O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Investigado por: 2022-08-12

Entenda o que é a política de redução de danos a usuários de drogas criticada em vídeo por Damares Alves

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A política de redução de danos reúne uma série de estratégias que visam cuidar das pessoas que usam drogas, conferindo a elas maior qualidade de vida. As intervenções buscam, ainda, reduzir os riscos de infecções sexualmente transmissíveis. As cartilhas que tratam do assunto não são voltadas para escolas, mas para profissionais de saúde que atuam com pessoas que fazem o uso eventual de drogas e dependentes químicos. A iniciativa, cujo histórico aponta para o ano de 1926 na Inglaterra, é adotada em diversos países com resultados positivos na assistência ao público que faz uso de drogas. Ao longo do texto, utilizamos o termo usuário para fazer referência a qualquer pessoa que utilize substâncias psicoativas.

Conteúdo analisado: Vídeo da candidata ao Senado Damares Alves (Republicanos), ex-ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos do governo de Jair Bolsonaro (PL), em que ela acusa a gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de “motivar” adolescentes e jovens a usar drogas. No vídeo, publicado no YouTube, Damares lê conteúdo de cartilha que trata sobre o uso de entorpecentes e, ao fundo, aparecem imagens de trechos destacados da publicação. Há também uma inserção de fotos de Lula, candidato à Presidência da República, com um fundo preto e as inscrições: “Governo Lula ensinava em cartilha como os jovens deveriam usar crack.” A ex-ministra diz que essa era a política de prevenção ao uso de álcool e drogas na administração petista.

Comprova Explica: O vídeo de Damares Alves colocou em debate a prevenção ao uso de álcool e outras drogas durante as administrações do PT. No vídeo, a ex-ministra afirma que, no governo Lula, adolescentes e jovens eram ensinados a utilizar entorpecentes. O discurso saiu do YouTube e ganhou as redes sociais, com discussões sobre a política adotada na gestão petista.

A cartilha apresentada pela ex-ministra de fato foi produzida pelo Ministério da Saúde, à época sob o comando do ministro José Gomes Temporão, no governo Lula, mas tinha como foco serviços de saúde que acolhem usuários de drogas e dependentes químicos. Seu objetivo era auxiliar os profissionais dedicados a lidar com pessoas que se recusam a abandonar o uso de entorpecentes, mas que desejam evitar outros problemas correlacionados, como doenças transmissíveis, por exemplo. Ações neste sentido constituem a chamada política de redução de danos.

Com a repercussão do caso, o Comprova decidiu explicar o que significa a política de redução de danos divulgada por Damares e que havia sido implementada nos governos do PT.

Cartilha apresentada por Damares Alves era distribuída entre profissionais de saúde

Os trechos da cartilha lidos por Damares Alves fazem parte do álbum seriado “Prevenção às IST, HIV/Aids e Hepatites entre pessoas que usam álcool e outras drogas”, segundo Maria Angélica de Castro Comis, psicóloga e integrante da organização Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos (Reduc).

A especialista informa ao Comprova que o material foi veiculado em 2008 e era destinado a profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) que atuavam junto aos usuários e dependentes químicos.

Conforme informou o Ministério da Saúde em Nota Técnica de janeiro de 2009, ao responder a um requerimento do então deputado federal Miguel Martini, que era do PHS naquele período, foram produzidos 10 mil álbuns seriados ao custo de R$ 32.200 (R$ 3,22 cada) e, na época, 1.356 ainda estavam em estoque. A distribuição foi feita por mala direta aos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), aos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTAs) e aos Serviços de Atenção Especializada em HIV/Aids (SAE).

Acompanhava o material uma orientação expressa para que fossem utilizados exclusivamente por profissionais de saúde e organizações da sociedade civil para o trabalho dirigido às pessoas que usam álcool e outras drogas, em serviços específicos e em campo. O Comprova teve acesso ao documento via Lei de Acesso à Informação, fornecido pela Câmara dos Deputados.

O álbum compunha um kit lançado em 10 de outubro de 2008 que incluía cartão para qualquer usuário de substâncias psicoativas, com espaço para anotação do endereço do serviço de referência, e cartaz com informações referentes à redução de danos.

O objetivo do material era servir de apoio ao trabalho dos profissionais de saúde e dos agentes que atuam com redução de danos na abordagem dos usuários de álcool e outras drogas. “O conjunto de materiais foi concebido para contribuir na melhoria do acolhimento das pessoas que usam álcool e outras drogas dentro do sistema de saúde e para combater o preconceito, o estigma e a discriminação”, informa a nota técnica.

Segundo o documento, o acolhimento de qualidade possibilita a promoção da saúde, estrutura vínculos de confiança, fortalece a auto-estima, estimula o usuário a cuidar de si. “Para quem usa álcool e outras drogas, isso pode significar redução de vulnerabilidade, prevenção de doenças, diminuição/interrupção do consumo de substâncias psicoativas”, conclui o texto.

Doutora em Saúde Coletiva e pesquisadora do Grupo de Estudos em Álcool e Outras Drogas da Universidade Federal de Pernambuco (GEAD/UFPE), Rossana Rameh acrescenta que a cartilha visava atingir usuários de drogas pesadas, inclusive injetáveis, e o segmento específico de profissionais que lidam com esse público. “Não é uma tela para ser distribuída na escolinha ou em qualquer serviço de saúde”, afirma. “Era criado e feito para usuários de drogas, pessoas que dizem ‘eu uso e não quero parar, não tenho condições de parar, quero usar sem me ferrar tanto, o que eu faço?’”, diz.

O que é a política de redução de danos

Rossana Rameh ressalta que a redução de danos é uma política feita diretamente com o usuário de drogas e considera que a sociedade nunca esteve e nunca estará livre das drogas. Assim, afirma, a perspectiva levada em conta é que as pessoas vão continuar usando drogas independentemente de o governo manter ou não uma política proibicionista.

A especialista diz, ainda, que a redução de danos é um conjunto de estratégias e intervenções que visam cuidar das pessoas que usam drogas, inclusive incentivando-as a parar de usá-las, se esse for o desejo delas. Essa política, continua Rossana, não nega abstinência, mas também considera que algumas pessoas não vão desejar parar ou não poderão parar de imediato. “Isso é uma coisa mais complexa, mas que a gente precisa dizer que algumas pessoas vão usar drogas na vida”.

Para Maria Angélica de Castro Comis, que atua na área, a redução de danos é uma política que busca melhorar a qualidade de vida das pessoas, principalmente aquelas que usam drogas, além de prevenir as infecções sexualmente transmissíveis. “A redução de danos tem como objetivo modificar o padrão de uso de drogas, reduzir os agravos de saúde e sociais das pessoas mais vulneráveis, como usuárias de drogas, profissionais do sexo, pessoas em situação de rua, entre outros”, diz.

A psicóloga reforça que a redução de danos não tem como principal objetivo levar o usuário à abstinência, mas sim incentivar o cuidado. “A redução de danos pode ser um caminho para a abstinência, mas por ser uma política com baixa exigência muitas vezes é arbitrariamente acusada de apologia ao uso de drogas”, afirma Maria Angélica.

Wander Wilson Júnior, doutor em Ciências Sociais e pesquisador de drogas, saúde mental e redução de danos, afirma o mesmo. Segundo ele, a redução de danos não se trata de incitar ou não o uso de entorpecentes, mas falar francamente sobre o que é o uso e lidar com uma realidade concreta que é a existência de usuários.

“Essa erradicação e esse mundo sem drogas é uma utopia que nunca se cumpre, nunca vai se cumprir, e inclusive isso tem um papel em manter o que se chama de guerras às drogas, esse fracasso que nunca se cumpre, se mantém sempre como promessa e a resposta para essa promessa é sempre mais encarceramento, sempre menos conversa franca”, argumenta.

O especialista explica que a redução de danos é uma política pública de saúde, bem como uma tentativa ética de cuidado com as pessoas que usam drogas. “Você vai ver o usuário como uma pessoa que usa drogas, e se ele tiver sofrimento relacionado ao uso de drogas e o uso for considerado problemático, seja ele diagnosticado como dependência ou não, você vai montar, junto com essa pessoa, possibilidades de cuidado para produzir uma vida que vale a pena ser vivida”, afirma.

Ele destaca, porém, que este processo é feito de forma conjunta. “Você não vai impor uma forma de cuidado e uma moral de cima para baixo para essa pessoa, mas vai construir junto com ela”, diz: “Algumas pessoas não vão querer parar de usar drogas, outras vão colocar isso como uma meta e irão demorar algum tempo, terão suas dificuldades, e você não vai colocar a abstinência de drogas como uma exigência de cuidado com essa pessoa”.

Histórico da estratégia de redução de danos

Wander Wilson Júnior resgata a história da estratégia de redução de danos retornando ao ano de 1926, quando um relatório inglês chamado Rolleston tentou formalizar a prática, a partir da experiência de soldados em guerra.

Muitos combatentes voltaram ao seu país dependentes de opioides (morfina) e alguns deles não conseguiam parar de utilizá-los, mesmo querendo, o que atrapalhava a vida que levavam.

“Se formalizou uma possibilidade clínico-terapêutica de se ter uma prescrição médica de opioides com doses manejáveis para que a pessoa continuasse consumindo opioides, mas mantendo a sua vida, a sua rotina corriqueira, de forma produtiva”.

No Brasil, aponta Wander Wilson Júnior, o ano de 1989 foi um marco importante quando a Prefeitura de Santos, no litoral de São Paulo, tentou implementar uma política de distribuição de seringas descartáveis na região portuária, considerando a alta incidência de infecção por HIV decorrente do consumo de cocaína injetável. “Mas essa política teve que retroceder baseada numa pressão moral que envolvia mídia, religião e a sociedade de modo geral”, afirma.

Em março de 1997, São Paulo aprovou a primeira Lei Estadual de Redução de Danos (9.758/97). Sete anos depois, em outubro de 2004, a Portaria 2.197 integra a Redução de Danos ao SUS e as ações são regulamentadas pelo Ministério da Saúde pela Portaria 1028, de julho de 2005. No mesmo ano, foi aprovada pelo Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas a Política Nacional Sobre Drogas, com um capítulo destinado à redução de danos. Já em 2006, foi sancionada a Lei 11.343, que excluiu a pena de prisão para usuários de substâncias ilícitas.

Após a publicação desta verificação, o Ministério da Saúde enviou resposta ao contato anterior da equipe do Comprova. Na nota, o órgão não informa se adota, atualmente, alguma política de redução de danos. Além disso, o ministério não deu um posicionamento acerca das afirmações feitas pela ex-ministra Damares. O Ministério informou apenas sobre medidas de atendimento psicossocial realizadas atualmente.

Política de redução de danos em outros países

A política de redução de danos não é uma exclusividade do Brasil. Vários países implementaram a estratégia, visando minimizar os impactos do uso de drogas. Maria Angélica afirma que a medida é amplamente adotada em países como Canadá, Alemanha, Suíça, Austrália, Estados Unidos, Holanda, Espanha, Portugal e França. Nesses locais, segundo ela, as políticas de redução de danos estão articuladas a outras políticas públicas de saúde, assistência social, habitacional, segurança pública e trabalho. “Muitos desses países têm espaços de uso seguro de drogas, que evitam mortes por overdose e são articulados com serviços para desintoxicação”, afirma.

Para Rossana Rameh, a utilização de salas seguras, como ocorre na Suíça e Espanha, por exemplo, está longe de ocorrer no Brasil. “Aqui é algo extremamente impensável nos dias atuais, no sentido do moralismo, do medo”, diz.

A pesquisadora observa que, no Brasil, fala-se muito em guerra às drogas, mas ela avalia que essa guerra é mais voltada aos usuários. “E tem um foco. Essa guerra tem cor e classe social. O Uruguai, com toda a sua política de regulação do uso da cannabis, traz uma regulamentação que facilita o controle dessa substância e do usuário. Há um mapeamento dessas pessoas de forma muito tranquila, sem julgamento e perseguição, mas com a possibilidade de essas pessoas não se colocarem mais em risco e em violência porque estão comprando uma substância numa boca de fumo, por exemplo.”

Wander Wilson pontua que as abordagens nos diversos países que adotam as estratégias podem ser diferentes, pensando no território e nas especificidades de cada lugar, mas estão frequentemente articuladas com outras políticas, estabelecendo uma rede de cuidado.

Por que explicamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a pandemia, eleições presidenciais e políticas públicas do governo federal que viralizaram nas redes sociais. A ferramenta Comprova Explica é utilizada para a divulgação de informações a partir de conteúdos que viralizam e causam confusão. A redução de danos é uma estratégia de saúde pública que busca controlar consequências adversas ao consumo de psicoativos – lícitos ou ilícitos — sem, necessariamente, interromper esse uso. A estratégia não deve ser confundida com apologia ao consumo.

Alcance da publicação: Até o dia 12 de agosto, o vídeo da Damares Alves alcançou mais de 10,7 mil visualizações no YouTube.

Outras publicações sobre o tema: O vídeo da ex-ministra repercutiu na imprensa profissional nesta semana (Veja, Correio Braziliense), mas este não é o único tema relacionado a Lula recentemente. O Comprova já demonstrou em outras verificações que o ex-presidente não disse que vai implantar a ditadura no Brasil, nem há registros de declarações de Lula para eliminar o agronegócio da Terra. Há dois anos, o G1 apontou que era fake a alegação de que governos do PT haviam criado “bolsa usuário” para viciados em drogas.

 

Esta reportagem foi atualizada em 15 de agosto para incorporar informações enviadas pelo Ministério da Saúde e recebidas após a publicação.

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Investigado por: 2022-08-11

Entenda o que é e como funciona a fiscalização do código-fonte das urnas eletrônicas

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O código-fonte das urnas eletrônicas é a linguagem de computador em que os aparelhos são programados. Para garantir que não haja nenhuma falha de operação nas urnas, o código-fonte pode ser fiscalizado por entidades que fazem parte da Comissão de Transparência das Eleições (CTE), como as Forças Armadas. Para as eleições deste ano, as entidades foram avisadas, por meio de ofício em 2021, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) dos prazos. Mesmo a inspeção estando aberta desde outubro do ano passado, as Forças Armadas só realizaram a solicitação em 1° de agosto deste ano. O pedido, classificado como “urgentíssimo” pelo Ministério da Defesa, foi interpretado por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro como uma forma de pressão sobre o TSE e ensejou debate sobre o processo de inspeção.

