O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Política

Investigado por: 2019-09-11

Foto de catador de recicláveis e família vestidos de verde e amarelo é de 2016

  • Contexto errado
Contexto errado
A imagem está sendo associada ao governo Bolsonaro, mas há registros da foto desde março de 2016. Família do catador Thiago Santos foi registrada em diversas coberturas de manifestações pró-impeachment

Publicação tira de contexto uma fotografia, na qual é possível ver um catador de recicláveis à frente de uma carroça, junto de três crianças e um cachorro, vestindo verde e amarelo e bandeiras do Brasil. A postagem, compartilhada amplamente no Facebook, associa a imagem ao governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL).

“…Parabéns para vocês povo brasileiro elegeram um presidente honesto e verdadeiro, diz parte da legenda da publicação, feita em 8 de setembro. Nos comentários, muitos usuários atribuem o registro ao momento político atual do Brasil, enquanto outros parecem crer que a foto foi feita no desfile comemorativo da Independência, em 7 de setembro.

“Lindo demais ver o patriotismo voltando, de onde nunca deveria ter saído, brava gente brasileira”, escreveu um usuário no Facebook. “O melhor 7 de setembro já visto na história do Brasil”, comentou outro. “Melhor foto de um desfile….essa diz tudo”, diz um terceiro comentário.

A foto, contudo, é de 2016 e não tem qualquer relação com o governo Bolsonaro ou com o Dia da Independência. A imagem mostra o catador Thiago Santos e sua família, que foram retratados em diferentes reportagens de veículos de imprensa à época das manifestações a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

O Comprova localizou foto idêntica à viralizada em reportagem de 14 de março de 2016 no site Jornalistas Livres e em outras postagens da época.

Esta checagem verificou uma publicação da página República de Curitiba, no Facebook.

Contexto errado para o Comprova é quando um conteúdo é retirado do contexto original para ser usado em outro, com o propósito de mudar o seu significado original.

Como verificamos

Para esta checagem, o Comprova utilizou o mecanismo de busca reversa para encontrar o primeiro registro da foto viralizada.

Também foi empregada a busca avançada do Twitter e a pesquisa por palavras-chave no Google para localizar outras imagens ou registros da mesma família no dia em questão.

Além disso, foi usada a ferramenta Street View, do Google Maps, para confirmar o local e o período em que a foto foi tirada.

Foto circula na internet desde março de 2016

Utilizando o mecanismo de busca reversa do Google Imagens, o Comprova localizou a foto viralizada em uma reportagem de 14 de março de 2016 no site Jornalistas Livres. O artigo, ilustrado com o retrato agora associado ao governo Bolsonaro, fala sobre as manifestações realizadas um dia antes em diversas cidades do país pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff.

Apesar de não comprovar a data real da foto, o registro no portal permite constatar que a foto não é recente.

No site Jornalistas Livres, a imagem é creditada à fotógrafa Alessandra Santos. O Comprova entrou em contato com a equipe do portal de jornalismo colaborativo para solicitar o contato de Santos, mas eles não tinham mais essa informação.

Por meio da busca avançada no Twitter, analisamos as fotos publicadas na rede social no dia 13 de março de 2016. Uma das postagens encontradas traz uma imagem semelhante à viralizada: o fundo da imagem é o mesmo e, além disso, as roupas e a fisionomia das pessoas parecem iguais às da foto viralizada no último 8 de setembro.

Na carroça, é possível ver a mesma propaganda de uma marca de refrigerantes que é vista na foto incorretamente associada ao governo Bolsonaro.

Família esteve em diversas manifestações pró-impeachment

Ao buscar pelas palavras-chave “catador paulista ato impeachment”, no Google, o Comprova identificou que a família da foto viralizada foi retratada em diferentes textos de veículos de imprensa à época das manifestações pró-impeachment.

Segundo os textos, trata-se de Thiago Santos, catador de materiais recicláveis, à época com 28 anos, e sua família.

Analisando as roupas da família em cada uma das reportagens encontradas, a única que corresponde a roupas similares à da foto viralizada é a da revista Veja, referente ao ato de 13 de março de 2016.

Dias depois, na manifestação de 16 de março de 2016, Santos aparece nas fotos da reportagem da Folha de S.Paulo. Nela também é possível ver a propaganda da Coca-Cola.

Santos também aparece em registros de outros protestos favoráveis ao impeachment. Entre eles, o do dia 16 de agosto de 2015, segundo reportagem da Rede Brasil Atual e vídeo dos Jornalistas Livres.

A família também foi registrada e mencionada na cobertura da Folha de S.Paulo da manifestação de 26 de março de 2017.

Prédio ao fundo em obras já foi inaugurado e árvore derrubada

Outro elemento que demonstra que a foto é de 2016 são os arquivos do Google Street View.

Analisando a foto viralizada, o Comprova identificou ao fundo da família o que parecia ser a obra do atual Sesc Avenida Paulista, inaugurado em abril de 2018.

Procurando no Google Street View pela altura da Avenida Paulista, 202, identificamos os mesmos prédios que podem ser vistos ao fundo da foto viralizada em que aparece o catador de recicláveis e sua família.

O único registro em que é possível ver a rede laranja desde os primeiros andares da obra, como na foto viralizada, é o de janeiro de 2016. Em setembro de 2016, os primeiros andares já estavam sem as redes.

Além disso, na foto viralizada, é possível ver uma árvore ao fundo. O último registro do Google em que a árvore ainda estava lá é de dezembro de 2016. Em abril de 2017, a árvore já tinha sido removida.

A imagem mais recente disponível do local é de fevereiro de 2018.

A ferramenta do Google Maps permite ao usuário se colocar no local desejado de determinada rua e observar como era o entorno em qualquer uma das datas em que a rua foi captada.

Atos de 13 de março de 2016

Em 13 de março, milhões de brasileiros foram às ruas em ao menos 239 cidades do país em apoio ao impeachment da então presidente Dilma Rousseff, na época em tramitação na Câmara dos Deputados.

De acordo com levantamento do jornal Estado de S. Paulo, os atos deste dia superaram em adesão as manifestações das Diretas Já, pelo fim da ditadura militar. Meses depois, em 31 de agosto, Dilma foi destituída pelo Senado, acusada de maquiar contas públicas.

Repercussão nas redes

O Comprova verifica conteúdos duvidosos sobre políticas públicas do governo federal que tenham grande potencial de viralização.

A publicação da página República de Curitiba foi feita em 8 de setembro e, até 10 de setembro, tinha 2,8 mil compartilhamentos e mil comentários no Facebook.

Eleições

Investigado por: 2019-09-10

É falso que Bolsonaro tem câncer e não levou facada

  • Falso
Falso
Não é verdade que o presidente da República foi operado por oncologistas e sofre de câncer

É falso que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) sofra de um câncer e não tenha sido alvo de uma facada. O boato sobre a doença já havia viralizado outras vezes nas redes sociais e voltou a ser compartilhado após a cirurgia a que Bolsonaro foi submetido no domingo, 8.

A intervenção médica foi a quarta desde 6 de setembro de 2018, quando o então candidato à presidência da República foi vítima de uma facada durante um ato de campanha em Juiz de Fora (MG). A cirurgia, para corrigir uma hérnia, foi realizada no Hospital Vila Nova Star, em São Paulo.

Em entrevista à revista Veja na sexta-feira, 6, o cirurgião geral responsável por esta e outras duas cirurgias no presidente, Antônio Macedo, refutou qualquer possibilidade de Jair Bolsonaro ter câncer. “Vou acabar com qualquer dúvida. Não havia tumor nenhum dentro da barriga do presidente. O que tinha era trajeto de facada”, afirmou.

No ano passado, o Comprova verificou o conteúdo de publicações que viralizaram após o médico falar, em tom de brincadeira e fazendo referência aos boatos que já circulavam na internet, sobre um câncer de intestino de Bolsonaro.

Um tuíte publicado no domingo, 8, alega que “hoje foram 5h em uma cirurgia de hérnia, em um hospital especializado em câncer e 2 oncologistas participaram da cirurgia”.

De fato, o procedimento levou mais tempo do que as duas horas que eram previstas; começou às 7h35 e terminou às 12h40. Apesar disso, o post exagera ao afirmar que a unidade de saúde é especializada em câncer. Ao Comprova, a assessoria de imprensa da instituição afirmou que se trata de um hospital geral, referência em oncologia, cardiologia, neurologia e cirurgias.

Além disso, não há especialistas em oncologia na equipe médica responsável pela cirurgia. O cirurgião geral Antônio Macedo e o cardiologista Leandro Echenique são os mesmos que acompanharam outros dois procedimentos cirúrgicos no presidente no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, um ainda em setembro de 2018 e o outro em janeiro de 2019.

Esta verificação do Comprova checou informações de uma publicação do perfil @robertabastosn no Twitter. A postagem foi feita no dia 8 de setembro, quando foi realizada a cirurgia de Bolsonaro.

Falso para o Comprova é o conteúdo divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Como verificamos

Para esta verificação, o Comprova entrou em contato com o Hospital Vila Nova Star, onde Bolsonaro fez a cirurgia, e com o Palácio do Planalto. Também consultamos os boletins médicos divulgados após as quatro cirurgias às quais o presidente foi submetido.

Você pode refazer o caminho da verificação do Comprova usando os links para consultar as fontes originais ou visualizar a documentação que reunimos.

Bolsonaro tem câncer?

O cirurgião Antônio Macedo negou que Bolsonaro tenha câncer na entrevista publicada pela revista Veja na última sexta-feira, 6.

Em outubro do ano passado, em entrevista ao G1, o médico também desmentiu os boatos. “Ele não tem câncer nenhum. Ele sofreu uma facada, uma tentativa de assassinato”, disse. Macedo enfatizou que “ele nunca teve câncer” e classificou como “completamente ignorantes” os autores dos rumores. Macedo destacou, à época, que não é oncologista, e sim cirurgião-geral do aparelho digestivo.

O médico foi gravado pela TV Record dias depois dessa entrevista, ao fazer uma brincadeira sobre as publicações que viralizaram. O cirurgião afirmava, aos risos, antes de fazer um exame na casa de Bolsonaro, que “operou um câncer no intestino” dele. Depois, como o Comprova mostrou, foram compartilhados no Twitter trechos do vídeo com legendas enganosas que diziam que o presidente realmente estava com câncer.

O assunto voltou a viralizar em fevereiro de 2019, quando Bolsonaro estava internado após passar por mais uma cirurgia. O porta-voz da Presidência da República, Otávio do Rêgo Barros, leu uma nota em que a equipe médica esclarecia que ele não tinha câncer.

O Palácio do Planalto foi questionado na segunda-feira, 9, pelo Comprova e respondeu, por e-mail: “Sem comentários”.

De onde surge a informação de que Bolsonaro tem câncer?

O boato foi publicado em contas no Twitter e no Facebook após a facada. Em julho de 2019, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em entrevista, questionou a veracidade do ataque sofrido pelo presidente por não ter visto sangue. Ao rebater, Bolsonaro perguntou: “Alguém acha que eu teria grana e influência para armar isso?”. À BBC, em agosto, Lula reafirmou que não acredita que o presidente foi esfaqueado.

A dúvida sobre a ausência de sangue fora do corpo de Bolsonaro após a facada foi levantada ainda no dia 6 de setembro de 2018. “Não é um sangramento como se vê em televisão, que fica aquela roda de sangue. O que sangrará é para dentro do abdômen. Ele poderia ter perdido um volume muito maior, e não seria exteriorizado para o corpo”, explicou ao Estadão o cirurgião Luiz Henrique Borsato, que operou o presidente na Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora.

Bolsonaro foi operado por oncologistas?

Ao contrário do que afirma a publicação, nenhum dos médicos responsáveis pelo procedimento é oncologista.

Antônio Macedo, que chefiou três cirurgias, é presidente do Conselho de Oncologia do Hospital Israelita Albert Einstein, mas é cirurgião geral e todos os seus prêmios e publicações são nessa área. Ele também foi responsável por diversas cirurgias de pacientes com câncer, como Hebe Camargo, entretanto, esta não é sua especialidade.

Leandro Echenique é cardiologista. Antônio Antonietto, que também assina o boletim médico, é sanitarista e diretor do hospital. Além deles, aparece o nome do médico da presidência da República, Ricardo Peixoto Camarinha, que é cardiologista, segundo informou o Planalto ao Comprova.

Por que a cirurgia durou cinco horas?

Em coletiva de imprensa após a cirurgia deste domingo, 8, o médico Antônio Macedo explicou que as aderências — ou seja, “ligações” devido às cicatrizes — no intestino de Bolsonaro levaram a um tempo maior do que o previsto de cirurgia.

“Normalmente uma hérnia não demora tudo isso que demorou, mas a gente não contava que tinha aderido tudo de novo em relação à cirurgia de 28 de janeiro. Isso que é que faz ir com muito cuidado, porque você não pode machucar o intestino sob hipótese nenhuma”, afirmou.

“A gente fala que vai durar duas horas. Mas vai durar o que é necessário. Se precisar durar quatro, que demore. O importante é ficar bem feito”, disse ainda.

Por e-mail, o Hospital Vila Nova Star afirmou que “conforme o cirurgião-chefe Dr. Antonio Luiz de Vasconcellos Macedo disse na coletiva de imprensa, cada caso é único e deve ser avaliado separadamente. Neste caso, o procedimento durou o suficiente para ser bem-sucedido de acordo com a técnica utilizada e obter o melhor resultado no quadro clínico do paciente”.

Por que Bolsonaro fez uma quarta cirurgia?

Após três cirurgias no abdômen (músculo que segura os órgãos dentro da barriga) em virtude do ataque a faca em Juiz de Fora (MG), a região ficou enfraquecida. Parte do intestino, então, escapou para fora da parede do músculo abdominal – esse “escape” recebe o nome de hérnia. A quarta cirurgia foi feita para corrigir esse problema.

Macedo destacou que a hérnia incisional, caso de Bolsonaro, é considerada um “evento relativamente prevalente após laparotomias (cirurgias no abdômen)”.

