O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Saúde

Investigado por: 2022-08-22

É enganoso que estudo de Harvard comprovou eficácia de hidroxicloroquina na prevenção da covid-19

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Enganoso
É enganoso um texto publicado no site Médicos Pela Vida - Covid 19 que afirma que um estudo da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, comprovou a eficácia do medicamento hidroxicloroquina para prevenção de covid-19. O artigo em questão é uma metanálise, que cruza resultados de outros estudos para tentar demonstrar uma hipótese, servindo mais para analisar, em conjunto, resultados de estudos já conduzidos do que para se chegar a uma comprovação científica. Entretanto, os autores apenas citam que “um benefício da hidroxicloroquina como profilaxia para covid-19 não pode ser descartado com base nas evidências disponíveis de estudos randomizados”. Especialistas ouvidos pelo Comprova pontuam que a metanálise em questão tem problemas, como a qualidade dos estudos selecionados e o fato de um dos textos ser de um dos próprios autores da metanálise. O estudo também não é de Harvard, como cita o site Médicos Pela Vida - Covid-19. São cinco autores da metanálise, sendo apenas dois ligados à universidade americana.

Conteúdo investigado: Texto publicado no site Médicos Pela Vida – Covid-19, e compartilhado em redes sociais, afirma que um estudo da universidade de Harvard, nos Estados Unidos, comprova que o uso do medicamento hidroxicloroquina é eficaz para profilaxia da covid-19.

Onde foi publicado: Site Médicos Pela Vida – Covid-19, Facebook, Twitter e WhatsApp.

Conclusão do Comprova: Texto publicado no site Médicos Pela Vida – Covid-19 engana ao afirmar que um estudo da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, apontou a eficácia da hidroxicloroquina na profilaxia pré-exposição de covid-19. A profilaxia pré-exposição é o uso do medicamento antes da exposição ao vírus, como forma de prevenção. Em nenhum momento, o estudo cita que o medicamento é eficaz nesse tipo de tratamento. O artigo é uma metanálise, um tipo de pesquisa que cruza resultados de outros estudos em busca da confirmação ou não de uma hipótese, e não costuma ter caráter de comprovação científica. Além disso, esse cruzamento pode ser afetado pela qualidade dos estudos analisados. É o que acontece neste caso, em que uma das pesquisas não está publicada em revistas científicas e, portanto, não foi revisada por pares. Além disso, outro dos estudos considerados é de autoria de um dos próprios cientistas que conduzem a metanálise, o que, segundo especialistas ouvidos pelo Comprova, pode trazer vieses à metanálise.

A conclusão da metanálise repercutida no site Médicos Pela Vida – Covid 19 foi de que “quando considerados em conjunto, os ensaios randomizados de profilaxia pré-exposição fornecem uma estimativa pontual de um risco aproximadamente 28% menor de covid-19 para atribuição à HCQ [hidroxicloroquina] em comparação com nenhuma HCQ entre indivíduos PCR [teste molecular para covid] negativos na randomização”. Isso quer dizer que o cruzamento dos estudos apontou que quem tomou hidroxicloroquina poderia ter 28% menos chance de contrair covid-19 em relação a quem não tomou, entre os voluntários dos sete estudos sobre profilaxia pré-exposição considerados na metanálise. Em nenhum momento os autores definem que o medicamento teve eficácia comprovada na profilaxia da doença causada pelo coronavírus. Eles pontuam apenas que “um benefício da hidroxicloroquina como profilaxia para covid-19 não pode ser descartado com base nas evidências disponíveis de estudos randomizados”.

A conclusão da metanálise foi destacada no site Médicos Pela Vida – Covid-19 como uma comprovação da eficácia da hidroxicloroquina na profilaxia de covid-19, o que não é verdade. Ela também é apontada como problemática por especialistas ouvidos pelo Comprova. Os médicos infectologistas e professores de Medicina Alexandre Zavascki e Leonardo Weissmann questionam alguns pontos: a qualidade dos estudos selecionados, dos quais um não foi publicado em revistas científicas e nem revisto por pares, etapa básica para avaliar a qualidade de um artigo científico; o fato de o estudo usar pesquisa conduzida pelos próprios autores da metanálise; e o fato de vários estudos já revisados por pares e publicados em outras revisões não terem sido utilizados.

O estudo também não é da Universidade de Harvard, como pontua o site Médicos Pela Vida – Covid-19, que pertence a grupo de profissionais da saúde que defende o tratamento precoce, que não tem eficácia comprovada contra o coronavírus. São cinco autores, dos quais apenas dois estão ligados à universidade americana. Em uma verificação da Agência Reuters sobre o mesmo tema, a universidade negou que tenha realizado a pesquisa e disse que “não interfere no que o corpo docente escolhe investigar”. “Seria mais preciso dizer ‘um estudo de integrantes do corpo docente da faculdade’”, acrescentou. A metanálise cruzou dados de 11 pesquisas, sendo sete de profilaxia pré-exposição e quatro de profilaxia pós-exposição. Também após questionamento da Reuters, a revista que publicou o estudo afirmou que foi informada de possíveis falhas no artigo e que elas estão sob análise.

Enganoso, para o Comprova, é conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: No Facebook, o maior alcance do texto foi na página Livre Brasil, em publicação feita no dia 11 de agosto. Até 16 de agosto, a postagem tinha 252 reações, 20 comentários e 112 compartilhamentos. No Twitter, o maior alcance foi do perfil do site Médicos Pela Vida, onde duas publicações linkando o texto tiveram, juntas, 3,6 mil compartilhamentos e quase 8 mil curtidas.

O que diz o autor da publicação: Procurado, o grupo Médicos pela Vida – Covid-19 respondeu com o link de uma outro texto em seu site, publicado em resposta à verificação feita pela Agência Reuters em que diz que a “checagem que é falsa”.

Como verificamos: O Comprova analisou o estudo repercutido no site Médicos pela Vida – Covid-19, e compartilhado em redes sociais, e entrevistou profissionais sobre aspectos da pesquisa. São eles: o infectologista Alexandre Zavascki, do Hospital das Clínicas de Porto Alegre (HCPA), professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisador do CNPq; e Leonardo Weissmann, médico infectologista do Instituto Emílio Ribas (São Paulo), professor do curso de Medicina da UNAERP – Campus Guarujá e diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia.

A equipe também pesquisou estudos sobre hidroxicloroquina no tratamento da covid-19 publicados em periódicos acadêmicos revisados por pares, e analisou dados nos sites das agências reguladoras dos EUA, da União Europeia e do Brasil.

Foram contatados dois dos autores do estudo que aparece no conteúdo verificado, o grupo Médicos pela Vida – Covid-19 e o Ministério da Saúde. Os autores do estudo não responderam aos questionamentos do Comprova.

O estudo e seus autores

O estudo Systematic review and meta-analysis of randomized trials of hydroxychloroquine for the prevention of COVID-19 foi publicado, no último dia 9, no European Journal of Epidemiology, publicação científica revisada por pares, o que significa alto grau de confiabilidade. O estudo, porém, realiza uma metanálise de pesquisas anteriores: das 11 analisadas, uma não teve publicação em periódicos revisados por pares, o que, segundo Alexandre Zavascki e Leonardo Weissmann, prejudica a confiabilidade e assertividade do estudo. Por ser uma metanálise, Zavascki ainda destaca que ela serve mais para analisar resultados gerais de estudos já conduzidos do que para se chegar a uma descoberta nova ou comprovação de algo.

Questionada pela Reuters sobre inconsistências no estudo, a editora sênior do European Journal of Epidemiology, Virginia Mercer, respondeu que a revista foi informada de possíveis falhas no artigo e que elas estão sob análise: “Não posso fornecer mais detalhes neste momento da investigação”, disse Mercer à Reuters.

O estudo é feito por Xabier Garcia-De-Albeniz, pesquisador associado do Departamento de Epidemiologia da Harvard e pesquisador sênior do RTI Health Solutions; Miguel A Hernán, membro da Harvard-MIT Program in Health Sciences and Technology (HST), diretor do CAUSAlab, de Harvard, membro associado do Broad Institute, e funcionário da agência reguladora americana FDA; Julia del Amo, do Ministério da Saúde da Espanha e professora no Instituto de Saúde Carlos III; Rosa Polo, pesquisadora na divisão de HIV, infecções sexualmente transmissíveis, hepatite e controle da tuberculose no Ministério da Saúde da Espanha; e José Miguel Morales-Asencio, professor da Universidade de Málaga, na Espanha.

Estudo não comprova eficácia de hidroxicloroquina para profilaxia

A metanálise, em nenhum momento, comprova a eficácia da hidroxicloroquina para profilaxia de covid-19. O que os autores pontuam é que um benefício da hidroxicloroquina como profilaxia para covid-19 não pode ser descartado com base nas evidências disponíveis de estudos considerados na análise.

Os autores ainda defendem que os achados “não estatisticamente significativos” – isto é, quando as evidências são insuficientes para provar que uma hipótese é nula ou falsa – de pesquisas feitas no início da pandemia foram amplamente interpretados como “evidência definitiva da falta de eficácia do medicamento para covid-19”. E, para eles, essa interpretação “interrompeu a conclusão oportuna dos ensaios restantes e, portanto, a geração de estimativas precisas para o gerenciamento da pandemia antes do desenvolvimento de vacinas”. Entretanto, especialistas pontuam que não foram poucos os estudos que apontaram a ineficácia da hidroxicloroquina no combate da covid-19, seja na pré ou pós-exposição ao vírus.

A metanálise, que é o estudo citado no texto, não aponta resultados definitivos e depende muito da qualidade dos estudos que são selecionados para avaliação, como pontua o médico infectologista no HCPA e professor da Faculdade de Medicina da UFRGS Alexandre Zavascki. “A metanálise usa um método estatístico para analisar os resultados gerais de outros estudos. O que uma metanálise não faz é avaliar a qualidade desses estudos”, diz o infectologista.

Erro básico de classificação

A metanálise usada como referência no texto do site Médicos Pela Vida – Covid-19 tem por base 11 estudos randomizados concluídos: 7 estudos de profilaxia pré-exposição (administração de hidroxicloroquina antes da exposição à covid-19) e 4 estudos de profilaxia pós-exposição (administração de hidroxicloroquina depois da exposição à covid-19). O estudo ainda cita que todas as pesquisas são duplo-cego (quando participantes e pesquisadores não sabem quem recebeu o medicamento e quem ingeriu o placebo). Porém, Zavascki pontua esse como um dos erros da metanálise, já que um dos estudos não é duplo-cego. Em checagem sobre o mesmo estudo da Agência Reuters, um dos autores se defendeu, dizendo que o erro será corrigido, mas que “o fato de um dos ensaios ter sido aberto não afeta os resultados da metanálise”.

Além disso, o infectologista e professor da UFRGS pontua o fato de que nem todos foram publicados em revistas científicas. O Comprova identificou um dos estudos ainda em preprint (ou seja, sem publicação), no site MedRxiv. Nele, há uma mensagem que informa que “o artigo é uma pré-impressão e não foi revisado por pares” e que, por isso, “não deve ser utilizado para orientar a prática clínica”.

“Isso chama muito a atenção. A base preprint não tem nenhum tipo de análise crítica, ou seja, você publica, escreve alguma coisa, e você põe lá e fica publicado, fica público”, explica Zavascki. “Mas o estudo não passa por uma revisão antes de ser publicado, como ocorre em uma revista científica”, completa.