Conteúdo analisado: Post da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) em que ela comenta sobre o pedido do Ministério da Defesa ao TSE para inspeção do código-fonte das urnas eletrônicas em caráter “urgentíssimo”.

Comprova Explica: A dois meses das eleições presidenciais, a segurança das urnas eletrônicas é alvo frequente de críticas e questionamentos. Uma das formas de comprovar a lisura dos aparelhos é por meio da inspeção do código-fonte, que pode ser realizada por entidades da sociedade civil e partidos políticos meses antes do pleito. O tema vem sendo debatido nas redes sociais uma vez que o prazo para realizar a fiscalização, que começou em outubro de 2021, se encerra em setembro.

A inspeção do código-fonte, conjunto de símbolos que formam um programa de computador e dão as instruções para que aquele sistema opere, foi abordada por Carla Zambelli (PL-SP) em uma publicação no Facebook. No post, a deputada federal menciona o pedido “urgentíssimo” feito pelas Forças Armadas ao TSE para realizar a fiscalização, em uma tentativa de retratar a solicitação como uma exigência dos militares.

Diante da proximidade da votação e da repercussão da publicação, o Comprova decidiu explicar o que é o código-fonte das urnas, como funciona sua inspeção e qual a importância da fiscalização para a segurança do sistema eleitoral brasileiro.

O que é código-fonte das urnas?

O código-fonte é um conjunto de linhas de programação que contém todas as instruções necessárias para que um software funcione. De acordo com o TSE, ele é um conjunto de arquivos de texto contendo todas as instruções que devem ser executadas pelas urnas, expressas de forma ordenada numa linguagem de programação. Essas instruções determinam o que um programa de computador deve fazer – o que ele deve apresentar e como ele deve se comportar.

Uma linguagem de programação é o meio pelo qual os programadores expressam os comandos que devem ser executados por um computador. Em geral, uma linguagem de programação mistura elementos de uma linguagem natural (inglês) com elementos de notação matemática (operações aritméticas).

Na explicação dos professores Paulo Matias, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e Diego F. Aranha, da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, o código-fonte é como se fosse uma receita para o funcionamento de um programa. Os dois trabalharam juntos no Teste Público de Segurança do TSE de 2018 e explicam que o código-fonte funciona como uma receita escrita pelos desenvolvedores para especificar o comportamento de um programa como uma sequência de comandos e instruções.

Por que abrir o código-fonte é importante

No caso das urnas, o TSE tem a obrigação, pela Resolução TSE n° 23.673/2021, de abrir o código-fonte antes das eleições para que entidades possam fiscalizar se há algum problema. Ou seja, ao avaliar o código-fonte, é possível saber se o software está programado para operar corretamente ou se tem alguma falha de programação.

De forma geral, segundo os dois especialistas consultados pelo Comprova, abrir o código-fonte para que outras instituições fiscalizem já foi uma prática não aceita para que ninguém encontrasse vulnerabilidades, porém, hoje, até mesmo grandes empresas, como as responsáveis pelo Linux (sistema usado pelas urnas), Firefox, Chrome e pelo sistema operacional Android para celulares, costumam divulgar códigos sensíveis para garantir que não haja nenhuma falha em seus softwares. Segundo os pesquisadores, muitas empresas avaliam que essa abordagem de esconder o código-fonte retarda eventuais melhorias, já que quanto mais olhos conseguem analisar um software, mais provável uma pessoa bem intencionada alertar sobre uma falha.

De acordo com o professor Jéferson Campos Nobre, do Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que representou a instituição na verificação no TSE este ano, as entidades podem ter acesso a todos os programas da urna e conseguem se certificar de que tudo está funcionando. “É possível verificar todos os programas, sem nenhuma restrição, que são executados nas urnas”, explica.

Melhorias no sistema

No caso do TSE, os especialistas avaliam que seria necessário realizar melhorias nas possibilidades de inspeção. Segundo Matias e Aranha, as entidades fiscalizadoras têm acesso a uma versão do código-fonte que exige muitas horas de trabalho para que se consiga examiná-lo. O ideal seria que qualquer pessoa pudesse acessar de qualquer lugar. “É uma base bastante grande, da ordem de dezenas de milhões de linhas, o que exige um esforço descomunal de múltiplos inspetores qualificados para realizar a cobertura de uma fração razoável do código. Não há a possibilidade de compilar os programas ou carregar suas versões modificadas em urna eletrônica, o que dificulta muito o entendimento de certas partes”, afirmam Matias e Aranha, em resposta conjunta enviada ao Comprova.

Recentemente, afirmam os analistas, o TSE passou a permitir a utilização de ferramentas de análise para o exame dos códigos-fonte das urnas, o que melhora a capacidade de atuação dos analistas. Ainda assim, acreditam que a inspeção, nos moldes atuais, “não seria capaz de detectar muitos problemas de segurança”. A recomendação deles é de que o TSE amplie as possibilidades aos analistas, para além das dependências do TSE. “Pesquisadores trabalhando no conforto de suas casas ou escritórios, e podendo utilizar todas as ferramentas que tivessem ao seu alcance, fariam um trabalho muito mais efetivo.”

Apesar da ressalva, Jéferson Campos Nobre afirma que o sistema eletrônico de votação é confiável, e ressalta que a verificação do código-fonte é só uma das etapas que garantem a segurança das urnas. “Os mecanismos são usados em conjunto para assegurar a segurança das urnas. A verificação é uma dessas etapas. Tem vários mecanismos. Nós confiamos no sistema público de votação. Um trabalho de mais de duas décadas da Justiça Eleitoral. Um case de sucesso para o mundo.”

Ao Comprova, o TSE afirmou que o ambiente disponibilizado para a análise do código-fonte reúne “todas as condições para que os técnicos façam uma ampla avaliação dos sistemas, inclusive em busca de hipotéticos problemas de segurança”.

“A inspeção de código-fonte dos sistemas eleitorais se presta a uma ampla avaliação de todas as instruções e comandos que fazem o software funcionar. Essa análise inclui também a verificação de elementos relacionados à segurança da informação. O ambiente de inspeção também conta com ferramentas de análise estática de código e busca indexada, assim como a documentação dos sistemas.”

O pedido “urgentíssimo” da Defesa e o processo de inspeção para as eleições de 2022

Em 1º de agosto deste ano, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, enviou para o TSE um pedido “urgentíssimo” para que as Forças Armadas pudessem fazer a inspeção do código-fonte das urnas entre os dias 2 e 12 de agosto.

O pedido foi aceito, mas o caráter de urgência adicionado a ele acabou tendo destaque nas redes sociais devido à pressão que o governo de Jair Bolsonaro vem realizando contra o TSE e o sistema eleitoral.

A urgência se deve, no entanto, apenas ao fato de que as Forças Armadas perceberam somente agora, a dois meses da eleição, a necessidade de acessar o código-fonte das urnas. Em nota, o Ministério da Defesa disse que chegou a essa conclusão depois que a instituição estudou o sistema eleitoral. “A partir de novos estudos e com o amadurecimento do conhecimento acerca do processo eleitoral como um todo, os técnicos militares entenderam ser necessário acessar as partes mais relevantes do sistema”, afirmou.

As Forças Armadas tinham a possibilidade de inspecionar o código-fonte que será utilizado em 2022 há quase um ano. Desde outubro de 2021, representantes técnicos dos partidos políticos, do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), das Forças Armadas, da Polícia Federal e de universidades, entre outras instituições, podem inspecionar o código-fonte das urnas para as eleições deste ano.

De acordo com o TSE, um ofício foi enviado em 2021 para todas as entidades fiscalizadoras do processo eleitoral com o calendário da inspeção, incluindo as Forças Armadas.

Segundo reportagem do G1, um ofício direcionado ao então ministro Walter Braga Netto em 6 de outubro de 2021 comprova que o TSE convidou o Ministério da Defesa a inspecionar o código-fonte das urnas eletrônicas com antecedência.

No documento, assinado pelo então presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, havia o alerta de que as entidades poderiam fiscalizar os códigos-fonte “a qualquer tempo até a Cerimônia de Assinatura Digital e Lacração dos Sistemas para as Eleições 2022″, que deve ocorrer até 2 de setembro.

A cerimônia de abertura dos códigos-fonte dos sistemas eleitorais foi realizada pelo TSE no dia 4 de outubro do ano passado. Tradicionalmente, a fiscalização dos códigos ocorria nos seis meses que antecedem as eleições. Em 2021, no entanto, o prazo foi ampliado para um ano.

Atualmente, a inspeção é feita dentro do TSE, mas existe um projeto-piloto para que as instituições possam fiscalizar os códigos-fonte dos sistemas eleitorais nas próprias dependências, dispensando o comparecimento ao Tribunal.

Segundo o TSE, a fiscalização pode ser realizada pelo uso de ferramentas de análise de código de mercado. Duas ferramentas são disponibilizadas pelo TSE: Understanding C e Source Navigator. Além disso, os representantes podem solicitar melhorias, tirar dúvidas, ou conversar com a equipe técnica. Segundo o tribunal, a cerimônia é documentada e utilizada para melhoria contínua do processo. De acordo com a Resolução TSE n° 23.673/2021, a corte eleitoral tem 10 dias para responder as dúvidas que possam surgir durante o processo.

As entidades fiscalizadoras têm até o fim de agosto para fazer a verificação. Para estas eleições, a urna já foi inspecionada pela Controladoria-Geral da União (CGU), Ministério Público Federal (MPF), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Senado Federal.

O Senado informou ao Comprova que, pela resolução do TSE, as avaliações decorrentes da inspeção estão cobertas por Termo de Sigilo e Confidencialidade. O MPF também informou que não divulga o relatório.

Já a UFRGS explicou ao Comprova que não detectou nenhum problema de segurança nas urnas. Porém, a intenção da vistoria foi colher informações sobre o sistema eleitoral para elaboração de um documento simplificado de como ele funciona. “A nossa percepção é de que não tem um problema de segurança específico, mas que seria muito importante que mais pessoas conhecessem. Então, seria necessário um documento que descrevesse de forma simplificada o sistema de votação. Nós gostaríamos de ter um documento que fosse mais fácil de ser lido. Nós queríamos ampliar os nossos conhecimentos para produzir esse documento”, afirmou o professor Jéferson Campos Nobre, que representou a instituição.

O Partido Verde e o Partido Liberal, ao qual o presidente Jair Bolsonaro é filiado, estiveram na Corte no ano passado, mas não fiscalizaram os códigos. O PTB fiscalizou entre os dias 2 e 5 de agosto, e a Polícia Federal tem previsão de visitar o tribunal entre os dias 22 e 26.

Em 3 de agosto, o Ministério da Defesa enviou nove militares ao TSE para começar a inspeção do código-fonte das urnas. A análise deve se encerrar no dia 12.

Até o momento, segundo o Tribunal, as instituições que realizaram a análise do código-fonte dos sistemas eleitorais não entregaram qualquer tipo de relatório sobre o trabalho realizado para o TSE. No entanto, o órgão destaca que não há a exigência da entrega desse tipo de documentação. O que existe é a demanda para que os técnicos reportem ao TSE de imediato qualquer vulnerabilidade ou defeito que venham a ser encontrados no código-fonte. O Comprova questionou as entidades fiscalizadoras. Nenhuma delas disse ter encontrado fragilidades no código-fonte das urnas.

Por que explicamos: Em seu escopo usual, o Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a pandemia, eleições presidenciais e políticas públicas do governo federal que viralizaram nas redes sociais. Já o Comprova Explica é uma ferramenta utilizada para que os leitores entendam um conteúdo que está viralizando e causando confusão. O código-fonte é a linguagem em que as urnas eletrônicas são programadas. É importante que a população compreenda que sua fiscalização é um procedimento habitual do processo eleitoral e serve para garantir que não haja risco de falhas nas urnas eletrônicas.

Outras publicações sobre o tema: No dia 5 de agosto, o UOL Confere publicou uma verificação afirmando que as Forças Armadas não tiveram “acesso dificultado” ao código-fonte das urnas.

Em outras verificações, o Comprova já mostrou que é falso que TSE tem 32 mil urnas grampeadas com o objetivo de fraudar a eleição, que pesquisas eleitorais seguem métodos científicos e que não é verdade que existe documento “secreto” revelando problemas na apuração das eleições de 2018.

 

 

Eleições

Investigado por: 2022-08-11

Vídeo engana ao afirmar que banqueiros apoiam Lula por supostos prejuízos ao setor provocados por Bolsonaro

  • Enganoso
Enganoso
São enganosas as afirmações do vídeo em que a candidata a deputada federal e empresária Tati Mandelli (Republicanos-BA) atribui um jantar do candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com banqueiros e empresários a uma reação a políticas do governo Jair Bolsonaro (PL). O argumento dela, de que o governo atual teria promovido a inclusão bancária e aberto a concorrência, reduzindo o lucro dos bancos, não se sustenta: o Pix foi criado pelo Banco Central (BC), o Auxílio Emergencial, pelo Congresso, e o lucro dos bancos aumentou.

Conteúdo investigado: Vídeo em que a candidata afirma que banqueiros se reuniram em um jantar com Lula. Segundo Mandelli, o encontro seria uma reação à inclusão bancária gerada por Jair Bolsonaro com o Auxílio Emergencial e o Pix.

Onde foi publicado: Kwai, YouTube, Instagram e WhatsApp

Conclusão do Comprova: São enganosas as afirmações do vídeo em que Tati Mandelli cita um jantar de Lula com banqueiros e diz que a reunião foi motivada pela reação dos bancos frente à uma suposta inclusão bancária promovida por Bolsonaro, com o Auxílio Emergencial e o Pix.

O Pix começou a ser desenvolvido pelo Banco Central (BC) ainda no governo Michel Temer (MDB), em 2018. O Auxílio Emergencial de R$ 600, pago por causa da pandemia de covid-19 a partir de 2020, também não é obra de Bolsonaro. O projeto foi proposto e aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado, com vetos, pelo presidente.

Além disso, os ganhos de todos os bancos caíram em 2020 na comparação com 2019, inclusive os da Caixa e do BB. O Banco Central atribuiu a queda à pandemia, não à inclusão bancária. Em 2021, os ganhos voltaram a subir.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O vídeo, veiculado em 27 de junho de 2022, viralizou no fim de julho. No dia 8 de agosto de 2022, contava com 41,6 mil curtidas na rede social Kwai. Na mesma data, a publicação no Instagram acumulava 6 mil curtidas e, o vídeo no YouTube, 1,9 mil curtidas.