O presidente da Sociedade Brasileira de Hérnia da Parede Abdominal (SBH), Christiano Claus, explicou em uma publicação no site da organização que esse tipo de hérnia aparece em cerca de 10% a 15% dos pacientes no mesmo lugar que uma cirurgia anterior.

Quais foram as outras cirurgias feitas por Bolsonaro?

Bolsonaro ficou internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, entre os dias 27 de janeiro e 13 de fevereiro, para realizar a cirurgia de reconstrução do trânsito intestinal.

A primeira cirurgia à qual o presidente foi submetido ocorreu no dia do atentado, em um hospital em Juiz de Fora. Bolsonaro precisou receber quatro bolsas de sangue e implantou uma bolsa de colostomia.

A segunda cirurgia ocorreu dias depois, em São Paulo. Neste procedimento, os médicos reabriram o corte da primeira cirurgia e encontraram uma parte do intestino obstruída.

Em janeiro, o presidente realizou a terceira cirurgia, em São Paulo, para retirar a bolsa de colostomia e fazer uma ligação no intestino.

Bolsonaro pode voltar a fazer cirurgias?

Após a cirurgia, Antônio Macedo afirmou que as chances de Bolsonaro voltar a ter uma hérnia são pequenas. “As hernioplastias incisionais, como essa hérnia, têm um índice de recidiva, mas não é superior a 6%”, explicou na coletiva de imprensa. “O tecido que nós conseguimos unir e reforçar é um tecido já bem mais vivo do que na cirurgia de 28 de janeiro. Ele está bem mais musculoso, bem mais forte, bem mais nutrido”, enfatizou.

Repercussão nas redes

O post do perfil @robertabastosn no Twitter tinha 2 mil retweets e 10,2 mil curtidas em 10 de setembro, dois dias após ter sido publicado.

Leia mais

Leia perguntas e respostas sobre conspirações criadas após facada em Bolsonaro

Política

Investigado por: 2019-09-06

Filme de Carlos Vereza indicado a prêmio não usou a Lei Rouanet, mas não se enquadrava nas regras

  • Evidência comprovada
  • Enganoso
Evidência comprovada
O longa “O Trampo” de fato não foi beneficiado por recursos captados pela Lei de Incentivo à Cultura
Enganoso
Por ser um longa-metragem de ficção, o filme de Carlos Vereza não se enquadra nas regras de financiamento da Lei Rouanet, mas sim de outros tipos de fomento como a Lei do Audiovisual

Dois artigos virais nas redes sociais exaltam o fato de o filme “O Trampo”, dirigido e estrelado por Carlos Vereza, ter concorrido em agosto ao prêmio de melhor filme estrangeiro no Festival Internacional de Cinema de Madri mesmo “sem dinheiro da Lei Rouanet”.

Os textos não dizem, no entanto, que, como o filme de Vereza é um longa-metragem de ficção, não poderia ter se candidatado para receber recursos por meio da Lei de Incentivo à Cultura, a Lei Rouanet. Esse mecanismo permite apenas o financiamento de longas-metragens que sejam documentários, de acordo com o professor da Universidade Federal do Ceará Marcelo Ikeda, especialista em política pública cinematográfica. O professor ressalta que, mesmo para documentários, a Rouanet não costuma ser utilizada.

Segundo Ikeda, um longa como “O Trampo” poderia pedir apoio da Lei do Audiovisual — que, de forma similar à Rouanet, funciona por meio de incentivos fiscais (fomento indireto) — ou do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que financia com recursos públicos (fomento direto) os projetos selecionados.

De acordo com a Agência Nacional do Cinema (Ancine), órgão que regulamenta essas formas de incentivo público, não há nenhum projeto de nome “O Trampo” em sua base de dados de fomento. O Comprova também consultou o Sistema Ancine Digital (SAD) e não encontrou referências ao filme, a Vereza ou à produtora do longa, Petci Pedron.

E é verdade que “O Trampo” foi selecionado para a competição mencionada, mas o texto viralizado exagera a importância do festival. O evento faz parte do circuito independente e não figura entre os mais tradicionais da Europa. Enquanto festivais de renome como Cannes, Veneza e Berlim já tiveram mais de 60 edições, o Festival Internacional de Cinema de Madri teve oito edições.

Esta verificação do Comprova investigou artigos publicados pelos sites Notícia Brasil Online e Jornal da Cidade Online.

Evidência comprovada, para o Comprova, é quando a evidência do conteúdo é comprovada sem margem de dúvida.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que confunde ou que seja divulgado para confundir, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos

O Comprova consultou a produção do Festival Internacional de Cinema de Madri, a Ancine, a Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro e a Empresa Distribuidora de Filmes carioca, a RioFilme. Também entramos em contato com o ator Carlos Vereza, com a produtora de “O Trampo”, Petci Pedron, e com Marcelo Ikeda, professor na Universidade Federal do Ceará e especialista em política pública cinematográfica.

O filme ‘O Trampo’

Dirigido, produzido, escrito e estrelado por Carlos Vereza, o filme “O Trampo” conta a história de dois matadores de aluguel que se encontram em um quarto de hotel após assassinarem uma juíza. A atriz Rosamaria Murtinho vive uma cantora de cabaré na trama.

Ao Comprova, Vereza afirmou ter financiado a produção usando suas economias, com investimento total de R$ 300 mil. A maioria das cenas do filme foi rodada em estúdio — o diretor contou que a maior parte da história se passa dentro do quarto.

O Comprova consultou o Sistema Ancine Digital (SAD) e não encontrou referências a Vereza, à produtora Petci Pedron ou ao filme “O Trampo”.

Por e-mail, a assessoria de imprensa da Ancine confirmou que o filme não faz parte da base de dados de fomento da agência. A RioFilme e a Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado, que incentivam a produção de filmes nos âmbitos municipal e estadual, também informaram não terem patrocinado a produção.

Crítico das políticas de incentivo fiscal, Vereza disse que não recorrer à Ancine foi uma escolha. “Quando fiz meu filme, tanto a Rouanet quanto a Ancine só estavam privilegiando produções que fossem ligadas à esquerda. Eu sabia que não ia ser beneficiado nisso e preferi fazer com meus próprios recursos”, disse. Vereza não explicou o que seriam produções ligadas à esquerda. Não há levantamentos que indiquem quando um filme está ligado à esquerda ou não, nem comprovação de que Rouanet ou Ancine usassem a “divulgação de ideias de esquerda” como um critério de seleção.

Vereza citou ainda que as dificuldades de financiamento impediram que o filme entrasse no circuito comercial de exibição. De acordo com ele, a produção ainda será exibida nos festivais de Brasília, Rio de Janeiro, Mar del Plata e Cuba.

O Festival Internacional de Cinema de Madri

O Festival Internacional de Cinema de Madri faz parte de um grupo de eventos chamado Film Fest International, que existe há 15 anos e tem sede no Reino Unido. A mesma companhia também produz eventos em Londres (Reino Unido), Nice (França) e Milão (Itália).

A capital espanhola sedia muitos outros festivais de cinema, como mostra este documento do governo madrileno. Pelo menos 57 desses eventos têm seleção de filmes internacionais.

Os festivais de cinema europeus mais tradicionais são os de Cannes (criado em 1946), Veneza (criado em 1932, o mais antigo do mundo) e Berlim (criado em 1951). Eles são certificados pela Federação Internacional de Associações de Produtores de Filmes (FIAPF), organização reguladora de festivais internacionais de cinema. A entidade, criada em 1933, lista 15 festivais com mostra competitiva de todo o mundo. Apenas um fica na Espanha: o de San Sebastián, inaugurado em 1953.

O cinema brasileiro tem tradição de participar de festivais de cinema estrangeiros. Este ano, a produção pernambucana “Bacurau” ganhou o inédito Prêmio do Júri no Festival de Cannes. Por ser um longa-metragem de ficção, o filme também não poderia receber recursos via Lei Rouanet. Ele teve fomento público da Ancine, do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), do Governo de Pernambuco e mais. Outros seis filmes nacionais também foram selecionados para o festival francês.

De acordo com a descrição no site, o evento em Madri busca “ajudar cineastas a encontrar distribuição e financiamento para sua próxima produção cinematográfica”. O festival se vende como uma oportunidade de networking na indústria. “Criamos uma rede pequena, mas excepcional, de profissionais do setor que analisarão todos os filmes inscritos e fornecerão conselhos de negócios e comerciais”, afirma a descrição.

Um dos coordenadores do festival, Rodrigo Rayón, informou por e-mail ao Comprova que a produção recebe “milhares” de inscrições todos os anos. Segundo ele, mais de 300 filmes são exibidos em Madri ao longo de uma semana.

Rayón afirmou que os filmes participantes são selecionados por um painel de cinco jurados. “Eles tomam as decisões finais após um primeiro filtro interno, levando em consideração a qualidade do roteiro e a produção refletida na tela. Nosso júri também leva em consideração o histórico dos criadores, produtores, diretores e elenco dos filmes”, informou o coordenador.

“O Trampo” foi exibido em Madri às 13h35 no dia 11 de agosto para cerca de 80 pessoas. O filme de Vereza levou o prêmio de Melhor Trilha Sonora Original e foi indicado nas categorias Melhor Cenografia e Melhor Filme de Linguagem Estrangeira.

Ao Comprova, Vereza disse considerar que o festival de Madri é um dos mais importantes da Europa, junto com Cannes, Veneza e Berlim. O diretor afirmou que o evento madrilenho teve a participação de “Wim Wenders, Manoel de Oliveira e Marco Bellocchio”, mas o coordenador da Film Fest International informou que nenhum desses três cineastas fez parte do festival nas oito edições realizadas até aqui.

Quem é Carlos Vereza

Carlos Vereza atuou em várias produções populares da TV Globo, como Selva de Pedra (1972), O Rei do Gado (1996) e Hilda Furacão (1998).

Ele é um dos poucos atores que declararam voto no presidente Jair Bolsonaro. Em setembro do ano passado, ele visitou o então candidato à Presidência no hospital após ele ter sido esfaqueado durante a campanha eleitoral. Nas redes sociais, ele é bastante vocal em defesa de pautas do governo e da Operação Lava Jato. O ator publicou uma foto com Bolsonaro no Facebook em janeiro deste ano.

Vereza já teve orientação política bastante diferente. No cinema, o ator é conhecido por ter atuado em “Memórias do Cárcere”, filme de 1984 que adaptou o livro homônimo de Graciliano Ramos sobre o tempo que passou na prisão por ter sido considerado “subversivo” pelo governo. O escritor foi detido em março de 1936 sob suspeita de participar da Aliança Nacional Libertadora, oposição de esquerda ao governo de Getúlio Vargas.

Vereza foi militante no Partido Comunista Brasileiro por 20 anos. Em depoimento ao núcleo de memória da Rede Globo, o ator conta que foi apresentado ao Centro Popular de Cultura (CPC), organização composta por artistas e intelectuais de esquerda ligados à União Nacional dos Estudantes (UNE), por Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha. Os dois se conheceram na TV Tupi.

Como funciona a Lei Rouanet

A Lei de Incentivo à Cultura, mais conhecida como Rouanet, foi sancionada em 1991 pelo presidente Fernando Collor. A legislação estabeleceu três mecanismos para financiamento de produção cultural: o mecenato, o Fundo Nacional de Cultura (FNC) e os Fundos de Investimento Cultural e Artístico (Ficart) — estes últimos não implementados.

Em geral, quando se fala da Lei Rouanet, referem-se à primeira opção, de incentivo fiscal. Nesta modalidade de apoio, um produtor cultural, artista ou instituição submete seu projeto à Secretaria Especial da Cultura do Ministério da Cidadania, que pode autorizar a captação de recursos junto a apoiadores.

Qualquer pessoa ou empresa pode apoiar um projeto e, em troca, obter desconto no Imposto de Renda (IR). Para pessoas físicas, o abatimento é de até 6%, e para pessoas jurídicas, 4%. No ano passado, o Ministério da Cultura encomendou à Fundação Getúlio Vargas um levantamento sobre o impacto financeiro da Rouanet — o estudo indicou que que cada R$ 1 de renúncia de imposto gera R$ 1,59 de retorno para a economia brasileira.

Em abril, o governo anunciou mudanças na Lei Rouanet. O valor máximo por projeto foi reduzido em 98%, de R$ 60 milhões para R$ 1 milhão. O ministro da Cidadania, Osmar Terra, anunciou alterações para incentivar produções fora do eixo Rio-São Paulo e para diminuir o valor dos ingressos.

O setor de musicais foi o mais atingido pelas mudanças, por ter produções e entradas mais caras. Produtores e diretores criticaram as alterações.

Como financiar um longa de ficção com apoio público federal

Para financiar um filme longa-metragem com mecanismos de incentivos fiscais, é possível se valer da Lei do Audiovisual, sancionada em 1993. Para obter apoio, os projetos precisam ser aprovados pela Ancine. Assim como a Rouanet, a legislação permite o abatimento de IR, na cota de 6% para pessoas físicas e 4% para pessoas jurídicas.

Inicialmente, essa lei era válida até 2003, mas seu prazo foi prorrogado várias vezes e atualmente vale até o fim de 2019. Em maio deste ano, uma audiência pública no Senado discutiu adiar mais uma vez o fim dos incentivos fiscais.

A Ancine também fornece mecanismos de fomento direto, com investimento de recursos públicos por meio de editais. Obras de longa-metragem de ficção costumam receber aporte do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). Trata-se de um mecanismo criado em 2006 em lei sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

De acordo com a Ancine, o FSA contempla várias etapas da cadeia produtiva do setor audiovisual — incluindo produção, distribuição e comercialização, exibição, e infra-estrutura de serviços. O dinheiro do fundo também pode ser aplicado de diferentes maneiras — incluindo o investimento (que tem como contrapartida a participação nos resultados comerciais de projetos) e o financiamento (operação de empréstimo a projetos).