Pesquisa de autor da metanálise foi incluída

Outra situação que afeta a qualidade da metanálise é que, entre as pesquisas selecionadas, uma foi conduzida por um dos próprios autores que fazem a metanálise, Dr. Xabier Garcia-De-Albeniz, como pode ser visto aqui. Esse tipo de escolha não é recomendada por especialistas, pois pode trazer interferência nos resultados. O médico infectologista Leonardo Weissmann acrescenta que a “falha na análise de vieses (erros metodológicos) nos estudos avaliados tende a produzir conclusões que diferem da realidade”.

Weissmann também pontua que nem todas as evidências sobre o tema foram avaliadas. E que isso se comprova pelo fato de que essa metanálise, publicada em agosto deste ano, “tem menos artigos analisados do que a revisão Cochrane, considerada a melhor do mundo, de fevereiro do ano passado”.

A Cochrane é uma rede internacional com sede no Reino Unido, uma organização sem fins lucrativos que publica revisões sistemáticas de estudos primários sobre saúde humana e políticas de saúde. “Além disso, entre os estudos omitidos nesta metanálise, há alguns muito bons e com resultados negativos para o uso da hidroxicloroquina”, acrescenta o infectologista do Emílio Ribas.

Estudos sobre a hidroxicloroquina

Pesquisas publicadas em periódicos científicos revisados por pares, ou seja, com alto grau de confiabilidade, concluíram não haver comprovação científica de eficácia da hidroxicloroquina tanto na fase de pré-exposição ao vírus da covid-19 quanto na pós-exposição.

O estudo Hydroxychloroquine versus placebo in the treatment of non-hospitalised patients with COVID-19 (COPE – Coalition V): A double-blind, multicentre, randomised, controlled trial, conduzido pelo grupo Cope – Coalition Covid-19 Brazil V Investigators, e publicado na revista The Lancet Regional Health – Americas, em 31 de março de 2022, foi feito com 1.372 pacientes ambulatoriais com formas leves ou moderadas de covid-19. Um grupo recebeu hidroxicloroquina e outro, placebo.

O estudo apontou que o uso de hidroxicloroquina não reduziu o risco de internação em comparação com o grupo que recebeu placebo. Os pesquisadores, então, concluíram que não há indicação para o uso rotineiro de hidroxicloroquina para tratamento de covid-19 no ambulatório.

O grupo Cope – Coalition Covid-19 Brazil V Investigators é coordenado pelas seguintes instituições: Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Hospital Albert Einstein, Hospital do Coração, Hospital Sírio Libanês, Hospital Moinhos de Vento, A Beneficência Portuguesa de São Paulo, Brazilian Clinical Research Institute (BCRI) and Brazilian Research in Intensive Care Network (BRICNet). O mencionado estudo foi conduzido por 39 profissionais ligados a essas instituições.

Outros estudos chegaram a conclusões semelhantes:

Updates on Hydroxychloroquine in Prevention and Treatment of COVID-19 – Publicado em 23/08/2021 pelo The American Journal of Medicine.

Effect of Hydroxychloroquine on Clinical Status at 14 Days in Hospitalized Patients With COVID-19 – Publicado em 09/11/2020 pela revista acadêmica da American Medical Association

A Randomized Trial of Hydroxychloroquine as Postexposure Prophylaxis for Covid-19 – Publicado em 06/08/2020 pelo The New England Journal of Medicine.

Em relação à pré-exposição ao vírus da covid-19, estudos também concluíram não haver comprovação de eficácia no uso da hidroxicloroquina para prevenção da doença:

Efficacy and Safety of Hydroxychloroquine vs Placebo for Pre-exposure SARS-CoV-2 Prophylaxis Among Health Care Workers – Publicado em 30/09/2020 pela revista da American Medical Association.

Efficacy and safety of hydroxychloroquine as pre-and post-exposure prophylaxis and treatment of COVID-19: A systematic review and meta-analysis of blinded, placebo-controlled, randomized clinical trial – Publicado em 28/08/2021 pela revista The Lancet Regional Health – Americas.

Histórico na utilização de hidroxicloroquina na pandemia

Com a pandemia da covid-19, houve um esforço da comunidade científica internacional para identificar um medicamento que pudesse ser eficaz contra a doença. O uso da hidroxicloroquina passou a ser considerado quando um estudo, publicado em 18 de março de 2020, na revista Nature, mostrou que o medicamento poderia bloquear a infecção por Sars-CoV-2 em células derivadas de rins de macacos.

O estudo, que antecedeu os testes em humanos citados anteriormente, impulsionou a prescrição do medicamento no tratamento da covid-19. No dia 28 daquele mês, a Federal Drug Administration (FDA), a agência reguladora dos EUA, havia concedido a autorização de uso emergencial da hidroxicloroquina. Porém, ela foi revogada pela FDA três meses depois, em 15/06/2020, após novos dados apontarem para a não efetividade no tratamento da covid-19.

“Além disso, à luz de eventos adversos cardíacos graves em andamento e outros efeitos colaterais graves, os benefícios conhecidos e potenciais de CQ (cloroquina) e HCQ (hidroxicloroquina) não superam mais os riscos conhecidos e potenciais para o uso autorizado”, disse a FDA à época.

Medicamentos autorizados no tratamento da covid-19

O Comprova fez um levantamento sobre os medicamentos autorizados pelas agências reguladoras dos EUA, da União Europeia e do Brasil para o tratamento da covid-19. A hidroxicloroquina não consta nas listas disponíveis nos sites da FDA, EMA e Anvisa.

Em consulta ao sistema Bulário Eletrônico, no site da Anvisa, sobre hidroxicloroquina, foram verificadas as bulas do medicamento produzido por três fabricantes: Eurofarma, Sanofi Medley e EMS. Não há recomendação de uso contra a covid-19.

Questionado se há testes em andamento para avaliar a eficácia da hidroxicloroquina, o Ministério da Saúde respondeu que “não há solicitação de registro ou indicação em bula da hidroxicloroquina para tratamento de Covid”.

Por que investigamos: Investigamos conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre as eleições presidenciais, a pandemia e políticas públicas do governo federal. No caso do material investigado, a publicação confunde leitores sobre o uso de um medicamento que não tem comprovação científica de qualquer eficácia no tratamento da covid-19, seja na pré ou pós-exposição à doença. Dessa forma, o conteúdo coloca a saúde da população em risco.

Outras checagens sobre o tema: A Agência Reuters publicou uma checagem que concluiu como falsa a afirmação do site Médicos Pela Vida – Covid 19. A Agência Lupa também classificou o texto como falso.

A hidroxicloroquina foi alvo de outras verificações do Comprova, como a que enganava ao afirmar que estudo com o medicamento comprova eficácia no “tratamento precoce” e a de vídeo de médico, também enganoso, dizendo que a hidroxicloroquina funciona contra a covid-19.

Eleições

Investigado por: 2022-08-19

Posts enganam ao sugerir que Bolsonaro e ministros olhavam para Lula em foto feita no TSE

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Enganoso
Não é verdade que o presidente Jair Bolsonaro (PL) e ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tenham ficado olhando para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante o evento de posse do ministro Alexandre de Moraes como presidente do TSE, realizado na terça-feira, 16 de agosto, como sugerem algumas postagens que compartilharam uma foto desse suposto momento. Na imagem, Bolsonaro e os ministros aparecem olhando para baixo, na realidade posando para uma foto feita pelo fotógrafo do Palácio do Planalto, e não observando Lula. O fotógrafo em questão e Lula estavam próximos, o que motivou a interpretação equivocada do registro.

Conteúdo investigado: Foto que circula nas redes sociais traz registro da posse do novo presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes. Diversas autoridades aparecem ao lado do empossado, incluindo o presidente Jair Bolsonaro. Os olhares de todos no púlpito parecem estar voltados ao ex-presidente e candidato ao Planalto Lula, que está na plateia. A imagem em um dos posts é acompanhada da legenda: “Constrangedor pro homúnculo que vai ser preso em janeiro quando sair hahahahahahaha”.

Onde foi publicado: Twitter e Instagram

Conclusão do Comprova: Uma foto que viralizou nas redes sociais de um momento da cerimônia de posse do ministro Alexandre de Moraes como presidente do TSE não mostra Jair Bolsonaro e outras autoridades olhando para Lula, mas sim para o fotógrafo oficial do Palácio do Planalto, que na ocasião fazia um registro do evento.

A foto que viralizou nas redes sociais foi feita por um repórter do jornal Folha de S.Paulo que fazia a cobertura do evento. Na imagem, é possível ver Lula conversando com a também ex-presidente Dilma Rousseff (PT), na parte de baixo do espaço em que foi realizada a cerimônia, enquanto Bolsonaro e as demais autoridades estão em um púlpito, de onde foram feitos os discursos durante o evento, e que fica em um local mais alto.

Na foto é possível identificar a presença de um fotógrafo, atrás de Dilma Rousseff, que está com uma câmera direcionada para o púlpito. Na conta oficial do Palácio do Planalto na rede social Flickr foi possível encontrar a foto para a qual Bolsonaro e as demais autoridades estavam posando. Vídeos gravados durante a cerimônia e divulgados por veículos de imprensa e pelo próprio TSE também confirmam que as autoridades estavam posando para a foto.

Para o Comprova, enganoso é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: Até o dia 19 de agosto, a imagem alcançou, em apenas um dos perfis em que foi publicada, mais de 30 mil curtidas, 443 comentários e 2.180 retuítes.

O que diz o autor da publicação: A equipe tentou fazer contato com o usuário do Twitter responsável pela publicação que originou essa verificação, no entanto, seu perfil na rede social não permite o envio de mensagens. Além disso, outros três perfis que compartilharam a foto nas redes sociais com a sugestão de que Bolsonaro e os ministros estariam observando Lula e que alcançaram grande viralização foram procurados pelo Comprova, mas não houve retorno até a publicação da verificação.

Como verificamos: Iniciamos a busca tentando localizar imagens da solenidade de posse do ministro Alexandre de Moraes como presidente do TSE. Para isso, fizemos buscas no Flickr do Palácio do Planalto e no Flickr do TSE.

Com os termos “foto Lula” e “posse Alexandre Moraes” fizemos busca no Google, que retornou para reportagens publicadas na imprensa nacional, como a do jornalista Mateus Vargas, da Folha de S.Paulo.

A partir daí, localizamos o perfil do jornalista no Twitter, onde é possível conferir as imagens registradas por ele durante o evento de posse e que acabaram viralizando nas redes sociais. O jornalista da Folha foi procurado para esclarecer o contexto da foto.

Por mensagem, entramos em contato com o chefe da comunicação do Palácio do Planalto para tentar a identificação do fotógrafo responsável pela cobertura do evento e que estava posicionado atrás de Dilma.

Como localizamos no Flickr do Planalto alguns registros da posse feitos pelo fotógrafo Isac Nóbrega, também tentamos contato com o profissional por mensagem encaminhada no direct do Instagram.

Também foram feitas buscas no Google e no YouTube por conteúdos de imprensa que repercutiram a cerimônia com a finalidade de encontrar vídeos que exibissem o momento registrado na foto do jornalista da Folha de São Paulo.

A captura da imagem

A foto aqui analisada foi feita pelo repórter Mateus Vargas, da Folha de São Paulo, que estava cobrindo o evento. A imagem foi divulgada pelo próprio repórter em seu perfil no Twitter. Em outra publicação feita na mesma rede, Mateus chamou a atenção para o fato de fotógrafos de veículos de imprensa não terem sido autorizados a cobrir a cerimônia, que contou com a presença apenas dos fotógrafos oficiais das autoridades presentes.