O que diz o autor da publicação: Procurada, a autora do vídeo não retornou o contato da reportagem.

Como verificamos: Para localizar a publicação original, procuramos o nome “Tati Mandelli” no Google e filtramos a busca por vídeos. Foi possível identificar que a empresária participa de um programa em uma rádio digital chamada Brado Rádio, autodenominada primeira rádio conservadora do Brasil.

No canal do Youtube do veículo há uma seção para o programa Brado Jornal, com o qual Mandelli colabora. A partir das notícias que eram exibidas no letreiro da versão editada do vídeo na rede social Kwai, foi possível determinar uma faixa temporal na qual o programa foi ao ar. Assistimos aos episódios e identificamos aquele em que o comentário viralizado foi veiculado. O comentário de Mandelli começa às 2h39 da edição do dia 27 de junho de 2022.

Procuramos a assessoria de Lula para confirmar que o jantar ocorreu. Consultamos arquivos do BC para verificar a criação do Pix. Os requisitos fundamentais para a criação de um sistema pagamentos instantâneos foi aprovado em dezembro de 2018. Também consultamos no Senado Federal o projeto de lei que criou o Auxílio Emergencial e reportagens já publicadas pelo Comprova.

Para verificar o impacto da inclusão bancária para os bancos privados, a reportagem entrevistou José Márcio Camargo, professor de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e economista-chefe da Genial Investimentos.

A reportagem obteve os dados sobre os lucros dos bancos ao consultar relatórios anuais de Itaú (2020 e 2021 , Bradesco (2020 e 2021) e Santander (2020 e 2021), disponíveis na internet. Também foram consultados relatórios sobre o lucro dos bancos do BC com dados de 2020 e de 2021.

Jantar de Lula com empresários

O jantar do qual Lula participou, citado no vídeo investigado, ocorreu em 20 de junho deste ano em São Paulo. A informação foi confirmada pela assessoria do candidato. O jornal Folha de S.Paulo e o site Poder360 noticiaram o encontro.

O contexto, ainda segundo as reportagens da Folha e do Poder360, foi de aproximação com empresários durante a pré-campanha e ampliação do diálogo com o setor produtivo. Bolsonaro, que disputa a reeleição, também se encontrou com banqueiros, no dia 8 de agosto, como informou o Valor Econômico.

Os comentários de Mandelli seguem o que tem falado Jair Bolsonaro. Em uma live nas redes sociais realizada no dia 28 de julho, o presidente disse que os banqueiros devem perder R$ 22 bilhões por causa da utilização do PIX, o que é falso. Segundo o presidente, como o Pix não cobra taxas por suas transferências, os banqueiros estariam perdendo dinheiro.

Inclusão bancária

No vídeo, Mandelli afirma “que os banqueiros odeiam o Bolsonaro porque ele abriu a concorrência” e Itaú, Bradesco e Santander tiveram “lucros menores”. Ela atribui a suposta redução do lucro à inclusão bancária ocorrida por conta do Auxílio Emergencial.

Neste contexto, Mandelli afirma que Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, “tiveram a ideia do Auxílio Emergencial”, o que não é verdade. O projeto que instituiu o Auxílio Emergencial de R$ 600, a ser pago por três meses, foi uma iniciativa do Congresso após debate na sociedade. O governo federal chegou a anunciar uma ajuda de R$ 200, mas diante da demora do Executivo em apresentar formalmente o texto, o Congresso agiu. Para verificar, consultamos arquivos do Congresso e reportagens da imprensa profissional.

A relação feita por Mandelli entre a inclusão bancária e a suposta redução dos lucros dos bancos também não se sustenta. A candidata afirma que “a gente viu o Itaú, o Bradesco, o Santander terem lucros menores e a Caixa e o Banco do Brasil [BB] estarem lotados de dinheiro”. Ela também atribui as quedas nos lucros à inclusão bancária.

Em primeiro lugar, porque não é verdade que os lucros dos bancos caíram. A primeira parcela do Auxílio Emergencial foi paga em abril de 2020 e o Pix passou a funcionar oficialmente em novembro do mesmo ano.

O lucro dos bancos realmente caiu em 2020, na comparação com 2019. No entanto, ao contrário do que diz a candidata, Caixa e BB também foram afetados. O BC atribui a redução à pandemia e não à inclusão bancária.

Consultamos análise do Dieese. que aponta que o lucro da Caixa sofreu a maior queda, de 37,5%. No Banco do Brasil, a redução ficou em 22,2%. O lucro do Bradesco caiu 24,8%, o do Itaú, 28,9% e o do Santander, 5%. Consultamos também o Relatório de Estabilidade Financeira do BC sobre o 2ª semestre de 2020. O relatório aponta que o lucro dos bancos caiu 26%. Ao explicar a queda, o documento afirma: “A pandemia inverteu a sequência de recuperação da rentabilidade que ocorria desde a recessão de 2015-2016. A expectativa para 2021 é de melhora”.

Em 2021, o lucro do Itaú subiu 45,8%, o do Santander, 7%, o do Bradesco, 34,7%, em relação ao ano anterior. Para obter os dados, consultamos os relatórios anuais de cada banco. No mesmo período, o lucro líquido do sistema bancário brasileiro aumentou 49%, conforme indicado no Relatório de Estabilidade Financeira mais recente do Banco Central, consultado pelo Comprova.

A inclusão bancária citada pela candidata é verdadeira. Ao consultar arquivos do BC, encontramos um relatório que informa que, com o Auxílio Emergencial, 14 milhões de pessoas abriram conta bancária. Mas é enganosa a relação feita por Mandelli entre a inclusão bancária e seus supostos efeitos negativos para os bancos. Com mais pessoas utilizando o sistema bancário, a demanda do setor aumenta, como afirma José Márcio Camargo, professor da PUC-Rio. “Quanto mais gente demandar os bancos, melhor. O banco vende serviços financeiros. Quanto mais gente entrar no banco e comprar serviços do banco, melhor”, diz Camargo.

Ao comentar que “Bolsonaro abriu a concorrência”, Mandelli também cita o surgimento de bancos digitais. No entanto, é necessário esclarecer que as empresas financeiras que surgiram recentemente também são produto de política do Banco Central. Conhecidas como fintechs, são uma das iniciativas do Banco Central para promover a concorrência bancária. No Brasil, estão regulamentadas desde abril de 2018 pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) – Resoluções 4.656 e 4.657.

Autora é candidata e empresária

A autora do vídeo é Tati Mandelli, empresária, dona da rede de móveis Tidelli, na Bahia. Candidata a deputada federal da Bahia pelo partido Republicanos, Mandelli é declaradamente apoiadora do atual presidente da República. Seus perfis nas redes sociais são repletos de conteúdos favoráveis a Bolsonaro, seus ministros e aliados.

Na mesma medida, é possível constatar postagens críticas ao ex-presidente Lula, aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), entre outros. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL), filho do presidente, tem várias interações com a candidata. Os dois já gravaram juntos um vídeo para o canal de Tati Mandelli no Youtube.

Por que investigamos: Investigamos conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre as eleições presidenciais, a pandemia e as políticas públicas do governo federal. As afirmações no conteúdo verificado seguem a linha do presidente Bolsonaro, candidato à reeleição, e, quando ligadas ao processo eleitoral, peças de desinformação, como esta, podem atrapalhar a escolha do eleitor, que deve ser feita a partir de dados verdadeiros.

Outras checagens sobre o tema: Recentemente, o Projeto Comprova mostrou que não é verdade que o portal G1 tenha noticiado que banqueiros teriam fechado um acordo com Lula para revogar o Pix ou que Bolsonaro criou o Pix, sistema de pagamento instantâneo desenvolvido, na verdade, por equipe técnica do Banco Central.

*Esta verificação foi feita por jornalistas dos veículos BAND TV, UOL Confere, O Dia e SBT Cuiabá, que participaram do Programa de Residência no Comprova.

Eleições

Investigado por: 2022-08-11

Ao contrário do que afirma vídeo, Lula não disse que vai implantar ditadura no Brasil em entrevista a canal chinês

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso o vídeo publicado pelo candidato a deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) no qual ele afirma que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declarou abertamente querer implementar uma ditadura no Brasil. No material investigado, o candidato baseia sua afirmação em um vídeo de uma entrevista de Lula em que não há nenhuma afirmação com esse teor por parte do petista, que estava apenas respondendo sobre o baixo desempenho de outros países em comparação com o desenvolvimento da China. Lula respondia aos questionamentos feitos pelo jornalista Eric Li, do canal chinês Guancha".

Conteúdo investigado: Vídeo em que o influenciador digital e candidato a deputado federal de Goiás Gustavo Gayer, do Partido Liberal (PL), afirma que Lula declarou abertamente querer implantar uma ditadura no Brasil. Gayer se baseia em trechos de entrevista do petista ao canal chinês Guancha.

Onde foi publicado: Facebook e YouTube.

Conclusão do Comprova: É enganoso o vídeo publicado por Gustavo Gayer no qual ele afirma que Lula declarou abertamente querer implementar uma ditadura no Brasil. No material, são apresentados trechos de entrevista feita em julho de 2021, pelo jornalista chinês Eric Li, em que não há nenhuma afirmação com este sentido. O trecho usado por Gayer para exemplificar o suposto desejo do ex-presidente de implantar uma ditadura no país é o seguinte: “A China tem um partido que tem poder, tem um Estado forte, que toma decisões e que as pessoas cumprem. Coisa que nós não temos aqui no Brasil. Nós tivemos um golpe na Dilma Rousseff, na nossa presidente, por conta de uma mentira”.

As falas de Lula foram retiradas de contexto e eram parte de uma resposta sobre a razão do baixo desempenho de outros países do bloco BRICS (formado por Brasil, Rússia, Índia e África do Sul) em comparação com o desenvolvimento da China.

Nem nos trechos recortados e utilizados no vídeo publicado por Gayer, nem no vídeo original, foi afirmado o desejo de implantar uma ditadura no país. Nos cerca de 51 minutos da entrevista, o petista não utiliza a palavra ditadura nem fala nada sobre o desejo de instaurar um regime autoritário no Brasil. Em resposta ao Comprova, a assessoria de imprensa de Lula também negou que ele tenha falado em implantar uma ditadura.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. No Facebook, a publicação original do pré-candidato Gustavo Gayer alcançou, até o dia 11 de agosto de 2022, 269 mil visualizações. Nela, houve 34 mil compartilhamentos, 3,3 mil comentários e 35 mil reações. Gayer também publicou o link do vídeo do YouTube em sua página no Facebook, conseguindo mais 354 compartilhamentos, 692 reações e 109 comentários. O vídeo no YouTube, até a mesma data, teve 180 mil visualizações e 2,7 mil comentários. Segundo dados captados pelo CrowdTangle, o vídeo foi postado em 17 diferentes páginas, com um total de seguidores chegando a 386 mil.

O que diz o autor da publicação: Procurado por e-mail pelo Comprova, Gustavo Gayer não respondeu.

Como verificamos: Durante o vídeo, Gayer menciona que as falas foram retiradas da gravação de uma entrevista para uma para um canal chinês. A verificação, então, teve início com a pesquisa em buscadores como o Google por palavras-chave como “Lula”, “entrevista canal chinês” e “ditadura”. A partir das buscas, a equipe chegou à íntegra da entrevista do ex-presidente da República ao jornal Guancha, publicada em julho de 2021.

Após transcrever tanto a entrevista de Lula ao canal chinês, quanto o vídeo publicado por Gustavo Gayer, o Comprova analisou todos os recortes de fala do petista usados no vídeo verificado. Também foram procurados os envolvidos e citados no vídeo por e-mail e WhatsApp. A assessoria de Lula também foi procurada.

Lula não fala abertamente sobre implantar ditadura, como afirmado no vídeo

Diferentemente do que foi alegado por Gustavo Gayer, Lula não declara, em nenhum momento, a intenção de implantar uma ditadura no Brasil. O termo “ditadura” não é mencionado nos trechos recortados e utilizados no vídeo de Gayer nem na entrevista original, transmitida ao vivo pelo Guancha e por veículos nacionais, como a Rede TVT em parceria com o jornal Brasil de Fato.

No vídeo de Gayer, são apresentados pedaços da resposta de Lula ao questionamento feito pelo jornalista chinês Eric Li sobre o baixo desenvolvimento econômico de outros países do BRICS frente ao desempenho da China nas últimas décadas. O ex-presidente responde: “Por que é que a China fez isso? Porque a China tem um partido, a China é resultado de uma revolução de 1949 do Mao Tse Tung. A China tem um partido que tem poder, tem um Estado forte, que toma decisões e que as pessoas cumprem. Coisa que nós não temos aqui no Brasil. Nós tivemos um golpe na Dilma Rousseff, na nossa presidente, por conta de uma mentira.”

Na mesma entrevista, em sua visão dos fatos, Lula fala que “muitas das políticas sociais que o povo precisa” foram feitas na China, por conta do “Estado forte”. Além disso, segundo o ex-presidente, o país asiático combateu o coronavírus com rapidez devido a uma política de Estado forte. Apesar do conteúdo elogioso ao governo chinês e sua avaliação pessoal diante da questão, Lula não disse que desejava implantar uma ditadura comunista no Brasil.

O petista afirma que “a China é um exemplo de desenvolvimento para o mundo” e diz esperar que outros países aprendam com o país , “para que sejam mais ricos, mais fortes, ter mais distribuição de riqueza e ter um mundo mais humano”.

Lula cita a China para destacá-la como um exemplo de “organização política”, característica que julga ter sido a base para que os chineses tenham conseguido evoluir nos últimos 20 anos “com muita competência, com muita cultura, com muito investimento e com muito conhecimento científico e tecnológico”.

Entrevista ao canal chinês ocorreu em 2021

Gayer enfatiza, de maneira enganosa, que a entrevista de Lula ao portal chinês teria sido realizada recentemente. No entanto, a conversa foi transmitida ao vivo no dia 7 de julho de 2021 no YouTube. O vídeo de Gayer foi publicado em 28 de julho de 2022, portanto um ano depois.

Ao jornal Guancha, o hoje candidato à Presidência da República menciona ainda que a China, para além das questões de partido, “evoluiu de forma extraordinária” porque também acreditava no “investimento em educação”. “Foram milhões de jovens chineses que viajaram pelo mundo afora para se formar, para aprender, e é por isso que a China deu um salto extraordinário de qualidade”, exemplificou o petista. Todos esses fatores, na avaliação de Lula, foram determinantes para que a China, hoje, se apresentasse com “uma economia consolidada” e menos vulnerável às outras superpotências.