O professor da Universidade Federal do Ceará Marcelo Ikeda explica que a modalidade mais utilizada para produções de obras audiovisuais é a de investimento. “Isso significa que uma parte da renda desses produtos retorna para o fundo. A modalidade de financiamento geralmente é para construção e reforma de salas de cinema”, disse.

Neste ano, a dotação inicial do fundo era de R$ 724 milhões. A verba para o FSA é composta principalmente da arrecadação da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), imposto que incide sobre “a veiculação, a produção, o licenciamento e a distribuição de obras cinematográficas” comerciais. Outra fonte de recursos é o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), composto de arrecadação de impostos cobrados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Os produtores de filmes também podem recorrer a formas de fomento estaduais e municipais.

Em 2016, o Sebrae publicou o “Mapeamento e impacto econômico do setor audiovisual no Brasil”. O estudo apontou que o fomento indireto, como a Lei do Audiovisual, era responsável por 78% dos recursos públicos destinados à indústria no período entre 2009 e 2014. No entanto, o levantamento identificou um rápido crescimento no uso do FSA, passando de R$ 4,5 milhões, em 2009, para R$ 98,1 milhões, em 2014, o que representava 26,8% do investimento de recursos públicos federais. 

A publicação estimou em R$ 20,8 bilhões o valor adicionado pelo setor audiovisual à economia brasileira em 2015, um crescimento de 10% na participação relativa na economia de 2010 a 2014.

De acordo com um relatório do Sindicato da Indústria Audiovisual de 2017, o setor era responsável pelo emprego direto de quase 95 mil pessoas, além de outros 240,9 mil empregos indiretos.

Qual a situação atual da Ancine?

A Ancine vive um momento difícil: a agência é alvo de críticas constantes do presidente Jair Bolsonaro e teve seu presidente, Christian de Castro Oliveira, afastado por denúncia de vazamento de informações sigilosas.

Em carta aberta divulgada após sua saída, Oliveira afirmou que uma auditoria interna apontou que “entre 2013 e 2017, o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) pode ter sido desfalcado em mais de R$ 350 milhões”. O ex-presidente também citou supostas irregularidades “na captação de mais de R$ 200 milhões para 64 projetos audiovisuais, além de possível evasão fiscal da ordem de R$ 157 milhões”.

Esta reportagem do jornal O Estado de S. Paulo indica que a crise na agência federal é profunda: atrasos e cortes atingem todas as obras cinematográficas e a diretoria está esvaziada. Está no horizonte da Ancine suspender outros festivais e projetos, como ocorreu em agosto. Na ocasião, um edital foi suspenso após Bolsonaro criticar a seleção de obras com temática LGBT.

A situação culminou na saída do secretário especial de Cultura, Henrique Pires. Em entrevistas, ele afirmou ter deixado o cargo por não concordar com o que chamou de “censura” do governo.

Repercussão nas redes

O Comprova verifica conteúdos duvidosos sobre políticas públicas do governo federal que tenham grande potencial de viralização.

O artigo do Jornal da Cidade Online foi publicado em 23 de junho de 2019 e foi compartilhado 116 mil vezes no Twitter e no Facebook. O artigo do Notícia Brasil Online foi publicado sem data, mas obteve 5 mil compartilhamentos desde 1º de setembro. As medições foram feitas no dia 5 de setembro na ferramenta CrowdTangle.

Política

Investigado por: 2019-09-02

É falso que Lula tenha vendido solo da Amazônia para empresa norueguesa em documento secreto

  • Enganoso
  • Falso
  • Evidência comprovada
Enganoso
No Brasil, as riquezas do subsolo não podem ser vendidas. Elas pertencem à União e empresas podem obter somente os direitos de extração dos minérios
Falso
As transações não foram secretas. Há textos sobre elas publicados nos sites das empresas
Evidência comprovada
A foto realmente é de um depósito de resíduos no Brasil da empresa norueguesa Hydro

Uma foto que mostra um dos depósitos de rejeitos da empresa norueguesa Hydro Alunorte, localizada na cidade de Barcarena, no Pará, foi usada em postagens no Instagram e no Facebook para ilustrar a afirmação de que o ex-presidente Lula “vendeu o solo [da Amazônia] para a Noruega em documento secreto” e que o país arrecada “2 bilhões ao ano” com a companhia, mas devolve “180 milhões” para consertar o “estrago” que teria causado.

A afirmação de que a empresa norueguesa Hydro comprou o solo da Amazônia é falsa. Na verdade, a Hydro comprou a empresa brasileira Mineração Paragominas S.A, que tem permissão do governo para extrair minério da mina de bauxita Paragominas, no Pará. Até então, a empresa era controlada pela Vale.

Além disso, a Vale também vendeu à norueguesa sua parte na refinaria Alunorte e na Albras, empresa que produz alumínio.

Segundo o artigo 20 da Constituição brasileira, os recursos minerais do país, inclusive os do subsolo, pertencem à União. Como explica o Serviço Geológico do Brasil em seu site, o proprietário do solo (terreno, fazenda, sítio), também chamado de superficiário, não é dono do subsolo.

Por isso, mesmo que um fazendeiro ou uma empresa encontre minério em seu terreno, para extraí-lo do solo, é preciso solicitar uma concessão ao governo federal, por meio da Agência Nacional de Mineração (ANM).

Segundo a ANM, em resposta ao Comprova, essas autorizações não têm prazo determinado e duram até a “exaustão da jazida mineral”, mas podem ser revogadas caso não se cumpra o que determina o Código de Mineração.

Outro ponto falso da postagem é que a suposta venda teria sido feita por meio de um documento secreto. De acordo com a verificação do Comprova, as negociações realizadas entre a Hydro e a Vale foram publicadas nos sites de ambas as empresas.

De fato, a Hydro é uma empresa norueguesa. O governo da Noruega detém 34,26% das ações da companhia, que tem cerca de 50 mil acionistas individuais e institucionais.

A fotografia usada nas postagens viralizadas realmente mostra um depósito de rejeitos de uma empresa norueguesa. Nesse caso, trata-se do DRS-1 da Alunorte, em Barcarena, no Pará.

Entretanto, as quantias mencionadas nas publicações, que não especificam a moeda à qual se referem, não correspondem ao faturamento da empresa, nem ao valor que era repassado pelo governo norueguês para conservação da Amazônia.

Esta verificação do Comprova investigou o conteúdo de postagens no perfil @direitadaopressao no Instagram e em um perfil no Facebook. As imagens foram publicadas entre os dias 22 e 27 de agosto.

Falso para o Comprova é o conteúdo divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira. Evidência comprovada é quando a veracidade é confirmada sem margem de dúvida. O Comprova considera enganoso o conteúdo que seja divulgado para confundir, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos

Para esta checagem, o Comprova entrou em contato com o fotógrafo que registrou a imagem, com a empresa norueguesa Norsk Hydro, com a Vale, a Agência Nacional de Mineração (ANM) e analisou reportagens veiculadas a respeito do suposto transbordamento do depósito após fortes chuvas no Pará em 2018.

Operações da Hydro na região da Amazônia

A primeira aquisição da Hydro em ações da Alunorte ocorreu em 2000. Naquele ano, a empresa norueguesa adquiriu 34% da refinaria brasileira.

Em 2011, após negociação com a Vale, a Hydro passou a controlar 92% da Alunorte, de acordo com informações da empresa. O restante da participação é de propriedade da empresa japonesa Nippon Amazon Aluminium, como foi confirmado por e-mail pela Hydro ao Comprova.

No mesmo ano, a Vale negociou com a empresa norueguesa a venda de 51% das ações da Albras e 100% das ações da mina de bauxita Paragominas (a bauxita é utilizada para a produção do alumínio). A transação foi divulgada por ambas as empresas.

Faturamento da Hydro

Também por e-mail, a Hydro informou ao Comprova que a receita total das operações no Brasil, em 2018, foi de cerca de 22 bilhões de coroas norueguesas, o que equivale a cerca de R$ 10 bilhões (com a cotação de 2 de setembro). O faturamento total da empresa foi de 159 bilhões de coroas norueguesas, ou seja, aproximadamente R$ 72,5 bilhões, conforme informou a própria Hydro por e-mail ao Comprova.

Os valores são superiores ao apontado nas publicações viralizadas, que mencionavam 2 bilhões ao ano, sem especificar a moeda.

Fundo Amazônia

As postagens viralizadas também afirmam que a Noruega “devolve 180 milhões” para o Brasil. Não é possível saber ao certo a que o autor da postagem se refere. No entanto, a referência mais provável é ao Fundo Amazônia – do qual a Noruega foi o maior doador e que atualmente está paralisado após ações e acusações por parte do presidente Jair Bolsonaro (PSL).

Os 180 milhões mencionados não correspondem nem à verba anual, nem a um possível valor constante doado ao longo dos nove anos do Fundo, o que ultrapassaria R$ 1,6 bilhão.

De acordo com o site do Fundo Amazônia, foram recebidas do governo norueguês 14 doações, totalizando R$ 3,2 bilhões. O primeiro repasse foi em 2009, no valor de R$ 36,5 milhões, e o último em 2018, no valor de R$ 272,4 milhões.

O país é o maior doador do fundo, seguido da Alemanha (R$ 192,6 milhões) e da Petrobras (R$ 17,2 milhões).

O Fundo Amazônia tem o objetivo de “captar doações para investimentos não reembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, e de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal”. Dentre os beneficiados, estão projetos de ONGs, universidades, prefeituras, governos estaduais e da própria União. Todos devem prestar contas dos gastos. Cabe ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) gerir os recursos.

A contribuição é condicionada à redução da emissão de gases de efeito estufa. Essa emissão é calculada pelo Ministério do Meio Ambiente e validada pelo Comitê Técnico do Fundo Amazônia (CTFA).

As doações dos países europeus ao fundo foram reavaliadas neste ano. Em maio, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que iria propor uma revisão do Fundo Amazônia e mencionou a existência de irregularidades. A embaixada da Noruega no Brasil disse, em nota, não ter recebido informações sobre mudanças e enfatizou que o Tribunal de Contas da União (TCU) avaliou que os recursos são utilizados de maneira adequada.

Três meses depois, no dia 15 de agosto, após o ministro brasileiro questionar a gestão ambiental do principal doador do fundo, o ministro do Clima e Meio Ambiente norueguês, Ola Elvestuen, anunciou a suspensão do equivalente a R$ 133 milhões para o Fundo Amazônia.

Desde então, vários conteúdos enganosos viralizaram. Um deles, sobre a caça de baleias na Noruega, foi verificado pelo Comprova.

Foto mostra depósito de rejeitos

As postagens afirmam que a foto mostra “a mineradora da Noruega destruindo o meio ambiente na Amazônia”. Moradores da região de Barcarena, no Pará (onde estão a Alunorte e Albras), denunciaram ao Ministério Público, no dia 16 de fevereiro de 2018, que uma “lama vermelha” teria invadido quintais e poços.

Uma semana depois, o site Amazônia Real publicou uma matéria, com a mesma foto utilizada pelas postagens viralizadas, tratando de um suposto vazamento de rejeitos da refinaria Hydro Alunorte.

Por e-mail, tanto a companhia quanto o autor da foto usada nas publicações afirmam se tratar de um depósito de rejeitos da Hydro Alunorte.

Um álbum foi publicado pelo fotógrafo Pedrosa Neto no Flickr identificando o local como o depósito de rejeitos DRS-1, em Barcarena. Foi possível encontrá-lo fazendo uma busca pelo nome que constava no crédito da foto publicada no site Amazônia Real.

Por e-mail ao Comprova, o fotógrafo confirmou ter sido o autor e afirmou que tirou as fotos no dia 20 de fevereiro de 2018, enviando os arquivos originais para que pudesse ser atestada a localização onde as imagens foram feitas.

A Hydro também confirmou por e-mail que a imagem em questão mostrava o depósito de rejeitos DRS-1.

Divergências sobre vazamento na Hydro Alunorte

Sobre um possível vazamento ocorrido, há divergências no caso, e o processo ainda está em andamento na Justiça Federal.

A Hydro nega que houve transbordamento e afirma que “todas as fotos mostram que os sistemas de drenagem estão funcionando de acordo com o projeto”.

Em nota divulgada em fevereiro de 2018, a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do Governo do Pará afirmou que “inspeções técnicas realizadas por equipes da Semas, em conjunto com outros órgãos, confirmam que não houve rompimento nem transbordamento da chamada ‘lama vermelha’ do depósito da Hydro”.

Já o Instituto Evandro Chagas (IEC), órgão vinculado à Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, afirmou em relatórios elaborados após a denúncia do suposto vazamento que houve alterações que comprometeram a água e “impactaram diretamente na comunidade Bom Futuro”. Segundo relatório de fevereiro de 2018, as águas apresentavam altos níveis de alumínio.

O trecho do parecer se refere ao depósito de rejeitos DRS-1, onde teria acontecido o vazamento. Na refinaria Alunorte, há ainda o DSR-2, outro depósito, que entraria em operação porque o tempo útil do primeiro estava próximo de se esgotar.

Ainda em fevereiro, o Ibama embargou o depósito de rejeitos DSR-2. Em abril de 2018, dois meses após as denúncias, o juiz Arthur Pinheiro Chaves, da 9ª Vara Federal do Pará, determinou a proibição do uso do DSR-2 e a redução da produção de alumínio.

Na ação, o Ministério Público Federal (MPF) afirmou que “no desenrolar das investigações restou constatado o galgamento (vazamento) do DRS-2” e que ele não tinha licença de operação. O MPF mantém uma página no seu site sobre o caso Hydro.

O embargo para a produção foi suspenso este ano, com parecer favorável do MPF, como mostrou a Folha, mas a vedação ao uso do depósito de rejeitos DRS-2 foi mantida. A Hydro e o MPF fecharam um acordo e apresentaram, no dia 30 de agosto, um pedido para que o embargo fosse retirado.

O relatório da Comissão Externa das Bacias de Rejeitos de Mineração em Barcarena (PA) da Câmara dos Deputados apontou que a Alunorte foi responsável por dois acidentes semelhantes, um em 2003 e o outro em 2009. O Ibama aplicou multa de R$ 17,1 milhões por lançamento de rejeitos no rio Murucupi, pelo que houve em 2009. Em seu site, a Hydro afirma que “reforçou o depósito e os canais de água do depósito”.