Em contato com o Comprova, o repórter da Folha explicou que fez o registro com o seu próprio celular, após o encerramento do discurso do ministro Alexandre de Moraes, quando as autoridades começaram a se levantar para ir embora.

O presidente Jair Bolsonaro, ao lado do presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, e demais autoridades posam para o fotógrafo Isac Nóbrega. Foto: Mateus Vargas

A imagem feita pelo jornalista da Folha permite verificar que há, atrás da ex-presidente Dilma Rousseff, um fotógrafo. O profissional foi identificado como sendo Isac Nóbrega, fotógrafo oficial do presidente Jair Bolsonaro. É para ele que os membros da mesa posam para a foto. No Flickr do Palácio do Planalto há também a divulgação de uma foto que remete ao mesmo momento e é creditada a Isac Nóbrega.

(Brasília – DF, 16/08/2022/Foto:Isac Nóbrega/PR)

Na foto oficial do Palácio do Planalto é possível ver que Bolsonaro, Alexandre de Moraes e os demais ministros estão de pé, alinhados lado a lado, e no mesmo local em que aparecem na foto feita pelo repórter da Folha. O registro também mostra pelo menos cinco nomes da mesa com o olhar direcionado ao fotógrafo: Alexandre de Moraes, Jair Bolsonaro, Ricardo Lewandowski (que na oportunidade tomou posse como vice-presidente do TSE), Mauro Campbell Marques (corregedor-geral eleitoral do TSE), além de Rodrigo Pacheco, presidente do Senado.

A premissa pode ser confirmada pela equipe do Comprova ao analisar dois diferentes vídeos da cerimônia. O primeiro é uma reportagem da CNN Brasil. Na transmissão do programa “CNN 360º” do dia 17 de agosto, a partir de 19 minutos e 20 segundos do vídeo, é possível ver que o presidente Bolsonaro e os ministros que estão ao seu lado estão posando para uma foto. O fotógrafo em questão é o mesmo que aparece atrás da ex-presidente Dilma Rousseff na imagem que é objeto desta verificação.

O segundo vídeo é o da transmissão oficial da cerimônia, feito pela Justiça Eleitoral, e que permanece disponível no canal do YouTube do TSE. Nele, mais uma vez, é possível constatar que a atenção das autoridades está voltada para o fotógrafo oficial da Presidência, e não para Lula. A partir de 1 hora, 46 minutos e 25 segundos, quando a mesa é desfeita, são iniciados os cumprimentos entre os presentes. É o próprio Alexandre de Moraes quem convoca os demais para o registro fotográfico. A transmissão, então, é encerrada.

O fotógrafo do Planalto

Para identificar quem é o fotógrafo, inicialmente o Comprova fez buscas no Instagram pelo nome “Isac Nóbrega”, a quem os registros são creditados na conta oficial do Palácio do Planalto no Flickr. O perfil “IsacNobrega74” localizado na rede social é aberto e tem como descrição na bio: “militar, fotógrafo profissional”.

Uma das fotos publicadas por Isac na rede social mostra ele fazendo a cobertura de um evento da Força Aérea Brasileira (FAB) que contou com a presença do presidente Bolsonaro.

O Comprova fez contato com Alan Santos, coordenador-geral da equipe de fotografia do Palácio do Planalto, que confirmou que o fotógrafo que aparece atrás da ex-presidente Dilma na foto aqui analisada é mesmo Isac Nóbrega. Santos ainda confirmou que a foto postada no Flickr do Palácio do Planalto foi feita por Nóbrega no momento em que ele foi fotografado pelo repórter da Folha.

 

| Foto também publicada por Mateus Vargas no Twitter no final da cerimônia no TSE.

Foto viralizou nas redes sociais

Desde a noite da última terça-feira (16), dia da cerimônia de posse de Alexandre de Moraes no TSE, diversas postagens nas redes sociais compartilharam a imagem capturada pelo repórter da Folha, a maioria delas sugerindo que a atenção de Bolsonaro e dos ministros da Corte presentes no evento estavam “voltadas para Lula”.

Em postagem no Instagram, a antropóloga e professora da Universidade de São Paulo (USP) Lilia Schwarcz reproduz a ideia de que Lula é o centro do momento. Ela escreve ao analisar a imagem: “Mas se apurarem o olhar verão que a verdadeira cena se passa bem no centro do salão. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva parece ser o homenageado da cerimônia, com todos os olhares convergindo para ele, inclusive o do atual presidente, que esboça um sorriso mal-humorado e está mais duro que uma vara de pau.”

Print feito em 18.08, às 10h48

O deputado federal Orlando Silva (PCdoB) e o cineasta Kleber Mendonça Filho foram outras personalidades que repercutiram a foto, transmitindo a ideia de que Lula estaria sendo o “centro das atenções” na cerimônia de posse do TSE. Em todas as postagens, comentários feitos por usuários demonstram que a maioria das pessoas de fato acreditou que as atenções estivessem voltadas a Lula.

 

Alguns leitores, contudo, identificaram o fotógrafo ao lado da ex-presidente Dilma Rousseff e sinalizaram, como este perfil que interagiu com a postagem do Instagram de Lilia Schwarcz:

No Twitter, em mais uma postagem que compartilhou o registro feito pelo repórter da Folha, outro usuário também aponta a presença do fotógrafo atrás de Dilma, indicando que, na verdade, a atenção de Bolsonaro e dos ministros estava voltada para o fotógrafo em questão.

Lilia Schwarcz, Orlando Silva e Kleber Mendonça Filho foram procurados pela equipe do Comprova, mas não houve retorno até o fechamento da verificação.

Alexandre de Moraes é empossado presidente do TSE e comandará a Corte nas Eleições 2022

Na noite da última terça-feira (16), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes tomou posse como presidente do TSE. A cerimônia contou com a presença de autoridades dos três Poderes da República, entre eles o presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, além do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), governadores, prefeitos, representantes de embaixadas e outros.

Na plateia, e destacados na primeira fila, estavam os ex-presidentes José Sarney (MDB), Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer (MDB).

Em seu discurso, Moraes exaltou o Estado Democrático de Direito e o sistema eleitoral brasileiro, em uma recusa expressa aos reiterados ataques direcionados à Justiça Eleitoral, muitos dos quais perpetrados por Bolsonaro e seus apoiadores.

“Liberdade de expressão não é liberdade de agressão, de destruição da democracia, das instituições, da dignidade e da honra alheias. Liberdade de expressão não é liberdade de propagação de discursos de ódio e preconceitos. A liberdade de expressão não permite a propagação de ideias contrárias ao estado de Direito, uma vez que a plena liberdade do eleitor depende da tranquilidade e da confiança nas instituições democráticas e no próprio processo eleitoral.”

A posse de Moraes na Corte, dado o atual cenário político brasileiro, está envolta em simbolismos. Por ser relator de inquéritos que investigam ataques diretos a ministros no STF, fake news e atos antidemocráticos, o ministro tem sido o principal alvo dos bolsonaristas no Judiciário. Ataques estes, muitas vezes, desferidos pelo próprio presidente da República.

Aplaudido enfaticamente pela plateia – com exceção de Bolsonaro e seus ministros –, o novo presidente do TSE prometeu combater a disseminação de desinformação e os ataques contra o sistema eleitoral. Moraes chega ao comando da Corte a pouco mais de um mês das eleições.

Outro ponto alto da cerimônia foi reunir no mesmo espaço os dois principais candidatos em intenções de voto para as eleições gerais de outubro. Bolsonaro e Lula ficaram cara a cara. A expectativa em relação ao encontro é um importante cenário para a compreensão da viralização da imagem aqui verificada pela equipe do Comprova.

Também foi empossado na última terça-feira o ministro Ricardo Lewandowski, que assumiu a vice-presidência do TSE.

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre as eleições presidenciais, a pandemia e as políticas públicas do governo federal. A postagem aqui analisada passa a falsa impressão de que Lula, ex-presidente e candidato ao Palácio do Planalto, teria concentrado todas as atenções em dado momento da posse do presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes — evento que também foi acompanhado pelo presidente Bolsonaro. Quando ligadas ao processo eleitoral que se avizinha, peças de desinformação, como esta, podem atrapalhar a escolha do eleitor. O voto deve ser balizado a partir de dados verdadeiros e confiáveis.

Outras checagens sobre o tema:

A menos de dois meses das eleições, conteúdos de desinformação relacionados ao período eleitoral ganham mais espaço nas redes. Somente nesta semana, o Comprova verificou alguns que tentavam valorizar de maneira enganosa Bolsonaro e sua gestão, como o que aponta decreto para participação das Forças Armadas nas eleições é praxe e não confere mais força ao atual presidente, que o Brasil não foi o único país a registrar deflação em julho e que reportagem cita outros países com cenário econômico positivo além do Brasil. Recentemente, a equipe também verificou que não há registro no TSE de suposta pesquisa que impede entrevistado de votar em Bolsonaro, que vídeo engana ao afirmar que banqueiros apoiam Lula por supostos prejuízos ao setor provocados por Bolsonaro e que é enganoso post dizendo que evento de lançamento da candidatura de Bolsonaro ‘flopou’.

Eleições

Investigado por: 2022-08-19

Museu no Rio de Janeiro cobriu nome de Lula em placa, como mostra vídeo

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Comprovado
É verdade que o Museu Histórico Nacional (MHN) no Rio de Janeiro cobriu o nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com uma tarja preta em uma placa na entrada da instituição, como mostra vídeo nas redes sociais. Em nota divulgada no dia 17 de agosto, o museu afirmou ter ocultado os nomes de dois candidatos ao Planalto para que não configurasse propaganda eleitoral, mas reconheceu que, por se tratar de "material informativo, de contexto histórico e de acervo museológico a serviço da sociedade", as etiquetas seriam retiradas.

Conteúdo investigado: Vídeo de 20 segundos mostra placa de modernização e restauração do Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro, que fica na entrada do local. Há uma tarja preta cobrindo o nome do ex-presidente Lula, candidato à Presidência da República. O vídeo é acompanhado da narração de uma mulher que afirma ter questionado funcionários do museu, sendo informada que a ordem veio do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), “porque não podia ter propaganda política”.

Onde foi publicado: Twitter.

Conclusão do Comprova: É verdadeiro o conteúdo de um vídeo publicado no Twitter, no dia 15 de agosto, que mostra uma tarja cobrindo o nome do ex-presidente Lula em uma placa de modernização e restauração do Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro, fixada em parede na entrada do prédio.

O conteúdo verificado exibe imagens do interior do museu e da placa, acompanhadas da seguinte narração: “Aqui, fica aqui na entrada do museu. Aí eu perguntei por que [o nome do ex-presidente Lula] estava tampado, e eles disseram que era ordem do Ibram [Instituto Brasileiro de Museus] e que não podia ter propaganda política. É mole? Estou assustada.”

O Comprova confirmou que o local que aparece no vídeo é mesmo o Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro. Em nota divulgada no dia 17 de agosto, o museu confirmou ter coberto, no dia 2 de julho, os nomes de dois candidatos à eleição presidencial, que constam em placas de obras já finalizadas, “para que não se caracterizasse nenhuma forma de promoção de um ou outro candidato”.

Embora não sejam citados nominalmente na nota, a instituição informou ao Comprova, por telefone, que o outro nome ocultado além do de Lula era o de Jair Bolsonaro (PL). O nome do presidente está presente em uma placa com a ficha técnica da nova exposição temporária do museu “Rio-1922”. O Comprova não encontrou, no entanto, conteúdos que tenham circulado com imagens de tal situação.