Na entrevista, Lula defende ainda que, durante seu mandato, pensava muito na sua relação não apenas com a China, mas também com a Índia e com a África do Sul. Ele disse ter tentado articular para que países em desenvolvimento formassem uma “parceria estratégica” para que tais regiões, “sendo metade da humanidade”, não ficassem “dependendo da política do dólar” para, por exemplo, atuar no comércio exterior ou fazer parceria no desenvolvimento tecnológico.

Para além do comparativo e das associações sobre o modelo de desenvolvimento, o petista não diz que pretende implantar um modelo ditatorial no Brasil.

Gustavo Gayer

Gustavo Gayer já foi desmentido em verificações do Comprova que demonstraram que vídeo engana ao mostrar resultado parcial de enquete com intenção de voto para presidente, que um documento não prova fraude nas eleições 2018, e que uma pesquisa brasileira não usou doses letais para matar pacientes e desacreditar o uso da cloroquina. O empresário foi candidato a prefeito de Goiânia em 2020 pelo Democracia Cristã (DC) e ficou em 4º lugar, com 7,6% dos votos. Conforme informações divulgadas em seu canal no YouTube, que tem um milhão de inscritos, é pré-candidato a deputado federal.

Por que investigamos: O Comprova reforça a importância da investigação de conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais e investiga o vídeo por conta da relação direta com as eleições presidenciais. A publicação verificada cita o ex-presidente e candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva. Conteúdos enganosos e falsos que envolvem atores políticos são prejudiciais ao processo democrático e atrapalham a decisão do eleitor, que deve ser tomada com base em informações verdadeiras. No vídeo verificado, é afirmado que Lula “tinha que ser impossibilitado de concorrer à Presidência” por querer “implantar uma ditadura do Brasil” e incentiva a disseminação da informação falsa nas redes sociais.

Outras checagens sobre o tema: O mesmo trecho da entrevista de Lula foi verificado anteriormente pelo Comprova em duas oportunidades. Na primeira, o ex-presidente era acusado de querer aplicar restrições religiosas no Brasil e, no segundo, de defender a implantação do comunismo. Os dois conteúdos foram classificados como enganosos.

*Esta verificação foi feita por jornalistas dos veículos O Povo, Plural e SBT-RIO, que participaram do Programa de Residência no Comprova.

Eleições

Investigado por: 2022-08-10

Não há registro público de declaração de Lula nem do MST sobre eliminar agronegócio da Terra

  • Falso
Falso
É falso o título usado na republicação de um artigo de opinião e no Instagram por um site voltado para o produtor rural, cuja manchete é: “Agronegócio deve ser eliminado da terra, diz Lula e MST”. O título do artigo original é diferente e o texto não contém a atribuição da fala de Lula sobre eliminar o agronegócio. O Comprova também não encontrou registro público de que o candidato petista tenha feito tal afirmação. O restante do artigo é idêntico ao original.

Conteúdo investigado: Uma matéria veiculada no site Compre Rural e divulgada nas redes sociais da página cujo título afirma que o candidato à presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) disseram que o “agronegócio deve ser eliminado da terra.”

Onde foi publicado: No Portal Compre Rural e no perfil do site no Instagram. Na rede social, o conteúdo foi posteriormente apagado.

Conclusão do Comprova: É falso conteúdo que circula na internet atribuindo a Lula e ao MST a afirmação de que o “agronegócio deve ser eliminado da Terra”.

O Compre Rural explica, em uma nota de rodapé no site, que o texto em questão se trata de uma republicação de um artigo de opinião do colunista J.R. Guzzo para o jornal Gazeta do Povo. Na versão original, publicada em 1º de agosto deste ano, o título é diferente: “O que Lula fará ao agronegócio brasileiro, a pedido do MST”. Assim, no título original, não há atribuição ao petista e ao movimento de fala sobre eliminar o agronegócio, embora, no corpo do texto, Guzzo escreva que o MST deseja eliminar o agronegócio do Brasil e que Lula queira dar ao movimento um papel de destaque no governo.

Na checagem do Comprova, a equipe não localizou registro público de Lula nem de representantes do MST apelando, de maneira explícita, pela eliminação do agronegócio.

O restante do texto é idêntico ao artigo de opinião publicado na Gazeta do Povo. O Comprova não verifica textos de opinião e nem conteúdos publicados por organizações jornalísticas. Conforme a política editorial, o Comprova entende que “essas organizações podem cometer erros, mas que é esperado que tenham suas próprias políticas de correção de erros”.

Para o Comprova, falso é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: A página verificada, do Compre Rural, engajou mais de 3.650 usuários no Facebook. Foram mais de 1 mil comentários espalhados em 28 postagens diferentes por páginas que somam mais de 2 milhões de seguidores. O conteúdo foi compartilhado quase 1,5 mil vezes até a publicação desta verificação.

O que diz o autor da publicação: Por meio de e-mails informados no site e por mensagem no Instagram, o Comprova entrou em contato com o Compre Rural, mas não obteve resposta aos questionamentos até a publicação desta verificação.

Como verificamos: Pesquisamos no Google pela frase como dita no título do artigo, “agronegócio deve ser eliminado da Terra”, atribuída pelo Compre Rural a Lula e ao MST. Pesquisamos também as palavras-chave, “agronegócio”, “Lula”, “MST” e “eliminar”, separadamente. Usamos técnicas de refino de pesquisa, em especial o uso de aspas (“ ”), que leva o Google a buscar por documentos que tenham a palavra, expressão ou frase exatamente como está dentro das aspas. Também usamos o termo “AND” entre palavras-chave para pesquisar conteúdos que tivessem, ao mesmo tempo, mais de uma palavra-chave pesquisada.

Não há registro público de representantes do MST apelando pela eliminação do agronegócio nem chamando o setor de “inimigo do povo brasileiro”

O título do artigo publicado no Compre Rural atribui a Lula e ao MST a seguinte fala: “Agronegócio deve ser eliminado da Terra”. Pesquisando no Google pela frase, como atribuída literalmente, não há registro que ateste sua veracidade. Pelo contrário, muitas respostas são artigos de agências de checagem – como Aos Fatos, Reuters, Yahoo e Boatos.org – desmentindo o conteúdo do Compre Rural.

Também obtivemos como resultado uma nota publicada no site oficial de Lula negando a atribuição da fala.

Além da frase exata, como consta no título do artigo do Compre Rural, foi feita pesquisa no Google pelas palavras-chave “agronegócio”, “Lula”, “MST”e “eliminar”, separadamente. O Google não retornou nenhum artigo que atestasse a constatação no título.

Por que investigamos: Investigamos conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre as eleições presidenciais, a pandemia de covid-19 e políticas públicas do governo federal. No caso do material investigado, vimos que a publicação repercutiu nas redes sociais atribuindo ao presidenciável Lula uma fala a favor da eliminação do agronegócio. Peças de desinformação como esta podem atrapalhar o processo eleitoral pois enganam a população, que deve fazer sua escolha a partir de dados verdadeiros e confiáveis.

Outras checagens sobre o tema: O conteúdo verificado também foi desmentido por outros serviços de checagem de fatos como Aos Fatos, Reuters, Yahoo, Lupa e Boatos.org.

Recentemente, o Comprova checou outros assuntos que tentaram atribuir ao candidato Lula falsas afirmações. Em um deles, ficou comprovado que Lula não disse querer implantar comunismo chinês no Brasil. Em outra checagem, o Comprova apurou ser falso que Lula e o presidente eleito da Colômbia querem obrigar pessoas a dividir casa com outras famílias.

Eleições

Investigado por: 2022-08-05

É falsa imagem de notícia que atrela apoio de banqueiros a Lula em troca da revogação do Pix

  • Falso
Falso
É falso post publicado em redes sociais afirmando que o G1 noticiou que banqueiros apoiarão Lula em troca da revogação do Pix. O candidato à Presidência da República pelo PT nega que tenha feito reuniões com banqueiros sobre esse assunto. Não há no programa de governo do Partido dos Trabalhadores qualquer menção à plataforma Pix. Além disso, um especialista procurado pelo Comprova afirma que o presidente da República não tem poder para revogar o sistema de transferências bancárias.

Conteúdo investigado: Publicação no Facebook reproduz o que seria uma página que se assemelha à do portal de notícias G1, do Grupo Globo. A manchete diz: “Banqueiros definem apoio a Lula em troca da revogação do Pix”.

Onde foi publicado: WhatsApp, Instagram e Facebook

Conclusão do Comprova: Não é verdade que o portal G1 tenha noticiado que banqueiros teriam fechado um acordo com Lula (PT) para revogar o Pix. O próprio serviço de checagem de fatos do Grupo Globo, Fato ou Fake, desmentiu o conteúdo que circula nas redes — uma montagem que simula o layout do portal de notícias.

Nenhuma notícia do suposto acordo entre os banqueiros e Lula foi publicada na imprensa profissional. No fim de julho, o ministro da Casa Civil de Jair Bolsonaro (PL), Ciro Nogueira (PP), afirmou que banqueiros teriam assinado a “Carta pela Democracia”, um manifesto organizado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), porque estariam insatisfeitos com o Pix. O ministro afirmou que os bancos teriam perdido R$ 40 bilhões em receita com o sistema de pagamento; implementado durante o governo Bolsonaro. Na realidade, a diminuição de receita foi de R$ 1,5 bilhão e, como mostrou o Comprova, o Pix não é uma criação da gestão Jair Bolsonaro, mas sim do Banco Central (BC) e durante o governo Temer. Além disso, o presidente da República não tem poderes para alterar as regras do Pix, medida que cabe somente ao BC. De qualquer forma, Ciro Nogueira não afirmou ter havido acordo entre Lula e banqueiros.

O presidenciável petista, por sua vez, já afirmou que o texto é uma invenção. No site do candidato, há uma publicação que afirma que Lula é a favor da inclusão bancária e que a postagem analisada aqui é falsa.

Alcance da publicação: O conteúdo, além de ter circulado no Whatsapp, disseminou-se em diversos posts no Facebook e no Instagram, alcançando centenas de interações. À medida que a informação passou a ser verificada por agências de checagem, mostrando ser um conteúdo falso, as publicações foram apagadas.

O que diz o autor da publicação: O primeiro post identificado pela reportagem foi deletado das redes sociais, mas localizamos outras publicações com o mesmo conteúdo.O Comprova enviou e-mail para o administrador da página “Politizando no Facebook” perguntando se o autor sabia que o conteúdo era falso, mas não obteve resposta até o fechamento desta verificação.

Como verificamos: A reportagem fez contato com o Banco Central e procurou o advogado, professor e coordenador do Núcleo de Estudos em Direito e Sistema Financeiro da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Bruno Miragem. O Comprova ainda buscou o documento com as diretrizes básicas para o programa de governo de Lula e fez contato com a assessoria de imprensa do candidato.

A revogação do Pix não está entre as diretrizes do Programa de Governo de Lula

A reportagem verificou o documento com as diretrizes básicas para o Programa de Governo do Lula à presidência da República. O texto foi publicado no dia 21 de junho deste ano. A lista, com 121 diretrizes, é a base do Programa de Governo do Partido dos Trabalhadores para as eleições de outubro, e não traz qualquer menção ao sistema de pagamentos Pix. A base de propostas também não lista nenhuma mudança nos mecanismos de pagamento digitais.

Além disso, pedimos informações para a assessoria de imprensa do candidato do PT. O ex-presidente informou que não há propostas de alteração ou mesmo de revogação do sistema de pagamento instantâneo.

Presidente não pode revogar Pix

O Banco Central é uma instituição autônoma desde a publicação da Lei Complementar Nº 179, sancionada pela gestão Bolsonaro em fevereiro de 2021. Antes, ele era ligado ao Ministério da Economia. Segundo Bruno Miragem, não há possibilidade de um presidente revogar o Pix. “O máximo que ele pode fazer é indicar para o cargo de presidente do BC alguém que vá dar início a um processo de revogação”, explica. Ele ressalta que essa mudança teria que passar pelo Colegiado da direção do banco e ainda pelo Conselho Monetário Nacional. Portanto, é “quase zero” a possibilidade do fim do Pix.

Em nota, o BC informou que, “por facilitar a vida do cidadão, o Pix atingiu ampla aceitação na sociedade. Não temos conhecimento de nenhuma iniciativa que pudesse impor barreiras a seu uso.” O texto diz ainda que a instituição não comenta afirmações não-oficiais.

O especialista diz ainda que o sistema já está consolidado e não é verdade que seja prejudicial ao lucro dos bancos. “O Pix fez com que muita gente que não tinha conta em banco passasse a ter para poder usar o sistema de transferências rápidas. Tem muito mais dinheiro circulando pelos bancos, apesar da queda no número de transações de outros tipos e pelo cartão de crédito”, argumentou.

Em relatório atualizado até o último dia 05 de agosto, o BC havia registrado 478,3 milhões de chaves — com é chamado o identificador de cada conta bancária ou carteira digital — para o sistema de pagamentos Pix, com 457, 4 milhões de cadastros feitos por pessoas físicas e 20,9 milhões de empresas (pessoas jurídicas). Desde que foi criado, em novembro de 2020, um total de 19,4 bilhões transações foram efetuadas com o Pix. Ainda de acordo com a publicação, o sistema foi responsável por R$ 10,01 bilhões em transações financeiras até o final de junho. Somente naquele mês, o montante chegou a R$ 889,1 milhões.

Lula é favorável ao Pix

Lula já usou seus canais oficiais, em mais de uma oportunidade, para negar o boato de que seria contrário ao Pix. A falsa alegação circula pelas redes sociais, ao menos, desde março deste ano. A última manifestação do petista sobre o assunto foi em 28 de julho. No Twitter, ele afirmou: “A família Bolsonaro inventou que Lula quer acabar com o Pix. É fake! Quem não sabe sobre o Pix é o próprio Bolsonaro, que em 2020, quando o sistema era implementado, disse que nem sabia o que era.”

No dia anterior, 27 de julho, foi publicada uma nota no site oficial de Lula que afirma: “Se for presidente novamente, Lula não vai acabar com o Pix. Isso é fake news e já foi desmentido diversas vezes”.