Repercussão nas redes

O Comprova verifica conteúdos duvidosos sobre políticas públicas do governo federal que tenham grande potencial de viralização.

A foto verificada de perfil de Facebook foi publicada no dia 22 de agosto. No dia 2 de setembro, alcançava 14 mil compartilhamentos, 495 curtidas e 244 comentários. Na página @direitadaopressao no Instagram, a postagem foi feita no dia 27 de agosto e tinha 12,5 mil curtidas no dia 2 de setembro.

Verificação

Investigado por: 2019-08-29

Homem preso por atear fogo à mata no Amazonas não foi pago pelo MTST

  • Falso
Falso
O homem que foi preso, identificado nas postagens por um nome errado, estava queimando fios elétricos para retirar o cobre e o fogo se alastrou por acidente

É falso que um homem detido por crime ambiental em Iranduba, cidade vizinha a Manaus, no Amazonas, tenha afirmado em depoimento que foi pago pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) para atear fogo em uma área de mata.

O boato foi publicado na internet e em redes sociais acompanhado de fotos que mostram um homem e um incêndio na região da rodovia AM-070, próximo à Ponte Jornalista Phelippe Daou, que liga Manaus a Iranduba. A delegada Sylvia Laureana, da 31ª Delegacia Integrada de Polícia (DIP), onde o suspeito prestou depoimento, confirmou ao Comprova que é ele quem aparece nas imagens.

O homem foi detido pela Polícia Militar no dia 24 de agosto e assinou um (Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) por crime ambiental. O Comprova teve acesso ao documento, em que ele e o policial militar relatam que o incêndio aconteceu por acidente. Segundo o depoimento, ele estava queimando fios elétricos com o intuito de retirar o cobre para vender, por volta das 10 horas, quando o fogo se espalhou. O policial militar disse ter sido informado por testemunhas que o homem “havia iniciado o incêndio ao tentar se desfazer de uma fiação elétrica”.

Esta verificação do Comprova investigou informações de um texto do site Acontece Agora e de uma publicação do perfil @ajuricabat no Twitter. As postagens foram feitas entre os dias 24 e 26 de agosto.

Falso para o Comprova é o conteúdo divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Como verificamos

Para esta verificação, o Comprova entrou em contato com a delegada Sylvia Laurena, que enviou o termo assinado pelo suspeito, além da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas e do MTST.

Você pode refazer o caminho da verificação do Comprova usando os links para consultar as fontes originais ou visualizar a documentação que reunimos.

Fotos se espalharam pelo WhatsApp

Através de busca reversa de imagens e de pesquisas nas redes sociais, o Comprova não localizou as fotos originais. No entanto, a delegada Sylvia Laureana confirmou que o homem que aparece nas fotos que viralizaram é de fato o mesmo que foi levado para a delegacia. O Comprova teve acesso às fotos tiradas do suspeito na 31ª DIP, no último sábado (24), e pode atestar que se trata da mesma pessoa dos posts.

As fotos em que o suspeito aparece não serão publicadas pelo Comprova para preservar a privacidade dele, mas você pode ver o e-mail enviado pela delegada em que ela atesta que o homem que aparece nas postagens que viralizaram é o mesmo que foi detido.

Há duas fotos do suspeito nas publicações que viralizaram. De acordo com a delegada, uma delas, em que ele aparece perto do fogo, foi feita por uma pessoa que passava pelo local e enviada a um policial. No depoimento, o policial militar que levou o suspeito para a delegacia relatou que pessoas que estavam próximo ao local, ao verem o fogo na área da mata, “registraram o fato e enviaram as fotos via aplicativo WhatsApp”. Sylvia Laureana afirmou que a segunda foto que foi amplamente compartilhada nas redes sociais, em que o homem está dentro de uma viatura, foi feita por um agente.

Por e-mail, o usuário do Twitter @ajuricabat, um dos primeiros a fazer a publicação enganosa, ainda no sábado (24), respondeu ao Comprova que recebeu pelo Facebook as fotos de uma amiga que tem um sítio próximo à AM-070. Segundo ele, “fora ela, outros amazonenses já haviam postado”.

O que diz o Termo Circunstanciado de Ocorrência

Alguns posts em redes sociais e notícias associam as imagens ao nome Valdeir, que nada tem a ver com o caso. O Comprova teve acesso ao Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), em que consta um nome diferente. A pedido da Secretaria de Segurança Pública, o nome verdadeiro foi omitido.

A delegada também confirmou que, em depoimento, o homem não mencionou qualquer ligação com o MTST ou que tenha agido mediante pagamento de terceiros.

O termo assinado pelo suspeito afirma que ele confirmou que provocou o incêndio na AM-070 ao ser questionado sobre o assunto, mas disse não ter tido intenção. O homem, que é auxiliar de produção e tem 33 anos, relatou que estava passando próximo à ponte que liga Manaus a Iranduba e decidiu queimar um pedaço de fio elétrico para tirar o cobre e vender o material. No depoimento, contou que colocou o fio na margem da estrada e ateou fogo, “mas o vento espalhou o fogo, fazendo com que a mata nas proximidades da estrada fosse incendiada”.

No TCO, um dos policiais que atendeu a ocorrência declarou que avistou o incêndio e se dirigiu ao local. Moradores que flagraram o ato enviaram fotos por WhatsApp ao agente, que acionou o Corpo de Bombeiros e saiu em busca do suspeito. O homem foi localizado quando estava a caminho do distrito de Cacau Pirera, a cerca de seis quilômetros da cabeceira da ponte que liga Manaus a Iranduba, segundo o Google Maps. Ele foi levado pelos policiais militares à 31ª DIP, em Iranduba.

O Comprova tentou falar com o suspeito e com o policial militar que o levou para a delegacia, mas as ligações não foram atendidas.

Furtos de fios de cobre

Segundo a delegada, não havia indícios de que os fios que o homem queimou tenham sido furtados.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas, de janeiro a abril deste ano foram registradas 80 ocorrências de furtos de fios de cobre. Em 2018, foram 360 casos e, em 2017, 207 crimes. As informações são do Sistema Integrado de Segurança Pública (Sisp).

MTST não tem atuação no Amazonas

O Comprova entrou em contato com o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, que negou qualquer ligação com o suspeito. O MTST frisou que não tem atuação no Amazonas.

Segundo Rud Rafael, coordenador nacional do movimento, o MTST atua em 12 estados do país: na região Norte, Roraima e Tocantins; no Nordeste, Ceará, Pernambuco, Alagoas e Sergipe; no Centro-Oeste, Goiás e Distrito Federal; no Sudeste, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais; e o único estado do Sul é o Rio Grande do Sul.

O coordenador do grupo afirmou que o MTST “jamais teria esse tipo de prática”. De acordo com Rud Rafael, o MTST atua principalmente na defesa do direito à moradia, sempre em ambiente urbano e principalmente nas periferias das cidades.

Repercussão nas redes

O Comprova verifica conteúdos duvidosos sobre políticas públicas do governo federal que tenham grande potencial de viralização.

A publicação do site Acontece agora foi feita no dia 26 de agosto e, até o dia 28, tinha 9,3 mil interações no Facebook, segundo a ferramenta CrowdTangle. A do perfil @ajuricabat foi postada no dia 24 e, no dia 28, tinha 2 mil retweets e 3,7 mil curtidas.

Agências de checagem também verificaram o conteúdo de postagens que usaram essas fotos, como o Estadão Verifica, que é parceiro do Comprova, o Fato ou Fake (que foi publicada no G1, no O Globo e no Extra) e o Boatos.org.

Verificação

Investigado por: 2019-08-28

Chineses não estão construindo estrada de ferro para ligar Mato Grosso ao Maranhão; vídeo mostra obra na Suécia

  • Falso
  • Contexto errado
Falso
Não existe nenhuma ferrovia sendo construída, nem projeto, que ligue o estado do Maranhão ao município de Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, passando por Marabá, no Pará
Contexto errado
Empresa sueca confirmou ao Comprova que o vídeo mostra uma de suas obras no sul da Suécia

Um vídeo da construção de uma estrada de ferro na Suécia foi tirado de contexto e usado em postagens no Twitter, no Facebook e no Whatsapp associado a uma informação falsa. O post afirma que o vídeo mostra “o maquinário que os chineses estão usando para fazer a estrada de ferro que vai da região de Lucas do Rio Verde”, no Mato Grosso, até o Maranhão, passando por Marabá, no Pará.

Não existe nenhuma ferrovia sendo construída nesse trajeto, como mostra o mapa ferroviário do Ministério da Infraestrutura. Tampouco, na parte do site do Ministério em que são informadas as ferrovias que estão em obras, consta a realização de obras que ligariam os municípios citados nas postagens.

Também não existe planejamento por parte do governo federal de construir uma estrada de ferro que ligue o Maranhão a Lucas do Rio Verde passando por Marabá.

De acordo com nota do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), os municípios de Marabá e Lucas do Rio Verde fazem parte do trajeto de ferrovias diferentes. Marabá integra o percurso da Estrada de Ferro Carajás, já o município de Lucas do Rio Verde está no trajeto previsto da Ferrovia de Integração do Centro Oeste (Fico), ferrovia que ainda não saiu do papel.

O Comprova encontrou o vídeo no perfil @EliOliv98248502 do Twitter. O texto usado na publicação enganosa circula nas redes, com algumas variações, desde pelo menos junho de 2018. Nas postagens mais recentes, publicadas em agosto deste ano, o vídeo que acompanha o texto sequer foi filmado no Brasil. Segundo apuração do Comprova, ele mostra uma obra em uma ferrovia na Suécia.

As demais postagens utilizando versões similares ou idênticas do texto, e encontradas pelo Comprova, foram publicadas em maio de 2019 e junho de 2018. Elas utilizavam vídeo da expansão da Estrada de Ferro Carajás, executada pela Vale, como foi checado pelo Estadão Verifica.

O selo Falso é usado pelo Comprova para conteúdos divulgados de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Já o selo de Contexto errado é utilizado quando o conteúdo é retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado original.

Como verificamos

Para analisar o conteúdo que viralizou, o Comprova buscou informações com a empresa sueca CEAB, nome que aparece numa máquina que é mostrada no vídeo.

Também entrou em contato com o DNIT e buscou dados do governo federal sobre obras de ferrovias no Brasil, tanto no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) quanto no site da Valec (empresa pública vinculada ao Ministério da Infraestrutura).

O Comprova também entrou em contato com fontes ligadas às concessionárias do setor ferroviário no país e com a Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China (CCDIBC).

Você pode refazer o caminho da verificação do Comprova usando os links para consultar as fontes originais ou visualizar a documentação que reunimos.

O vídeo que viralizou

O Comprova não conseguiu chegar ao autor do vídeo que aparece no post enganoso. No entanto, como as imagens mostram uma máquina com o logotipo da empresa sueca CEAB, foi possível entrar em contato com a companhia, que deu informações sobre a obra exibida na gravação.

No vídeo viralizado também é possível ler no maquinário o nome da marca Volvo, empresa também sueca e mais conhecida por seus automóveis.

Por e-mail, a CEAB informou que o vídeo em questão foi feito em uma de suas obras no sul da Suécia, entre as cidades de Lund e Arlov. A máquina do vídeo é do modelo Volvo EWR150E Rail. Um vídeo publicado na página da empresa em agosto de 2018 mostra o mesmo maquinário.

De acordo com o representante da empresa Tony Andersson, o vídeo mostra uma nova tecnologia que está sendo desenvolvida pela CEAB em conjunto com um de seus fornecedores, a RF-System, para colocação mais rápida do trilhos.

A empresa afirmou que o vídeo foi feito em agosto deste ano, mas que não é capaz de informar quem teria filmado. “Não acredito que tenha sido um de nossos funcionários ou um passante – visto que é uma área restrita. Poderia ser uma empresa terceirizada ou até nosso cliente”, afirmou Andersson em nota.

Ferrovias e projetos nas cidades citadas

A legenda da postagem falsa cita uma suposta obra ferroviária ligando três estados brasileiros: Maranhão, Pará (Marabá) e Mato Grosso (Lucas do Rio Verde).

No entanto, não existe nem obra nem planejamento pelo governo federal de construir uma ferrovia ligando as localidades citadas pela postagem.

A cidade de Marabá (PA) é ligada ao Maranhão pela Estrada de Ferro Carajás (EFC), que foi inaugurada há mais de 30 anos.

Em relação a Lucas do Rio Verde, há dois projetos que ainda não saíram do papel e que envolvem a cidade. Um deles é a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico) e o outro, a Ferrogrão (EF-170).

O projeto da Fico prevê ligar Porto Velho, capital de Rondônia, a Mara Rosa, em Goiás. Essa ferrovia ligaria o município de Lucas do Rio Verde ao Maranhão por meio de uma conexão com a Ferrovia Norte-Sul (FNS) na cidade de Mara Rosa.

Com isso, também seria possível a ligação com Marabá (PA), devido à conexão da FNS com a EFC em Açailândia, no Maranhão. Nesse caso, portanto, uma futura ligação entre Lucas do Rio Verde e Marabá só seria possível por meio do uso de três ferrovias distintas.

O projeto da Fico, que ainda está em fase de estudos, passou por mudanças no começo deste ano e deverá entrar em fase de consulta pública.

Já a Ferrogrão poderia ligar o município de Lucas do Rio Verde ao estado do Pará. Seu projeto inicial prevê a ligação de Sinop (MT) ao porto de Miritituba (PA), no rio Tapajós. Segundo o governo, é possível que a ferrovia seja estendida de Sinop até Lucas do Rio Verde.

Por este projeto, a estrada de ferro passaria bem longe de Marabá. O porto de Miritituba fica a mais de 700 km ao leste da cidade, em linha reta.