A decisão por ocultar os nomes, segundo o espaço cultural, foi tomada em atendimento à Lei nº 9.504, de setembro de 1997, que estabelece normas para as eleições, e à Instrução Normativa n° 01/2018, de abril de 2018, que disciplina a publicidade em ano eleitoral dos órgãos e entidades integrantes do Poder Executivo Federal. O Museu Histórico Nacional faz parte da rede do Ibram, ligado ao Ministério do Turismo.

A medida, porém, foi reavaliada pela instituição, que, na mesma nota, informou que as etiquetas seriam retiradas “visto que se trata de material informativo, de contexto histórico, e de acervo museológico a serviço da sociedade”.

Comprovado, para o Comprova, é todo fato verdadeiro; evento confirmado; localização comprovada; ou conteúdo original publicado sem edição.

Alcance da publicação: O Comprova investiga conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. Até o dia 19 de agosto, o vídeo teve 61,6 mil visualizações, 3,7 mil curtidas e 1,2 mil compartilhamentos no Twitter.

O que diz o autor da publicação: A autora do post foi procurada, por meio do Twitter, mas não houve resposta até o fechamento desta verificação.

Como verificamos: Após assistir ao vídeo e identificar o Museu Histórico Nacional, a reportagem fez contato com a assessoria de imprensa do espaço para averiguar se o conteúdo descrito pela autora era verdadeiro.

O Comprova fez ainda pesquisas na internet usando palavras-chaves “museu” e “Lula”, e a consulta retornou reportagens da Folha, Brasil de Fato e Fórum tratando do assunto.

A equipe também procurou pelo Ibram, ao qual foi reportada a responsabilidade pela ocultação do nome do ex-presidente Lula da placa.

Para saber quando, onde e por quem o vídeo foi gravado, o Comprova entrou em contato pelo Twitter, no dia 17 de agosto, com a usuária @Sandroka13, que não retornou às mensagens até o fechamento desta verificação.

Tentando encontrar outras possíveis origens do vídeo, o Comprova analisou publicações de gravações que citassem o Museu Histórico Nacional no Twitter, no Facebook, no Instagram e no YouTube e encontrou algumas outras postagens originais, além de centenas de retuítes e compartilhamentos. A equipe fez contato com diversos perfis, mas não obteve retorno.

Para identificar o local do vídeo, também foram analisadas gravações de visitantes dentro do museu, como uma publicada em dezembro de 2021 pelo canal “Vamo nessa partiu”, do YouTube. Tanto essa gravação quanto o vídeo aqui verificado têm elementos em comum (como as estátuas e a escada rolante), indicando que a publicação que viralizou foi mesmo feita no Museu Histórico Nacional.

Legenda: Captura de tela do minuto 1:31 do vídeo publicado no canal “Vamo nessa partiu”, no YouTube

Legenda: Captura de tela do minuto 1:50 do vídeo publicado no canal “Vamo nessa partiu”, no Youtube. Nesta cena é possível observar a escada rolante que também aparece no vídeo investigado pelo Comprova e a placa sem a tarja preta

Legenda: Capturas de tela dos segundos iniciais do vídeo investigado pelo Comprova que mostram as estátuas, a escada rolante e, logo depois, a placa com a tarja preta no nome do ex-presidente Lula

O vídeo

O vídeo compartilhado nas redes sociais tem 20 segundos e mostra uma placa, que indica a modernização e restauração do Museu Histórico Nacional, datada de 9 de setembro de 2004. Sob a inscrição do cargo “presidente da República”, aparece uma tarja preta onde deveria estar o nome de Lula, pois naquele ano o político exercia seu primeiro mandato.

Nomes de outros integrantes do governo da época, como o do cantor, compositor e ex-ministro da Cultura Gilberto Gil, aparecem listados, abaixo, normalmente.

A autora faz uma narração enquanto grava o vídeo, citando que a placa está situada na entrada do museu e que, ao questionar um funcionário sobre o fato de o nome do ex-presidente estar ocultado, foi informada que era ordem do Ibram porque no local não poderia ter propaganda política. Na sequência, ela comenta: “É mole? Estou assustada!”

Museu revisou decisão de encobrir nomes dos candidatos

A assessoria do Museu Histórico Nacional informou, em nota, que “desde o dia 2 de julho a marca do governo federal foi ocultada de todo o material de divulgação do museu, em atendimento à Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, que estabelece normas para as eleições, e à Instrução Normativa n° 01/2018, de 11 de abril de 2018, que disciplina a publicidade em ano eleitoral dos órgãos e entidades integrantes do Poder Executivo Federal.”

Também informou que, em razão da legislação eleitoral, os nomes de dois candidatos à eleição presidencial, que constam em placas de obras já finalizadas, bem como em acervos de exposições de longa duração, também foram cobertos para que não se caracterize nenhuma forma de promoção de um ou outro candidato.

Em contato com o Comprova, por telefone, a assessoria da instituição afirmou que o outro nome ocultado foi o de Jair Bolsonaro (PL). O presidente está citado em uma ficha técnica da nova exposição temporária intitulada “Rio-1922“. Por ser uma instituição federal, é comum que em inaugurações de mostras o museu coloque placas contendo os cargos do governo em vigência, conforme informou a assessoria.

O vídeo verificado, entretanto, mostra apenas uma placa em que o nome do ex-presidente Lula foi encoberto. O Comprova não localizou registros de placas ou objetos dentro do museu que apresentassem o nome de Bolsonaro tarjado. Por telefone, a assessoria do Museu Histórico Nacional disse que enviaria um e-mail com uma foto da placa com o nome de Bolsonaro, mas não a enviou até o fechamento desta verificação.

Com a repercussão do caso, o Museu Histórico Nacional reconheceu, na mesma nota, que a ocultação dos nomes extrapola as vedações da legislação eleitoral, visto que se trata de material informativo, de contexto histórico, e de acervo museológico a serviço da sociedade. Assim, a partir do dia 17 de agosto, as etiquetas sobre os nomes dos dois candidatos seriam retiradas.

O Ibram também foi consultado, mas disse, em contato do Comprova por telefone, que o posicionamento é o mesmo do Museu Histórico Nacional.

Autoria da gravação é desconhecida

Quase todas as postagens originais do vídeo, ou seja, que não são retuítes e compartilhamentos, foram publicadas a partir do dia 15 de agosto, mesmo dia em que o perfil @Sandroka13 fez a publicação que viralizou.

Parte delas era de apoiadores de Lula nas eleições de 2022 e criticava o que consideraram censura do Museu Histórico Nacional. Em uma delas, no Twitter, a usuária Mari Lula Jurema (@Mari_Jurema) diz que o vídeo seria de “uma ex-colega [que] foi visitar o Museu Histórico Nacional”. O Comprova entrou em contato com ela, que disse ter recebido o vídeo no WhatsApp, mas não lembrava quem o repassou.

A publicação mais antiga do vídeo encontrada pelo Comprova é do usuário do Twitter José do Nascimento Jr. (@jrmuseus), que publicou o conteúdo no dia 14 de agosto, às 22h26. No tuíte, Nascimento indica que se trata de um vídeo do Museu Histórico Nacional e cita os perfis do jornal O Globo, da editoria de Política da Folha de S.Paulo e do colunista Ancelmo Gois, também de O Globo. O Comprova entrou em contato com Nascimento para saber a origem do vídeo, mas não obteve retorno até o fechamento desta verificação.

Outra publicação do vídeo foi feita após a de Nascimento no canal no YouTube do site Diário do Centro do Mundo. O Comprova usou um site para baixar o vídeo publicado pelo canal e constatou, analisando os metadados (informações como data, hora e local) do arquivo no computador, que a publicação foi feita no dia 14 de agosto, às 22h34, poucos minutos depois de o autor do tuíte encontrado pelo Comprova ter feito seu post.

Em contato por e-mail com Kiko Nogueira, diretor do Diário do Centro do Mundo, ele informou ao Comprova que o site havia recebido o vídeo de uma leitora. O nome dela e o contato, porém, não foram divulgados. Nogueira também enviou uma notícia publicada no dia 17 de agosto no portal NSC Total que afirma que o Museu Histórico Nacional havia confirmado a ocultação do nome de Lula e que iria retirar a tarja.

Apesar de o Comprova não ter chegado à origem do vídeo, o fato de o Museu Nacional confirmar, em nota, que havia ocultado o nome de candidatos sustenta que o conteúdo investigado é verdadeiro. A data em que o vídeo foi feito é incerta, embora seja provável que a gravação tenha ocorrido a partir do dia 2 de julho — data a partir da qual o espaço cultural passou a ocultar de suas placas e acervos os nomes de candidatos, sob a justificativa de atender à legislação eleitoral.

Obras no Museu Histórico Nacional

O Museu Histórico Nacional foi fundado em 1922 pelo então presidente do Brasil, Epitácio Pessoa, e é, atualmente, um dos maiores do país. A instituição, ligada ao Ibram, conta com um acervo de mais de 300 mil itens e mantém 9 mil m² de área aberta ao público, galerias de exposições, biblioteca especializada em História do Brasil, História da Arte, Museologia e Moda, Arquivo Histórico (com documentos manuscritos, aquarelas, ilustrações e fotografias), e ainda programas voltados para estudantes, professores, terceira idade e comunidades carentes.

De 2003 a 2006, durante a gestão do ex-presidente Lula, o Museu Histórico Nacional passou por um Projeto de Restauração e Modernização que tinha como objetivo recuperar e adequar o espaço da instituição para melhor receber o público e apresentar seu acervo.

O projeto foi dividido em três etapas e, segundo reportagem do Brasil de Fato, fez parte do Programa Nacional de Recuperação de Museus, quando o governo Lula investiu R$ 100 milhões em obras de diversas instituições, sendo R$ 40 milhões do Ministério da Cultura e R$ 60 milhões vindos de leis de incentivo.

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre as eleições presidenciais de 2022, a pandemia e políticas públicas do governo federal. Neste caso, o vídeo faz referência a Lula, que disputa a eleição. É importante avaliar os conteúdos que circulam nas redes sociais para evitar a disseminação de desinformação e garantir que as pessoas possam fazer suas escolhas baseadas em informações verdadeiras.

Outras checagens sobre o tema: Recentemente, o site Boatos.org checou um conteúdo semelhante ao investigado pelo Comprova, que acusava o Museu Imperial do Rio de Janeiro de ocultar a logo do governo federal e prejudicar Jair Bolsonaro. A justificativa da instituição foi a mesma utilizada pelo Museu Histórico Nacional.

Em outras verificações envolvendo o ex-presidente petista, o Comprova mostrou que vídeo engana ao afirmar que banqueiros o apoiam por supostos prejuízos ao setor provocados por Bolsonaro, que ele não disse que vai implantar ditadura no Brasil em entrevista a canal chinês e que não há registro público de declaração do político nem do MST sobre eliminar agronegócio da Terra.

Eleições

Investigado por: 2022-08-17

Decreto para participação das Forças Armadas nas eleições é praxe no Brasil e não confere mais força ao atual presidente da República

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso vídeo que circula nas redes sociais sobre o decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) que autoriza o uso das Forças Armadas nas eleições deste ano. O autor do conteúdo interpreta o documento de forma equivocada ao sugerir que o decreto seria resultante de poder especial conferido ao presidente. Na verdade, essa é uma prática comum no processo eleitoral brasileiro e a possibilidade de requisição do auxílio dos militares pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que precisa ser autorizado pelo presidente em exercício, está prevista na legislação desde 1965.