Por que investigamos: Investigamos conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre as eleições presidenciais. Neste caso, a publicação atribui ao candidato Lula um acordo com donos de bancos para acabar com o Pix em benefício do sistema bancário e em troca de apoio nas eleições. Peças de desinformação como esta atrapalham o processo eleitoral pois enganam a população, que deve fazer sua escolha a partir de dados verdadeiros e confiáveis.

Outras checagens sobre o tema: O Fato ou Fake, do G1, publicou uma verificação apontando o conteúdo como falso. A postagem das redes sociais também foi verificada pelo Boatos, Yahoo, Estadão e Aos Fatos.

*Esta verificação foi feita por jornalistas dos veículos Jornal NH, Tribuna do Norte, Correio de Carajás e SBT-RS, que participaram do Programa de Residência no Comprova.

Eleições

Investigado por: 2022-08-04

Vídeo em posto de gasolina não prova crime eleitoral por parte do PT do Piauí

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso o tuíte que afirma que o Partido dos Trabalhadores (PT) cometeu crime eleitoral ao ter distribuído gasolina para que a população de Curimatá, no Piauí, participasse de uma passeata de motos e carros a favor da legenda. A distribuição de combustível de fato ocorreu, mas o Comprova não conseguiu identificar os responsáveis pelo ato – o diretório do PT no Piauí nega participação. Ainda assim, de acordo com especialistas ouvidos pelo Comprova, o vídeo sozinho não configura crime eleitoral por ter ocorrido antes do período eleitoral e por não haver evidências de que a distribuição esteve condicionada a um pedido expresso de votos.

Conteúdo investigado: Tuíte exibe vídeo de 45 segundos que mostra uma fila de carros e motos em um posto de gasolina. A gravação é narrada por um homem que pergunta às pessoas quanto irão receber de combustível e quem está organizando a distribuição. O conteúdo é acompanhado por legenda que afirma que o PT do Piauí está pagando gasolina à população para conseguir apoiadores para uma motociata. O texto também cita que o autor da filmagem foi ameaçado por denunciar crime eleitoral.

Onde foi publicado: Twitter.

Conclusão do Comprova: É enganosa a postagem de um pré-candidato a deputado federal do Piauí que afirma ter havido crime eleitoral em um episódio ocorrido em um posto de combustível localizado no centro de Curimatá, no Sul do Piauí, no dia 17 de julho. O tuíte traz um vídeo gravado no local pelo jornalista Efrém Ribeiro, que, em contato com o Comprova, afirmou ter havido distribuição de gasolina para que as pessoas pudessem se deslocar até um evento político de dois pré-candidatos pelo PT ao governo do Piauí e ao Senado.

Segundo especialistas ouvidos pelo Comprova, mesmo que a distribuição tenha ocorrido, o ato não configura crime eleitoral, pois aconteceu antes do período eleitoral e porque não há nenhum elemento na postagem e no vídeo verificados, ou mesmo nas matérias que repercutiram o episódio e em afirmações dos envolvidos no evento, que confirme a suposição de compra de votos.

Em outro vídeo feito no posto, publicado nas redes sociais de Ribeiro, há uma entrevista com um motociclista que aguarda na fila, em que ele confirma o recebimento do combustível para participação no evento. No entanto, segundo especialistas em direito eleitoral ouvidos pelo Comprova, o episódio configuraria crime eleitoral somente se a distribuição de combustível estivesse condicionada ao pedido expresso de votos em determinado candidato.

Procurada, a assessoria do PT do Piauí negou ter cometido crime e disse não ser responsável pela organização de nenhuma motociata no estado – o Comprova não localizou registro do evento no dia 17 de julho, como afirma a postagem. “Não fizemos carreata ou motociata. Nós temos consciência de que a lei proíbe. Temos feito apenas eventos em espaços fechados, conforme orientação jurídica.”

Quando questionado se o partido distribuiu gasolina no Piauí, João de Deus, presidente do PT no Estado, disse: “Nunca criamos esse tipo de situação em nenhum dos municípios”.

Para o Comprova, enganoso é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. Até o dia 4 de agosto, o vídeo teve 182,2 mil visualizações, 7,9 mil compartilhamentos e 19,7 mil curtidas.

O que diz o autor da publicação: Daniel Pereira da Silva Monteiro Rosa é engenheiro civil e, atualmente, pré-candidato a deputado federal do Piauí pelo partido União Brasil. Em 2020, foi candidato a vereador de Teresina (PI) pelo PSL. Teve 1.121 votos, mas não foi eleito.

Ao Comprova, Pereira afirmou que recebeu o vídeo do jornalista Efrém Ribeiro e que o objetivo da publicação foi mostrar à população “mais um crime eleitoral cometido pelo PT”.

Como verificamos: O primeiro passo foi analisar os frames do vídeo, por meio dos quais foi possível identificar o nome do posto. Fazendo uma busca no Google pelos termos “Auto Posto Gety” e “Piauí”, descobrimos que o estabelecimento fica na cidade de Curimatá, Piauí.

Em seguida, pesquisamos no Google pelos termos “Curimatá PI”, “gasolina” e “PT”, e encontramos matérias de dois sites (Oitomeia e Ponto e Vírgula) que traziam a informação de que o autor do vídeo era o jornalista da TV Piauí Efrém Ribeiro.

O Comprova então buscou pelas redes sociais de Ribeiro e encontrou no Instagram oito vídeos sobre o episódio.

A equipe também reuniu informações através do site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e da legislação brasileira e consultou dois especialistas em direito eleitoral, o advogado Alberto Rollo e a professora Lara Ferreira, para entender se o caso retratado no vídeo configuraria crime eleitoral.

O Comprova conversou com o TSE, a assessoria do PT do Piauí, Efrém Ribeiro, autor do vídeo, Daniel Pereira, responsável pela publicação do conteúdo no Twitter, um comércio próximo ao Auto Posto Gety e a Polícia Militar do Piauí.

Por fim, a equipe tentou entrar em contato, sem sucesso, com a administração do Auto Posto Gety, o vereador Lorisvan Dias Duarte (MDB), que aparece no vídeo, e a prefeitura de Curimatá.

A localização do vídeo

Para entender o contexto do vídeo e o que estava acontecendo na ocasião, era preciso descobrir qual o posto que aparece na gravação e sua localização. Pelas imagens, o Comprova identificou que se trata do Auto Posto Gety e, fazendo uma busca no Google pelo nome do estabelecimento e “Piauí”, descobriu que o local fica no centro de Curimatá, cidade 778 km distante de Teresina, capital do estado.

| Detalhe do vídeo em que aparece a marca do posto

Detalhes que aparecem no vídeo em comparação com imagens postadas no Instagram do posto confirmam que o vídeo foi gravado no local.

Frame do vídeo:

Postagem no Instagram do posto:

A partir da utilização do Google Street View, foi possível encontrar outra correspondência: a fachada de uma loja em cor laranja.

Frame do vídeo:

A mesma fachada aparece no Google Street View (imagem de 2019). Do outro lado da rua, um posto em construção, com uma placa em que se lê: “Em breve em Curimatá, auto posto Gety. Aguarde”:

Detalhe da placa:

Contexto do vídeo

A partir de pesquisa no Google pelos termos “Curimatá PI”, “gasolina” e “PT”, encontramos matérias de dois sites (Oitomeia e Ponto e Vírgula) que traziam a informação de que o autor do vídeo era o jornalista da TV Piauí Efrém Ribeiro.

Após buscar o contato do jornalista com a assessoria da TV Piauí, o Comprova conversou com ele por WhatsApp. No diálogo, Ribeiro contou que, no dia 17 de julho, ele e o cinegrafista Rafael Gomes faziam uma reportagem sobre as condições da rodovia PI-225, que liga os municípios de Corrente, Parnaguá, Curimatá e Avelino Lopes, quando os dois perceberam a movimentação no Auto Posto Gety.

De acordo com Ribeiro, os motociclistas que estavam na fila do Auto Posto Gety afirmaram que estavam abastecendo para participar de uma carreata que partiria do centro de Curimatá, onde fica o posto, para o clube da AABB, onde ocorreria evento político com participação de Rafael Fonteles e Wellington Dias, ambos do PT.

| Distância entre o Auto Posto Gety e o clube da AABB de Curimatá

Em um dos oito vídeos publicados pelo jornalista no Instagram, um motociclista diz que teve o nome colocado na lista para receber a gasolina. Ribeiro pergunta: “E depois vai para a carreata?”. Em seguida, o homem responde: “Para a AABB”. Na mesma gravação, o jornalista questiona outro motociclista sobre a quantidade de gasolina que iria receber. O homem diz: “Até R$ 40 né?”. Ribeiro, no entanto, não soube informar quem estava pagando pelo combustível.

Ao Comprova, o jornalista confirmou a ameaça mencionada no tuíte investigado. Ribeiro afirmou que foi ameaçado de ser encharcado de combustível pelo frentista e “o pessoal que fazia a distribuição” ao documentar o episódio, mas não registrou queixa. Procurada, a Polícia Militar do Piauí informou que não foi acionada para ir ao local na data da ocorrência.

O vereador Lorisvan Dias Duarte, conhecido como Lorin (MDB), que é apontado nas imagens como a pessoa que estaria coordenando a distribuição de combustível, e o proprietário do posto foram questionados sobre o episódio, mas não houve resposta.

Por meio da assessoria, o PT nacional afirmou não ter conhecimento do caso, enquanto o PT do Piauí disse se tratar de conteúdo enganoso. “Não fizemos carreata ou motociata. Nós temos consciência de que a lei proíbe. Temos feito apenas eventos em espaços fechados, conforme orientação jurídica.”

Evento político na AABB-Curimatá

Tanto as matérias dos sites Oitomeia e Ponto e Vírgula quanto o jornalista Efrém Ribeiro afirmam que a distribuição de combustível seria para que as pessoas seguissem até a sede do clube da AABB de Curimatá, para evento das pré-candidaturas de Rafael Fonteles ao governo do Estado do Piauí, e de Wellington Dias ao Senado, no dia 17 de julho. As candidaturas foram oficializadas seis dias depois, em um outro evento, em Teresina.

No Instagram de Rafael Fonteles, é possível constatar que o evento político de fato foi realizado na AABB-Curimatá. Características do local (telhado e pilares), verificadas na postagem do político, conferem com imagens do clube publicadas no site da Prefeitura de Curimatá (aqui).

| Imagem de evento na AABB-Curimatá que ilustra notícia no site da prefeitura local

Não há crime eleitoral

Segundo o TSE, crime eleitoral é “toda conduta praticada durante o processo eleitoral e que a lei reprime, impondo pena aos autores, por atingirem ou macularem a liberdade do direito de voto, em sentido amplo, ou mesmo os serviços e o desenvolvimento das atividades eleitorais”.

Conforme disposto no art. 41-A da Lei no 9.504/1997 (Lei das Eleições), “constitui captação de sufrágio, vedada por esta lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição”.

Consultado pelo Comprova, o advogado Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral, afirma que o episódio de distribuição de combustível no Piauí não configura crime eleitoral por ter ocorrido em 17 de julho. Portanto, antes do período de registro de candidaturas, iniciado no último 20 de julho e que termina em 16 agosto, início do período eleitoral.

“Ainda assim, teria que haver pedido explícito de votos em determinado candidato para a caracterização do crime eleitoral”, diz Rollo.

Porém, o advogado explica que o evento pode configurar crime de abuso de poder econômico, disposto no artigo 22 da Lei Complementar 64/1990. “Caso um episódio semelhante se repita no período eleitoral, este outro ocorrido anteriormente pode ser usado para fortalecer o entendimento do crime de abuso de poder econômico”.

O Comprova também conversou sobre o tema com Lara Ferreira, professora e especialista em direito eleitoral, que chegou à mesma conclusão apontada por Alberto Rollo. Segundo Ferreira, como não houve pedido explícito de voto no episódio em Curimatá, a distribuição de gasolina não configura ilícito.

“Durante as campanhas eleitorais, distribuir combustível para viabilizar a realização de carreatas ou motociatas não configura ilícito eleitoral, nos termos já decididos pelo TSE. No caso em análise, não se trata ainda de campanha eleitoral, mas de pré-campanha. Ademais, o vídeo, em si, não apresenta qualquer elemento minimamente indicativo da prática alegada”, afirma.

Não há nenhuma menção a uma suposta compra de votos no vídeo verificado, ou nos sites que repercutiram o episódio. Em entrevista ao Comprova, o jornalista Efrém Ribeiro, autor do conteúdo, também não cita o suposto ato.

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a pandemia, eleições presidenciais e políticas públicas do governo federal que viralizaram nas redes sociais. O vídeo aqui verificado induz a uma interpretação enganosa e faz associações, sem comprovação, entre o partido de um candidato à presidência da República e um suposto crime eleitoral. Conteúdos como esse podem influenciar a decisão de eleitores, que têm o direito de votar com base em informações verídicas, não boatos.

Outras checagens sobre o tema: A três meses das eleições presidenciais, o sistema eleitoral tem sido tema frequente de peças de desinformação nas redes sociais. Nos últimos dias, o Comprova demonstrou que não há provas de fraudes em “apagões” nas eleições de 2014 e 2018, que Lei sancionada por Lula para imprimir votos foi derrubada pelo STF em 2013 e que contagem de votos é feita pelo TSE e não por empresa terceirizada.

Em verificações recentes envolvendo o PT, o Comprova mostrou que postagem engana ao associar o PT e Lula a apreensão de drogas no Mato Grosso do Sul, que protesto anti-Bolsonaro na Itália não teve manifestantes enviados pelo PT e que é falso que PT seja responsável por drone que lançou produtos químicos em Minas Gerais.

Eleições

Investigado por: 2022-08-01

Áudio de William Bonner chamando Lula e Alckmin de bandidos é falso e foi feito com ferramenta de deepfake

  • Falso
Falso
É falso o vídeo publicado no TikTok que mostra o âncora do Jornal Nacional, William Bonner, chamando de ladrão Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Geraldo Alckmin (PSB), candidatos a presidente e vice, respectivamente, na mesma chapa nas eleições deste ano. Ao Comprova, o jornalista e produtor de deepfakes Bruno Sartori explicou que a voz atribuída a Bonner na verdade foi produzida sinteticamente a partir de um conteúdo em texto.

