrevemos para sua página oficial no Instagram – também sem resposta.

Além disso, pesquisamos no TweetDeck posts em que o astro de Hollywood falou sobre o Brasil ou sobre Bolsonaro – deste último não veio nenhum resultado.

Verificação

Versões

A imagem usada no tuíte de Renzo Gracie foi alterada digitalmente para incluir o retrato em preto e branco de Bolsonaro na camiseta usada por Schwarzenegger e a inscrição “Bolsonaro presidente”. A versão modificada vem sendo usada desde o início de 2020, época em que Bolsonaro já estava empossado.

Como já informado, o clique original foi feito em 2015. O astro foi flagrado na cidade americana de Beverly Hills, no condado de Los Angeles.

Na versão falsa da imagem é possível ver, inclusive, uma marca circular mais escura onde originalmente está o logotipo da Nike, marca da blusa usada pelo ator e político.

O tuíte com a falsa foto:

 

A foto original:

Schwarzenegger e Bolsonaro

O astro de “Exterminador do Futuro” e ex-governador da Califórnia nunca fez menção ao presidente brasileiro em seu perfil no Twitter, segundo uma busca no TweetDeck. O último post que ele escreve a palavra “Brasil” é de 21 de abril de 2017, quando veio ao país para divulgar seu evento voltado ao universo fitness, com concursos de fisiculturismo.

Três dias depois, ele postou uma foto com João Doria, então prefeito de São Paulo, com a mensagem: “Honrado por encontrar o prefeito @jdoriajr para discutir energia verde com @Regions20 e como estou orgulhoso por hospedar o festival @ArnoldSports em sua grande cidade”.

Em nova visita ao Brasil em 2019, Schwarzenegger recebeu das mãos do deputado federal Alexandre Frota um “certificado de reconhecimento”, espécie de homenagem feita por Bolsonaro, fã de políticos republicanos, como o ator. No diploma, está a mensagem do presidente: “Ao ilustríssimo senhor Arnold Schwarzenegger. Os agradecimentos da República Federativa do Brasil pela sua dedicação e integridade durante sua trajetória na vida artística, social e política”.

O autor do tuíte

Mestre em jiu-jitsu, Renzo é neto de Carlos Gracie e sobrinho-neto de Hélio Gracie, considerados os fundadores do “jiu-jítsu brasileiro”. É carioca e tem uma rede de academias com unidades em cidades como Nova York e Rio de Janeiro.

Segundo a Vejinha, a unidade de sua academia em Nova York é frequentada por personalidades como o cineasta Guy Ritchie e o ator Keanu Reeves, e por lutadores de MMA que figuram entre os melhores do mundo, como os americanos Chris Brennan e Frank Edgar.

Em 15 de agosto de 2019, o lutador foi nomeado “embaixador do turismo” pela Embratur, título que se refere ao trabalho voluntário de divulgação do Brasil no exterior.

Duas semanas depois, em 1º de setembro daquele ano, ele gravou um vídeo em que chamava o presidente da França, Emmanuel Macron, de “franga”. Como mostrou a Folha, referindo-se às acusações de omissão do governo brasileiro em relação às queimadas na Amazônia, ele disse, na gravação: “Macron… I’m sorry, Micron, Micron. ​Tá falando mal do meu país… O único fogo que tem é no coração dos brasileiros e do nosso presidente, seu palhaço”. E continuou: “Vem aqui que tu vai tomar um gogó nesse pescoço, nesse pescoço de franga. Não me engana não, porra. Aqui o merthiolate tá ardendo”.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais sobre a pandemia ou sobre políticas públicas do governo federal.

O tuíte checado aqui – que foi compartilhado cerca de 256 vezes e gerou mais de 1,7 mil reações – relaciona um grande astro de Hollywood e político dos Estados Unidos com o presidente brasileiro, tentando passar a falsa mensagem que Schwarzenegger apoia Bolsonaro.

Acompanhada da legenda “Vai discutir com o Arnold”, a foto tuitada por Renzo Gracie gerou comentários debochando do trabalho de jornalistas e agências de checagem.

“Parabéns, já pode ser contrato (sic) pela Folha, vai diretamente para o departamento de explicação de memes e piadas”, escreveu um seguidor do lutador. “Avisa que é meme porque se não as agências verificadoras vão dizer que é falsa a informação!”, seguido de vários emojis chorando de rir, comentou outro.

O que esses usuários talvez não tenham visto é que outras pessoas acreditaram na falsa foto e, por isso, a verificação é importante.

Neste ano, o Comprova já publicou diversos conteúdos que, como o verificado aqui, distorcem a realidade para defender ou apoiar o presidente. Alguns exemplos são o que afirmava que obras em Pernambuco entregues por Dilma Rousseff e Michel Temer haviam sido concluídas pelo atual presidente e o que acusava falsamente os irmãos Miranda de terem forjado documento relacionado à compra da Covaxin.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.