Conteúdo investigado: Vídeo de três minutos no qual um homem fala sobre documento assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) que autoriza a participação das Forças Armadas no processo eleitoral deste ano. O conteúdo é acompanhado da legenda “Acabou a palhaçada do TSE, Bolsonaro assina decreto colocando os militares em definitivo na apuração e fiscalização das eleições desse ano” e tenta fazer o espectador crer que o presidente teria autoridade máxima para decidir sobre a atuação das Forças Armadas durante o período do pleito.

Onde foi publicado: TikTok, Facebook e WhatsApp.

Conclusão do Comprova: É enganoso o vídeo que cita o decreto presidencial que autoriza a participação das Forças Armadas no processo eleitoral de 2022. Apesar de um documento com esse teor ter sido de fato publicado no Diário Oficial da União em 12 de agosto, o tom empregado pelo advogado e candidato a deputado estadual por Santa Catarina Alexander Brasil (PL) retira a informação do contexto e induz a uma interpretação distante do sentido original. A publicação do decreto, ao contrário do que sugere o advogado, não confere ao presidente Bolsonaro mais força em relação a outras instituições que fazem parte do processo eleitoral, como o TSE.

Ao citar o decreto, o autor da publicação afirma: “Presidente acaba de uma vez por todas com esse impasse, de os militares terem de ficar pedindo penico e autorização para fazerem parte de uma comissão do qual o próprio TSE tinha aberto a possibilidade e convidado os militares para fazer parte. Agora não estão mais lá por conta de um convite, agora estão definitivamente através de um decreto presidencial“.

O decreto presidencial, neste caso, é um procedimento praxe nos processos eleitorais brasileiros, não sendo novidade nas eleições de 2022. Documento semelhante foi assinado, por exemplo, pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e pelo ex-presidente Michel Temer (MDB). A construção da narrativa escolhida se insere no contexto atual, fomentado pelo próprio presidente da República, e consequentemente por seus seguidores, com a intenção de desacreditar o processo eleitoral e a segurança das urnas eletrônicas.

O conteúdo classificado pelo Comprova como enganoso é aquele retirado do contexto original e usado de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. Até o dia 17 de agosto, o vídeo publicado no TikTok teve 103,2 mil visualizações, 11,4 mil curtidas, 1,3 mil comentários e 5,2 mil compartilhamentos. No Facebook, o conteúdo alcançou 124 mil visualizações, 15,3 mil curtidas, 2,8 mil comentários e 8,8 mil compartilhamentos até a mesma data. O vídeo também está circulando em grupos de WhatsApp.

O que diz o autor da publicação: Alexander Brasil foi procurado por e-mail, mas não retornou até o fechamento desta verificação.

Como verificamos: O primeiro passo da verificação foi reunir informações a respeito do decreto assinado por Bolsonaro autorizando o uso das Forças Armadas nas eleições deste ano. Para isso, consultamos o documento no Diário Oficial da União, através do site do governo federal, reportagens da imprensa nacional (CNN Brasil, G1, Agência Brasil, Brasil de Fato e Metrópoles) e uma nota publicada pelo TSE.

A equipe também apurou o contexto do afastamento do coronel Ricardo Sant’Anna do grupo de fiscalização do código-fonte das urnas eletrônicas, por meio de notícias (CNN Brasil, Folha e Ministério da Defesa) e do ofício do TSE, e buscou informações sobre Alexander Brasil através de pesquisas no Google. Para confirmar dados do autor da postagem, a equipe consultou também a plataforma DivulgaCand2022 do TSE.

Por fim, entramos em contato com o TSE, o Ministério da Defesa e o autor da publicação.

O decreto de Bolsonaro

Publicado em 11 de agosto e assinado pelo presidente Jair Bolsonaro e pelos ministros da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, general Augusto Heleno, o decreto nº 11.172 “autoriza o emprego das Forças Armadas para a garantia da votação e da apuração das eleições de 2022”.

Isso significa que, caso seja necessário, o TSE pode solicitar o apoio das Forças Federais durante o processo eleitoral deste ano. Conforme o documento, caberá ao Tribunal determinar os locais de atuação e o período pelo qual os militares serão utilizados.

O decreto, porém, não dá às Forças Armadas nenhuma posição especial em relação a quaisquer outras instituições participantes do processo eleitoral. Trata-se de uma convocação comum e não uma novidade das Eleições 2022 ou ainda o resultado de poder especial conferido ao presidente Bolsonaro.

Ao Comprova, o Ministério da Defesa informou que “historicamente, o emprego da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nas eleições tem contribuído para a segurança dos locais de votação, tendo em vista a possibilidade de insuficiência dos efetivos policiais para atender às requisições dessa natureza”. O órgão ainda ressaltou que a medida “é habitual e decorre de pedido do próprio TSE”.

Tradicionalmente, a atuação das Forças Armadas nas eleições também envolve o apoio logístico e o transporte de urnas eletrônicas, pessoas e materiais para locais de difícil acesso.

Procurado a respeito da determinação dos locais de atuação dos militares nas eleições deste ano, o TSE não retornou.

Autorizar participação das Forças Armadas nas eleições é comum

Ao contrário do que sugere o vídeo aqui investigado, a atuação das Forças Armadas na segurança do processo de votação e apuração dos votos é uma prática habitual no sistema brasileiro. A possibilidade de requisição do auxílio dos militares pelo TSE, inclusive, está prevista na legislação desde 1965. O Código Eleitoral (Lei 4.737/65) estabelece que cabe privativamente ao Tribunal “requisitar Força Federal necessária ao cumprimento da lei, de suas próprias decisões ou das decisões dos tribunais regionais que o solicitarem, e para garantir a votação e a apuração”.

Apesar de ser responsabilidade do TSE solicitar o uso das Forças Armadas, é preciso uma autorização específica por parte do presidente da República para que isso ocorra.

De acordo com matéria publicada pelo TSE, a primeira reunião para alinhar a atuação das Forças Federais nas eleições de 2022 ocorreu em abril e contou com a presença de autoridades, como o ex-presidente do TSE, ministro Edson Fachin; o subchefe de Operações do Estado Maior das Forças Armadas, general Rezende de Queiroz; e o diretor-geral da Corte Eleitoral, Rui Moreira.

Os pedidos de auxílio das Forças devem ser encaminhadas ao TSE pelos Tribunais Eleitorais Regionais (TREs), os quais devem também justificar a solicitação, apontando fatos que revelem eventuais riscos de perturbação das atividades eleitorais.

O decreto assinado por Bolsonaro autorizando o emprego das Forças Armadas no pleito deste ano, portanto, trata-se de uma convocação comum que, inclusive, já foi realizada anteriormente por outros presidentes.

Nas eleições gerais de 2018, por exemplo, o então presidente Michel Temer (MDB) também permitiu o uso das Forças Armadas por meio do decreto nº 9.379, assinado em 21 de maio. Naquele ano, militares atuaram em 598 localidades nos dois turnos – 513 municípios no primeiro e 357 no segundo.

Medida semelhante também foi adotada em 2014 pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Na época, as Forças Armadas empregaram 30 mil militares em 326 cidades, a fim de garantir a ordem e ajudar na logística das eleições.

O uso das Forças Federais também pode ser solicitado nos pleitos municipais. Em 2012, o TSE aprovou o envio de militares para três municípios do estado do Amazonas: Maués, Manicoré e Novo Airão.

O papel das Forças Armadas no processo eleitoral

As Forças Armadas, composta pela Marinha, Aeronáutica e Exército, atuam na segurança das eleições, seja por meio do transporte de urnas, fiscalizando o sistema eletrônico de votação, apoio logístico no transporte de pessoas e materiais e auxiliam a manter a ordem pública, dentro da operação de Garantia da Votação e Apuração (GVA). As Forças Armadas também integram a lista das entidades fiscalizadoras, legitimadas a participar das etapas do processo de fiscalização, e estão incluídas na Comissão de Transparência das Eleições (CTE), seguindo as normas e etapas definidas pelo TSE. Contudo, propõem que o Teste de Integridade das urnas eletrônicas, realizado atualmente pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE), seja aperfeiçoado.

O Ministério da Defesa solicitou ao TSE, no dia 10 de agosto, a entrada de nove técnicos militares que atuarão junto à equipe militar que fiscaliza o sistema eletrônico de votação e realizarão uma inspeção do código-fonte até o dia 19 de agosto. A adição de outros técnicos militares na fiscalização ocorreu por conta do afastamento do coronel do exército Ricardo Sant’Anna da CTE pelo então presidente do TSE Edson Fachin após a publicação de notícias falsas em desfavor do sistema eleitoral em uma rede social, reveladas em reportagem do site Metrópoles, na última quarta-feira (10).

No vídeo investigado, o advogado menciona que “Não é mais uma simples autorização do TSE. Com o decreto presidencial, toda essa semana que aconteceu aí de embate, do TSE querendo expulsar o militar lá de dentro e agora os militares dizendo ‘não, ele vai continuar aí dentro e vamos mandar mais 8 ou 9’”. Questionado pelo Comprova se o coronel permaneceria no CTE, o TSE respondeu que Ricardo Sant’Anna foi descredenciado e permanece afastado da comissão.

A CTE, juntamente com o Observatório da Transparência das Eleições (OTE), foi instituída na Portaria nº 578 com o objetivo de “ampliar a transparência e a segurança de todas as etapas de preparação e realização das eleições”. 

O contexto da desinformação

A postagem em questão se insere em um contexto de disputa de narrativa fomentado enfaticamente pelo próprio presidente da República com a intenção de desacreditar o processo eleitoral e a inviolabilidade das urnas eletrônicas.

Em 2021, Bolsonaro intensificou o ataque às urnas eletrônicas sob a alegação – sem provas – de fraude nas eleições de 2018. O presidente chegou a sugerir que o voto registrado pelos eleitores nos equipamentos eletrônicos fossem impressos e depositados em uma urna física, que serviria como uma alternativa segura de consulta em eventuais alegações de fraudes após o pleito ou resultado da apuração neste 2022.

Em maio daquele mesmo ano, a Câmara dos Deputados criou uma comissão especial para avaliar a Proposta de Emenda Constitucional 135/2019, de autoria da deputada federal que concorre à reeleição, Bia Kicis (PL), aliada do presidente da República. A proposta da deputada se assemelhava ao ideal repetido à exaustão por Bolsonaro. O contexto, à época, abriu espaço para uma campanha, sobretudo nas redes sociais, entre apoiadores do presidente pelo voto impresso.

Em 10 de agosto de 2021, a Câmara dos Deputados rejeitou e arquivou a PEC 135/2019. Apesar da derrota, o presidente da República e seus apoiadores mantêm a retórica de fraude nas eleições 2018 e fragilidade no sistema em relação ao pleito de 2022.

Em 18 de julho deste ano, o presidente novamente reforçou o discurso de desconfiança em relação ao sistema eleitoral brasileiro, desta vez, durante um encontro com embaixadores de países com relações diplomáticas com o Brasil.

Quem é o autor da publicação investigada?

Alexander Alves Pereira, conhecido como Alexander Brasil, é advogado e, atualmente, disputa vaga de deputado Estadual em Santa Catarina, pelo Partido Liberal (PL), conforme registro no TSE.

Em 2020, Alexander Brasil foi candidato a prefeito de Florianópolis (SC), pelo PRTB. Ele teve 6.982 votos e não foi eleito.

Nas redes sociais, ele se define como “cristão, conservador, patriota e defensor incansável das liberdades individuais”. Alexander Brasil é apoiador do presidente Jair Bolsonaro e líder do movimento “Vem Pra Direita Floripa”.