Conteúdo investigado: Vídeo de 14 segundos mostra o âncora do Jornal Nacional, William Bonner, dizendo: “O encontro de dois bandidos”. A gravação corta para imagens de Lula e Alckmin se abraçando, com a narração do jornalista: “Perdão, imagem errada. A imagem seria de outro ladrão, digo, de um ladrão de verdade”.

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: Vídeo publicado no TikTok em que William Bonner supostamente chama Lula (PT) e Geraldo Alckmin (PSB) de bandidos é um deepfake, conteúdo manipulado com ferramentas de inteligência artificial em que pessoas aparecem dizendo ou fazendo coisas que nunca fizeram.

Ao comparar a voz com os movimentos da boca do jornalista, é possível perceber que há uma dissincronia. Através de busca reversa da imagem de Bonner no vídeo foi possível identificar que o post utilizou trecho da edição do Jornal Nacional do dia 12 de julho de 2021. A reportagem diz respeito ao arquivamento pela Justiça Eleitoral de São Paulo de uma das ações da Lava Jato contra Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT. Em nenhum momento do trecho utilizado pelo vídeo aqui investigado o apresentador fala sobre Lula ou Alckmin.

Procurado pelo Comprova para analisar o vídeo verificado, o jornalista e produtor de deepfakes na internet Bruno Sartori explicou que a voz atribuída a Bonner foi produzida a partir da técnica Text to Speech (TTS), que gera áudios sinteticamente a partir de um conteúdo em texto. Sartori se popularizou pela produção de vídeos de humor que utilizam a técnica, e frequentemente publica conteúdos para alertar sobre as possibilidades de criação e edição de vídeos por meio de deepfakes.

No conteúdo aqui verificado, a maioria dos comentários são risadas. No entanto, parte dos usuários não entendeu se o vídeo era de fato uma montagem. Por ser um conteúdo que sofreu edições para mudar o seu significado original, o Comprova o classificou como falso.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. Até o dia 1º de agosto, o vídeo teve 2,3 milhões de visualizações, 48,6 mil curtidas, 1,8 mil comentários e 37,6 mil compartilhamentos.

O que diz o autor da publicação: Não foi possível entrar em contato com o autor do post pois o TikTok não permite o envio de mensagens. Diante disso, o Comprova pesquisou pelo perfil do autor em outras redes sociais e fez buscas reversas de imagem, utilizando fotos do homem, mas não encontrou resultados.

Como verificamos: Para verificar o conteúdo, o Comprova entrou em contato com Bruno Sartori, jornalista e produtor de deepfakes na internet, e solicitou que ele analisasse o vídeo investigado. A equipe conversou também com Anderson Rocha, cientista da computação, estudioso dos deepfakes e diretor do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Também foram feitas buscas reversas das imagens de William Bonner e de Lula e Alckmin presentes no vídeo aqui analisado.

Para tentar localizar o autor da postagem, foram feitas buscas pelo nome do seu perfil em outras redes sociais e no Google. Por fim, a equipe também assistiu aos outros vídeos postados pelo usuário no TikTok.

Vídeos originais usados na postagem

O vídeo tem 14 segundos e se inicia com uma tela preta com a inscrição “O encontro de dois bandidos” e emojis de risadas. Segue para a abertura do Jornal Nacional com a narração de William Bonner: “O encontro de dois bandidos”. O vídeo corta para imagens de Lula e Alckmin se abraçando, enquanto o jornalista diz: “Perdão, imagem errada. A imagem seria de outro ladrão, digo, de um ladrão de verdade”.

É perceptível que a voz não está sincronizada com os movimentos da boca de Bonner. Com base na leitura labial, também é possível ver que, no primeiro trecho da fala de Bonner (em que o áudio diz: “O encontro de dois bandidos”), o jornalista na verdade está falando: “A Justiça Eleitoral”.

Por meio de busca reversa da imagem de William Bonner no vídeo foi possível identificar que a postagem utilizou trecho da edição do Jornal Nacional do dia 12 de julho de 2021. Bonner está com a mesma gravata verde do vídeo do TikTok e, a partir de 10 minutos e 49 segundos do link da transmissão, ele diz: “A Justiça Eleitoral de São Paulo arquivou por prescrição uma das ações da Lava Jato contra o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares”. Pelos movimentos do lábio do apresentador, é possível verificar que o primeiro trecho usado no vídeo do TikTok corresponde à fala “A Justiça Eleitoral”. O segundo trecho usado na postagem corresponde a “Por prescrição uma das ações da Lava Jato contra o ex-tesoureiro”.

| Captura de tela do vídeo investigado

| Captura de tela da transmissão do Jornal Nacional

Já as imagens de Lula e Alckmin se abraçando utilizadas no vídeo investigado foram gravadas em 14 de abril de 2022, durante evento com centrais sindicais em São Paulo. A publicação no TikTok usou vídeo da reportagem do UOL Notícias sobre o evento.

| Captura de tela do vídeo investigado

| Captura de tela do vídeo do UOL

Ferramenta de criação de voz

De acordo com o jornalista e produtor de deepfakes na internet Bruno Sartori, a voz atribuída a William Bonner no vídeo aqui analisado foi feita a partir de uma técnica chamada Text to Speech (TTS), que é capaz de gerar áudios sinteticamente a partir de um conteúdo em texto. Na análise, Sartori reconheceu semelhanças entre o áudio do vídeo aqui analisado e um conteúdo criado por ele mesmo, em que ele também “criou” uma voz idêntica a de William Bonner a partir de deepfakes. Assim, segundo Sartori, o vídeo que é objeto dessa verificação também trata-se de um deepfake, tecnologia que manipula áudio e vídeos por meio de ferramentas de inteligência artificial.

Como o conteúdo adulterado é apenas de áudio, Sartori explica que não é possível fazer uma espécie de “contraprova”, ou seja, um vídeo comparando o material original com o modificado apontando as falhas e as provas de que o material passou por alterações. Ele costuma produzir esse tipo de conteúdo em casos como o do vídeo de deepfake envolvendo a cantora Anitta, que viralizou na última semana. “A produção dessa contraprova é possível apenas em materiais que envolvem adulteração de imagens”, comenta.

Ele exemplificou ainda que a técnica utilizada pelo autor do vídeo aqui analisado foi similar a que ele utilizou em um conteúdo com a voz da ex-presidente Dilma Rousseff. “A partir de um banco com dezenas de áudios do William Bonner falando, o computador gera um novo áudio, do zero, baseado no que foi escrito em texto”, acrescenta.

Sartori ainda afirmou que hoje já existem sites disponíveis ao público capazes de produzir áudios sintéticos de pessoas famosas a partir de conteúdos em texto.

De acordo com Anderson Rocha, cientista da computação, estudioso dos deepfakes e diretor do Instituto de Computação da Unicamp, as falsificações já existem há bastante tempo, o que muda em relação aos deepfakes é que agora esses conteúdos são criados por inteligência artificial, e não um ser humano.

“A inteligência artificial permite que você consiga criar falsificações sem precisar da supervisão de um humano, que é substituído por uma técnica chamada ‘generative adversarial network’ (rede adversarial regenerativa, uma rede de inteligência artificial). Essa rede normalmente tem muitas camadas e parâmetros, e justamente daí sai o nome ‘deep’ [profundo, em inglês]. ‘Deepfake’ então vem da criação de conteúdo a partir de redes desse tipo, tanto para áudio quanto para vídeo e imagem”, explica.

Segundo Rocha, como os algoritmos utilizados pelos primeiros deepfakes não eram muito avançados, haviam pistas que podiam ser procuradas para identificar se aquele conteúdo era uma falsificação. Por exemplo, no caso de imagens e vídeos, era feita análise de movimento dos olhos (ver se a pessoa estava piscando ou não) e próximo aos lábios, e se a iluminação na cena casava com a próxima ao rosto. Isso porque, conforme o pesquisador, normalmente nessas regiões os algoritmos geravam algumas inconsistências.

No caso de conteúdos em áudio, Rocha diz que, no geral, eram analisados o pitch, a modulação da voz e as transições entre fonemas.

“O problema é que como esses algoritmos de inteligência artificial vão melhorando cada vez mais com o tempo, à medida que eles veem mais dados e mais exemplos, esse tipo de pista já não é mais trivial. Hoje não é necessariamente fácil identificar se um vídeo é um deepfake ou não. Se você ouve um áudio, a não ser que você seja uma pessoa que entenda bastante de áudio, você não vai encontrar essas inconsistências facilmente. Então hoje em dia a gente tem que utilizar a própria inteligência artificial para nos ajudar a identificar esse tipo de falsificação.”

Em relação ao Text to Speech (TTS), Rocha afirma que existem pelo menos duas modalidades. Há o TTS que utiliza um algoritmo capaz de receber um texto de entrada e verbalizar aquele conteúdo para que as pessoas possam ouvir, como os audiobooks, por exemplo. Esse tipo de TTS, conforme Rocha, é normalmente usado com fins de assistência pessoal.

E há também uma técnica de TTS chamada “puppeting”, que é quando um algoritmo gera um texto e faz uma voz falá-lo. “Puppeting” vem da palavra puppet em inglês, que significa fantoche. “É como se você estivesse colocando palavras na boca de uma pessoa. Aí você vai imitar toda a questão do tom e formato da voz, o rosto vai ter que se mexer de acordo. Essa técnica de falsificação tem sido bastante utilizada muitas vezes com fins humorísticos ainda, mas também já há casos em que isso é utilizado justamente para fazer pessoas falarem o que elas não querem e isso é divulgado depois como se fosse um vídeo real.”

Outros vídeos postados pela mesma conta

O perfil do TikTok responsável pelo post aqui investigado se descreve na rede como “locutor e radialista” e “pregador da palavra de Deus”. Além de vídeos com teor religioso, há outros três vídeos semelhantes ao que foi aqui analisado. São montagens com a voz de William Bonner, sempre fazendo referência a Lula ou ao atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), em tom de sátira e brincadeira, o que reforça a ideia de que a postagem aqui analisada era originalmente uma peça de humor, que não foi compreendida assim por alguns usuários.

No conteúdo aqui investigado, a maior parte dos comentários são risadas. Apesar de diversas pessoas comentarem, em tom de ironia, que Bonner e a Globo “falaram a verdade ao menos uma vez” e elogiarem a montagem, algumas pessoas ficaram em dúvida se o conteúdo havia sido editado ou não, como mostram as imagens abaixo:

Em outro vídeo postado pela mesma conta, Bonner aparece na bancada do Jornal Nacional dizendo que “a rede Globo reconhece o presidente Jair Messias Bolsonaro o melhor presidente da história desse país”, o que nunca ocorreu. É possível novamente observar a falta de sincronia entre a voz e o movimento da boca do apresentador. Em outro vídeo, a voz de William Bonner é sobreposta a imagens de uma multidão vestida de verde e amarelo comemorando e a frase “Em outubro receberemos essa notícia”. A voz diz: “2 de outubro de 2022 às sete trinta e dois. Acabamos de receber a notícia que todos esperavam. Jair Messias Bolsonaro é reeleito presidente do Brasil”.

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a pandemia, eleições presidenciais e políticas públicas do governo federal que viralizaram nas redes sociais. O vídeo aqui verificado cita o ex-presidente e candidato à presidência pelo PT, Lula e seu vice, Geraldo Alckmin. Conteúdos falsos e enganosos são prejudiciais ao processo democrático porque atingem o direito do eleitor de fazer sua escolha baseada em fatos, não em boatos e desinformação.

Outras checagens sobre o tema: Em verificações anteriores envolvendo adulteração de áudio e montagens, o Comprova mostrou que com áudio falso, vídeo engana ao sugerir que ex-governador da Paraíba “humilhou” Lula e elogiou Bolsonaro, que vídeo falso faz montagem de Lula declarando voto em Bolsonaro e que post adultera áudio e mente ao afirmar que Lula foi xingado em Caruaru.

Eleições

Investigado por: 2022-08-01

É falso que TSE tem 32 mil urnas grampeadas com o objetivo de fraudar a eleição

  • Falso
Falso
É falsa uma alegação que circula em vídeos publicados na rede social Kwai de que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) teria comprado 32 mil urnas “grampeadas” para serem utilizadas nas eleições de 2022 e dar um “golpe final no Brasil”. A Justiça Eleitoral confirmou ao Comprova que houve a compra não apenas de 32 mil equipamentos, mas de 224 mil, no total. No entanto, não há como elas estarem grampeadas. O TSE reforça que os equipamentos possuem arquitetura de segurança desenvolvida pelo próprio tribunal e que passam por rigorosos processos de acompanhamento e auditoria por diversas entidades. Especialistas consultados pelo Comprova também afirmaram que as urnas eletrônicas são seguras.

Conteúdo investigado: Um vídeo publicado na plataforma Kwai sugere que o TSE teria comprado 32 mil urnas eletrônicas que já estariam com votos válidos inseridos previamente. Segundo o autor da publicação, que usa o termo “STE” para fazer referência ao TSE, os equipamentos estão estocados e só seriam usados no dia da eleição. A frase “O STE comprou 32 mil urnas grampeadas para definir as eleições” foi sobreposta ao vídeo.

Onde foi publicado: Kwai.

Conclusão do Comprova: É falso o conteúdo de vídeo postado no Kwai afirmando que o TSE teria comprado 32 mil urnas eletrônicas grampeadas. O conteúdo sugere que o objetivo do tribunal seria mudar os resultados das eleições federais de 2022 e dar “golpe final no Brasil”. O conteúdo também menciona que as urnas estariam estocadas, impossibilitadas de passarem por alguma vistoria.

Em março de 2021, o TSE firmou um contrato com a empresa Positivo Tecnologia S.A para a produção de 32.609 urnas eletrônicas do modelo UE2020. O lote faz parte de uma encomenda de um total de 224.999 urnas do modelo para serem usadas nas eleições de 2022. Em resposta ao Comprova, o tribunal confirmou que a última leva dessa encomenda foi entregue na segunda quinzena de julho.

Ao contrário do que diz o vídeo, as urnas compradas não estão estocadas. O TSE comunicou que os equipamentos foram repassados para todos os 27 Tribunais Regionais Eleitorais na quantidade prevista, que possuem logística própria de distribuição e armazenamento.

Para o Comprova, o TSE certificou que não existem urnas eletrônicas grampeadas. “Todos os equipamentos possuem arquitetura de segurança desenvolvida pelo TSE, e tanto o projeto quanto a fabricação passam por um rigoroso processo de acompanhamento e auditoria por parte do TSE. Além disso, somente os softwares oficiais, que são integralmente desenvolvidos pela Justiça Eleitoral, são aceitos nas urnas. Os novos equipamentos também estão sendo testados por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP)”, esclarece.