De acordo com o site do PPI, o edital de licitação da Ferrogrão deve sair no próximo trimestre – mas indígenas, caminhoneiros e políticos do Pará querem barrar o projeto, como noticiou o jornal Folha de S.Paulo no dia 21 deste mês.

Repercussão nas redes

O Comprova verifica conteúdos duvidosos sobre políticas públicas do governo federal que tenham grande potencial de viralização.

A publicação sobre a suposta obra ferroviária em Marabá foi feita no dia 21 de agosto no Facebook e teve, até o dia 28, mais de 19 mil compartilhamentos e 7,7 mil curtidas. Outra postagem no Twitter teve 2,1 mil retweets e mais de 4 mil curtidas. Leitores também enviaram ao Comprova o vídeo pelo Whatsapp, no número (11) 97795-0022, por meio do qual recebemos denúncias de conteúdo duvidoso.

O mesmo vídeo, acompanhado do mesmo texto, também foi encontrado em dois posts no YouTube publicados em 21 e 23 de agosto. Somados, os dois vídeos não tinham mais de 120 visualizações até o dia 27.

Outros veículos já fizeram checagem envolvendo construção de ferrovias e suposto uso de maquinários chineses: Estadão Verifica, e-farsas e Agência Lupa. O Boatos.org fez duas, uma em 2018 e outra em 2019.

O interesse chinês por ferrovias no Brasil

Questionada se empresas chinesas participam da construção de ferrovias no Brasil, a Câmara de Comércio Brasil China (CCBI) informou apenas que “existem sim empresas chinesas interessadas em construir ferrovias no Brasil”. No entanto, ela não soube confirmar se existe alguma companhia chinesa envolvida em obras do setor.

Já o DNIT não soube informar. O órgão afirmou, em nota, que “não constrói ferrovias” e sugeriu que fossem contatadas a Valec (empresa pública vinculada ao Ministério da Infraestrutura) ou as empresas que operam os trechos.

A Valec informou, em nota, que “não há empresas chinesas executando obras de responsabilidade da Valec”.Textos de veículos da imprensa, como da Folha de S.Paulo em 2017, do Jornal do Commercio em 2019 e da Exame em 2019, noticiaram o interesse do país asiático em entrar no setor ferroviário brasileiro, no entanto, não há notícia de qualquer obra iniciada ou leilão vencido por grupos e empresas chinesas para a construção de ferrovias no país.

Entre as obras ferroviárias citadas na matéria da Folha como de interesse de grupos chineses estão a Ferrogrão e a Fico, que ainda estão em fase de estudos.

Outra obra citada é a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL). Os trechos atualmente em execução, no entanto, estão sendo realizados pela Valec, conforme consta no portal Avançar do governo federal.

A FIOL tem um terceiro trecho cuja execução ainda não começou.

A matéria da Exame, mais recente, também menciona como interesse dos chineses tanto a FIOL quanto a Ferrogrão.

Política

Investigado por: 2019-08-26

É enganosa publicação que associa, sem evidências, ONGs da Amazônia à exploração de riquezas minerais

  • Enganoso
Enganoso
Embora o Ipea relacione cerca de 102 mil ONGs que atuam na Amazônia (número que inclui desde associações de moradores e centros comunitários até organizações de defesa de direitos de grupos e minorias, meio ambiente e proteção animal) não é possível atribuir a elas interesse na exploração das riquezas minerais da região

É enganosa uma publicação compartilhada no Facebook e no Twitter que sugere, sem evidências, que mais de 100 mil organizações não governamentais (ONGs) que atuam na região amazônica estariam interessadas não na “floresta”, mas nos minérios presentes na área.

Por lei, ONGs são entidades sem fins lucrativos e não podem obter autorização para exploração mineral.

Há divergências quanto ao total de ONGs na Amazônia. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estima que existam 102 mil entidades da sociedade civil registradas em municípios da Amazônia Legal. Já o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) calcula um número bem mais baixo: 15,9 mil.

As diferenças entre os dados se dão por causa de metodologias diferentes: enquanto o Ipea usa uma base maior, do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), o IBGE se vale de um recorte menor, do Cadastro Central de Empresas (Cempre).

Se considerarmos o estudo do Ipea, o post nas redes sociais acerta o número de ONGs com sede na Amazônia. No entanto, a publicação erra ao dizer que a fonte da informação são “levantamentos do Exército Brasileiro e da ABIN”. De acordo com a assessoria do Ministério da Defesa, o “tema não pertence ao escopo da atuação desta pasta”.

De acordo com o Mapa das Organizações da Sociedade Civil do Ipea, o número de ONGs que tem atuação em áreas relacionadas à mineração é muito pequeno: 145 em todo o país, sendo 14 em estados que compõem a Amazônia Legal. É importante destacar que essas entidades não trabalham diretamente na exploração de minérios, e têm papel de representar associações de mineradores.

A publicação também alega que há abundância de mais de 14 tipos de minérios na Amazônia, mas, segundo o chefe do Departamento de Recursos Minerais do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), Marcelo Esteves Almeida, nem todos têm potencial de exploração comprovado. De acordo com Almeida, avaliar o potencial de exploração de certos minerais na região, como paládio e ródio, ainda depende de mais estudos.

O Comprova verificou informações publicadas no perfil @Luis_Roberto04 no Twitter e em um perfil pessoal no Facebook.

Enganoso para o Comprova é o conteúdo que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde ou que seja divulgado para confundir, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos

Para analisar o conteúdo que viralizou, o Comprova acessou o Mapa das Organizações da Sociedade Civil, do Ipea, e o estudo As Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos no Brasil (Fasfil), do IBGE. Também consultamos os especialistas Janine Mello, coordenadora do Mapa das Organizações da Sociedade Civil, e Marcelo Esteves Almeida, chefe do Departamento de Recursos Minerais do CPRM. Analisamos ainda legislação sobre autorização de exploração mineral e sobre constituição de organizações da sociedade civil.

Você pode refazer o caminho da verificação do Comprova usando os links para consultar as fontes originais ou visualizar a documentação que reunimos.

Quantas ONGs existem na Amazônia?

O Ipea calcula que existam 102.080 entidades da sociedade civil com sede em municípios da Amazônia Legal. Esse número representa 12,4% do total de ONGs do país, 820.186. O IBGE, por sua vez, estima que sejam 236.950 fundações privadas e associações sem fins lucrativos, sendo 15.919 (6,7%) em estados que compõem a Amazônia Legal.

A discrepância entre os dados do IBGE e do Ipea está explicada nesta nota técnica. Os dois institutos de pesquisa utilizam bases de dados diferentes; o mapa do Ipea faz um recorte mais amplo. Enquanto o IBGE utiliza o Cadastro Central de Empresas (Cempre), o Ipea parte do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), da Secretaria da Receita Federal (SRF), como um todo e de outras 14 fontes de dados auxiliares.

Apesar dos números absolutos divergirem, a proporção de ONGs encontradas nas duas pesquisas em relação ao universo total de empresas é parecido: 4,69% no caso do IBGE e 4,09% no Ipea. Além disso, ambas as pesquisas adotam critérios parecidos para classificar ONGs, baseados na Classification of the Purposes of Non-Profit Institutions Serving Households (COPNI), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Estes são os cinco elementos para definir uma ONG: são privadas e não estão vinculadas jurídica ou legalmente ao Estado; não possuem finalidades lucrativas; são legalmente constituídas; são autoadministradas e gerenciam suas próprias atividades de modo autônomo; são constituídas de forma voluntária por indivíduos.

Perfil das ONGs na Amazônia

A pedido do Comprova, o Ipea levantou o perfil das organizações de sociedade civil com sede em municípios que compõem a Amazônia Legal (lista completa das cidades aqui).

As entidades não governamentais sediadas na região representam 12,4% das organizações da sociedade civil em atividade no Brasil. A região Norte, onde fica a maior parte da Amazônia Legal, tem 3,8 ONGs a cada mil habitantes, índice abaixo da média nacional (4/mil hab.). O Sul é a região com maior número de ONGs por pessoa (5,4/mil hab.).

Dentre as entidades sediadas na Amazônia Legal, 50.662 (49,6%) atuam na categoria “defesa de direitos e interesses”, nomenclatura mais ampla que inclui associações de moradores, centros comunitários e organizações de defesa de direitos de grupos e minorias, meio ambiente e proteção animal. Essa forma de organização também é majoritária no restante do país (41,3% do total de ONGs).

O segundo tipo de ONG mais frequente na Amazônia é a religiosa, com 19.320 entidades (18,9%). A proporção regional é menor do que a nacional (25,4%). Segundo a pesquisadora do Ipea Janine Mello, é comum no Norte do país que essas organizações também se dediquem a temas relacionados à saúde, especialmente dos povos indígenas.

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O Ipea também registra os recursos federais recebidos por entidades da sociedade civil. Na Amazônia, esse aporte representou 5,7% do total do valor destinado a ONGs pelo governo entre 2010 e 2018. Apenas 3.626 (0,03% do total da Amazônia) entidades da região obtiveram verba federal, no valor de R$ 6,8 bilhões. Como mostra o gráfico, a destinação de recursos a entidades na Amazônia tem diminuído ao longo dos anos.

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Janine ressalta que o mapeamento mostra apenas entidades registradas em municípios da Amazônia Legal. Ainda não existe um estudo detalhado sobre a atuação de organizações internacionais em território brasileiro. Geralmente, essas entidades estão sediadas no Sudeste, afirma a pesquisadora.

Quais ONGs têm interesse em minérios?

É possível fazer consultas no Mapa das Organizações da Sociedade Civil do Ipea por nome da organização. O Comprova buscou palavras-chaves como “mineração”, “minérios”, “minerais”, “mineradores” e “mineradoras” para estimar quantas entidades não governamentais se dedicam ao assunto. Encontramos apenas 145 organizações que atendiam a essa descrição em todo o país, excluindo clubes de moradores com nomes similares, associações de artesãos de minérios e associações de empresas de água mineral ou suplementos minerais.

Do total, apenas 14 têm sede em estados que compõem a Amazônia Legal. A maioria (36 ONGs) está em Minas Gerais, onde há indústria de extração de minério. As entidades que mapeamos na Amazônia são, principalmente, associações regionais de mineradores e de representação de empresas que trabalham na área de mineração.

Apesar de essas organizações se dedicarem a temas relacionados a minérios, elas não podem obter autorização de exploração mineral, devido à sua natureza jurídica — são entidades sem fins lucrativos, e não empresas. “Organizações sem fins lucrativos não podem ter concessão federal para fazer extração de minério”, explica a pesquisadora Janine Mello.

De acordo com a ouvidoria da Agência Nacional de Mineração (entidade que regula a exploração de minérios no país), para uma pessoa jurídica requerer autorização para uma pesquisa mineral, é preciso ser uma empresa legalmente habilitada, com registro na Junta Comercial. Também é possível que pessoas físicas façam esse requerimento (por exemplo, garimpeiros) — neste caso, é necessário ser pessoa natural do Brasil. Esses requisitos estão no decreto-lei 227.

As ONGs precisam atender a certas exigências para serem registradas no Brasil, entre eles o de “não possuir finalidades lucrativas”, como explica este estudo do Ipea. O Código Civil define o empresário como “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.

Para existir, uma ONG precisa ter inscrição no CNPJ, mas, como é proibido buscar lucros, a atividade de extração mineral é incompatível com a sua atuação.

Esta cartilha do Observatório do Terceiro Setor explica melhor o papel das ONGs no território brasileiro. São entidades de livre associação que existem para influenciar agendas públicas e exercer controle social. Embora algumas dessas organizações desenvolvam trabalhos de assistência à população, as ONGs não têm o objetivo de substituir o trabalho do Estado.

Os formatos de pessoas jurídicas privadas em que elas se enquadram no Código Civil são os de associações e fundações, previstos no segundo e no terceiro capítulos da legislação. De acordo com o artigo 53, “constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos”. Conforme uma publicação da Associação Brasileira de Organizações não Governamentais (Abong), elas podem comercializar produtos ou serviços, mas não podem exercer exclusivamente essa atividade ou fazer dela a sua única finalidade.

O artigo 62 estabelece as possibilidades de atuação das organizações: assistência social; cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; educação; saúde; segurança alimentar e nutricional; defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; pesquisa científica, desenvolvimento de tecnologias alternativas, modernização de sistemas de gestão, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos; promoção da ética, da cidadania, da democracia e dos direitos humanos; e atividades religiosas.

Recursos minerais na Amazônia

A publicação afirma que o subsolo da Amazônia é rico em “cassiterita, paládio, ródio, tungstênio, zircônio, titânio, linhito, nióbio, tântalo, columbita, cromo, ouro, diamante e urânio, etc.”.

De acordo com o geólogo do CPRM Marcelo Esteves Almeida, há locais na Amazônia onde já é realidade a exploração de recursos minerais como cassiterita (em Pitinga, no Amazonas, e no centro-norte de Rondônia), ouro (no oeste de Roraima, e em Tapajós e Carajás, no Pará), cobre (Carajás), urânio (Pitinga), nióbio-tântalo (Pitinga) e diamante (norte de Roraima).

Um exemplo de destaque é a província mineral de Carajás, no Pará. Segundo este artigo do geólogo Breno Augusto dos Santos — responsável pela descoberta de jazidas de ferro na região em 1967 — as 18 bilhões de toneladas de minério encontradas representam “maior concentração de alto teor já localizada no planeta”. Além do ferro, metais como cobre, zinco, manganês e ouro também são encontrados na região.

No entanto, segundo Marcelo Esteves Almeida, são necessários mais estudos para determinar o potencial de exploração mineral em outras áreas da Amazônia. “As pesquisas estão ainda muito aquém da importância e do tamanho dessa região. Apesar dos esforços recentes, dificuldades logísticas e o custo das expedições científicas têm dificultado bastante o avanço do conhecimento nas últimas décadas”, disse Almeida.

Repercussão nas redes

O Comprova verifica conteúdos duvidosos sobre políticas públicas do governo federal que tenham grande potencial de viralização.

