O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa, apartidária e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação para zelar pela integridade da informação que molda o debate público. O objetivo é oferecer à audiência uma compreensão clara e confiável dos acontecimentos e contribuir para a integridade do ambiente digital e para uma sociedade mais bem informada e resiliente à desinformação e a golpes e fraudes virtuais.
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Política

Investigado por: 26/06/2025

Comentários em redes sociais simulam censura e a atribuem enganosamente a Alexandre de Moraes

Política
Falsas notificações usam ironia para insinuar censura do ministro do Supremo Tribunal Federal

Diferentemente do que insinuam posts nas redes sociais, não há qualquer determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para a remoção de comentários opinativos nessas plataformas.

Uma série de postagens e comentários em posts usam, de forma mentirosa, o símbolo “ⓘ”, comumente associado a alertas oficiais de redes sociais, para sugerir que o comentário foi removido por ordem judicial. Há um comentário usando o símbolo, seguido da frase “Comentário removido por determinação do Ministro Alexandre de Moraes”, inclusive em um post do Comprova sobre a Lei Magnitsky – não é verdade que o comentário do usuário tenha sido removido ou tirado do ar.

A publicação investigada também ironiza o conteúdo publicado pelo Comprova, que detalha uma audiência ocorrida em 22 de maio de 2025, na Comissão de Relações Exteriores da Câmara de Representantes dos Estados Unidos. Na ocasião, o deputado republicano Cory Mills apresentou ao secretário de Estado, Marco Rubio, críticas à atuação do ministro Alexandre de Moraes. Mills acusou o magistrado de promover uma “censura generalizada e perseguição política”, com supostos impactos não apenas sobre cidadãos brasileiros, mas também sobre pessoas que residem em território norte-americano. A frase “Comentário removido por determinação do Ministro Alexandre de Moraes” aparece em tom irônico, mas sem deixar claro que se trata de uma crítica satírica.

O Comprova apurou que essa mensagem é repetida em diferentes redes sociais ao menos desde 2024 e reaparece com frequência em momentos em que decisões judiciais relacionadas a plataformas digitais ganham repercussão. A frase reforça uma visão já difundida por setores políticos simpáticos ao bolsonarismo, que rotulam Moraes como “ditador”, após decisões que determinaram o bloqueio de contas envolvidas na disseminação de desinformação eleitoral. Apesar do tom de ironia, o comentário, por ser repetido com frequência, contribui para confundir o público sobre as ações de Moraes.

Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova

O comentário na publicação do Comprova foi feito por um perfil privado no Facebook, e o autor não pôde ser identificado. Também não foi possível localizar outras redes associadas à mesma conta. No entanto, o mesmo conteúdo circula em postagens antigas no X, inclusive em agosto de 2024, durante o impasse entre Alexandre de Moraes e Elon Musk, dono da plataforma.

À época, o ministro ordenou a suspensão do X no Brasil após Musk se recusar a nomear um representante legal da empresa no país.

A reportagem tentou contato com a conta responsável pelo comentário, mas não obteve resposta até a publicação desta checagem.

Por que as pessoas podem ter acreditado

A repetição deste conteúdo com diferentes roupagens — seja como comentário irônico, legenda de imagem ou resposta sarcástica — ajuda a construir uma narrativa familiar e enganosa, especialmente entre os grupos mais críticos às decisões do STF. A ironia do texto e o uso de símbolos que imitam alertas oficiais de redes sociais tornam o conteúdo mais crível para parte do público, mesmo sem apresentar evidências de censura real. A escolha por uma fonte itálica serifada, diferente da utilizada pelo Instagram, reforça a ilusão de autenticidade, sugerindo que se trata de uma notificação oficial da plataforma.

O comentário enganoso ganha força diante das acusações de censura direcionadas ao ministro Alexandre de Moraes. Parte dessas acusações se apoia em decisões anteriores do ministro, como a de 2022, quando ele determinou a remoção de 135 conteúdos considerados desinformativos e que, segundo o STF, colocavam em risco a integridade do processo eleitoral.

Desde então, Moraes passou a ser alvo de críticas mais duras por setores da população, especialmente entre simpatizantes do movimento bolsonarista, que o rotulam como “ditador” e apontam as medidas como forma de perseguição política, ainda que elas estejam fundamentadas em decisões judiciais contra a desinformação.

Fontes que consultamos: O Comprova buscou no Google a frase e o símbolo usados na publicação enganosa, resultando em inúmeras postagens de diferentes redes sociais que contêm a mesma mensagem. Também foi analisado o conteúdo da matéria explicativa, que motivou o comentário investigado e, na sequência, pesquisa de reportagens da imprensa profissional que noticiaram as acusações de censura contra o ministro.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já evidenciou que é enganoso post que afirma que Alexandre de Moraes planeja “corroer a democracia por dentro” e já explicou as implicações da Lei Magnitsky, citada por secretário de Estado dos EUA como possível ferramenta de sanção a Moraes.

Notas da comunidade: Até o momento, as publicações com o falso comentário não foram notificadas pelo X ou pelo Instagram, e os conteúdos seguem disponíveis para os usuários.

Política

Investigado por: 26/06/2025

Lula não fez declarações públicas sobre apoiar o Irã na guerra, como sugere vídeo feito com IA

Política
Post com vídeo narrado por inteligência artificial inventa declarações do presidente brasileiro.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não falou em enviar soldados para o Irã ou mencionou apoio bélico ao país na guerra contra Israel. Vídeo narrado por inteligência artificial afirma que o mandatário teria afirmado em “coletiva tensa” que o Brasil pode apoiar o Irã com envio de tropas, mas não há registro dessa fala nas coletivas e discursos de Lula sobre o conflito.  

Até o momento, o presidente não fez falas públicas sobre o confronto. Em Sessão Ampliada da Cúpula do G7, no Canadá, na última terça-feira (17/6), Lula citou os ataques à Faixa de Gaza e outros confrontos ao redor do mundo, mas não citou o nome de Israel ou do Irã. “Em Gaza, nada justifica a matança indiscriminada de milhares de mulheres e crianças e o uso da fome como arma de guerra”, declarou. 

Em 13 de junho, data do primeiro ataque ao Irã, que deu início ao confronto, o Itamaraty condenou a ofensiva israelense. O texto pede aos envolvidos o “exercício da máxima contenção e exorta ao fim imediato das hostilidades”.

No dia 22, o órgão afirmou que “o governo brasileiro expressa grave preocupação com a escalada militar no Oriente Médio e condena com veemência, nesse contexto, ataques militares de Israel e, mais recentemente, dos Estados Unidos, contra instalações nucleares, em violação da soberania do Irã e do direito internacional”. Na mesma publicação, disse que “o Brasil ressalta a urgente necessidade de solução diplomática que interrompa esse ciclo de violência e abra uma oportunidade para negociações de paz”.

Em contato com o Comprova, a Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) afirmou que o conteúdo é falso. “A Secom lamenta que, em vez de se pautarem pela verdade, determinados agentes escolham propagar conteúdos distorcidos para confundir e manipular a opinião pública”, disse o órgão.

Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova 

Conteúdo foi publicado por conta no TikTok que afirma compartilhar “notícias reais bombásticas”. O perfil apresenta vídeos narrados por inteligência artificial com histórias sobre Lula, Jair Bolsonaro, Donald Trump, Alexandre de Moraes e outros nomes da política. 

Vídeos têm tom alarmante sobre supostos discursos que “pegaram as pessoas de surpresa”. Os conteúdos não apresentam fontes e geralmente terminam com uma chamada para a segunda parte da história. 

O perfil conta com 62 mil seguidores. Até o momento em que esta verificação foi publicada, o vídeo analisado apresentava 220 mil visualizações. Procurado, o perfil não respondeu à tentativa de contato do Comprova. 

