Constituição brasileira não permite construção de bomba nuclear
- Contextualizando
- Vídeo descontextualiza fala de ministro de Minas e Energia sobre defesa e soberania nacional.
Conteúdo analisado: Vídeo descontextualiza declaração do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, sobre a necessidade de o Brasil investir mais em energia nuclear para fins de defesa e soberania nacional, para alegar que o país pretende construir uma arma nuclear.
Onde foi publicado: YouTube.
Contextualizando: Uma declaração do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, feita no dia 5 de setembro sobre o uso de energia nuclear para fins de defesa da soberania nacional gerou especulação nas redes sociais na última semana. Em cerimônia de posse de novos diretores da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), no Rio de Janeiro, Silveira afirmou que o Brasil precisa investir mais em energia nuclear.
“Um país que é gigante pela própria natureza, que tem 11% da água doce do planeta, clima tropical, solo fértil e tantas riquezas minerais, precisa levar muito a sério a questão nuclear. No futuro, nós vamos precisar dessa tecnologia também para a defesa nacional”, afirmou.
Logo, a declaração virou mote para um vídeo no YouTube que especula, sem apresentar qualquer prova disso, que o Brasil estaria produzindo em segredo uma arma nuclear para fazer frente aos Estados Unidos sob o comando de Donald Trump. Após a repercussão da fala, o ministro disse em nota que falava do uso da energia nuclear para fins pacíficos, que é como a legislação brasileira permite, hoje, que esse tipo de energia seja utilizada no país.
Atualmente, de acordo com o artigo 21 da Constituição de 1988, toda a atividade nuclear em território nacional só pode ocorrer para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso. A extração e o monopólio do urânio são exclusivos das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), uma empresa pública vinculada ao Ministério de Minas e Energia.
O Brasil também é signatário do Tratado sobre a Não Proliferação de Armas Nucleares, assinado em Londres, Moscou e Washington, em 1968, e promulgado em 1998, no Decreto nº 2.864. Através dele, se compromete a não fabricar, ou por outros meios adquirir armas ou outros artefatos explosivos nucleares, e a não procurar ou receber qualquer assistência para fabricação desses itens.
Além disso, o país ainda assinou outros dois acordos: Tratado para a Proscrição das Armas Nucleares na América Latina e no Caribe (Tratado de Tlatelolco-1967); e Tratado para Proibição de Armas Nucleares (2017). Ou seja, seria preciso uma mudança na legislação brasileira, inclusive na Constituição, para permitir que o país construísse uma arma nuclear.
Como funciona a legislação brasileira para atividade nuclear?
A exploração de energia nuclear no Brasil é exclusividade da União, conforme estipula a Constituição de 1988. O artigo 21 determina que compete exclusivamente à União “explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados”. Isso significa que nenhuma empresa privada – nacional ou estrangeira – pode explorar esse tipo de atividade no território nacional.
O mesmo artigo define que qualquer atividade nuclear no país só pode ser feita para fins pacíficos e mediante autorização do Congresso Nacional. Caso haja essa permissão, a tecnologia pode ser usada para pesquisa e uso nas áreas agrícolas, industriais e médicas.
Vale ressaltar ainda que, em 1998, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o Brasil publicou o Decreto nº 2.864, que promulgou o Tratado sobre a Não-Proliferação de Armas Nucleares, assinado em Londres, Moscou e Washington, em 1º de julho de 1968. Cabe à Agência Internacional de Energia Atômica monitorar se os Estados estão honrando seus compromissos legais internacionais previstos no Tratado de Não-Proliferação Nuclear, do qual o Brasil é signatário.
Onde é usada a produção nuclear do Brasil?
Conforme as Indústrias Nucleares do Brasil disseram ao Comprova, a energia nuclear produzida no país “é utilizada para produção de eletricidade, na medicina, no meio ambiente, na engenharia, na produção de radiofármacos, na agricultura, na conservação de alimentos, na esterilização de materiais diversos e na pesquisa”.
No caso da produção de urânio, o monopólio do Brasil é da INB, que atua em nome da União. “Vinculada ao Ministério de Minas e Energia, [a INB] atua na cadeia produtiva do minério – o chamado ‘ciclo do combustível nuclear’ – que inclui a mineração, o beneficiamento, o enriquecimento isotópico de urânio, a fabricação de pó, pastilhas e componentes metálicos, assim como a montagem dos elementos combustíveis que suprem as usinas nucleares brasileiras produtoras de energia elétrica”.
O portal de dados abertos da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) mostra que, até 10 de setembro de 2025, havia 2.183 instalações radioativas autorizadas pela comissão em funcionamento no Brasil. A maior parte corresponde a medidores nucleares fixos, usados na indústria (495 instalações autorizadas), seguida de equipamentos para medicina nuclear (462) e de radioterapia (306).
Fontes consultadas: O Comprova acessou notícias sobre a declaração do ministro, sobre a legislação a respeito do assunto no país e consultou as Indústrias Nucleares do Brasil.
Por que o Comprova contextualizou esse assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
O vídeo foi publicado em 8 de setembro no YouTube por uma conta seguida por 73,3 mil pessoas e até a publicação desta verificação contava com 93 vídeos publicados, somando mais de 6,2 milhões de visualizações. A publicação verificada alcançou 98,1 mil visualizações, 4,9 mil curtidas e 791 comentários. O autor foi procurado, mas não respondeu até a publicação deste texto.
O autor constrói uma narrativa que mistura fatos verdadeiros, como a existência de usinas nucleares no país e cientistas voltados a pesquisar sobre o desenvolvimento do ciclo do urânio, com falas do ministro de Minas e Energia sobre o uso de energia nuclear na defesa, mas sem a devida contextualização.
Para embasar as alegações presentes no vídeo, o narrador cita como fonte os bastidores do Palácio do Planalto e justifica a ausência de declarações públicas e claras sobre o tema como uma estratégia do governo brasileiro para não chamar atenção de outros países, como os Estados Unidos.
Essa estratégia de não contextualizar os assuntos pode levar a quem assiste a entender que há uma evolução da tecnologia no país em curso voltada à construção, por exemplo, de uma arma nuclear. Além disso, há a construção de um discurso que endossa a posição crítica ao governo norte-americano adotada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em meio à crise diplomática entre Brasil e Estados Unidos, devido à taxação sobre produtos brasileiros anunciada por Trump.
Nas descrições dos vídeos, o criador do canal coloca primeiramente a chave Pix, solicitando apoio para continuar produzindo os conteúdos. Só abaixo, é informado que as histórias contadas no canal são obras de ficção, desenvolvidas exclusivamente com propósito de entretenimento. Para ver esse aviso, no entanto, é necessário clicar na opção “mais”.
O autor alega ainda que, qualquer coincidência com nomes, situações ou acontecimentos reais é totalmente acidental e que não há intenção de representar ou associar essas narrativas a pessoas, fatos ou instituições.
No entanto, como não há esse alerta ao longo dos mais de 12 minutos do vídeo e a explicação não aparece de forma visível no início da descrição, muitos espectadores podem acabar acreditando no que é narrado. Isso pode ser comprovado por meio dos comentários, onde há manifestações em concordância ao que foi exibido, sinalizando apoio a Lula e critica a Trump.
Para se aprofundar mais: O Comprova já mostrou que o Brasil não forneceu urânio ao Irã, nem exporta o metal com fins bélicos; e também publicou não ser verdade que o governo federal vendeu a maior reserva de urânio do país à China.