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre as eleições presidenciais de 2022, a pandemia de covid-19 e políticas públicas do governo federal. O vídeo aqui verificado tenta inflar um cenário de disputas entre o presidente Bolsonaro e as Forças Armadas, e o TSE, por meio de uma interpretação equivocada de um decreto. Peças de desinformação como esta podem atrapalhar o processo eleitoral, pois enganam e confundem a população, que deve fazer sua escolha a partir de dados contextualizados e verdadeiros.

Outras checagens sobre o tema: Peça de desinformação semelhante alegando que Bolsonaro teria determinado a participação das Forças Armadas nas eleições, independentemente da decisão do TSE, já foi verificada pelo Boatos.org.

Recentemente, o Comprova mostrou que é falso que TSE tem 32 mil urnas grampeadas com o objetivo de fraudar a eleição, que montagem de 2018 voltou a circular para atacar sistema eletrônico de votação e que não há registro no TSE de suposta pesquisa que impede entrevistado de votar em Bolsonaro. Além disso, o Comprova também produziu um material explicativo a respeito do funcionamento e da fiscalização dos códigos-fonte das urnas eletrônicas.

Eleições

Investigado por: 2022-08-17

Brasil não foi o único país a registrar deflação em julho, ao contrário do que afirma post

  • Falso
Falso
Não é verdade que o Brasil seja o único entre 194 países do mundo que tenha registrado deflação (fenômeno que indica queda generalizada no nível de preços de bens e serviços) , como afirma um post no Facebook. No mês de julho deste ano, o Brasil registrou uma deflação de 0,68% no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em relação a junho, contudo, o mesmo fenômeno aconteceu em pelo menos quatro outros países (Armênia, Espanha, Grécia e Luxemburgo). Além disso, mesmo com a queda, a inflação acumulada nos últimos 12 meses no Brasil é de 10,07%, o que faz o país ter a 4ª maior taxa de inflação entre as 20 maiores economias do mundo. Desse modo, observa-se que a deflação é algo pontual do mês de julho.

Conteúdo investigado: Um post publicado no Facebook afirma que, de 194 países, o Brasil é o único que registrou deflação, sem especificar a qual período se refere a estatística. A publicação ainda menciona que “nos momentos mais difíceis de crise, são revelados os grandes gestores”, associando o feito ao governo de Jair Bolsonaro (PL).

Onde foi publicado: Facebook.

Conclusão do Comprova: É falsa a afirmação de que o Brasil seria o único país entre 194 com deflação. Nos últimos 12 meses, o Brasil passa por um período de alta inflação, tendo ocorrido uma deflação pontual no mês de julho. Além disso, pelo menos quatro outros países registraram deflação em julho: Armênia, Espanha, Grécia e Luxemburgo.

Na variação mensal de junho para julho, o Brasil registrou uma deflação de 0,68% no IPCA, mas essa queda aconteceu após seguidos aumentos nos níveis de inflação. No acumulado dos últimos 12 meses, por exemplo, a inflação no Brasil é de 10,07%, mesmo com a queda registrada em julho. Nesse recorte, o Brasil apresenta a 4ª maior taxa de inflação entre os países do G20, grupo que reúne as maiores economias do mundo.

A queda do IPCA registrada em julho no Brasil também não significa que houve redução generalizada nos preços de todos os produtos e serviços comercializados no país. De acordo com especialistas, essa queda deve-se, em sua maior parte, à diminuição no preço de itens como os combustíveis e as tarifas de energia elétrica.

Para o Comprova, falso é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: A postagem aqui analisada foi feita em um grupo público de apoio ao presidente Jair Bolsonaro no Facebook no dia 11 de agosto. Até o dia 17 de agosto, a postagem contava com 1,6 mil curtidas, 734 compartilhamentos e 273 comentários.

O que diz o autor da publicação: O Comprova entrou em contato com a autora do post por meio de mensagem no Facebook, porém não houve resposta até o fechamento desta verificação.

Como verificamos: O primeiro passo foi fazer uma busca no Google com os termos “Brasil” e “deflação”, que nos levou a notícias sobre o tema, como as publicadas pelo G1 e a DW Brasil. Em seguida, para confirmar os dados, o site do IBGE, responsável por divulgar o IPCA, foi consultado.

Para obter dados dos índices de inflação em outros países, foram consultados os sites de organizações como o Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) e Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Também foram feitas pesquisas no Google em português e em inglês com termos como “taxas de inflação em países do mundo” e “inflation rate by country”. Um dos resultados nos levou ao site The Global Economy, que reúne dados econômicos de diversos países do mundo com atualizações diárias. Após consulta aos dados publicados na plataforma, foram feitas pesquisas no Google com termos em outros idiomas para verificar, em fontes oficiais, os índices de inflação de países que apareciam com variação negativa no “The Global Economy”.

Por fim, para falar sobre a deflação no Brasil e contextualizar a apresentação desses dados, consultamos o professor Matheus Abrita, da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS), e o professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Henrique Castro.

Deflação pontual, em cenário geral de inflação

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) anunciou em 9 de agosto, um dia antes da publicação do conteúdo verificado, que o IPCA, indicador oficial da inflação no Brasil, registrou uma deflação de 0,68% em julho. Isso significa que o custo de vida médio de famílias com renda mensal de 1 a 40 salários mínimos (recorte definido pelo IBGE para o IPCA) baixou em 0,68% ao longo daquele mês.

Para calcular o IPCA, o IBGE analisa os preços de 377 bens e serviços — de nove categorias diferentes, de alimentação a comunicação — em 16 capitais, incluindo Brasília. O índice é definido por uma média ponderada desses preços, com base na categoria. Como noticiado pela Folha em março, a categoria de maior impacto no início deste ano era a de transportes, que inclui gastos com combustíveis.

Esta é a primeira vez que o IPCA registra deflação desde maio de 2020, quando o choque dos primeiros dois meses da pandemia, com o isolamento social, levou à queda na demanda por bens e serviços, em especial pelos considerados “não essenciais”. Logo, esses bens e serviços se desvalorizaram e, assim, o custo de vida baixou. Abril e maio daquele ano registraram deflação de 0,31% e 0,38%, respectivamente. O efeito foi temporário, visto que o IPCA voltou a registrar inflação em todos os meses desde então. No caso de julho deste ano, a deflação aconteceu em meio a uma taxa de inflação acumulada de 10,07% nos últimos 12 meses.

Como explicou ao Comprova o doutor em economia e professor da UEMS Mateus Boldrine Abrita, a deflação de julho não foi movida naturalmente pela lei da oferta e demanda, como ocorreu nos primeiros dois meses da pandemia. A queda de 0,68% nos preços no último mês foi ocasionada principalmente pelos cortes no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), decorrentes da Lei Complementar nº 194/22, sancionada em junho pelo presidente da República, que estabelece tetos para a cobrança do imposto em diversos bens e serviços, em especial combustíveis.

Por isso, segundo o especialista, a ideia de uma deflação no Brasil é uma “meia verdade”. “O mundo inteiro está num cenário de inflação e o Brasil também. E se você olhar, a inflação no ano está alta. Se você olhar o mês específico em que baixou o ICMS, ele ficou com deflação por causa dessa medida. Mas, nesse mesmo mês, subiu o preço dos alimentos, subiram vários outros itens”, explica.

O professor Henrique Castro, do curso de economia da FGV, ainda acrescenta que, a rigor, seria correto falar em deflação se fosse observada uma queda generalizada de preços em diferentes itens da cesta de consumo do brasileiro, o que não aconteceu. “O índice observado no último mês foi pontual e refletiu o desempenho do preço da gasolina e da energia elétrica, o que não representa um grande alívio no custo de vida do brasileiro, especialmente das famílias mais pobres, que têm nos alimentos a maior parte das suas despesas”, avalia.

O grupo de alimentos e bebidas foi o que registrou maior inflação no IPCA em julho: 1,30%. Logo, como apontado pelos especialistas, é incorreto afirmar que o Brasil passa por um momento de deflação, considerando que, no acumulado dos últimos meses, a inflação é de 10,07%, acima da meta estipulada pelo Banco Central para este ano, que é de 3,5%, com tolerância de 1,5 para mais ou para menos.

Segundo estudo conduzido pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), a inflação acumulada dos alimentos em 2022 se aproxima dos 13%, enquanto a média geral é 5,5%. A Fipe, que calcula a inflação por classe social, aponta que, até o momento, a queda no preço dos combustíveis beneficiou principalmente as famílias que têm carro. Em julho, famílias com renda de R$ 9 mil mensais sentiram deflação de 0,11%, enquanto os mais pobres, com renda mensal de um a três salários mínimos, depararam-se, na verdade, com inflação de 0,44%.

Outros países também registraram deflação pontual em julho

A comparação da variação do nível de preços registrada entre todos os países do mundo depende da reunião dos índices de inflação de todos esses países referente a um mesmo período de tempo e agregados de acordo com os mesmos parâmetros. Ainda que o post aqui analisado não tenha especificado a qual período se referia, para fazer a comparação com outros países, o Comprova tomou como base a variação mensal de julho, período em que o Brasil registrou deflação.

Instituições e órgãos multilaterais de economia, como o Banco Mundial, o FMI e a OCDE congregam dados de índices de inflação, mas os números disponíveis nos sites dessas organizações são apresentados na perspectiva anual, e sem atualização recente, o que impede a comparação da variação mensal do nível de preços.

O site The Global Economy, que não é vinculado a qualquer órgão multilateral e diz se basear em fontes oficiais para apresentar “informações confiáveis para pesquisadores, empresários, acadêmicos e investidores”, reúne dados econômicos de diversos países do mundo, entre eles, os índices de inflação e suas variações mensais.

Entre todas as estatísticas apresentadas, o Comprova levou em consideração apenas os países cujos dados mais recentes referiam-se ao mês de julho de 2022 e cuja variação percentual apresentada era negativa, ou seja, indicando que houve redução no nível de preços em julho em relação ao mês anterior. A partir disso, o Comprova buscou confirmar os índices de inflação apontados pelo “The Global Economy” junto a órgãos oficiais ou de governo desses países. Além do Brasil, foi possível confirmar que pelo menos quatro outras nações apresentaram deflação em julho: Armênia, Espanha, Grécia e Luxemburgo.

Na Armênia, a variação negativa entre junho e julho foi de 1,4% no índice geral de preços do país, de acordo com documento publicado pelo Comitê Estatístico do país. Na Espanha, a deflação em julho foi de 0,3%, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística da Espanha e veículos de imprensa espanhóis (como os portais RTVE e Ámbito Financiero).

Na Grécia, os preços caíram 1,44% em julho, conforme divulgou a Autoridade Estatística Helênica, organização independente ligada ao parlamento grego em publicação do último dia 8 de agosto. Por fim, Luxemburgo também registrou deflação em julho, apresentando uma variação negativa de 1% no nível de preços, conforme divulgado pelo portal de estatísticas do governo de Luxemburgo.

Contudo, conforme explica o professor Matheus Abrita, cada país pode ter metodologias diferentes para apurar seus índices de inflação, o que por vezes pode invalidar algumas comparações. “O Brasil adota padrões internacionais na medição do nível de preços pelo IBGE, no entanto, outras nações, que não são democracias, por exemplo, podem não apresentar dados verdadeiros, ou com metodologias diferentes”, explica.

Já o professor Henrique Castro, da FGV, aponta que, além de eventuais diferenças nas metodologias adotadas para medir a variação de preços, como a seleção de diferentes cestas de consumo, países apresentam taxas de inflação diferentes de acordo com seus estágios de desenvolvimento e seus índices de crescimento econômico. “Por isso, comparar taxas entre países muito distintos pode ser de pouca utilidade. Idealmente, o correto seria comparar as taxas entre países de um mesmo bloco comercial e de mesmo estágio de desenvolvimento econômico”, disse.