O uso da inteligência artificial na narração dos vídeos pode ser detectado pela voz robótica e, no caso do post verificado, o Comprova também fez análises com uso dos programas InVid-WeVerify e Hive Moderation. Ambas apontaram o uso de IA no áudio: segundo a primeira, há 99% de probabilidade de a voz ter sido criada digitalmente, e, a segunda apontou 83,8% de chance.

É importante alertar que plataformas de detecção como essas são passíveis de erro, mas em conjunto com outras evidências ajudam a identificar conteúdos manipulados.

I Legenda: Capturas de tela mostram resultados dos programas InVid-WeVerify e Hive Moderation I

Por que as pessoas podem ter acreditado

O vídeo investigado usa imagens reais do presidente para ancorar insinuações feitas na narração e nas legendas, mas não faz referência a nenhuma coletiva ou fonte oficial, o que configura uma tentativa de manipulação de evidências e imitação de uma notícia para parecer convincente.

Além disso, o vídeo utiliza linguagem emocional e alarmismo (“nossos jovens irão lutar”, “crise sem precedentes”, “o clima esquentou em Brasília”) para provocar medo e indignação, estimulando uma reação emocional em vez de racional. Há também uma clara exploração de viés cognitivo de confirmação, ao sugerir uma narrativa sensacionalista que pode reforçar crenças pré-existentes em setores críticos ao governo. O uso de perguntas retóricas e o formato em “capítulos” também remete a uma estratégia de inundação informacional e engajamento com o objetivo de manter a atenção do público e amplificar a disseminação do conteúdo.

Fontes que consultamos: Reportagens sobre a Cúpula do G7 e a guerra entre Irã e Israel, pronunciamentos oficiais do presidente, contato com a Secom e análise dos detectores de IA Hive Moderation e Invid-WeVerify.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já desmentiu que o Brasil tenha enviado urânio para o Irã. A agência Aos Fatos também checou e mostrou que é falsa a informação de que Lula vai enviar tropas para atuar na guerra. Já o Boatos.org listou quatro peças de desinformação que têm circulado sobre a relação do Brasil com o conflito.  

Política

Investigado por: 23/06/2025

Vídeo usa IA para manipular imagens de Lula no G7 e simular embriaguez

Política
Publicação usa montagem com imagens alteradas e música irônica para espalhar desinformação sobre o comportamento do presidente durante a cúpula no Canadá

É manipulado com ferramentas de inteligência artificial o vídeo que sugere que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estava sob o efeito de álcool durante o encontro do G7, realizado no Canadá em junho de 2025. O conteúdo, publicado no Instagram com trilha sonora irônica e distorções visuais, foi criado para insinuar que o presidente cambaleava e se comportava de forma inadequada diante de outros líderes mundiais.

O Comprova verificou a utilização de IA no vídeo através da plataforma Hive Moderation, que concluiu que o vídeo possui 99,9% de chance de ter sido criado artificialmente. Essas ferramentas, porém, não são infalíveis: elas indicam probabilidades, não certezas, e devem ser usadas como apoio, junto a outras evidências de verificação.

No conteúdo em questão, há várias evidências que deixam clara a manipulação. A imagem apresenta distorções típicas de conteúdos gerados por IA. Um exemplo claro ocorre no momento em que Lula abraça o presidente ucraniano Volodimir Zelenski: os dedos de suas mãos aparecem fundidos. Além disso, os óculos do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, desaparecem e aparecem desfigurados em determinados trechos da gravação.

A postagem usa como única fonte o próprio vídeo manipulado, acompanhado da música “Marvada Pinga”, que reforça a falsa narrativa de embriaguez. Embora a legenda da postagem informe que se trata de um conteúdo gerado por inteligência artificial, muitos usuários comentaram como se o vídeo fosse real.

A cena faz parte de um momento de distração durante a tradicional foto oficial da cúpula. Lula conversava com o presidente do Conselho Europeu, António Costa, tendo ao lado a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, enquanto os líderes se posicionavam para o registro. Ao ser alertado pelos demais participantes, Lula retomou sua posição para a fotografia, sem nenhum comportamento inusitado ou fora do protocolo diplomático.

Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova

O vídeo analisado foi publicado por um perfil do Instagram que conta com 161 mil seguidores. A página tem como prática comum o uso de inteligência artificial para ironizar e atacar figuras públicas associadas à esquerda, especialmente Lula. Em sua bio, o perfil divulga uma chave Pix para doações e utiliza uma seta com as cores da bandeira do Brasil como imagem de perfil.

A recorrência de conteúdos manipulados com o mesmo tema – geralmente associando Lula ao consumo de álcool ou a comportamentos constrangedores – indica uma estratégia sistemática de desinformação voltada para reforçar estigmas e alimentar a polarização política.

O perfil não utiliza fontes confiáveis para embasar as alegações apresentadas nos vídeos e não deixa claro que o conteúdo publicado tem caráter humorístico ou satírico. Apesar de criar imagens e cenas absurdas, o autor das postagens não admite de forma transparente que se trata de uma produção voltada ao entretenimento. Em vez disso, o conteúdo é divulgado sem contextualização, o que pode induzir parte do público a interpretá-lo como verdadeiro. Essa ambiguidade favorece a disseminação de desinformação, especialmente em temas politicamente sensíveis.

O Comprova entrou em contato com o perfil por meio do Instagram, mas não obteve retorno até a publicação desta verificação.

Por que as pessoas podem ter acreditado

A publicação utiliza uma combinação de elementos visuais, trilha sonora e contexto político para criar uma narrativa enganosa. O vídeo mostra o presidente Lula em interações constrangedoras com outros líderes mundiais durante o G7, enquanto a música “Marvada Pinga” toca ao fundo — o que reforça a insinuação de que ele estaria embriagado. Esse recurso sonoro funciona como uma sugestão indireta, mas poderosa, que molda a interpretação do público sem precisar de uma afirmação explícita.

Embora a descrição do vídeo indique que ele foi gerado por inteligência artificial, o aviso aparece de forma sutil e pode passar despercebido por usuários desatentos ou com menor familiaridade com esse tipo de tecnologia. A ausência de uma sinalização clara de que se trata de uma peça de humor ou ficção colabora para a ambiguidade da postagem.

Além disso, a publicação explora estereótipos e críticas recorrentes ao presidente, o que pode ativar crenças pré-existentes e gerar uma aceitação automática do conteúdo por parte de quem já tem posicionamento político contrário. A combinação de elementos visuais realistas e ausência de fontes verdadeiras cria uma aparência de verossimilhança que pode confundir o espectador e levá-lo a acreditar que os eventos retratados realmente aconteceram.

Fontes que consultamos: O Comprova utilizou a ferramenta Hive Moderation. Também foram consultados o portal jornalístico Poder360, e o vídeo original publicado pelo canal canadense Global News.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Outras checagens sobre o tema: A investigação do vídeo viral também foi realizada pelo Aos Fatos, Reuters e Estadão Verifica. Além disso, o uso de IA tem sido cada vez mais recorrente nos conteúdos de desinformação. O Comprova verificou, recentemente, por exemplo, que vídeos virais de escultura de areia de Bolsonaro foram gerados com a ferramenta.

Política

Investigado por: 23/06/2025

Alta no preço do café se deve ao clima e não a medidas do governo Lula, como sugere post

Política
Publicação afirma que Lula “destrói a economia” e relaciona afirmação ao aumento, em 12 meses, de 82% no preço do café moído, mas especialistas apontam que elevação se deve principalmente a fatores climáticos e limitações de áreas produtivas.

O aumento no preço do café nos últimos meses se deve a safras abaixo do esperado e questões climáticas, sem relação direta com medidas do governo Lula (PT), ao contrário do que sugere um post publicado na rede social X. A postagem cita uma alta de 82% no preço do café em 12 meses, que de fato corresponde à variação do valor do café moído no país no período entre maio de 2024 e maio de 2025, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas relaciona o aumento a ações do governo ao afirmar na mesma frase que Lula “destrói a economia”. Especialistas ouvidos pelo Comprova e por veículos jornalísticos apontam, no entanto, que a alta se deve a problemas climáticos e dificuldades estruturais nas áreas de cultivo.