De acordo com o TSE, cerca de um mês antes do primeiro turno das eleições de 2022, os sistemas eleitorais serão assinados (digital e fisicamente) e depois lacrados em cerimônia pública realizada no edifício-sede da instituição. “Essa é a garantia de que os arquivos que rodarão dentro das urnas tiveram a autenticidade comprovada tanto pela Corte Eleitoral quanto pelas entidades legitimadas a fiscalizar o processo eleitoral”, assegura o tribunal.

Além disso, especialistas na área de computação com experiência no tema também afirmaram que as urnas eletrônicas têm ferramentas eficientes contra fraude. Entre os pontos destacados está o fato de eleitores e representantes dos partidos poderem acompanhar a impressão da zerésima – documento que mostra que não há votos registrados no equipamento – antes do início da votação. Eles também ressaltaram que o mesmo software é usado em todas as urnas.

O Comprova considera falso qualquer conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: A publicação original no Kwai foi apagada. Repostado por outra conta, o conteúdo tinha 529 visualizações, 15 comentários, 27 curtidas e 15 compartilhamentos até o dia 1º de agosto. Ao procurar por “STE 32 mil urnas” no aplicativo, o Comprova localizou pelo menos 30 outras publicações com o mesmo vídeo, que têm entre 200 e 500 visualizações cada.

O que diz o autor da publicação: O Comprova procurou o provável autor da publicação através de mensagens no próprio Kwai. Também entramos em contato com a conta que repostou o conteúdo falso. Não houve respostas até a publicação desta checagem.

Como verificamos: Utilizando as palavras-chave “TSE” e “32 mil urnas” em pesquisa no Google, encontramos uma publicação do próprio tribunal informando sobre a aquisição deste número exato de equipamentos para serem usados na eleição de 2022.

A equipe entrou em contato com TSE e questionou o tribunal sobre a compra dessas urnas, a segurança das máquinas e o planejamento de uso dos equipamentos no pleito deste ano.

Além disso, entrevistamos Jamil Salem Barbar, da Faculdade de Computação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), que já participou de testes de segurança da urna eletrônica, e o doutor em ciência da computação e professor da Universidade de São Paulo (USP) Bruno Albertini.

O Comprova também tentou, sem sucesso, contato com o perfil no Kwai que repostou o vídeo e com outro usuário que a equipe entendeu como provável responsável pela publicação original.

TSE adquire mais de 32 mil urnas eletrônicas

No ano de 2021, o TSE adquiriu milhares de urnas entregues em etapas. Em março daquele ano, foi firmado um contrato com a empresa Positivo Tecnologia S.A para a produção de 32.609 urnas eletrônicas do modelo UE 2020, que devem estar disponíveis para as eleições de 2022. O acordo, publicado no Diário Oficial da União, era no valor de R$ 172.495.916,76. A previsão de entrega para este lote era no início deste ano.

Ao todo, o TSE encomendou 224.999 urnas do modelo UE 2020, que serão utilizadas no pleito de outubro. Os equipamentos foram entregues a partir de dezembro de 2021.

A estimativa do órgão é utilizar 577 mil urnas eletrônicas para o pleito de 2022, incluindo as chamadas urnas de contingência que substituirão as que eventualmente apresentarem problemas. Cerca de 73 mil serão do modelo 2009, quase 118 mil serão do modelo 2010 e outras cerca de 35 mil serão do ano de 2011. Haverá ainda equipamentos de 2013 (30.142) e 2015 (95.885). O tribunal também afirmou para o Comprova que “todas as 577.125 mil urnas (modelos 2009, 2010, 2011, 2013, 2015 e 2020) que serão usadas em 2022 possuem o mesmo software, totalmente desenvolvido pela Justiça Eleitoral”.

“Embora a UE2020 e os demais modelos tenham aparências diferentes, todos são urnas eletrônicas oficiais da Justiça Eleitoral e apresentam os requisitos de segurança e legitimidade para receber e apurar com fidedignidade a manifestação da vontade popular expressada por meio do voto”, afirmou o TSE.

De acordo com o tribunal, os novos aparelhos permitirão a renovação do parque da Justiça Eleitoral, já que a vida útil de uma urna eletrônica é de 10 a 12 anos. Para estas eleições, as urnas fabricadas em 2006 e em 2008 serão substituídas pelos novos modelos, além de parte do modelo 2009.

Segundo o TSE, o sistema eletrônico de votação nunca permaneceu o mesmo por muito tempo. Embora a aparência da urna seja praticamente a mesma nesses 25 anos, “por dentro ela sofreu modificações e melhorias importantes já a partir de 1998” e, desde então, a “segurança embarcada nos modelos da urna eletrônica também ficou ainda mais robusta”.

Urnas não foram grampeadas

Para o Comprova, o TSE certificou que é falso o conteúdo sobre a compra de urnas eletrônicas grampeadas. O tribunal afirmou que todos os equipamentos possuem arquitetura e segurança desenvolvidas pela Justiça Eleitoral. Ainda de acordo com o tribunal, o projeto e a fabricação passam por “rigoroso processo de acompanhamento e auditoria por parte do TSE”. A instituição também destacou que “somente os softwares oficiais, que são integralmente desenvolvidos pela Justiça Eleitoral, são aceitos nas urnas”. Os novos equipamentos também estão sendo testados por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP).

Entre os meses de julho e agosto, pesquisadores da USP têm realizado testes para garantir a segurança da nova urna eletrônica (UE 2020). Os equipamentos passam por fiscalização semelhante àquela feita na urna eletrônica 2015 (UE 2015), versão que foi submetida às investidas dos participantes dos Testes Públicos de Segurança do Sistema Eletrônico de Votação (TPS).

Parte do plano de testes já está traçado, como explicou o Coordenador de Tecnologia Eleitoral do Tribunal, Rafael Azevedo, para publicação do TSE. Segundo o servidor, por meio de ataques direcionados ao conjunto de programas e equipamentos que compõem o sistema eleitoral, ocorrerá a tentativa de quebrar o sigilo ou alterar a destinação dos votos. “Eles vão executar os testes que já foram feitos em todos os Testes Públicos de Segurança e mais alguns que julguem necessários para poder verificar a segurança do modelo 2020”, explicou Azevedo.

Como as novas urnas eletrônicas começaram a ser entregues em dezembro de 2021, elas não foram colocadas à prova no último TPS, que teve o edital lançado em agosto daquele ano. No TPS, ocorre teste dos equipamentos montados, com o software totalmente desenvolvido e testado pela Justiça Eleitoral. Apesar disso, o TSE ressalta que todos os modelos de urnas contam com os mesmos programas, que passam por auditorias antes, durante e depois das eleições.

Ainda segundo o divulgado pelo tribunal, todas as fases de fabricação dos equipamentos dos modelos UE2020 são acompanhadas de perto pela equipe da Coordenadoria de Tecnologia Eleitoral (Cotel) da Secretaria de Tecnologia da Informação do TSE. O tribunal anunciou que representantes do TSE, incluindo o então presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, visitaram as instalações das fábricas das urnas nas cidades de Manaus (AM) e Ilhéus (BA) em dezembro de 2021. Eles observaram os padrões de segurança adotados pela empresa Positivo Tecnologia S.A do início ao fim da produção do equipamento.

Segundo o TSE, a UE 2020 tem baterias com maior vida útil e processadores mais rápidos. O teclado é equipado com o procedimento de duplo fator de contato, que permite detectar erros em caso de mau contato ou curto-circuito na tecla.

A criptografia do modelo também foi verificada pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP Brasil). No caso, o Laboratório de Aplicações Tecnológicas para o Setor Produtivo Industrial (Laspi) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), certificado pelo Instituto Nacional de Pesos e Medidas (Inmetro), analisou os programas e códigos das urnas eletrônicas e confirmou que eles atendem aos requisitos do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), que define as regras da ICP-Brasil. O TSE também aponta que o algoritmo criptográfico da urna também foi trocado para o tipo E521, ou EdDSA, “considerado um dos mais apurados atualmente disponíveis”.

O tribunal informa: “O modelo atual da urna passou por melhorias e é ainda mais seguro do que a versão de 2015, o que tornará a tentativa de adulteração ou quebra de sigilo dos votos ainda mais difícil. Isso porque nenhum dos inscritos das edições anteriores do Teste Público de Segurança teve êxito em violar o sigilo ou adulterar a destinação dos votos”.

De acordo com o TSE, cerca de um mês antes do primeiro turno das eleições de 2022, os sistemas eleitorais serão assinados (digital e fisicamente) e depois lacrados em cerimônia pública realizada no edifício-sede do TSE. “Essa é a garantia de que os arquivos que rodarão dentro das urnas tiveram a autenticidade comprovada tanto pela Corte Eleitoral quanto pelas entidades legitimadas a fiscalizar o processo eleitoral”, assegura o Tribunal.

Depois, a versão única dos sistemas é distribuída para todo o país. Após esta etapa, em cerimônia pública, as mídias que preparam as urnas para eleição são geradas nos tribunais regionais ou zonas eleitorais.

Após isso, explicou o TSE, todas as portas físicas das urnas são lacradas fisicamente com selos especiais produzidos pela Casa da Moeda do Brasil, cujas propriedades químicas evidenciam qualquer tentativa de violação. Esses lacres possuem uma numeração única e também são assinados pelos juízes eleitorais, Ministério Público e fiscais presentes. O tribunal informou que o procedimento ainda gera um registro eletrônico que associa a urna à seção eleitoral a qual ela pertence. Essa é a garantia de que só serão aceitos boletins de urnas autênticos e provenientes da urna específica preparada para uma respectiva seção ou uma urna de contingência.

No dia da eleição, os trabalhos eleitorais são iniciados com a impressão da zerésima, documento que comprova não haver nenhum voto na urna eletrônica. Esse processo é público e pode ser acompanhado tanto por eleitores que estiverem presentes na seção eleitoral quanto pelos fiscais dos partidos. Segundo o TSE, além disso, os votos são protegidos por assinatura digital, mecanismo que garante a integridade e autenticidade das informações.

Segurança das urnas eletrônicas

Jamil Salem Barbar, da UFU, faz parte da comissão avaliadora dos testes públicos de segurança da urna eletrônica e participou dos trabalhos da equipe neste ano. Ele explica para o Comprova como as urnas eletrônicas, especialmente a UE2020, têm ferramentas de segurança eficazes contra fraudes.

Segundo ele, os programas que garantem a segurança das urnas é o mesmo para todos os modelos. Em relação à UE2020, “as diferenças são no hardware (parte física de sistemas eletrônicos) de cada um, resultando em respostas mais eficientes, mas não alterando a qualidade da segurança”, afirma Barbar.

“O mais importante é que o nível de segurança é definido pelo software (conjunto de programas) da urna que é o mesmo para todos os modelos. A diferença somente será perceptível em um ataque físico ao hardware, onde o grau de dificuldade é sempre aprimorado a cada licitação e modelo de urna”, comenta o professor. O especialista aponta que os mecanismos de hardware novos na UE2020 dão uma garantia de segurança ainda maior com novos processos. Entre eles estão um “chip” mais robusto com um módulo de Segurança Raiz confiável, comunicação entre os componentes mais protegidos, comunicação entre o terminal do eleitor e do mesário mais seguro, processador mais eficiente para execução dos algoritmos de criptografia e segurança (hash, assinatura digital, verificação de certificados digitais e gerador de número aleatório em hardware), portas e interfaces físicas e lógicas controladas.

De acordo com Barbar, o modelo 2020 tem uma atualização tecnológica grande, com novo processador e outras evoluções: “As principais são o design do painel frontal do Terminal do Eleitor, o terminal do mesário com tela sensível ao toque e o perímetro criptográfico certificado pela ICP-Brasil. O novo equipamento permite mais evoluções no futuro para aumentar a fluidez na votação com, talvez, a possibilidade de um eleitor ser habilitado enquanto outro está votando”.

Além disso, ele ressalta a importância da zerésima, que é emitida em toda seção eleitoral e mostra que uma urna não possui votos. Com a apresentação dos códigos fontes no TSE, os partidos e demais entidades podem comprovar que a zerésima realmente verifica que não há votos na urna.

O Comprova também conversou com Bruno Albertini, doutor em ciência da computação e professor da USP. Ele reforçou que o vídeo investigado mostra informações falsas e sem nenhum embasamento.

“As urnas compradas [pelo TSE] não são passíveis de serem grampeadas e ainda assim passarem nos testes, pois o software é assinado em cerimônia pública. Não há como uma urna executar um software diferente das outras urnas”, afirmou.

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam na internet e que tenham relação com pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. Informações falsas sobre as urnas eletrônicas atrapalham a confiança do eleitorado sobre o funcionamento do processo democrático e a escolha dos representantes políticos.

Outras checagens sobre o tema: O site Boatos.org também verificou a mesma postagem sobre as urnas eletrônicas. A conclusão da organização é de que trata-se de um boato, um conteúdo falso.

Recentemente, o Projeto Comprova mostrou que não há dispositivo nas urnas eletrônicas capaz de alterar a votação; que lei sancionada por Lula para imprimir votos foi derrubada pelo STF em 2013 e que não há provas de fraudes em “apagões” nas eleições de 2014 e 2018.

Eleições

Investigado por: 2022-08-01

Bolsonaro não criou o Pix, ao contrário do que diz post em rede social

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso tuíte afirmando que o presidente Jair Bolsonaro (PL) criou o Pix. O pagamento instantâneo foi lançado na atual gestão, mas começou a ser preparado no período do governo de Michel Temer (MDB). Além disso, o Banco Central, cuja equipe técnica desenvolveu o Pix, tem autonomia e não sofre interferência do Executivo para fazer seus projetos. As alegações sobre prejuízos dos bancos também são enganosas porque a perda de recursos em taxas devido à criação desse modelo de pagamento é equivalente a menos de 2% do lucro obtido pelas instituições financeiras em 2021.

Conteúdo investigado: Tuíte afirma que o presidente Jair Bolsonaro (PL) criou o Pix e que o novo modelo de pagamento retirou bilhões de reais dos bancos em cobrança de taxas.

Onde foi publicado: Twitter.

Conclusão do Comprova: É enganosa postagem no Twitter alegando que Bolsonaro criou o Pix, sistema de pagamento instantâneo desenvolvido, na verdade, por equipe técnica do Banco Central (BC).