Levando em consideração o G20, grupo das maiores economias do mundo, o Brasil tem a quarta maior taxa de inflação no acumulado dos últimos 12 meses. Com uma inflação de 10,07%, o Brasil está atrás apenas dos índices observados na Rússia (15,9%), Argentina (64%) e Turquia (79,6%), de acordo com levantamento da empresa de análise e tecnologia financeira Quantzed, divulgados pelo jornal Folha de São Paulo.

De acordo com o FMI, em relação aos países da América do Sul e levando em consideração apenas o ano de 2022, com dados referentes até o último mês de abril, a inflação no Brasil é de 8,2%, a 5ª maior entre os 12 países do continente com dados disponíveis, atrás do Paraguai (9,4%), Suriname (38,9%), Argentina (51,7%) e Venezuela (500%).

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. A afirmação de que o Brasil seria o único país em deflação após meses de inflação em escala global, associada a uma gestão de sucesso do atual presidente, pareceu suspeita em época de corrida eleitoral.

Outras checagens sobre o tema: Recentemente, o Projeto Comprova realizou outras investigações sobre temas relacionados à agenda econômica. A exemplo, foi mostrado que existem outros países com cenário econômico positivo além do Brasil, diferentemente do que diz pastor. Em outra investigação, vimos que em um tuíte, foram distorcidos fatos sobre redução de preços de gasolina em ano eleitoral.

Saúde

Investigado por: 2022-08-16

São falsas as alegações de médica que trata vacinação da covid em crianças como “assassinato em massa”

  • Falso
Falso
É falso que vacinar crianças contra a covid-19 seja "assassinato em massa", como afirma, em vídeo, uma médica que é candidata a deputada federal por São Paulo. O Comprova entrou em contato com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Ambas as instituições informaram que as afirmações não são verdadeiras. Também foram consultadas as bulas dos imunizantes aplicados em crianças no Brasil: a Coronavac e a Comirnaty da Pfizer, e nenhuma das vacinas apresenta relação com as doenças citadas no vídeo e nem com óbitos. Além disso, os dados disponíveis até aqui indicam que as vacinas trazem mais benefícios do que riscos.

Conteúdo investigado: Vídeo de médica e candidata a deputada federal dizendo que a vacinação infantil, defendida em documento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), está relacionada a mortes por mal súbito, infarto do miocárdio, AVC, derrame cerebral, doenças autoimunes e até a uma “epidemia de câncer”. A médica afirma que a vacinação é “assassinato em massa”.

Onde foi publicado: Instagram e Telegram.

Conclusão do Comprova: É falso que vacinar crianças seja “assassinato em massa”, como diz a médica e candidata a deputada federal Maria Emilia Gadelha Serra em vídeo compartilhado em redes sociais.

No conteúdo, ela se queixa de documento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), publicado em 25 de julho e disponível no site da instituição sobre a importância da vacinação infantil. O texto da entidade alerta sobre o aumento de casos do coronavírus com a disseminação da variante ômicron e suas sublinhagens no Brasil.

Ao falar sobre a imunização de menores de 18 anos, Gadelha diz que as pessoas devem estar “preparadas para ir ao velório” dos filhos e que “pessoas estão morrendo de mal súbito, infarto do miocárdio, AVC, derrame cerebral, doenças autoimunes e agora começando uma epidemia de câncer nunca antes vista” após se vacinarem.

Procurada pelo Comprova, a Anvisa afirmou que “até o momento, os dados de monitoramento das vacinas apontam que a relação de benefício e risco das vacinas é positiva” e que os eventos adversos delas estão descritos na bula desses produtos. Esses documentos, por sua vez, não registram reações graves às vacinas, óbitos, ou relação dos imunizantes com as doenças citadas por Gadelha.

Também para a reportagem, o Ministério da Saúde afirmou que “não há nenhum caso registrado de morte de criança ou adolescente em decorrência da vacina” no país.

“No início da vacinação, até podíamos ter esse tipo de dúvida, mas passados 2020, 2021 e agora em 2022, vemos que nada ocorreu”, diz o médico José Davi Urbaez, presidente da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal (SIDF), também consultado pela reportagem.

Em nota enviada ao Comprova, a SBP repudiou as acusações e declarações de Gadelha e afirmou que ela “promoveu a desinformação, por meio de ‘fake news'”. A associação também informou que medidas foram tomadas em relação às mentiras ditas pela médica.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: No Telegram, o conteúdo falso teve, até o dia 13 de agosto de 2022, 32,3 mil visualizações. Originalmente também compartilhado no Instagram, o vídeo tinha, até o dia 27 de julho, cerca de 600 interações, mas foi removido da plataforma ao final do mês.

O que diz a autora da publicação: Procurada pelo Comprova, Maria Gadelha não retornou o contato.

Como verificamos: Primeiramente, entramos em contato, via WhatsApp, com a assessoria de comunicação dos médicos citados por Gadelha a fim de obter seus posicionamentos a respeito do conteúdo. Renato de Ávila e Melissa Palmieri, ambos da SBP, foram citados por Gadelha como responsáveis pelo documento, mas preferiram não se pronunciar.

Procuramos, via e-mail, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e a SBP.

Ao mesmo tempo, contatamos a Anvisa, por e-mail, em busca de informações sobre eventos adversos graves associados à vacinação em crianças e a possibilidade de uma “epidemia de câncer” por causa da imunização.

O Comprova ainda entrevistou o médico José Davi Urbaez, da SBI, para checar se há comprovação científica que associa a vacina a mortes e doenças citadas pela médica no vídeo.

Também solicitamos posicionamento do Ministério da Saúde, mas não houve resposta. Por fim, tentamos contato com a médica Maria Emilia Gadelha por telefone e e-mail, mas também não houve resposta.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 16 de agosto de 2022.

Dados da vacinação infantil

Segundo o Vacinômetro covid-19, plataforma do Ministério da Saúde, até esta terça-feira (16), a 1ª dose da vacina contra o coronavírus foi aplicada em 13.852.980 crianças de 5 a 11 anos no Brasil, e a 2ª em 9.248.823 pessoas dessa faixa etária. Por sua vez, 16.648.874 de jovens de 12 a 17 anos tomaram a 1ª dose; 13.860.848 receberam a 2ª dose; e 3.529.848, a dose de reforço, segundo a pasta.

Um estudo publicado em maio deste ano, pelo periódico The New England Journal of Medicine, mostrou que a vacinação de crianças de 5 a 11 anos reduziu as internações em mais de dois terços desde que a covid-19 surgiu.

A pesquisa, feita nos Estados Unidos, mostrou que aproximadamente 92% das crianças de 5 a 11 anos que foram hospitalizadas por complicações da doença não estavam imunizadas com quaisquer doses da vacina. O estudo foi feito com 267 crianças de 5 a 11 anos e com 918 adolescentes de 12 a 18 anos.

Os pesquisadores concluíram que a vacina da Pfizer teve uma eficácia de 68% contra internações de crianças de 5 a 11 anos. O estudo foi feito entre julho de 2021 e 17 de fevereiro deste ano. Em relação à faixa etária de 5 a 11 anos, foram avaliados dados entre 19 de dezembro de 2021 e 17 de fevereiro deste ano, período em que o imunizante da Pfizer foi o único liberado para esse público nos Estados Unidos.

Em 13 de julho deste ano, a Anvisa aprovou o uso emergencial da Coronavac para crianças entre 3 e 5 anos. Como mostra o G1, os técnicos da agência confirmaram que não havia registro de nenhuma morte de pessoas entre 6 e 17 anos em decorrência da aplicação da vacina, assim como de adultos acima de 18 anos de idade.

Na faixa etária de 2 a 17 anos, de acordo com documento divulgado em 13 de julho pela Gerência de Farmacovigilância da Anvisa, 79% das notificações de eventos adversos pós-vacinação foram classificados como não graves. Ainda segundo a Agência, os eventos adversos graves observados após a administração de mais de 103 milhões de doses da Coronavac no Brasil são considerados raros ou raríssimos nesse grupo (página 18 do documento).

Vacinação infantil x mortes

O médico José Davi Urbaez, presidente da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, desmente a afirmação de que há comprovação científica que associa a vacina contra a covid-19 a mortes pelas doenças citadas pela médica no vídeo. Segundo ele, se essas constatações fossem verdade, “isso seria um escândalo”.

“No início da vacinação, até podíamos ter esse tipo de dúvida, mas passados 2020, 2021 e agora em 2022 vemos que nada ocorreu”, diz.

Além disso, ele afirma que a autora do vídeo não apresenta dados que corroboram a sua tese e que informações sobre quaisquer mortes no país podem ser obtidas no Sistema de Informação sobre Mortalidade (Sim), plataforma do Ministério da Saúde.

O que diz a Anvisa?

Procuramos a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que é a agência reguladora vinculada ao Ministério da Saúde responsável por analisar e liberar as vacinas aplicadas no Brasil. Em nota, a Anvisa destacou que “todos os eventos adversos conhecidos das vacinas e medicamentos em uso no Brasil estão descritos em suas bulas, bem como novos eventos que possam ser identificados a partir da investigação e do monitoramento do uso.”

A Agência reforçou que o monitoramento de farmacovigilância busca avaliar de forma constante a relação de benefício e risco das vacinas e que, até o momento, os dados da pandemia e os dados de monitoramento dos imunizantes apontam que a relação de benefício e risco da vacinação é positiva. Ou seja, os benefícios das vacinas superam eventuais riscos.

Bulas das vacinas

As vacinas aplicadas em crianças no Brasil e citadas no documento da SBP são a Coronavac, que pode ser dada em crianças a partir de 3 anos, e a Pfizer, para crianças de 5 a 11 anos. A respeito dos efeitos adversos, tanto a bula do imunizante do Instituto Butantan quanto a da Pfizer descrevem desde as reações muito comuns até as raras.

Entre as reações muito comuns, aquelas que podem ocorrer em mais de 10% dos pacientes, está a dor no local de aplicação, efeito registrado em ambos os imunizantes. No caso da vacina da Pfizer, também destaca-se dor de cabeça, diarréia, dor nas articulações, cansaço, calafrios, febre, inchaço no local de injeção e dor muscular. Essas três últimas reações aparecem na bula da Coronavac como comuns, que podem ocorrer entre 1% e 10% dos pacientes. Também estão nessa relação, dor de cabeça, tosse, coriza, dor de garganta, diminuição do apetite e dor muscular.

Já em relação às reações mais raras, a Pfizer apresenta a paralisia facial aguda como registrada entre 0,01% e 0,1% dos pacientes que tomaram o imunizante. Miocardite (inflamação do músculo cardíaco) e pericardite (inflamação do revestimento exterior do coração) são apontados como efeitos muito raros pela fabricante, sendo apresentados em menos de 0,01% dos pacientes que utilizaram o imunizante. Segundo o documento, esses casos foram relatados principalmente em adolescentes, entre 12 a 17 anos, após tomarem a segunda dose da vacina e em até 14 dias após a vacinação. Os sintomas foram leves e os indivíduos se recuperaram dentro de um curto período de tempo após repouso.

De acordo com as bulas das duas vacinas, todas as reações adversas aos produtos não foram graves, apenas leves e moderadas. Em nenhum momento há registro das doenças citadas no vídeo verificado ou casos de morte em decorrência da aplicação da vacina.