A postagem investigada traz um desenho de uma sirene luminosa ao lado da frase “URGENTE –  Lula destrói a economia e preço do café sobe 82% em 12 meses”. A publicação coloca lado a lado imagens do rosto de Lula e de uma xícara de café. Com esses elementos, o post associa o aumento no preço do produto ao governo Lula. Não há referências a fontes que tenham servido de embasamento à publicação.

Uma busca reversa no Google utilizando exatamente o que está escrito no texto da publicação apresenta como resultado reportagens recentes que falam sobre o encarecimento do café. Contudo, portais como IstoÉ Dinheiro e Folha de S.Paulo não atribuem a alta ao governo Lula. Os dados analisados nas reportagens foram divulgados pelo IBGE e são referentes a variação acumulada nos últimos 12 meses. Para a IstoÉ Dinheiro, o gerente da pesquisa no IBGE, Fernando Gonçalves, afirmou que “as altas do café têm sido sucessivas. O histórico do café tem a ver com o clima em anos anteriores, não só aqui mas no mundo. Como não tem alternativa, isso aparece nos preços”.

Ao Comprova, o diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic), Celírio Inácio, confirmou o percentual de alta do café, mas afirmou que o aumento se deve a uma questão “sistêmica e estrutural, e não passa por um problema político”. Desde 2021, segundo ele, o setor passou a sofrer com estoques reduzidos em função de problemas climáticos como geadas, secas e altas temperaturas em regiões produtoras. Pesou também a falta de investimentos em ampliação de área de cultivo, tecnologia e irrigação no campo, causada pela baixa remuneração paga a produtores nos anos anteriores, no período entre 2013 e 2020.

O cenário se somou a outras dificuldades, como o aumento de fertilizantes e combustíveis após a guerra entre Rússia e Ucrânia e o crescimento da demanda por café no mercado asiático. Em 2024, a safra de café brasileira foi de 54,2 milhões de sacas, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), 1,6% menor do que a de 2023 e 14% menor do que a produção recorde de 2020. “Tivemos clima, câmbio, custo, logística, que começou a prejudicar, e poderia passar, mais essa falta de investimento sustentável, a desmotivação do produtor, o crescimento com esse consumo cada vez maior pelo mundo… Toda essa estrutura acabou fazendo com que a cadeia toda ficasse fragilizada”, explica Inácio. O dirigente ainda descarta interferência política no processo. “Independentemente de intervenção do governo, não mudaria e não vai mudar nada no sistema, porque é [uma questão de] oferta e procura”.

Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova 

A publicação foi feita por uma conta no X que se apresenta na descrição como perfil de notícias. Na foto de capa, utiliza a frase “Conheça os bastidores de Brasília”, o que pode sugerir credibilidade e remeter a um suposto acesso a autoridades e fontes na capital federal aos usuários da rede social. O perfil tinha 383 mil seguidores até o dia 23 de junho. A publicação investigada tinha 38,1 mil visualizações até a data de publicação desta verificação. Outras publicações da conta mantêm o padrão de um emoji de sirene com a palavra “URGENTE” em letras maiúsculas e uma frase sobre noticiário político nacional, como desdobramentos da denúncia contra o grupo de Jair Bolsonaro pela tentativa de golpe, denúncias sobre a fraude do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), além de publicar conteúdos relacionados ao governo Trump nos Estados Unidos.

Em novembro de 2024, o perfil já havia usado a mesma estrutura de post para criticar o governo Lula, mas desta vez associando a gestão federal ao aumento no preço da carne. O post também é iniciado com um desenho de giroflex, a palavra “URGENTE” em letras maiúsculas e a mesma frase afirmando que o governo Lula “destrói a economia”, listando em sequência cortes de carne bovina com maior aumento à época. 

Na ocasião, no entanto, especialistas afirmavam em reportagens de veículos jornalísticos como o portal g1 e a BBC News Brasil que a alta da carne se devia a fatores como clima, com queimadas e redução de área de pastagens na Amazônia, Pantanal e Cerrado, além da economia interna brasileira aquecida e da valorização do dólar. Em dezembro, a mesma estrutura de postagem foi usada para falar do aumento nos preços de produtos da ceia de Natal. Em fevereiro, foi a vez da alta do cacau e do impacto nos ovos de Páscoa.

Em geral, as notícias do perfil são de críticas à gestão Lula ou viés favorável ao grupo bolsonarista. O Comprova tentou contato com o titular do perfil por mensagem no X, mas não obteve retorno até a publicação desta verificação.

Por que as pessoas podem ter acreditado

A postagem destaca a palavra “urgente”, escrevendo-a em letras maiúsculas e sendo precedida por um emoticon de sirene. Essa técnica é usada para capturar a atenção imediata do leitor, podendo desencorajar uma reflexão mais aprofundada sobre a postagem. O texto, que é curto, atribui diretamente ao presidente Lula a culpa pelo aumento de 82% no preço do café. O uso de informações corretas, como a percentagem citada, é uma tática comum para tornar verossímil e mais convincente uma peça de desinformação. 

A postagem também usa dados impactantes e os tira de contexto. Esse tipo de artifício costuma ser usado para gerar uma indignação imediata. A escolha de termos como “destrói a economia”, aliada a temas sensíveis como escassez de alimentos e cestas básicas, reforça o apelo emocional do post e desperta sentimentos de temor e urgência no leitor. Ao mesmo tempo, a narrativa deixa de apresentar contrapontos ou dados relevantes, como projeções de estabilização de preços após a próxima safra, explicações da Abic ou IBGE, e estimativas de especialistas sobre as causas reais do fenômeno.

Fontes que consultamos: O Comprova consultou reportagens de portais jornalísticos como G1 e BBC News, dados da inflação anual calculada pelo IBGE e das safras de café no site do Conab e entrevistou o diretor-executivo da Abic, Celírio Inácio.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já mostrou que a foto de Lula com mapa-múndi invertido foi feita em reunião com IBGE e não tinha relação com plano de ação militar, apontou que era dublagem com IA o conteúdo que inventava supostas ameaças de líder de Burkina Faso contra Lula e que posts mentiam que malas com dinheiro teriam sido apreendidas com Janja na Rússia.

Notas da comunidade: Não havia notas da comunidade até a publicação deste conteúdo.

Política

Investigado por: 19/06/2025

Brasil não forneceu urânio ao Irã, nem exporta o metal para fins bélicos

Política
Postagens descontextualizam fala de Lula sobre tratado com Irã; acordo feito no Conselho de Segurança da ONU não previa fornecimento de urânio e foi rejeitado pelos EUA em 2010.

O Brasil não enviou urânio para fabricação de armas nucleares no Irã, ao contrário do que sugerem publicações do X. Os vídeos investigados tiram de contexto uma fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante a 15ª Cúpula dos Brics, realizada em 2023, em que ele defende o convite ao Irã para integrar o bloco econômico.

No vídeo, Lula cita um acordo sobre urânio feito com o Irã, mas é uma referência a um acordo feito em 2010, mediado pelo Brasil enquanto membro rotativo do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). O tratado previa envio de urânio enriquecido da Turquia para pesquisas médicas no Irã, sem qualquer menção a fornecimento brasileiro do metal ou uso militar. O tratado foi vetado pelos Estados Unidos, que firmou acordo com o Irã anos depois.

Em nota, a Secretaria de Comunicação (Secom) do Planalto desmentiu o boato e afirmou que o Brasil não forneceu urânio ao Irã e que não vende urânio para fins bélicos. O Brasil faz parte do Tratado sobre a Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) e do Tratado para a Proscrição de Armas Nucleares na América Latina e no Caribe (Tratado de Tlatelolco). Além disso, todas as instalações nucleares do Brasil são inspecionadas pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), da ONU, e pela Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC).