A publicação foi feita no Facebook no dia 15 de agosto e, no dia 22, tinha 1,8 mil compartilhamentos, 987 curtidas e 81 comentários. No Twitter, havia 1,9 mil retweets e 5,9 mil curtidas. O mesmo texto foi usado em diversas publicações nas redes sociais desde então.

Contexto

O presidente Jair Bolsonaro demonstrou publicamente em mais de uma ocasião desconfiança em relação às organizações da sociedade civil. Mais recentemente, ele acusou — sem provas — ONGs que recebem recursos do exterior de estarem por trás das queimadas na floresta amazônica. Para ele, o objetivo seria fazer uma “campanha” contra o governo.

Em agosto, o presidente criticou o ministro das Relações Exteriores da França, Jean-Yves Le Drian, por ele ter participado de reuniões com ONGs quando visitou o Brasil. “O que ele veio tratar com ONG aqui? Quando fala em ONG, já nasce um sinal de alerta”, disse Bolsonaro.

Quando fez acusações contra o ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Ricardo Galvão, o presidente também tentou associá-lo a ONGs. “No nosso sentimento, isso (dados sobre desmatamento) não condiz com a realidade. Até parece que ele (Ricardo Galvão) está a serviço de alguma ONG, que é muito comum”, afirmou Bolsonaro em julho.

O presidente também atacou entidades estrangeiras durante um discurso em visita a Bahia, em julho. Na ocasião, ele disse que a baía de Angra “fatura quase zero” em turismo por causa dos “xiitas ambientais”. “Eu não sei por que essa gente tem tanto amor por ONGs estrangeiras. O Estado está aparelhado. Não temos preconceito contra ninguém, mas temos uma profunda repulsa por quem não é brasileiro.”

No início do ano, o então ministro da Secretaria do Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz, disse que a administração federal pretendia fazer um levantamento sobre o número de ONGs em atuação no país para, em um segundo momento, “otimizar” o repasse de verbas públicas a essas entidades.

De acordo com o Ipea, de 2010 e 2018, foram repassados R$ 6,8 bilhões em recursos federais a organizações sediadas na Amazônia Legal. Esse valor equivale a 5,74% do total empenhado do Orçamento Geral da União para OSCs, que foi de R$ 118,5 bilhões no período. Essa verba atendeu a 22.214 organizações nesses oito anos, das quais 3.626 eram na Amazônia Legal. “Em 2010, o valor repassado para a Amazônia Legal foi de R$ 1,4 bilhão. Esse valor cai para R$ 338 milhões em 2018”, enfatizou a pesquisadora Janine Mello.

Política

Investigado por: 2019-08-23

Vídeo em que indígena chora por incêndio é de julho e foi gravado em Minas Gerais e não na Amazônia

  • Enganoso
Enganoso
As descrições segundo as quais a gravação tem relação com as queimadas na região amazônica são enganosas, pois o vídeo foi feito na aldeia Naô Xohã, na região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais

São enganosas as descrições que apontam um vídeo de uma mulher indígena chorando como se fosse relacionado a incêndios recentes na Amazônia. A gravação original foi feita durante um incêndio, de fato, mas no início de julho de 2019, na aldeia Naô Xohã, na região metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais.

A própria mulher que aparece no vídeo, Celia Ãngohó, afirmou ao Comprova que o incêndio presenciado por ela ocorreu entre os dias 6 e 7 de julho, no município mineiro de São Joaquim de Bicas. Segundo Celia, que é porta-voz e esposa do cacique da aldeia, à época havia indícios de que o incêndio foi criminoso, pois havia sido encontrada uma garrafa plástica com cheiro de combustível no local após o Corpo de Bombeiros ter controlado o fogo.

A TV Record Minas fez uma matéria sobre o ocorrido em julho. Segundo a produção da emissora, que conversou com o Comprova, o vídeo foi enviado à equipe de reportagem por um homem da aldeia, identificado como Lindomar. Celia Ãngohó também afirmou que enviou o vídeo que ela gravou a Lindomar, para que ele divulgasse à imprensa. O Comprova entrou em contato com ele por telefone, mas não teve resposta até a publicação desta verificação.

Durante o vídeo, Celia cita a mineradora Vale, responsável pela barragem da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho. Isso porque a mesma aldeia mostrada no vídeo foi afetada no início do ano pelo rompimento da barragem. Uma nota da ONG Instituto Socioambiental (ISA), que acompanhou o caso, afirma que o rio usado pela comunidade foi poluído pelos rejeitos do acidente.

Esta verificação do Comprova investigou informações divulgadas pelas páginas Direita Cambé/PR, Catraca Livre e Sunrise Movement, que compartilharam o vídeo sem o contexto correto no Facebook e no Twitter entre os dias 20 e 21 de agosto.

Como verificamos

Para fazer esta verificação, o Comprova analisou os comentários de três publicações com o vídeo, no Facebook e no Twitter. Em uma delas, na página Quebrando o Tabu (que tirou o vídeo do ar nesse meio tempo), foi localizado um comentário que afirmava que a gravação, na verdade, se tratava de um incêndio em Brumadinho.

A partir disso, o Comprova buscou as palavras-chave “incêndio” e “Brumadinho” no Google e identificou duas matérias do portal R7, que pertence à emissora Record, sobre o ocorrido.

Em seguida, o Comprova entrou em contato com integrantes da equipe de jornalismo da TV Record Minas. Por meio deles, conseguimos o contato da mulher que aparece no vídeo, a indígena Celia Ãngohó, com quem o Comprova conversou por telefone.

Foram também consultadas a Procuradoria da República em Minas Gerais, a Polícia Federal, e a Fundação Nacional do Índio (Funai), hoje ligada ao Ministério da Justiça, chefiado por Sergio Moro. A última não respondeu. Os quatro órgãos enviaram autoridades ao local para apurar a origem do fogo.

O Comprova enviou também o vídeo viralizado para um servidor, de um dos órgãos, que pediu para não ser identificado e que esteve no local. Ele confirmou a identidade de Celia, que é esposa do cacique da aldeia Naô Xohã.

Outros materiais consultados pelo Comprova foram a nota do ISA sobre o caso e reportagens da Record Minas na TV e na internet.

Você pode refazer o caminho da verificação do Comprova usando os links para consultar as fontes originais ou visualizar a documentação que reunimos.

A origem do vídeo

Ao Comprova, Celia Ãngohó confirmou, por telefone, que é a mesma mulher que aparece no vídeo que viralizou e que ele foi gravado em 6 de julho, e não em agosto. A gravação também se refere à sua aldeia, em Minas Gerais, e não a alguma terra na região amazônica.

A origem e a data do vídeo foram também confirmadas pela Procuradoria da República em Minas Gerais. A Polícia Federal, por email, afirmou que esteve em São Joaquim de Bicas.

“Me disseram que [nas redes sociais] estão usando o vídeo com minha fala para fazer campanha em defesa da Amazônia”, disse Ãngohó ao Comprova. “Mas foi um incêndio que aconteceu na minha aldeia. Fico triste porque é um vídeo com milhares de visualizações e não falam com a gente. Estou querendo falar da minha comunidade.”

Ao menos três links (1, 2, 3) mostram reportagens do portal R7 e da TV Record no local no dia 8 de julho, dois dias depois do incêndio denunciado por Ãngohó. As reportagens exibem e fazem referência ao mesmo vídeo que viralizou nos últimos dias. A produtora Ana Paula Pedrosa confirmou ao Comprova que fez reportagens sobre o ocorrido e que a mesma gravação viralizada nesta semana foi recebida pela produção da TV no início daquele mês.

Uma postagem no Facebook da página Mídia Ninja, do dia 7 de julho, e uma nota da ONG Instituto Socioambiental, de 12 de julho, também confirmam que o vídeo existia antes de agosto, mês em que o número de notícias sobre o aumento das queimadas na Amazônia se intensificou. A nota da ONG também confirma a referência à aldeia Naô Xohã, em São Joaquim de Bicas, e não alguma cidade da Amazônia.

A origem do incêndio

Uma das postagens analisadas pelo Comprova, publicada na quarta-feira, 21 de agosto, no Facebook pela página Direita Cambé/PR, divulgou o vídeo do incêndio ocorrido em julho, na aldeia Naô Xohã, afirmando que a “suspeita do presidente [Jair Bolsonaro] pode ser confirmada” e fez referência a “canalhas que querem destruir o governo”.

A Procuradoria da República, que esteve no local para apurar o fogo, enviou ao Comprova um relatório sobre a visita à aldeia Naô Xohã após o incêndio.

Ao Comprova, Ãngohó não mencionou ONGs e afirma que não sabe quem causou o incêndio na aldeia onde vive, ainda que acredite que o fogo tenha origem criminosa. Para ela, o incêndio foi provocado com o objetivo de expulsar os indígenas do local. A terra onde vive não é demarcada, e por isso a comunidade enfrenta constantes conflitos pelo território, segundo ela. A ocupação indígena recente do lugar — eles estão lá há dois anos — agrava o problema.

“A gente tem três turnos de vigília durante a noite, e temos preparo de bota, luva, máscara [para apagar incêndios]”, diz Ãngohó. “A comunidade está apreensiva, vivemos com medo.” Segundo ela, em agosto houve mais incêndios no local. “A gente sabe que é para intimidar.”

Após queimadas na Amazônia nos últimos dias, Bolsonaro insinuou, na quarta-feira (21), sem apresentar provas, que organizações não-governamentais (ONGs) baseadas na floresta poderiam ter provocado o fogo para atingir a gestão federal, uma vez que deixaram de receber recursos do Executivo assim que o candidato do PSL chegou ao Planalto.

A comunidade Naô Xohã fica em um imóvel da Companhia de Mineração Serra Azul (Comisa), subsidiária da Vale. Segundo a Procuradoria da República de Minas Gerais, a área está em processo de regularização fundiária, e o poder público não produziu os relatórios de identificação e delimitação (necessários no processo de demarcação da terra, se ocorrer).

A Procuradoria afirmou ainda, por email, que, à época do incêndio, o órgão foi informado de que indígenas pataxó e pataxó hã-hã-hãe relataram terem visto pessoas desconhecidas rondando a aldeia, efetuado disparos de arma de fogo e provocado um incêndio na mata. Eles recomendaram o contato com a Polícia Federal para informações sobre a investigação.

A Polícia Federal, por sua vez, afirmou ao Comprova que “efetuou diligências preliminares” no local, mas que não comenta investigações em curso. Um inquérito registrado como nº 818/2019 foi instaurado, mas o caso não foi concluído.

Contexto

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou em 2019 o maior número de focos de queimada dos últimos cinco anos no Brasil. Foram 75,3 mil ocorrências entre 1º de janeiro e 21 de agosto de 2019, 85% a mais do que no mesmo período do ano passado. Apenas no bioma da Amazônia foram registrados 65,1% dos focos de incêndio.

O número de queimadas também aumentou em relação aos últimos cinco meses. Em agosto, até o dia 21, foram 36,7 mil focos no Brasil, aumento de 175% em relação a julho. Apenas no dia 17 deste mês foram identificadas 2,6 mil ocorrências de incêndios.

Focos de incêndio na Amazônia: https://public.flourish.studio/visualisation/615873/

 

Os dados são do Programa Queimadas, do Inpe, que monitora incêndios florestais por meio de satélites. Os números podem ser consultados aqui e aqui.

No início de agosto, o governo do Amazonas decretou situação de emergência no sul do Estado e na região metropolitana de Manaus por causa do impacto negativo do desmatamento e de queimadas ilegais. O objetivo do decreto é agilizar ações de combate aos focos de incêndio nas regiões mais críticas.

A Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) do Amazonas compilou, de janeiro a julho de 2019, 1.699 focos de calor no Estado. A maioria (80%) ocorreu em julho, quando começa o período de estiagem.

O aumento das queimadas acontece em meio à alta do desmatamento na região amazônica. De acordo com medições do sistema Deter, do Inpe, houve salto de 278% nos alertas de desmate de julho de 2019 em relação ao mesmo mês do ano passado.

Monitoramento independente da organização não-governamental (ONG) Imazon também indica tendência de aumento: alta de 66% em julho deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado.

Repercussão nas redes

O Comprova verifica conteúdos duvidosos sobre políticas públicas do governo federal que tenham grande potencial de viralização.

A postagem no Facebook da página Direita Cambé teve 201 mil visualizações e mais de 14 mil compartilhamentos até o dia 23 de agosto. No Twitter, a publicação do perfil Sunrise Movement somava 7,7 milhões de visualizações e mais de 139 mil retweets na mesma data. Uma publicação do site Catraca Livre sobre o tema foi compartilhada em sete páginas no Facebook e no Twitter com cerca de 600 interações no total. Outros perfis pessoais no Twitter e no Facebook também compartilharam o vídeo, somando mais visualizações.

Outras postagens

A situação na Amazônia causou comoção internacional: segundo o professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Fábio Malini, que pesquisa ciência de dados e redes sociais, foram 10,2 milhões de tuítes sobre o assunto ao longo de sete dias, 4,3 milhões apenas em 22 de agosto.

As manifestações nas redes sociais, no entanto, frequentemente se utilizaram de fotos fora de contexto. Personalidades públicas como o presidente da França, Emmanuel Macron, a cantora Madonna, o ator Leonardo diCaprio, o jogador de futebol Cristiano Ronaldo e a modelo Gisele Bündchen compartilharam imagens antigas da floresta queimando.

Usuários das redes sociais também amplificaram registros feitos em outros lugares, como Ribeirão Preto, em São Paulo, Malibu, na Califórnia, e Jabalpur, na Índia.

Várias agências de checagem apontaram fotos compartilhadas fora de contexto: AFP, Agência Lupa, Aos Fatos e Estadão Verifica. O Aos Fatos também verificou as publicações mais recentes sobre o vídeo de Celia Ãngohó e a queimada na aldeia em Minas Gerais.