Embora tenha sido lançado em novembro de 2020, portanto, na atual gestão, o Pix começou a ser pensado no governo de Michel Temer (MDB), em 2018. Inclusive, quando foi abordado por apoiador sobre o modelo de pagamento pela primeira vez em 2020, Bolsonaro demonstrou desconhecimento, acreditando que o termo Pix se tratava de algo relacionado à aviação civil. Seis meses após a sua implantação, o presidente ainda não tinha usado o pagamento instantâneo.

Com bom desempenho no mercado, o Pix tem sido associado a Bolsonaro por aliados do governo, porém o Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal), em nota, aponta que o presidente, de certo modo, criou dificuldades para sua implementação. A entidade ressalta o trabalho técnico dos servidores e critica o uso político, seja de grupos da situação, seja da oposição.

Também é enganosa a alegação de que o Pix tira bilhões dos bancos decorrente da cobrança de tarifas. Mesmo com a criação do novo modelo de pagamento, as instituições financeiras seguem lucrando. Em 2021, o primeiro ano com operação completa do Pix, a perda de receita com taxas foi menor que 2%, sobre um lucro recorde de R$ 81,6 bilhões – o maior em 15 anos.

Para o Comprova, enganoso é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O tuíte enganoso afirmando que Bolsonaro teria criado o Pix teve 2.189 curtidas e 404 compartilhamentos até o dia 29 de julho de 2022.

O que diz o autor da publicação: O Comprova tentou contato por meio de mensagem para o Twitter da conta do autor do post aqui verificado, mas até o fechamento desta verificação não houve retorno.

Como verificamos: O primeiro passo foi pesquisar no Google pelas palavras-chaves “Bolsonaro” + “Pix”. A consulta retornou uma série de reportagens sobre o assunto (Uol, IstoÉ Dinheiro, Estadão, Exame, O Globo). Também foram foram pesquisadas matérias jornalísticas sobre lucro e prejuízo dos bancos decorrente da implantação do Pix.

A reportagem ainda fez contato com o Banco Central e com o Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal). A economista Daniela Freddo, professora do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), foi procurada para explicar questões sobre o funcionamento do Pix e os impactos nas instituições financeiras.

Por fim, o Comprova tentou contato com o youtuber Bernardo Küster, autor do post, pelo Twitter.

Processo de criação do Pix

O conceito do Pix surgiu em 2016, quando, segundo o UOL, o ex-presidente do BC Ilan Goldfajn sinalizou que a instituição se preparava para lançar uma ferramenta inspirada no Zelle, plataforma similar ao Pix que a fintech Early Warning Services havia anunciado pouco tempo antes nos Estados Unidos.

O balanço de 2016 da Agenda BC+, projeto que propõe novas ações para modernizar e dar mais eficiência ao sistema econômico, já previa “elaborar normas que aumentem a agilidade dos processos de autorização dos arranjos de pagamento”.

Mas foi em maio de 2018, seis meses antes da eleição em que Jair Bolsonaro foi eleito presidente, que o BC instituiu o grupo de trabalho Pagamentos Instantâneos, com cinco subgrupos destinados a debater temas específicos como segurança e agilidade, conforme consta em reportagem do Estadão. Em 10 de maio daquele ano, a primeira reunião foi realizada e os trabalhos deveriam ser concluídos até 30 de novembro. O grupo encerrou as atividades em 21 de dezembro, com a divulgação de um comunicado e do documento com a versão final dos requisitos fundamentais.

Cerca de 130 instituições, entre associações representativas, instituições bancárias, instituidores de arranjos de pagamento, instituições de pagamento, cooperativas, entidades governamentais, infraestruturas do mercado financeiro, fintechs, marketplaces, consultorias e escritórios de advocacia, participaram das discussões. No Balanço de 2018 da Agenda BC+, já surge a elaboração de “pagamentos instantâneos” como uma das ações do Banco Central no ano. O projeto muda de nome e vira Agenda BC# em fevereiro de 2019, durante a gestão de Bolsonaro.

Consultado sobre o assunto, o Banco Central informou, pela assessoria, que o Pix foi desenvolvido pela instituição ao longo de um processo evolutivo e, assim, algumas etapas foram realizadas também na atual gestão, do mesmo modo que outras fases ainda poderão ser implementadas em outras administrações.

“As especificações, o desenvolvimento do sistema e a construção da marca se deram entre 2019 e 2020, culminando com seu lançamento em novembro de 2020. A agenda evolutiva do Pix é permanente e prevê o lançamento de diversas novas funcionalidades a serem entregues nos vários anos à frente”, disse o Banco Central, em nota.

O Sinal, sindicato que representa os funcionários, criticou o uso político-eleitoral do desenvolvimento e implementação do Pix e ressaltou que a criação do sistema é de responsabilidade de servidores do Banco Central.

“Tal sistema de pagamento instantâneo foi criado e implementado pelos analistas e técnicos do Banco Central do Brasil, ou seja, por servidores concursados de Estado, não pelo atual governante ou qualquer outro governo”, frisou o presidente da entidade, Fábio Faiad, em trecho de nota enviada ao Comprova.

Particularmente sobre Bolsonaro, Faiad destacou que não se tem notícia de qualquer referência ao Pix no programa de governo entregue em 2018 ao Tribunal Superior Eleitoral pelo então candidato.

“O projeto de criação e implementação do Pix não recebeu nenhum apoio, ou mesmo citação, durante a campanha eleitoral que elegeu o atual presidente da República”, pontuou.

Faiad ainda considerou que o atual governo criou obstáculos tanto para a implementação do Pix quanto outros projetos da autarquia, entre outras razões, pela redução sistemática do orçamento do Banco Central desde 2019 e ameaças de cortes na remuneração de servidores.

Bolsonaro não sabia o que era Pix

No dia em que o Pix passou a funcionar no país, em 16 de novembro de 2020, um apoiador do presidente Bolsonaro, em frente ao Palácio da Alvorada, chegou a cumprimentá-lo com elogios à criação do Pix. Reportagem do UOL, com vídeo, mencionou o fato e o diálogo de ambos.

“Tem um documento aí [do Ministério da Infraestrutura] esta semana que vai praticamente desregulamentar, desburocratizar tudo sobre aviação civil… Carteira de habilitação para piloto”, disse o presidente em resposta ao apoiador.

Ficou claro que Bolsonaro desconhecia o que era o Pix. O apoiador esclareceu que a nova forma de transferência de dinheiro do Banco Central era usada para pagamentos 24 horas e que não precisava de DOC, nem de TED.

Bolsonaro então revelou que desconhecia o assunto. “Não tomei conhecimento, vou conversar esta semana com o Campos Neto [presidente do Banco Central]”, disse o presidente.

Em abril, Bolsonaro disse que não tinha aderido ao novo sistema de pagamentos. “Mais de 100 milhões tem Pix no Brasil. Eu não tenho, tô afim de fazer um aí. Cai dinheiro na conta da gente de graça? Se pedir o pessoal bota? Vou fazer meu Pix aí”, disse durante live transmitida nas redes sociais.

Pix não é prejuízo para bancos

A economista Daniela Freddo, professora do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), explica que o Pix não gera necessariamente prejuízos aos bancos. O que acontece, segundo ela, é que os pagamentos instantâneos eletrônicos podem substituir formas de transferências bancárias, como o TED e DOC, em que pode haver cobrança de tarifa. De acordo com reportagem publicada pela Folha de S. Paulo, os bancos perderam R$ 2,7 bilhões em 2021 devido ao Pix. Porém, eles encontraram outras maneiras de lucrar com a nova modalidade, como o oferecimento de crédito para transações via Pix.

Já para pessoas físicas, microempreendedores individuais (MEIs) e empreendedores individuais, não há tarifa para pagar com Pix. Em situações de recebimento para esses grupos, pode haver cobrança se: receber mais de 30 transações por Pix por mês via chave, QR Code estático ou inserção manual dos dados; receber por QR Code dinâmico; ou receber Pix de outra empresa em conta definida em contrato como de uso exclusivamente comercial. Já para pessoas jurídicas, pode haver tarifa tanto para pagar, quando for uma transferência, quanto para receber por Pix, nas situações de compra. As tarifas via Pix não são obrigatórias, portanto alguns bancos e instituições financeiras podem não cobrá-las.

Freddo ressalta que, apesar do pagamento instantâneo poder diminuir a arrecadação com as tarifas bancárias, o Pix gera o aumento da intermediação financeira. Isso significa que os recursos financeiros são menos sacados e ficam dentro dos bancos, que podem administrar esse dinheiro de forma mais lucrativa, em empréstimos com juros mais altos, por exemplo.

“A maior parte dos recursos financeiros não é retirada. Então, muitas pessoas que não tinham contas correntes, que não realizavam pagamentos via banco, pagam. Hoje em dia existem inovações dentro do Pix, como o Pix Troco e etc. Até uma pessoa que guarda um carro na rua pode receber o pagamento da gorjeta via Pix. As pessoas vão menos ao banco para sacar o recurso e o dinheiro fica dentro do próprio banco, que pode criar novos tipos de inovações financeiras para gerar algum rendimento, para fazer esse esse dinheiro que não sai do banco render”, esclarece a economista.

Para a professora, as instituições financeiras, em geral, têm consciência de que o Pix é uma inovação que veio para ficar. Segundo a especialista, com o avanço da tecnologia e a entrada de bancos no mundo digital, as empresas estão tentando acompanhar as mudanças que possam atingir a arrecadação de recursos. “Eles sabem bem que vão perder dinheiro em tarifa, mas vão ter que ganhar dinheiro de outra forma. Isso está muito vinculado ao fato de ter menos saque em banco, menos saque feito em dinheiro vivo”, afirma.

Comparação com lucro dos bancos

O autor do tuíte usa a criação do Pix como contraponto a um suposto apoio que o candidato ao Palácio do Planalto pelo PT, Luiz Inácio Lula da Silva, estaria recebendo de banqueiros. Em 25 de julho, os banqueiros Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles, co-presidentes do conselho de administração do Itaú Unibanco, e Candido Bracher, ex-presidente da instituição financeira e hoje também integrante de seu conselho, assinaram uma carta em defesa da democracia elaborada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Apesar de o documento ser apartidário, o presidente Bolsonaro chamou a carta de “manifesto político” e afirmou que banqueiros apoiam o manifesto porque perderam arrecadação após a criação do Pix.

Para argumentar que os banqueiros teriam preferência por Lula, o autor do tuíte também comparou a criação do Pix com a afirmação de que durante a gestão do ex-presidente Lula (PT) os bancos tiveram lucro 550% a mais do que na gestão de Fernando Henrique Cardoso (FHC). A informação é verdadeira. De acordo com relatório da consultoria Economática, durante o governo do petista o lucro líquido de nove bancos somados foi de R$ R$ 199,4 bilhões entre 2003 e 2010, em valores corrigidos pela inflação. Já na gestão de FHC, as mesmas nove instituições tiveram lucro de R$ 30,7 bilhões.

No entanto, o tuíte não mostra que no governo Bolsonaro os bancos tiveram recorde de faturamento. Segundo a Economática, em 2021, os quatro maiores bancos do Brasil (Santander, Bradesco, Itaú e Banco do Brasil) tiveram o maior lucro desde 2006, quando o Santander foi incluído na Bolsa de Valores brasileira. Juntos, eles tiveram R$ 81,63 bilhões de lucro em valores nominais. Já este ano, ainda segundo a Economática, o lucro líquido consolidado dos quatro bancos no 1º trimestre de 2022 foi de R$ 24,3 bilhões, o maior já registrado no período do levantamento. O resultado é atribuído ao fechamento de postos de trabalho durante a pandemia e as altas taxas de juros.

Banco Central tem autonomia em relação ao governo

Desde a sanção da Lei Complementar 179/21, em fevereiro do ano passado, o Banco Central se tornou uma autarquia de natureza especial da administração pública federal, não vinculada a nenhum ministério e dotada de autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira, segundo ressaltou a assessoria da instituição. Antes da lei, quando o Pix foi lançado, o BC era vinculado ao Ministério da Economia.

Com a nova legislação, uma das regras é mandato fixo de quatro anos para dirigentes do banco, sem coincidir com o do presidente da República, de modo a evitar a ingerência do governo na condução da política monetária e também para que não haja pressão para trocas de comando por motivação política.

Já o sindicato dos servidores pontuou que, desde a sua criação, o Banco Central conta com servidores de alta qualificação e responsabilidade, e isso permitiu que diversos projetos considerados importantes pela diretoria do BC, segundo critérios técnicos, pudessem ser conduzidos independentemente da vontade ou contrariedade política de governantes.

Sobre a nova lei, porém, Fábio Faiad avaliou que poderia ter avançado mais. “Quando da tramitação do projeto, o atual governo não permitiu que pontos técnicos importantes fossem discutidos no Congresso Nacional para ampliar a atuação autônoma dos servidores do BC, mas sim agiu politicamente para que todas as emendas diferentes do ‘mandato para os diretores’ fossem excluídas no parlamento, fazendo com que a lei aprovada ao final ficasse bastante incompleta.”

Quem é o autor do tuíte

A conta do tuíte aqui verificado é atribuída ao youtuber bolsonarista Bernardo Küster. A conta original dele está suspensa por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF). Küster é um dos investigados no inquérito das “fake news”. O relatório final da CPI da Covid, do Senado Federal, também recomendou o indiciamento de Bernardo Küster por disseminação de fake news.

No ano passado, o youtuber foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro a pagar cerca de R$ 110 mil ao teólogo Leonardo Boff depois de espalhar desinformações sobre ele.

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. Neste caso, a publicação atribui a Jair Bolsonaro, candidato à reeleição, uma realização que não é de seu governo. Peças de desinformação como esta atrapalham o processo eleitoral pois enganam a população, que deve fazer sua escolha a partir de dados verdadeiros e confiáveis.

Outras checagens sobre o tema: Em maio, o Estadão Verifica classificou como falso um vídeo que exagera o impacto do Pix na receita dos bancos.

Recentemente, o Comprova verificou outros conteúdos que tentam desinformar sobre políticas públicas como um post de deputado que exagera em cinco vezes o lucro das estatais em 2021, que o Brasil é acionista majoritário e responsável pelo controle da Petrobras, ao contrário do que diz post e que as atividades de Bruno Pereira e Dom Phillips eram legais, ao contrário do que diz o post.