Os conteúdos também acrescentam outra informação incorreta de que o Brasil forneceu urânio ao atracamento de dois navios iranianos no Rio de Janeiro (RJ) em 2023. O porta-helicópteros IRIS Makran e a fragata IRIS Dena chegaram em solo brasileiro em 26 de fevereiro e ficaram até 4 de março daquele ano. Na ocasião, a Marinha do Brasil autorizou “desembarque da tripulação e convívio social, observando normas sanitárias locais vigentes em conformidade com as condições epidemiológicas na ocasião da visita”. Não há indícios de que o Brasil tenha enviado urânio ou qualquer outro item às embarcações.

Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova

O primeiro vídeo foi publicado por um perfil no X que se identifica apenas com emojis da bandeira do Brasil, do signo de leão e de Israel. A conta soma 7,8 mil seguidores e, até a publicação desta verificação, o post registrava 246,5 mil visualizações, 10 mil curtidas e 3 mil repostagens.

A descrição exalta pautas da direita, afirma “Deus acima de tudo” e faz críticas ao PT (“#EsquerdaNunca”). As publicações, em geral, defendem políticas dos Estados Unidos, apoiam Israel e chamam o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de “ladrão”. O Comprova tentou contato com o responsável, mas não obteve resposta.

A segunda peça de desinformação partiu de um perfil do X que utiliza imagens e vídeos de um avatar supostamente gerado por inteligência artificial — de acordo com a Hive Moderation, que analisou a foto do perfil e um vídeo publicado, há mais de 99% de probabilidade de que esses conteúdos sejam sintéticos. Ainda assim, vale lembrar que ferramentas de reconhecimento de IA podem apresentar falsos positivos e não são infalíveis.

A conta reúne 5,7 mil seguidores e o post alcançou 35,8 mil visualizações, 2 mil curtidas e 1 mil compartilhamentos. O perfil publica conteúdo elogioso a Jair Bolsonaro e críticas sistemáticas ao Irã, ao PT, ao Supremo Tribunal Federal e a Lula. Assim como no primeiro caso, o Comprova procurou o responsável, recebeu um breve retorno, mas logo em seguida foi bloqueado pelo perfil.

Por que as pessoas podem ter acreditado

A postagem combina conteúdo enganoso, manipulação emocional e insinuação conspiratória visando gerar indignação política. Ela utiliza táticas como linguagem inflamatória, exemplificada por expressões como “Lula ladrão”, “traição silenciosa” e a insinuação de que “a esquerda vai fingir que não aconteceu”. Essas frases são típicas de discursos polarizadores, que provocam reações emocionais intensas, especialmente em públicos já predispostos contra o presidente.

A postagem também sugere uma conspiração ao mencionar o Mossad, serviço secreto israelense, com um perfil falso (@MOSSADil). Essa técnica é comum na desinformação conspiratória que tenta conferir legitimidade ao conteúdo, ou difundir a ideia de um “vazamento interno”. Isso pode levar a audiência a acreditar na existência de vigilância ou retaliação internacional iminente, sem qualquer evidência real.

Acordo entre Brasil e Irã era para pesquisas médicas

Os vídeos analisados mostram trecho de discurso de Lula durante a 15ª Cúpula dos Brics, em 2023, na cidade sul-africana de Joanesburgo. Na ocasião, o petista defendia o convite feito ao Irã para integrar o bloco econômico. Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Etiópia e Argentina também foram convidados.

Na mesma fala, Lula comenta sobre um acordo de enriquecimento de urânio, fala que foi tirada de contexto para sugerir que o Brasil enviou urânio, metal utilizado na geração de energia nuclear e em armamentos, para o país do Oriente Médio. O acordo a que o presidente se refere não previa, porém, o envio do material pelo Brasil. O acordo foi, além disso, elogiado pelo secretário-geral da ONU na época.

O tratado foi feito por Brasil e Turquia, na época membros rotativos do Conselho de Segurança da ONU. O acordo previa o envio de urânio pouco enriquecido para o país turco que, por sua vez, enviaria urânio enriquecido ao Irã para ser utilizado em pesquisas médicas.

A negociação buscava reduzir as sanções ao programa nuclear iraniano, mas foi rejeitada pela Casa Branca, que impôs novas sanções ao Irã. Em 2012, a diplomacia brasileira atuou na mediação de um acordo entre Irã e Estados Unidos, mas Washington voltou atrás na própria proposta. O acordo entre EUA e Irã foi finalmente firmado em 2015 (até ser interrompido por Donald Trump em 2018).

Navios iranianos no Brasil

Os boatos foram compartilhados até mesmo por figuras públicas, como o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). O filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) compartilhou imagens de duas manchetes de 2023: uma de fevereiro, que fala sobre os navios iranianos, e outra de agosto, sobre o sumiço de duas ampolas de urânio em Resende (RJ). “Não é algo confirmado, mas ninguém duvidaria que estas 2 notícias possam ter relação”, diz a legenda.

Não há qualquer relação entre o sumiço das ampolas, que aconteceu meses após a saída dos navios, e o suposto envio de urânio ao Irã. Em nota, as Indústrias Nucleares do Brasil (INB), empresa pública autorizada a extrair e processar o metal, afirmou que o caso do desaparecimento foi arquivado pelo Ministério Público após “rigorosa apuração que comprovou a total inexistência de qualquer ato ilícito”.

“A investigação concluiu que se tratou de erro operacional interno, sem qualquer consequência externa. Qualquer narrativa que sugira risco ou ilegalidade é falsa, irresponsável e totalmente desconectada da realidade dos fatos oficiais. Não houve crime, dano ambiental, nem qualquer risco à população no episódio citado”, informa.

A nota do governo federal também afirma que a “INB não tem qualquer negócio com o Irã e jamais teve”.

Fontes que consultamos: O Comprova utilizou como base publicações da BBC News Brasil, G1, UOL, Agência Brasil, Memorial da Democracia e do Diário Oficial da União, além de documentos oficiais como o Tratado sobre a Não Proliferação de Armas Nucleares e o Tratado de Tlatelolco. Também foi consultada uma nota oficial da Indústrias Nucleares do Brasil. Para verificar a autenticidade visual das imagens analisadas, foi utilizada a ferramenta Hive Moderation, que detecta a probabilidade de conteúdo gerado por inteligência artificial.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Estadão Verifica, Boatos.org e Aos Fatos já desmentiram a mesma desinformação verificada aqui.

Política

Investigado por: 18/06/2025

BPC exige perícia e não prevê lista de doenças como diabetes ou hérnia de disco, diferentemente do que afirma post

Política
Vídeos que circulam no TikTok enganam ao afirmar que essas doenças garantem o automático do Benefício de Prestação Continuada; o acesso ao benefício depende de perícia médica e critérios rigorosos.

Não houve mudanças recentes na legislação do Benefício de Prestação Continuada (BPC) para viabilizar benefício a pessoas com diabetes, pressão alta e hérnia de disco, ao contrário do que alegam vídeos publicados no TikTok. Não há uma lista de doenças previstas para obtenção do BPC, sendo necessário passar por uma perícia médica.

O BPC é um auxílio previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) pago a idosos ou pessoas com deficiência — seja a condição de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo — com renda per capita familiar de até um quarto do salário mínimo (R$ 379,5). O benefício de R$ 1.518, correspondente a um salário mínimo, é pago pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social e Combate à Fome (MDS) e não exige que o beneficiário tenha contribuído para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

A última mudança na legislação aconteceu em dezembro de 2024, com a sanção da Lei nº 15.077 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que faz alterações na LOAS e em outras políticas públicas. A medida prevê o endurecimento das regras para inscrição no BPC.

Com a nova regra, passou a ser obrigatória a avaliação da deficiência para concessões administrativas e judiciais a pessoas com deficiência que tenham menos de 65 anos. A lei prevê ainda a obrigatoriedade do cadastro biométrico e a atualização do Cadastro Único (CadÚnico), que deve ser feito a cada 24 meses.