Saiba mais

Satélite mostra invasão de ‘rio de fumaça’ de queimadas sobre São Paulo (Folha)
Qual a relação entre fogo em florestas e o aquecimento global (Nexo)

Verificação

Investigado por: 2019-08-22

Projeto de Lei não pretende “legalizar o incesto”, mas ampliar o reconhecimento de famílias pelo Estado

  • Enganoso
Enganoso
Apesar de existirem brechas no projeto, ele não seria suficiente para revogar a proibição do casamento entre pais e filhos prevista no Código Civil.

São enganosas as publicações que atribuem ao Projeto de Lei 3.369, de 2015, a intenção de “legalizar o incesto”. A proposta, de autoria do deputado federal Orlando Silva (PCdoB – SP), tem como objetivo ampliar o reconhecimento de famílias pelo Estado brasileiro, englobando, por exemplo, a adoção por casais homossexuais e os casos em que crianças são educadas por tios e avós.

Para uma especialista em Direito de Família entrevistada pelo Comprova, apesar de existirem brechas no projeto, ele não seria suficiente para revogar a proibição do casamento entre pais e filhos prevista no Código Civil.

As postagens viralizaram depois que a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados colocou a votação do PL na pauta da quarta-feira, 21 de agosto. Após a repercussão nas redes, a proposta foi retirada da agenda para “aprimoramento do texto”.

Esta verificação do Comprova investigou informações divulgadas pelas páginas Nas Ruas e Só a Verdade, no Facebook, e pelos sites Estudos Nacionais e Jornal da Cidade Online (posteriormente editado).

Como Verificamos

Para esta checagem, o Comprova consultou a íntegra do PL 3.369/2015 e as assessorias de imprensa do autor da proposta, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), e do relator do texto na CDHM, deputado Túlio Gadêlha (PDT-PE).

Também foram entrevistadas a presidente da Comissão de Direito de Família da OAB Pernambuco, Virgínia Baptista, a professora de Direito de Família da Universidade Federal Fluminense (UFF) Fernanda Pimentel, e o deputado Túlio Gadêlha.

Você pode refazer o caminho da verificação do Comprova usando os links para consultar as fontes originais ou visualizar a documentação que reunimos.

“Casamento entre pais e filhos”

Segundo as publicações viralizadas, o PL em questão regulamentaria o casamento entre “um pai com seu filho, o pai com a filha, mãe com filha, mãe com um filho, ou qualquer combinação entre pais e filhos”. Para justificar tal afirmativa, as postagens mencionam o artigo 2º da proposta, que estabelece:

“São reconhecidas como famílias todas as formas de união entre duas ou mais pessoas que para este fim se constituam e que se baseiem no amor, na socioafetividade, independentemente de consanguinidade, gênero, orientação sexual, nacionalidade, credo ou raça, incluindo seus filhos ou pessoas que assim sejam consideradas”.

O trecho, contudo, não faz qualquer menção a casamentos, mas a núcleos familiares.

O que dizem as especialistas

Orlando Silva e Túlio Gadêlha afirmaram que o objetivo do projeto é de ampliar a concepção de família aceita pelo Estado. Na opinião da professora de Direito de Família da Universidade Federal Fluminense (UFF) Fernanda Pimentel, essa é a interpretação mais provável.

Para a especialista, o projeto tem como objetivo regulamentar casos que já são reconhecidos em tribunais, como “quando um padrasto cria uma enteada, ou um enteado, ou um tio que crie sobrinhos”, disse, em entrevista ao Comprova.

Essa regulamentação tem diversas consequências jurídicas, como o direito à herança, a benefícios previdenciários e à dedução do dependente no Imposto de Renda, afirmou.

A professora destacou, contudo, que o Projeto de Lei traz conceitos muito abertos, o que possibilita múltiplas interpretações, inclusive a mencionada nas postagens viralizadas. “O texto, realmente, quando ele usa essa técnica das cláusulas gerais, ele o faz de maneira muito genérica. Se eu quiser, eu conduzo esse texto para uma interpretação bastante ampla, permitindo essas relações”, disse Pimentel.

Essa opinião é reforçada pela presidente da Comissão de Direito da Família da OAB Pernambuco, Virgínia Baptista. Para a advogada, o ponto do projeto que permitiria interpretações divergentes do objetivo dos autores é o uso da expressão “independentemente de consanguinidade”.

“Abre brecha, sim, para relações incestuosas, eu acho que é bem claro no texto dele. Talvez ele precisasse rever esse trecho da lei. A questão da consanguinidade é uma vedação e isso não vai poder ser superado”, afirmou em entrevista ao Comprova.

Fernanda Pimentel pontuou, contudo, que o Projeto de Lei não seria interpretado de maneira isolada, mas levando em consideração todas as outras normas e costumes da sociedade – tornando improvável a “acolhida da relação incestuosa”.

“Quando o projeto fala que a família é toda forma de união entre duas ou mais pessoas que para este fim se constituam e que se baseiem no amor, na socioafetividade, independentemente de consanguinidade, gênero e orientação, ele está transferindo para o Judiciário a possibilidade de aplicar isso ao caso concreto. Só que, diferentemente desse pânico instalado, essa interpretação não é solta. Ela é feita a partir da Constituição e do sistema jurídico vigente”, disse Pimentel.

Atualmente, o casamento entre pais e filhos e entre irmãos é proibido pelo artigo 1.521 do Código Civil. Para que o PL permitisse este tipo de relacionamento, explica Pimentel, precisaria haver uma revogação tácita do artigo, ou seja, quando se presume que a lei anterior foi revogada.

“Só que revogação tácita tem que ser reconhecida pelos tribunais. E toda orientação jurisprudencial do direito brasileiro é no sentido de valorizar esse interdito na formação da família brasileira, que é a vedação da relação incestuosa. Então, eu não creio que o projeto de lei encaminharia para a acolhida dessa relação incestuosa”, afirmou.

Autor e relator negam intenção de legalizar incesto

Em nota oficial publicada na página Vermelho.org, o deputado Orlando Silva explicou que o projeto tem como objetivo ampliar o reconhecimento de famílias pelo Estado, incluindo núcleos formados por pessoas sem laços sanguíneos.

“Quando o projeto diz ‘independentemente de consanguinidade’, está se referindo às milhares de famílias, sejam de casais héteros ou homoafetivos, formadas a partir do generoso ato da adoção legal de crianças”, disse na nota.

Em posicionamento oficial enviado ao Comprova, o deputado Túlio Gadêlha, que emitiu parecer pela aprovação do PL na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, acrescentou que o projeto também quer o reconhecimento de “uma família formada por parentes, como avós e netos ou tios e sobrinhos, por exemplo”.

“Ter um conceito de família amplo é importante para que essas novas concepções possam ter acesso a programas sociais, por exemplo. Esse reconhecimento está em relatórios da ONU, no STF, só não houve no Legislativo”, afirmou Gadêlha em entrevista ao Comprova.

Retirado da pauta

Após a repercussão nas redes sociais, a votação do PL foi retirada da pauta desta quarta-feira pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias.

Em nota de esclarecimento publicada no site da Câmara dos Deputados, o presidente da Comissão, Helder Salomão (PT-ES), afirmou que o projeto tem sido objeto “de interpretações distorcidas” e que por isso, a pedido do relator, retirou o PL da pauta para “aprimoramento de sua redação por meio da elaboração de substitutivo”.

Um substitutivo é um tipo de emenda que altera a proposta, recebendo este nome porque substitui o projeto original.

Em entrevista à Rádio Câmara nesta quarta-feira, 21 de agosto, o deputado Orlando Silva esclareceu que pediu que Túlio Gadêlha redigisse o substitutivo para atender às pessoas de boa fé que querem esclarecimento” e para que “não pairem dúvidas quanto aos nossos objetivos”.

Em entrevista ao Comprova, Túlio Gadêlha afirmou que pretende “continuar abrangendo todos esses formatos de família, mas excluir esse entendimento deturpado que parte da bancada evangélica tem feito”. “Eu acho importante a gente, que está nesse campo do Legislativo, ter a sensibilidade de compreender o olhar de outros parlamentares”, disse.

O deputado chegou a reconhecer que a redação do PL pode deixar em aberto interpretações divergentes, mencionando o caso da poligamia, que, segundo algumas publicações viralizadas, seria legalizada com o projeto. “De fato, o projeto, lendo-se, pode compreender uma configuração de família, como vem sendo colocado, pela poligamia. São reconhecidas como formas de família união de duas ou mais pessoas.” Apesar disso, ele enfatizou que não concorda com essa avaliação, feita também por outros parlamentares.

Tramitação do projeto

O projeto de lei foi apresentado em 21 de outubro de 2015. No ano seguinte, recebeu um parecer favorável de Jean Wyllys (PSOL-RJ), mas não foi votado.

Com o fim da legislatura passada, o PL foi arquivado, mas voltou a tramitar a pedido de Orlando Silva este ano. No dia 8 de agosto, Túlio Gadêlha apresentou o relatório pela aprovação do projeto e pela rejeição de uma emenda que usava como conceito de família “a união de um homem e de uma mulher, por meio de casamento ou de união estável, e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos”.

O projeto ainda deverá ser analisado pelas comissões de Seguridade Social e Família e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Comissão não tem maioria de esquerda

Ao contrário do que diz a publicação do site Estudos Nacionais, a composição da Comissão de Direitos Humanos e Minorias não tem maioria de esquerda entre os titulares. Partidos de tendências mais conservadoras têm nove indicações e os mais progressistas também têm nove nomes.

O PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, tem como representantes os deputados Filipe Barros (PR) e Julian Lemos (PB). Os outros integrantes do bloco são: Abílio Santana (PL-BA), Aroldo Martins (Republicanos-PR), Bia Cavassa (PSDB-MS), Delegado Éder Mauro (PSD-PA), Iracema Portella (PP-PI), Lauriete (PL-ES), Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ).

O PT ocupa uma vaga do MDB e uma do PP, com Erika Kokay (DF) e Padre João (MG), respectivamente). O bloco tem ainda: Camilo Capiberibe (PSB-AP), Carlos Veras (PT-PE) e Helder Salomão (PT-ES, presidente do colegiado). A comissão é formada ainda por Eli Borges (Solidariedade-TO), José Medeiros (Podemos-MT), Márcio Jerry (PCdoB-MA) e Túlio Gadêlha (PDT-PE).

Repercussão nas redes

O Comprova verifica conteúdos duvidosos sobre políticas públicas do governo federal que tenham grande potencial de viralização.

A publicação da página Nas Ruas teve 3 mil comentários, 2,8 mil curtidas e 1,7 mil comentários. O post da Só a verdade teve 4,3 mil compartilhamentos, 214 comentários e 275 curtidas. O artigo publicado no site Estudos Nacionais teve 20 mil interações no Facebook, segundo a ferramenta CrowdTangle. As publicações foram feitas entre os dias 19 e 20 de agosto e tinham esses números de interação nas redes sociais no dia 21.

O texto do Jornal da Cidade Online teve 162 mil interações no Facebook entre os dias 20 e 22 de agosto, de acordo com o CrowdTangle. Inicialmente publicado com o título “Zambelli denuncia projeto de Manuela que pretende legalizar casamento entre pais e filhos”, o artigo foi alterado. O site publicou uma errata corrigindo a informação de que a ex-deputada Manuela D’Ávila (PCdoB) seria autora do projeto de lei. Além disso, passou a afirmar que “a redação do projeto é tão confusa que levantou uma polêmica no sentido de que o PL poderia normalizar o incesto”.

O Estadão Verifica e a Agência Lupa já haviam checado esta alegação.

Política

Investigado por: 2019-08-22

Um terço do que governo quer remanejar são cortes da Educação

  • Evidência comprovada
  • Enganoso
Evidência comprovada
É verdade que quase um terço do dinheiro que o governo pretende remanejar vem do Ministério da Educação
Enganoso
Não é possível afirmar com certeza quanto do dinheiro será remanejado devido a acordos com parlamentares. O Comprova identificou que, dos valores remanejados, 58% aumentam as verbas para ações incluídas no Orçamento integralmente por emendas parlamentares

É verdade que o governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) propôs ao Congresso o remanejamento de R$ 3 bilhões no Orçamento, em meio às negociações para a aprovação da reforma da Previdência na Câmara. Quase um terço desse valor sairia do Ministério da Educação (MEC). As alegações estão em postagens compartilhadas na internet.

Essas mesmas postagens, no entanto, tratam de forma enganosa a destinação dos recursos remanejados. Elas afirmam que o presidente Jair Bolsonaro distribuiu R$ 3 bilhões para “comprar” votos de parlamentares para aprovação da reforma da Previdência.

O Comprova apurou, no entanto, que não é possível dizer que esses recursos foram usados para “comprar” parlamentares. É possível afirmar, por outro lado, que parte do remanejamento irá, sim, beneficiar parlamentares. Mais especificamente, deputados e senadores terão R$ 1,77 bilhão a seu dispor para usar em emendas.

O projeto ainda precisa ser aprovado pelo Congresso.

Esta verificação do Comprova investigou as informações que constam de postagens nas páginas Esquerda Diário e A Casa de Vidro no Facebook. Ambas compartilham um artigo do site Esquerda Diário cujo conteúdo também foi verificado pelo Comprova.

Como verificamos

Para verificar este artigo, o Comprova analisou a íntegra do projeto de lei proposto pelo Governo Federal, onde estão previstos os remanejamentos no Orçamento de 2019.

Analisamos para quais órgãos e programas o PL prevê aumentar os recursos e para quais ele pretende diminuí-los. O Comprova também entrou em contato com o Ministério da Educação e com o Ministério da Economia.

Além disso, analisamos, por meio do portal SIGA Brasil, do Senado, os dados da elaboração da Lei de Orçamento Anual (LOA) de 2019 e vimos como cada um desses programas foi incluído no Orçamento deste ano – se foi iniciativa do Executivo, do Legislativo ou de ambos. Isso porque os dois poderes podem incluir despesas no Orçamento.

Para entender o papel das emendas parlamentares, entrevistamos os cientistas políticos Lara Mesquita e Vitor Oliveira. Sobre as regras orçamentárias, entrevistamos a professora de finanças públicas e orçamento público Ursula Dias Peres, da USP. Sobre o remanejamento e as emendas, contatamos Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas. E sobre a dívida pública, questionamos a Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado e que busca dar transparência às contas do governo.