Para verificar a autenticidade desses vídeos, o Comprova usou o Hive Moderation, uma tecnologia que analisa características do vídeo e pode identificar se ele foi criado por inteligência artificial; a ferramenta indicou que há 99,9% de chance de o vídeo ter sido gerado por IA.

Ferramentas como essas podem falhar, mas outros indícios indicam ser um conteúdo gerado por IA. Um dos principais é o fato de o jornal mostrado na imagem conter palavras sem sentido e erros de impressão — por exemplo, a manchete apresenta a frase “Nearila do Notoica”, que não faz sentido.

Além disso, o Comprova realizou buscas reversas de imagem, que consistem em procurar na internet fotos ou vídeos semelhantes para encontrar correspondências, e também aplicou uma análise de DeepFake — técnica que identifica manipulações digitais em rostos, através da ferramenta inVID WeVerify. Nenhuma imagem correspondente ao jornalista apresentado nos vídeos foi encontrada, reforçando que as imagens foram criadas artificialmente.

Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova

O Comprova analisou duas publicações no TikTok que disseminaram esse conteúdo: uma com 11 milhões e outra com 89 mil visualizações.

No primeiro, o perfil apresenta-se com a descrição “Conecte-se com as notícias do Brasil. Atualizações rápidas e confiáveis”, mas, apesar da afirmação, o autor não apresenta fontes ou evidências que sustentem o conteúdo divulgado. As publicações giram em torno de assuntos relativos a benefícios sociais, como BPC, calendário do Bolsa Família e Auxílio Gás, dialogando com aposentados e pensionistas do INSS.

O segundo perfil, que reúne 28 mil seguidores, apoia sua credibilidade em uma estética de telejornal: um mesmo apresentador aparece em vários vídeos, sempre com notícias de política. Nenhum dos posts revela o nome do “jornalista” nem a emissora que ele supostamente representa. O vídeo analisado soma 3 mil curtidas, 101 comentários e 871 compartilhamentos e, como os demais, traz as hashtags #urgente e #noticias para reforçar a sensação de que se tratam de notícias recentes. O Comprova entrou em contato com os dois perfis pelo TikTok, mas não recebeu resposta até a publicação desta verificação.

Por que as pessoas podem ter acreditado

Com o objetivo de convencer o público, o vídeo utiliza táticas de persuasão, como a frase “Gente, agora é lei”, para criar uma falsa sensação de urgência e legalidade. A mensagem é direcionada a pessoas em situação de vulnerabilidade, citando doenças comuns como pressão alta e diabetes, e promete um benefício financeiro para chamar a atenção.

Para dar uma aparência de credibilidade, o autor do vídeo emprega termos conhecidos do público, como INSS, Cadastro Único e CRAS, e nega explicitamente que a informação seja falsa. A principal tática usada para enganar é a omissão do critério mais importante: o benefício não é concedido pelo diagnóstico de uma doença em si, mas pela comprovação de uma incapacidade de longo prazo que impede a pessoa de trabalhar. Ao focar apenas em doenças comuns, o vídeo engana o espectador, fazendo-o acreditar que o acesso ao benefício é mais simples do que realmente é.

Por fim, o vídeo apela fortemente à emoção para capturar a atenção das pessoas e, ao listar superficialmente os requisitos reais para obtenção do benefício, procura dar autenticidade ao post. Além disso, incentiva o compartilhamento com frases como “clica no coraçãozinho, salva e compartilha”, para ativar os algoritmos das redes sociais e aumentar o alcance da desinformação.

Fontes que consultamos: Para esta verificação, o Comprova consultou o LOAS, publicações oficiais do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) disponíveis no portal gov.br sobre mudanças no BPC, além da ferramenta NotebookLM, usada para cruzar dados das fontes citadas anteriormente.

Para analisar as imagens e áudios utilizados no vídeo, foram usadas as ferramentas Hive Moderation e InVID WeVerify, que auxiliam na identificação de elementos gerados por inteligência artificial. Os mecanismos apontam probabilidades de manipulação digital, mas seus resultados devem ser interpretados com cautela, funcionando como um indicativo complementar dentro do processo de verificação.

Também entramos em contato com o MDS, que confirmou não haver “qualquer alteração legislativa que assegure o acesso automático ao BPC com base em condições clínicas específicas”. A pasta reforça que pessoas com menos de 65 anos devem fazer avaliação biopsicossocial, agendada junto ao INSS, para acessar o benefício.

“Portanto, não existe concessão administrativa vinculada exclusivamente ao diagnóstico clínico. Isso significa que o BPC não é concedido com base apenas na Classificação Internacional de Doenças (CID) atribuída, seja ela diabetes, hipertensão, hérnia de disco ou qualquer outra. O acesso ao benefício depende, necessariamente, da avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional, que analisa de que forma as limitações impostas pela deficiência, em conjunto com barreiras do ambiente, impactam a vida do indivíduo”, finaliza.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Comprova já mostrou ser enganoso que o governo pretende acabar com o Bolsa Família e falso que Lula tenha derrubado lei de combate a fraudes no INSS. O Projeto também explica proposta que busca ampliar a ampliar tarifa social da conta de luz e quem vai pagar por isso.

Política

Investigado por: 13/06/2025

Trump não enviou recado ao Brasil sobre extradição de Zambelli, ao contrário do que afirma vídeo viral

Política
Publicação no TikTok usa imagens manipuladas por inteligência artificial e informações sem provas para sugerir apoio de Trump à deputada condenada pelo STF.

Não há registro de que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tenha se manifestado publicamente sobre um eventual pedido de extradição da deputada Carla Zambelli (PL-SP), diferentemente do que afirma um vídeo publicado no TikTok.

O conteúdo analisado alega que o governo norte-americano estaria inclinado a recusar a extradição por considerar o caso uma perseguição política disfarçada de justiça. A publicação afirma que a informação seria baseada em “fontes próximas ao presidente americano”, mas não apresenta qualquer evidência que comprove a existência dessas fontes ou de uma fala oficial de Trump.

Até a publicação desta verificação, não houve registro público de declarações do ex-presidente norte-americano sobre o caso, tampouco menções a uma perseguição política, tentativa de silenciar a oposição no Brasil ou qualquer tipo de intervenção em um eventual processo de extradição.

A única afirmação do vídeo com algum registro em veículos jornalísticos é sobre uma possível recusa do governo do norte-americano a um eventual pedido de extradição da deputada brasileira. Uma nota da coluna Painel, do jornal Folha de S.Paulo, afirmou que integrantes do governo Trump teriam sinalizado a bolsonaristas que um pedido de extradição da deputada federal brasileira seria negado pelos Estados Unidos.

A informação foi publicada em 4 de junho, um dia após vir a público a informação de que a parlamentar tinha deixado o Brasil e estaria nos Estados Unidos. Desde então, Carla Zambelli já deixou os Estados Unidos e viajou à Itália, segundo informação do aliado da deputada e ex-comentarista Paulo Figueiredo e da própria assessoria de Zambelli, divulgada em outra reportagem da Folha, em 5 de junho. Zambelli é alvo de mandado de prisão expedido em 4 de junho e atualmente em aberto, conforme mostra o Banco Nacional de Medidas Penais e Prisões (BNMP), e teve o nome incluído na lista vermelha da Interpol. O g1 e a CNN informaram que a Polícia Federal (PF) já descobriu o paradeiro de Carla e que a prisão depende das autoridades italianas.

Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova

O conteúdo foi publicado no TikTok por um perfil que conta com 53,5 mil seguidores e acumula 484 mil curtidas na plataforma. O vídeo verificado alcançou 167,6 mil visualizações e 11,6 mil curtidas até o momento em que esta verificação foi publicada.

Na descrição, o perfil se apresenta com a frase: “Nos bastidores do poder, nada é por acaso. O que a mídia cala, a gente fala.” Embora o termo “bastidores” seja usado na descrição e no nome da conta, não há qualquer informação sobre quem é o titular do perfil e nem se ele teria autoridade para obtenção de informações e bastidores sobre a Casa Branca. A página costuma compartilhar vídeos exaltando lideranças de direita, como Trump e o ex-presidente Jair Bolsonaro, e retratando outras figuras, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, de forma negativa e caricatural.

O Comprova entrou em contato com o responsável pelo perfil por meio da própria plataforma TikTok, mas não obteve retorno até o momento da publicação desta verificação.

Por que as pessoas podem ter acreditado

A publicação utiliza uma combinação de linguagem alarmista para reforçar uma narrativa de perseguição política. O Comprova analisou as imagens utilizadas pelo perfil e verificou que há 99,9% de chances de terem sido manipuladas por inteligência artificial. O vídeo afirma, sem apresentar provas, que Trump teria se posicionado contra a extradição de Zambelli, com base em “fontes próximas” não identificadas.

A retórica apela à emoção do público, com frases de efeito como “a liberdade virou alvo” e “a justiça virou arma”, sugerindo que opositores do governo são vítimas de injustiça. As imagens reforçam visualmente essa ideia, retratando Trump e Zambelli como aliados em gestos simbólicos, enquanto figuras como Moraes e Lula aparecem em cenários escuros, com expressões ameaçadoras ou associadas a símbolos de autoritarismo. O uso desse tipo de representação visual ajuda a tornar o conteúdo mais convincente, mesmo sem evidências factuais.

Trump poderia recusar pedido de extradição

Caso houvesse pedido de extradição de Zambelli ao governo norte-americano, a gestão Trump teria legitimidade para aceitar ou recusar a solicitação. Como a parlamentar rumou para a Itália dias depois, o pedido de extradição solicitado por Moraes ao Ministério da Justiça no dia 7 de junho seria endereçado ao governo da Itália, e não aos Estados Unidos.

O Tratado de Extradição entre Brasil e Estados Unidos, promulgado em 1965, prevê a possibilidade de extradição para condutas consideradas crimes nos dois países, com penas superiores a um ano de prisão.

No entanto, o dispositivo também prevê que a extradição poderá ser analisada pela autoridade do país ou mesmo não ser concedida em determinadas situações. A legislação norte-americana que define normas para extradições com países em que há tratado internacional prevê que um juiz federal poderá emitir mandado de prisão e avaliar o pedido de extradição do país estrangeiro, mas a decisão final cabe ao Departamento de Estado, que pode considerar critérios políticos e diplomáticos para aceitar ou rejeitar o pedido de extradição.

Ao Comprova, James Onnig, professor de Geopolítica da Faculdade de Campinas (FACAMP), destacou que “no caso da ex-deputada, a situação é muito complicada porque ela vai alegar que está sendo julgada por um crime político, quando na verdade está sendo julgada por um crime de ciberterrorismo, invasão de sistemas informática, do judiciário brasileiro, tentativa de forjar documentos falsos.”

Em maio deste ano, os Estados Unidos anunciaram uma política de restrições de visto a autoridades estrangeiras que emitam ou ameacem emitir mandados de prisão contra cidadãos ou residentes norte-americanos por conta de publicações em redes sociais. A medida, incluída na Lei de Imigração e Nacionalidade do país, foi vista como uma possível sanção a Moraes. O ministro foi citado em fala do secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, em uma audiência em maio no Congresso americano. Rubio afirmou que havia “grande possibilidade” de sanção contra o brasileiro.

Ao Comprova, o Ministério da Justiça e Segurança Pública informou que recebeu do Supremo Tribunal Federal a documentação referente ao pedido de extradição de Carla Zambelli. O Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) encaminhou o material ao Ministério das Relações Exteriores, na quarta-feira (11), para que fosse feita a tramitação diplomática junto à chancelaria italiana. No caso da Itália, o país tem caminhos semelhantes, com possibilidade legal de aceitar ou rejeitar eventual pedido de extradição.

Fontes que consultamos: Para esta verificação, o Comprova consultou reportagens da Folha de S.Paulo e informações oficiais do Ministério da Justiça e Segurança Pública e do Banco Nacional de Medidas Penais e Prisões. Também foi ouvido o professor James Onnig, da FACAMP.

Para analisar as imagens utilizadas no vídeo, foi usada a ferramenta Hive Moderation, que auxilia na identificação de elementos gerados por inteligência artificial. A ferramenta aponta probabilidades de manipulação digital, mas seus resultados devem ser interpretados com cautela, funcionando como um indicativo complementar dentro do processo de verificação.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já publicou que Trump não chamou Lula de “palhaço corrupto”; áudio foi manipulado digitalmente e imagem do presidente dos Estados Unidos ao lado de cadeira com nome de Bolsonaro foi criada com IA.

Política

Investigado por: 12/06/2025

Vídeos com IA tentam convencer sobre falsas paralisações de caminhoneiros

Política
Conteúdo publicado no TikTok sugere paralisações em apoio a Bolsonaro, mas não há qualquer confirmação de mobilizações reais. A investigação do Comprova mostrou que as cenas foram geradas por inteligência artificial.

Uma sequência de vídeos publicada no TikTok tenta convencer os usuários da rede de que há em curso uma paralisação em massa de caminhoneiros, motoboys e profissionais do agronegócio em todo o Brasil e conclama a população a se juntar a um movimento em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). No entanto, os vídeos são falsos e foram gerados por inteligência artificial (IA) para simular manifestações que nunca ocorreram. Não há qualquer registro ou confirmação de uma mobilização nacional de tais categorias com a finalidade alegada pelas publicações.

A análise dos vídeos, publicados a partir de 4 de junho, evidencia o uso da ferramenta Veo 3, do Google, que gera vídeos com auxílio de inteligência artificial. Em todas as imagens, é possível identificar a inscrição Veo no canto inferior direito. A curta duração dos clipes, limitada a oito segundos, é também consistente com as capacidades atuais de muitas ferramentas de IA para criação de vídeo. Um sinal evidente de que o vídeo foi gerado por IA surge aos 46 segundos, quando uma das pessoas, ao invés de caminhar, desliza pela estrada de uma forma que não é natural.

Além disso, uma análise das imagens feita com o SynthID, ferramenta do próprio Google que detecta imagens criadas com IA, confirma que os vídeos são sintéticos.

As imagens fabricadas digitalmente mostram cenários de estradas com tratores e caminhões estacionados e filas de motociclistas para conferir uma falsa aparência de veracidade às supostas manifestações.

A narrativa dos vídeos é repetitiva e segue um roteiro de desinformação. Um homem não identificado, usando um boné com a bandeira do Brasil, pede por “um país sem corrupção” e faz ataques ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em nenhuma das publicações o perfil apresenta fontes, provas de adesão ou qualquer evidência concreta da suposta paralisação.

Uma busca por notícias na imprensa profissional sobre greves ou paralisações de caminhoneiros, motoboys ou do agronegócio em apoio a Bolsonaro não retorna qualquer resultado que confirme a mobilização.

No dia 9 de junho, o jornal O Tempo, de Belo Horizonte, noticiou uma greve de transportadores de combustíveis em Minas Gerais. Contudo, as reivindicações deste grupo eram de natureza trabalhista e direcionadas à empresa contratante, não havendo qualquer relação com pautas políticas ou apoio a Bolsonaro.

Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova

O perfil responsável pela publicação dos vídeos não apresenta nenhuma informação pessoal sobre quem o administra. Não há nome, e-mail, localização ou dados de contato. O Comprova tentou contato com o autor do conteúdo por meio de mensagem direta pelo TikTok, mas até a publicação desta checagem não obteve resposta.

Aparentemente a página foi criada com o objetivo de divulgar esse tipo de conteúdo. Eles seguem a mesma linha visual e narrativa, o que pode indicar uma ação coordenada. A defesa explícita de Bolsonaro e os ataques ao sistema judiciário e a Lula sugerem que as publicações possuem motivação política alinhada ao bolsonarismo.