Você pode refazer o caminho da verificação do Comprova usando os links para consultar as fontes originais ou visualizar a documentação que reunimos.

O remanejamento do Orçamento

As postagens verificadas remetem a texto do site Esquerda Diário que afirma que “R$ 3 bilhões em emendas parlamentares foram distribuídos na véspera da votação do segundo turno da Reforma da Previdência. Quase 1/3 desse valor saiu dos cortes na educação”.

O artigo do Esquerda Diário se baseia em texto da Folha de S. Paulo que mostra que quase um terço das verbas canceladas provém do Ministério da Educação. Ao todo, o MEC perde o saldo de R$ 926 milhões. Isso porque, conforme o projeto de lei sugerido pelo governo Bolsonaro, o órgão teria tanto cortes em algumas de suas ações no valor de R$ 1,16 bilhão quanto suplementação no valor de R$ 230 milhões.

No entanto, as postagens viralizadas exageram o teor do texto ao afirmar que “R$ 3 bilhões em emendas parlamentares foram distribuídos” pelo governo de Jair Bolsonaro.

A reportagem da Folha não é taxativa em relação ao valor do remanejamento que seria destinado a atender interesses de parlamentares. O texto afirma que, “segundo interlocutores de Palácio do Planalto, R$ 2 bilhões são para atender a pleitos de parlamentares e R$ 1 bilhão se destina a ações do Ministério da Defesa.”

O texto do Esquerda Diário ainda diz que reforma se trata de “cortar gastos públicos para liberar mais recursos aos donos da dívida pública”.

O projeto de lei (PLN 18/2019), que ainda está em tramitação no Congresso, prevê o remanejamento de R$ 3 bilhões do Orçamento de 2019. O projeto foi encaminhado pelo Executivo na terça-feira (6) e publicado no dia seguinte, datas em que a Câmara dos Deputados realizava a votação em segundo turno do texto-base da reforma da Previdência.

Em nota, a assessoria do MEC afirmou que o valor cancelado abrange todas as unidades do Ministério e diversos de seus programas. Sozinha uma ação do MEC relativa ao funcionamento de instituições de ensino superior, por exemplo, perderia quase R$ 175 milhões.

Depois do MEC, o órgão que sofre maior corte é o Ministério da Infraestrutura. Se aprovada a redação do Executivo, ele perderia R$ 757 milhões.

Os órgãos que teriam aumentos mais significativos são, em ordem decrescente, o Ministério da Defesa, o Ministério da Saúde e o Ministério do Desenvolvimento.

Entre as ações do Ministério da Defesa que teriam aumento de verba, se aprovado o remanejamento, estão a construção de submarino de propulsão nuclear (R$ 152 milhões) e aquisição de cargueiro militar (R$ 148 milhões).

Remanejamentos no Orçamento são parte da rotina orçamentária de qualquer governo. No entanto, a escolha de quais áreas ganham ou perdem recursos depende das prioridades do Executivo.

“Há uma escolha do governo, há determinação política dentro da regra técnica [do Orçamento]. A situação financeira está complicada, mas o governo escolheu cortar do MEC e colocar na Defesa”, afirmou a professora de finanças públicas e orçamento público da USP Ursula Dias Peres.

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Apesar de ser possível identificar no projeto de lei de onde o governo pretende cortar verbas e para onde pretende destiná-las, não é possível afirmar com certeza quanto desse dinheiro será remanejado devido a acordos com parlamentares.

Anualmente, Planalto e Congresso em conjunto definem a Lei Orçamentária Anual (LOA), espécie de documento que define receitas e despesas para o ano seguinte. O remanejamento é uma das formas previstas em lei para alterar o que está autorizado na LOA.

Deputados e senadores podem modificar o que está definido no projeto do Executivo por meio de emendas parlamentares. Dessa forma, é possível direcionar parcela do Orçamento para cumprir compromissos políticos assumidos pelos parlamentares em seus redutos eleitorais.

O Comprova verificou que tanto as ações que serão cortadas quanto as que receberão verba possuíam emendas parlamentares no Orçamento de 2019 (aprovado em dezembro de 2018).

Do montante que o governo pretende remanejar agora, 58% (R$ 1,77 bilhão) vão para cinco ações que foram incluídas no Orçamento integralmente por emendas.

Das cinco ações mencionadas, duas são do Ministério da Saúde (R$ 700 milhões), duas do Ministério do Desenvolvimento Regional (R$ 670 milhões) e uma do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (R$ 400 milhões).

Elas se referem a custeio de serviços de atenção básica em saúde e assistência hospitalar, além de projetos de desenvolvimento sustentável, de desenvolvimento urbano e de fomento ao setor agropecuário.

Se não fossem pelas emendas parlamentares, essas ações não estariam no Orçamento de 2019, pois não estavam previstas no projeto de lei enviado pelo Executivo para o Congresso.

Já do montante total que será cancelado, 40% corresponde a ações integralmente de emendas. Esses dados foram obtidos a partir do SIGA Brasil, sistema com dados orçamentários disponibilizado pelo Senado.

Questionado se os valores remanejados se destinam ao pagamento de emendas parlamentares, o Ministério da Economia não respondeu. Em nota, a assessoria do órgão afirmou que, no PL, “todas as programações suplementadas e canceladas podem ser consultadas”. No entanto, não consta no documento se os valores de destinam ao pagamento de emendas.

Segundo Gil Castello Branco, economista e secretário-geral da ONG Contas Abertas, o que o governo pode fazer por meio de remanejamentos é destinar verbas para projetos de parlamentares. E, por isso, não há como saber o que é pleito de parlamentar porque não se trata de uma emenda formal, mas de um remanejamento de recursos. “Vamos saber do que se trata nessa dotação [valor autorizado no Orçamento], mas não se é de algum parlamentar. Desta vez não é formal, [o parlamentar] vai ao ministério pedir, mas ninguém sabe quem pediu o quê.”

Além disso, esse dinheiro não é distribuído aos parlamentares, como as postagens fazem crer. Ele é remanejado para aumentar os recursos de parte das ações previstas no Orçamento. E, em contrapartida, outras ações do Orçamento devem ter valor equivalente cancelado.

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O texto final do Orçamento de 2019 foi aprovado, em dezembro de 2018, com o total de despesas previstas de R$ 3,4 trilhões e R$ 19,2 bilhões em emendas parlamentares.

Das despesas então aprovadas, 95,4% foram para ações que tiveram suas verbas inteiramente incluídas no Orçamento pelo Executivo. As ações integralmente incluídas por emendas parlamentares, por sua vez, representaram 0,3% do valor total.

Em nota, o MEC afirmou que “a suplementação orçamentária não garante o descontingenciamento de recursos, o qual depende da liberação de limites orçamentários estabelecidos por meio do decreto de programação orçamentária e financeira para 2019”. Apesar dos cortes em seu orçamento, o órgão também teve R$ 230 milhões de suplementação.

Mesmo depois de aprovadas no Orçamento ou com o remanejamento autorizado pelo Congresso, não há garantia de quais ações serão de fato executadas. Para tanto é preciso que o governo libere o gasto desses valores por meio de decreto, só então o órgão correspondente pode executar o gasto.

As emendas parlamentares

A postagem do Esquerda Diário afirma que o governo “abriu de par em par os cofres públicos para comprar parlamentares”, em referência ao uso político das emendas, quando usadas como barganha pelo Executivo. Apesar da conotação negativa que o termo pode sugerir, especialistas ouvidos pelo Comprova apontam que a prática de governos utilizarem emendas parlamentares para viabilizar projetos não é nova, nem ilegal, nem negativa.

As emendas parlamentares são prerrogativas constitucionais de senadores e deputados federais. Foram criadas para que os recursos do país fossem melhor distribuídos, pulverizando parte do dinheiro público da União para fins específicos decididos pelos congressistas e beneficiando entidades, municípios ou mesmo bairros pelo Brasil. Alguns de seus destinos podem ser reparar estradas ou comprar ambulâncias, por exemplo.

Desde 2015, uma emenda constitucional definiu que o Executivo é obrigado a executar as emendas parlamentares individuais, atingindo pelo menos o montante de 1,2% da receita corrente líquida. No geral, esse valor é menor do que o valor total de emendas aprovadas na LOA. Isso implica que o Executivo tem discricionariedade para definir quais emendas vai executar.

A partir de 2020, também as emendas de bancadas passarão a ter um percentual mínimo a ser executado. A mudança foi aprovada em junho de 2019.

“Faz parte da natureza política trocar e negociar, em troca de que se chegue a um consenso”, afirma Vitor Oliveira, cientista político e diretor da consultoria Pulso Público. “As emendas são ferramentas que a Presidência tem para mobilizar os parlamentares e resolver democraticamente problemas de ação coletiva, como a aprovação de uma matéria.”

“As emendas têm uma função importante para o orçamento”, também diz Lara Mesquita, cientista política e pesquisadora na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ela afirma que parlamentares têm mais conhecimento de realidades locais (em lugares em que o governo central não pode estar), portanto sabem que áreas em quais localidades precisam de mais recursos.

No entanto, pode-se questionar, diz Mesquita, os critérios utilizados pelo governo federal para a execução ou não de determinadas emendas.

Manoel Galdino, diretor da ONG Transparência Brasil, concorda. Para ele, negociações entre governo e Congresso são legítimas, mas o processo de liberação de emendas é feito sem transparência, e nem sempre os recursos liberados após acordos são os mais válidos e efetivos para o interesse público.

“Atualmente, o que decide quais emendas serão liberadas é a negociata política, o mero jogo para aprovar uma lei”, diz. Para ele, antes das liberações deveria haver avaliações técnicas que considerassem as agendas do governo e Congresso, mas também respeitassem “o mínimo de viabilidade, da eficiência e impessoalidade” para o bom uso do dinheiro público.

Por outro lado, Oliveira lembra que, desde 2015, as emendas são mais difíceis de serem usadas como moeda de troca (ou para a “compra” de parlamentares, como diz o Esquerda Diário), pois a partir daquele ano sua execução passou a ser obrigatória.

A dívida pública

Ao criticar acordos recentes de emendas parlamentares com recursos da Educação, o artigo do Esquerda Diário afirma que o suposto repasse do dinheiro do MEC para a aprovação da reforma da Previdência se trata de “cortar todos os gastos públicos [como das escolas e das aposentadorias] para liberar mais recursos aos donos da dívida pública”.

A crítica à dívida pública aparece em outras publicações do site, que defende que o débito, de R$ 3,8 trilhões em 2018, não deve ser pago. Uma postagem de 3 de maio de 2019, também sobre os cortes na Educação e a reforma da Previdência, afirma que a dívida pública é “ilegal, ilegítima e fraudulenta”, que “enche o bolso dos banqueiros” e que só a abolição do pagamento “pode garantir um futuro digno à juventude e à classe trabalhadora”.

Para Josué Pellegrini, consultor no Senado Federal e diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), que atua para ampliar a transparência nas contas públicas, a postagem mais recente do Esquerda Diário traz uma “visão equivocada” da dívida. “Chegar ao ponto em que o país não pudesse pagar a dívida e os credores não quisessem mais financiar o governo seria uma verdadeira tragédia econômica e do ponto de vista social”, diz ele.

“Mesmo excluindo o pagamento de juros, o governo continua com um deficit enorme”, Pellegrini aponta. Em 2018, o aumento da dívida da União chegou a 2,6% do valor do PIB. “Se por acaso os credores não quisessem mais financiar o governo, a União não teria como pagar o deficit [hoje coberto pelos empréstimos]. Haveria um ajuste fiscal gravíssimo.“

A dívida pública da União equivale a todos os empréstimos contraídos pelo governo federal para financiar o deficit orçamentário (que inclui gastos para a oferta de serviços públicos e o refinanciamento da própria dívida), segundo definição do Tesouro Nacional. Por meio dos chamados títulos de dívida, a União capta recursos de terceiros quando suas despesas superam a receita disponível, assumindo o compromisso de devolver o valor com juros.

Atualmente, os três maiores financiadores da dívida pública são os fundos de investimentos (26,8%), fundos de Previdência (23,9%) e instituições financeiras (23,1%), mas o grupo inclui também não residentes, seguradoras e o próprio governo, segundo dados de junho de 2019 do Tesouro Nacional. A não ser pelos bancos, o valor que financia a dívida está dividido em componentes “dos quais estão por trás milhares de investidores”, incluindo pessoas físicas, diz Pellegrini. Não há “donos”, ele afirma, mas “todos somos detentores da dívida pública”.

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Atualmente, a Previdência Social, com as contas deficitárias, está entre os principais responsáveis pelo crescimento acelerado da dívida, afirma Pellegrini. Isso porque o deficit da Previdência está entre os principais responsáveis pelo deficit da União. Como as contribuições previdenciárias não são suficientes para pagar as aposentadorias, o governo acaba recorrendo a outras fontes de recursos, emitindo os títulos públicos.

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Analistas apontam que a reforma da Previdência é essencial para o equilíbrio fiscal, a estabilidade e o crescimento da economia. Pellegrini acrescenta que a União seria menos dependente da dívida pública (porque pagaria menos juros) se não chegasse a deficits primários tão altos, podendo inclusive aplicar recursos em outras áreas do governo.

Repercussão nas redes

O Comprova verifica conteúdos duvidosos sobre políticas públicas do governo federal que tenham grande potencial de viralização.

A publicação do Esquerda Diário sobre as emendas parlamentares e a reforma da Previdência foi divulgada na página do Facebook do site em 8 de agosto de 2019 e até o dia 21 do mesmo mês contava com mais de 6,4 mil compartilhamentos e 10 mil interações. A postagem foi também republicada pela página A Casa de Vidro, com 1,1 mil compartilhamentos até o dia 21. A ferramenta CrowdTangle, usada para análise de engajamento de posts nas redes sociais, indica que, além dessas, outras 18 páginas no Facebook e no Twitter repassaram o conteúdo e tiveram compartilhamentos.

 

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