Até o dia 11 de junho, o perfil acumulava 13,3 mil seguidores e 98,8 mil curtidas. Os vídeos obtiveram 925 mil visualizações somadas.

Por que as pessoas podem ter acreditado

Os vídeos são construídos para simular uma realidade convincente, usando IA para criar cenários que imitam manifestações verdadeiras, utilizando elementos visuais para passar credibilidade: veículos em movimento na estrada, pessoas em motos e até símbolos patrióticos como bonés e flâmulas com a estampa da bandeira do Brasil. Além disso, a capacidade recente de criação de imagens hiper-realistas por IAs ainda não é de pleno conhecimento público e pode levar as pessoas a acreditarem em vídeos sintéticos.

Outro elemento usado para tentar dar confiabilidade às publicações é uma suposta entrevista concedida à repórter de uma TV ainda que não identificada.

Há também um apelo emocional pois o conteúdo é alarmista ao mostrar um cenário de crise e urgência, elementos que colaboram para que o público se sinta compelido a compartilhar e apoiar a causa. O uso de datas próximas e chamadas diretas como “vamos para Brasília” também ajuda a criar uma sensação de mobilização real.

Fontes que consultamos: O Comprova analisou o contexto dos vídeos compartilhados no perfil e identificou a logo da Veo 3, modelo de geração de vídeo por inteligência artificial mais recente do Google, no canto inferior direito dos vídeos. O conteúdo foi analisado com auxílio do SynthID Detector, ferramenta criada pelo próprio Google para detectar conteúdos gerados por IA. Buscamos também por informações publicadas em veículos de imprensa sobre manifestações e paralisações recentes no país.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já verificou um vídeo usa IA para simular crítica do papa a Lula no Jornal Nacional e conteúdos virais de escultura de areia de Bolsonaro foram gerados com IA. Também explicamos que ferramentas de IA podem falhar em checagens e buscas.

Comprova Explica

Investigado por: 10/06/2025

Ferramentas de IA podem falhar em checagens e buscas. Entenda por quê

Comprova Explica
Ferramentas de Inteligência Artificial, adotadas como alternativas para buscas e verificação de conteúdos, são treinadas com grandes volumes de informação e podem reproduzir erros, com respostas desatualizadas, simplificações ou informações incorretas.

O uso de ferramentas de Inteligência Artificial como fonte de informação é cada vez mais comum, mas os resultados podem ser imprecisos, provocar danos ou até colocar em risco a saúde de pessoas que seguem orientações sem validá-las com fontes confiáveis.

O problema se agrava quando a IA responde sobre temas frequentemente alvo de desinformação, como vacinas contra a covid-19. Mesmo informações já desmentidas por órgãos oficiais e estudos científicos podem ser reproduzidas de forma imprecisa ou descontextualizada pelas IAs.

O Comprova Explica o funcionamento dessas IAs e analisa um caso em que o Grok, chatbot de inteligência artificial do X, responde a uma pergunta de um usuário sobre supostos efeitos colaterais de vacinas.

As ferramentas de IA sempre trazem respostas corretas?

Não. Ferramentas de IA como o Grok, ChatGPT, Gemini e outras são treinadas com grandes volumes de informação, mas não têm senso crítico ou compromissos com valores éticos. As IAs também podem fornecer informações incorretas ou desatualizadas e cometer erros que refletem preconceitos presentes nos dados de treinamento ou gerados por uma má interpretação da pergunta que deveriam responder.

De acordo com o monitor de desinformação em IA da NewsGuard, durante o mês de março de 2025, os 11 principais chatbots analisados repetiram afirmações falsas em 30,9% das respostas. Entre os observados estão o ChatGPT-4 (OpenAI), o Grok (xAI), o Claude (Anthropic) e o Gemini (Google). Além disso, quando se considera também as respostas evasivas ou que não oferecem informação útil, a taxa total de falha chega a 41,51%.

Um estudo recente do Tow Center for Digital Journalism analisou oito buscadores com inteligência artificial e apontou falhas graves no desempenho dessas ferramentas. O Grok forneceu respostas incorretas em 94% das consultas analisadas. O estudo mostra que os chatbots, de modo geral, têm dificuldade em reconhecer quando não sabem a resposta e, em vez de admitirem isso, oferecem respostas erradas ou especulativas.

O Grok também apresentou um alto índice de fabricação de links: mais da metade de suas respostas incluíam URLs falsas ou quebradas, além de frequentemente citar artigos errados ou vincular incorretamente as fontes, mesmo quando localizaram o material correto. Especificamente, 154 das 200 citações testadas para o Grok 3 levaram a páginas de erro.

Casos em que a IA pode gerar desinformação

Alguns exemplos recentes registrados nos dias de conflito entre Índia e Paquistão, no início de maio, ilustram situações em que as ferramentas de IA podem acabar produzindo desinformação em vez de esclarecer informações. Uma reportagem do portal UOL mostrou que o Grok afirmou, de forma errada, que um vídeo antigo de um aeroporto do Sudão seria um ataque de mísseis contra uma base aérea no Paquistão. Imagens de um prédio incendiado no Nepal também foram identificadas de forma incorreta pela IA como sendo “provavelmente” a resposta militar do Paquistão.

O coordenador científico do Centro de Excelência em Inteligência Artificial (IA) da Universidade Federal de Goiás (UFG), Anderson Soares, explica que a IA foi treinada para prever palavras que façam sentido dentro do contexto da linguagem, e não necessariamente para fornecer informações corretas ou respostas precisas. Entender esse princípio básico ajuda a reduzir dúvidas sobre possíveis “alucinações” e a confiabilidade das respostas.

De acordo com o especialista, essas ferramentas apenas geram respostas com base em conteúdos disponíveis na internet. Algumas soluções já adotam uma postura mais cautelosa, deixando claras suas limitações e indicando as fontes das informações utilizadas.

“Sabe aquele amigo que, quando não sabe, mente? É como se a gente colocasse um amiguinho do lado e dissesse o seguinte: ‘olha, a única regra do jogo é que você tem que responder’. “‘Ah, mas e quando eu não sei?’ Você fala: monta o conjunto de palavras a ponto de parecer que faz sentido’. Essa é a regra”, diz o especialista.

Ele compara a situação com os buscadores que surgiram no início da internet, que exigiam educação dos usuários para filtrar e usar os resultados das pesquisas. “A gente está vivendo isso com essa era das IAs, em que vamos ter que duvidar do que vemos, do que escutamos e do que lemos com mais intensidade”.

O caso do CDC nos Estados Unidos

Outro exemplo recente mostra uma situação em que a IA pode oferecer informações imprecisas ou incompletas. Nos comentários a uma postagem que associa falsamente as vacinas a doenças como miocardite e AVCs, um usuário perguntou ao Grok se existe uma relação direta entre esses dois fatos. A resposta do chatbot apontou uma rara associação entre vacinas de mRNA para covid-19 e miocardite e fez uma relação de vacinas de vetor adenoviral com trombose, mas salientou que em ambos os casos os riscos são menores do que os causados pela infecção pelo vírus.

O usuário perguntou se, afinal, era melhor tomar ou não as quatro doses de vacinas contra a covid. O Grok respondeu que o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês) deixou de recomendar a vacinação de rotina contra covid-19 para crianças saudáveis e mulheres grávidas.

De fato, o órgão americano alterou a orientação sobre a aplicação de vacinas contra a covid-19 para esse público no final de maio, mas não deixou de recomendar a imunização. A nova orientação não diz mais que esses grupos “devem” tomar a vacina, mas que eles “podem” receber o imunizante caso haja interesse das famílias ou recomendação médica. A emissora norte-americana PBS publicou em 30 de maio de 2025 uma reportagem explicando sobre as nuances na mudança de orientação do CDC.

A mudança nas recomendações ocorreu após o secretário de Saúde dos Estados Unidos, Robert F. Kennedy Jr., afirmar que as vacinas contra a covid-19 seriam removidas do calendário de vacinação do CDC. A resposta do Grok é imprecisa quanto à mudança na orientação do órgão de saúde americano.

Fontes consultadas: O site do CDC e reportagens da PBS, do UOL e do The Washington Post. Também foram consideradas análises sobre o desempenho de ferramentas de inteligência artificial, como o monitor da NewsGuard, e um estudo do Tow Center for Digital Journalism. E foi entrevistado Anderson Soares, da UFG.

Por que o Comprova explicou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está gerando muitas dúvidas e desinformação, o Comprova Explica. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Para se aprofundar mais: A seção Comprova Explica já publicou um guia básico para entender a inteligência artificial, mostrou como funcionam os algoritmos e ensinou como identificar boatos nas redes.

Política

Investigado por: 06/06/2025

Banco do Brasil responde a processo de direito do consumidor, não por fraude

Verificação
Instituição financeira foi processada por suposta prática ilícita na concessão de crédito

O Banco do Brasil respondeu a uma ação civil pública cujos valores chegavam a R$ 841 bilhões, mas isso não significa que a instituição financeira tenha um rombo ou esteja envolvida em um esquema de corrupção desta monta. Essas alegações estão em um post publicado no X, que cita um “escândalo” que seria o “maior da história bancária mundial”. O post ainda compara o caso às fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), dando a entender erroneamente que o Banco do Brasil está sendo acusado de um esquema de desvios de dinheiro.

Não há evidências de esquema de corrupção envolvendo o BB ou investigação de fraudes, como no caso do INSS. O caso em questão diz respeito a um processo nas esferas cível e trabalhista movido pela Associação Brasileira de Defesa do Agronegócio (ABDAgro), sem relação com a administração pública federal, estadual ou municipal.

A ação civil pública alega que o Banco do Brasil teria, durante décadas, promovido uma prática irregular na concessão de empréstimos, conhecida como venda casada. Essa prática, tipificada como abusiva pelo Código de Defesa do Consumidor, consiste em “condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos”. O valor da causa, que soma restituição do prejuízo e indenizações por danos morais, chega a R$ 841 bilhões.

No caso da ação, a ABDAgro afirma que o banco teria induzido produtores rurais a adquirir produtos como seguros, títulos de capitalização, consórcios e previdência privada para a aquisição do crédito rural. Segundo o levantamento da associação, a instituição concedeu R$ 1,5 trilhão em crédito rural nos últimos anos, dos quais R$ 176,5 bilhões teriam sido “desviados ilegalmente para a compra compulsória desses produtos financeiros”.

Post está em perfil crítico ao governo Lula

O perfil do autor conta com mais de 58 mil seguidores com postagens recorrentes contendo críticas ao governo Lula (PT) e em defesa da direita bolsonarista. Até a data da publicação, o post investigado tinha 72 mil visualizações, 4 mil curtidas e 2 mil compartilhamentos. O responsável pela publicação foi procurado, mas não respondeu até a publicação desta verificação.

Alarmismo e imagem semelhante a notícia real podem levar a engano

O post se vale de uma linguagem alarmista, para gerar uma resposta emocional no público. Essa é uma estratégia comum de desinformadores: o objetivo é fazer com que o usuário compartilhe a postagem por impulso, sem pensar se ela está correta factualmente. Exemplos da linguagem alarmista são as palavras “escândalo” e o número de “R$ 841 bilhões” em tamanho grande.

Além disso, a imagem foi elaborada com elementos visuais que simulam uma notícia real, com fundo azul, letras grandes e um selo que tenta passar credibilidade, como se viesse de um veículo de imprensa.

Outro fator que colabora para a desinformação é o fato de assuntos econômicos estarem com frequência no noticiário, como as fraudes no INSS e as mudanças no Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A tentativa de quem compartilha esses conteúdos é tentar associá-los ao que já está sendo noticiado pela imprensa. A falta de uma fonte clara, de dados oficiais ou de um link para uma reportagem não impede que isso se espalhe, porque a comoção pode motivar o compartilhamento.

O que é venda casada

Estabelecida como ilícita pelo Código de Defesa do Consumidor, essa prática acontece quando a empresa condiciona a aquisição do produto ou serviço pretendido à compra de outro. Um exemplo seria quando o cliente tenta pegar um financiamento para comprar uma casa, mas, para isso, o banco faz com que ele adquira um seguro.

A venda casada acontece de forma direta ou indireta, explica a advogada Elaine Keller, especialista em direito civil. “Na venda casada indireta, ele faz uma pressão dissimulada sobre esse cliente, ele impõe a condição de ‘eu aprovo seu crédito rural desde que você compre um pacote de serviços bancários’”, exemplifica.

Na direta, o consumidor é compelido a comprar outro item para adquirir o produto principal. Um exemplo citado pela especialista eram as caixas de achocolatado, que vinham em embalagem de três. “Eles foram obrigados a vender individualmente, porque você só queria comprar um, mas se via obrigada a comprar três”, comenta.

Segundo a advogada, a prática é comum nos bancos, mas acontece de forma indireta e velada.

A pena em caso de prática de venda casada, descrita na Lei nº 12.529/2011, é de multa de 0,1% a 20% do faturamento bruto do acusado, obtido no último exercício no ramo da atividade que ocorreu a infração. Ou seja, se o caso é o de um banco que concede empréstimos, a porcentagem é calculada sobre o valor que o banco faturou no ano fiscal anterior com esse tipo de produto. O valor não pode ser inferior à vantagem obtida pela empresa com a conduta ilegal, caso seja possível mensurar o valor.

Valores

O valor da ação movida pela ABDAgro é calculado em R$ 841 bilhões, sendo essa a soma de indenizações pelo prejuízo causado e por danos morais.

Para chegar ao valor, a Associação calculou o montante negociado em crédito rural nos últimos 10 anos. A partir disso, o levantamento calculou que pelo menos 10% das negociações tiveram venda casada — a porcentagem foi estimada levando em consideração os 2.500 associados da ABDAgro —, o que resulta em cerca de R$ 180 bilhões que teriam sido apropriados pelo banco com os produtos vendidos na prática irregular. O levantamento foi explicado em entrevista à Folha de S.Paulo.

A defesa da associação exige restituição do valor em dobro, ou seja, R$ 360 bilhões. Além da restituição, o processo requer R$ 150 bilhões em danos morais individuais, R$ 50 bilhões em danos morais coletivos, R$ 179 bilhões em danos sociais e R$ 70 bilhões por inversão da cláusula penal.

Tramitação

O caso tramita no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO). As últimas atualizações aconteceram em maio deste ano, quando a turma julgadora rejeitou o pedido da ABDAgro. Segundo a decisão, não há “prova suficiente, em cognição sumária, da vulnerabilidade coletiva dos produtores rurais e da existência de política institucionalizada de venda casada”. O texto aponta ainda que o valor da causa gera risco de dano inverso ao Banco do Brasil.

A ABDAgro afirma que ainda deve recorrer da decisão.

Em nota, o Banco do Brasil afirmou que “respeita o Código de Defesa do Consumidor e nega, veementemente, a prática de venda casada”. A instituição reiterou a parceria com o agronegócio e ressaltou que a política de atendimento da empresa é pública.

Fontes que consultamos: Por meio de busca pelas palavras-chave, encontramos o texto original publicado pela ABDAgro. Em seguida, procuramos pelo caso no sistema Jusbrasil e encontramos o processo no site oficial do TJ-GO. Consultamos também o Banco do Brasil, além de especialista para explicar a prática da venda casada.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema:

O Projeto comprova mostrou que o presidente Lula não derrubou lei de combate a fraudes no INSS e que é falso que Janja tenha sido barrada em Moscou com mala de dinheiro proveniente de esquema de corrupção. O Estadão também mostrou que vídeo exagera perda de fundo de pensão do Banco do Brasil durante governo Lula.

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