Sociedade Brasileira de Pediatria

Responsável pelo documento criticado no vídeo investigado, a SBP se manifestou em nota. A instituição informou que “repudia veementemente as acusações e declarações veiculadas pela Sra. Maria Emilia Gadelha em vídeo de objetivos obscuros que circula nas redes sociais”. A sociedade destacou que o vídeo promove a desinformação e fomenta o movimento anti-vacina, “o que tem sido extremamente prejudicial à saúde pública, especialmente em tempos de pandemia”.

De acordo com a SBP, a situação foi denunciada ao Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, pois as declarações da médica, que foram consideradas pela sociedade como “injustas, dolosas, inverídicas, perigosas e difamatórias agressões”, representam infrações ao Código de Ética Médica (CEM). Além disto, a SBP informou que encaminhou a denúncia às esferas cíveis e criminais, para que a responsável pelo vídeo esclareça as afirmações perante o Juizado Especial Criminal e a Promotoria da Infância e Juventude do Ministério Público.

Quem é a médica que aparece no vídeo

Maria Emilia Gadelha Serra é médica credenciada no Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp). De acordo com o site da entidade, a especialidade dela é a otorrinolaringologia, sob o CRM 63451.

Em seu Instagram, ela usa uma foto em que está escrito em inglês “We do not consent – Say no to vaccines passports” (“Nós não consentimos – Diga não ao passaporte de vacinas”, em tradução livre). Na mesma rede, ela se intitula como “médica-detetive hardcore com sangue Viking” e presidente do Alpha Group e da Sociedade Brasileira de Ozonioterapia Médica. Ozonioterapia é uma forma de medicina alternativa que alega aumentar a quantidade de oxigênio no corpo introduzindo ozônio. Essa técnica não é permitida pelo Conselho Federal de Medicina e pode ser aplicada apenas em testes clínicos.

Em 24 de agosto de 2021, o Comprova classificou como enganosa outra afirmação da médica: em uma live, ela disse que a maioria dos casos graves da covid-19 no Brasil ocorrem em pessoas já vacinadas. Também já mostramos que não havia fundamento em dizer que as vacinas causavam AVC, como ela fez durante uma palestra.

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a pandemia, políticas públicas e eleições que tenham viralizado nas redes sociais. Juntos, os conteúdos investigados aqui tiveram mais de 32 mil interações no Instagram (antes de ser removido) e Telegram.

Quando o conteúdo trata da pandemia, a verificação é ainda mais necessária, porque a desinformação pode levar as pessoas a deixarem de se proteger e se exporem a riscos de infecção. Isso fica ainda mais evidente pelo fato do vídeo falar especificamente da vacinação infantil, que ainda está imunizando com a primeira dose as crianças de 3 a 5 anos.

Outras checagens sobre o tema: Checagens anteriores do Comprova mostram que a mesma médica chegou a disseminar informações enganosas para desincentivar a vacinação contra a covid-19, como o vídeo em que ela afirma que os imunizantes são experimentais e que faltam evidências sobre vacina da Pfizer. Além de também já ter sido desmentida por ter distorcido estudos sobre a imunização contra o coronavírus.

 

Esta verificação foi feita por jornalistas do UOL, Imirante, SBT e SBT News que participam do Programa de Residência no Comprova.

Comprova Explica

Investigado por: 2022-08-16

Saiba o que é comprovado e o que é falso sobre a facada em Bolsonaro em 2018

  • Comprova Explica
Comprova Explica
O presidente Jair Bolsonaro (PL) foi esfaqueado em Juiz de Fora, Minas Gerais, em 6 de setembro de 2018, durante ato público de campanha. Após o episódio, ele foi operado pelo médico-cirurgião Antônio Luiz de Vasconcellos Macedo. Bolsonaro desenvolveu quadro de obstrução intestinal após a facada, realizando seis cirurgias desde então, que levaram-no a uma série de atendimentos em hospitais. Dois desses procedimentos não tiveram relação com o episódio da facada. Desde o atentado, peças de desinformação sobre o caso circulam pela internet: que tenha levado apenas um soco no estômago, que não sofreu o atentado por não ter tido um sangramento externo no abdômen ou que tenha sido diagnosticado com câncer e, por isso, foi submetido aos tratamentos médicos já citados. O autor do crime, Adélio Bispo de Oliveira, foi absolvido impropriamente – quando o réu é considerado inimputável – pela Justiça Federal de Minas Gerais, em 2019. Ou seja, ele não é sentenciado a uma pena, mas passa a cumprir alguma medida de segurança. No caso de Adélio, a Justiça aplicou a medida devido a laudo que comprovou que ele sofria de transtornos mentais. Os dois inquéritos abertos pela Polícia Federal sobre o crime apontam que Adélio agiu sozinho e sem mandantes. Ele também não esteve na Câmara dos Deputados no dia do atentado, como afirmam postagens enganosas. Um terceiro inquérito está em andamento para apurar o financiamento de sua defesa no processo.

Conteúdo analisado: Postagens no Facebook e no Twitter apresentam versões diferentes a respeito do episódio envolvendo a facada contra o então candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro, durante a campanha eleitoral de 2018. À época, ele era filiado ao PSL, partido que, após uma fusão com o DEM, deu origem ao União Brasil. As peças questionam a veracidade do atentado contra Bolsonaro, a autoria do crime e a motivação do autor da facada, Adélio Bispo.

Comprova Explica: Postagens com alegações enganosas sobre o atentado sofrido pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), em 2018, continuam a circular nas redes sociais mesmo quatro anos depois do ocorrido. Muitos conteúdos trazem informações que não foram confirmadas pela equipe médica que atende o presidente ou pela Justiça e pela Polícia Federal (PF), que investiga o caso. Apesar de ainda haver investigações em andamento, especificamente sobre o custeio da defesa do autor do atentado, nas conclusões apresentadas até agora não há qualquer sinalização de que a facada tenha sido falsa ou que o presidente tivesse sido diagnosticado com um câncer, para que fosse submetido aos procedimentos cirúrgicos que realizou.

Já sobre Adélio Bispo, a decisão da Justiça Federal, em 2018, foi de internação devido ao quadro mental que o autor da facada apresenta. Segundo pareceres médicos da defesa de Adélio e de peritos escolhidos pela acusação, ele sofre de transtorno delirante persistente, o que o torna inimputável. Isso também descarta qualquer hipótese, com base na investigação da PF, de que o crime tenha envolvido outras pessoas ou algum mandante. Adélio segue em reclusão no Presídio Federal de Campo Grande (MS) pelo menos até o ano de 2025 e todas as investigações realizadas até o momento apontam que ele agiu sozinho.

Com a proximidade de um novo pleito, no qual Jair Bolsonaro disputa a reeleição, o Comprova decidiu explicar quais as conclusões foram apresentadas até agora em relação ao caso, esclarecendo dúvidas desde o momento do crime até as decisões judiciais contra Adélio Bispo.

Como foi o episódio da facada em Bolsonaro?

Em 6 de setembro de 2018, o então candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro foi esfaqueado em Juiz de Fora, Minas Gerais. O ataque aconteceu enquanto Bolsonaro fazia corpo a corpo (caminhada entre populares durante um ato de campanha) no Calçadão da Rua Halfeld, no Centro da cidade.

A facada foi perpetrada por Adélio Bispo de Oliveira, à época com 40 anos. Adélio é natural de Montes Claros, cidade do norte de Minas Gerais. Após o ataque, ele tentou fugir, mas foi impedido por pessoas presentes no local e, posteriormente, detido e levado pela Polícia Federal (PF), que o autuou em flagrante pelo crime.

Havia outras pessoas envolvidas no crime presentes no local?

Na data do esfaqueamento, faltavam 31 dias para o primeiro turno das eleições presidenciais. O momento era de extrema polarização entre as candidaturas de Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, candidato do Partido dos Trabalhadores (PT). Com isso, nas primeiras horas após o ocorrido, começaram a surgir diversas peças de desinformação sobre o episódio nas redes sociais.

Um dos conteúdos disseminados era de um vídeo que supostamente mostrava um homem dando um soco no abdômen de Bolsonaro logo após a facada, enquanto ele era carregado. A postagem, inclusive, voltou a circular no mês de julho deste ano, no perfil do Instagram do cantor e candidato a deputado federal pela Bahia, Netinho (PL). O post foi checado pelo Estadão Verifica, que atestou o conteúdo como falso. Na época da facada, um dos filhos de Bolsonaro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), desmentiu a história em uma publicação no Twitter, onde escreveu que “o homem que supostamente deu um soco em Bolsonaro é um Policial Federal. Não foi um soco, sua mão estava mole, ele estava direcionando o corpo de JB para entrar no carro”.

Outra peça de desinformação que viralizou nos primeiros dias após o atentado sugeria que a faca usada no crime contra o candidato à presidência foi passada da mão de uma mulher para a mão de um homem antes de chegar ao autor do crime, Adélio Bispo. No entanto, ao analisar um dos vídeos que registrou o momento do atentado, é possível ver que a mulher em questão não passa nenhum objeto cortante para o homem de camiseta branca. Na sequência, é possível ver a mão do homem vazia após cruzar com a mulher. O Comprova fez uma análise deste vídeo em editores de imagens como o Watch Frame by Frame.

Bolsonaro não simulou o atentado para tratar câncer no estômago

Mesmo com o ataque registrado por diversos ângulos e repercutido por veículos de imprensa, a veracidade do ataque continua a ser questionada em postagens enganosas nas redes. Uma das alcunhas adotadas é chamar o ocorrido de “fakeada”, uma junção das palavras fake – falso, em inglês – e facada. Uma das hipóteses levantadas é a de que Bolsonaro teria um câncer no estômago e o ataque foi simulado para que ele pudesse passar pelas cirurgias necessárias sem que a doença fosse revelada. A peça de desinformação foi desmentida pela seção Fato ou Fake, do portal G1, ainda em novembro de 2018. O médico Antonio Luiz de Vasconcellos Macedo, que atendeu Bolsonaro na época, explicou ao G1 que o candidato não tem câncer. “Ele não tem câncer nenhum. Ele sofreu uma facada, uma tentativa de assassinato”, disse Macedo. “Ele nunca teve câncer. Quem escreveu isso é completamente ignorante”, complementou o médico ao G1.

As dúvidas em relação ao caso seguiram e frequentemente novas publicações sobre o tema surgem. Em 5 janeiro deste ano, uma publicação na página Militantes de Esquerda, no Facebook, fez questionamentos sobre uma foto onde o cirurgião Antonio Macedo aparece atendendo Bolsonaro no hospital sem equipamentos como jaleco ou luvas cirúrgicas, relacionando a imagem à facada. A publicação é uma captura de tela de um post no Twitter. O texto da postagem diz: “É sério isso? O Dr. Macedo examina o paciente, sem jaleco médico, sem luvas, sem higienização hospitalar. Seus trajes é do Revelion (sic) das Bahamas. É piada! Pode isso @Medicina_CFM (Conselho Federal de Medicina)?” Por meio de busca do texto no Google, o Comprova encontrou uma publicação idêntica feita no dia 4 de janeiro, às 10h51, no horário de Brasília, no Twitter. A publicação é de autoria do perfil Marco Santo, que constantemente publica críticas a Bolsonaro.

Por meio da ferramenta Google Lens, o Comprova encontrou a imagem usada na publicação em uma matéria do site Poder360, publicada também na manhã de 4 de janeiro de 2022, às 9h54. No texto, o Poder360 explica que a imagem foi capturada de uma postagem no perfil oficial de Bolsonaro no TikTok. A postagem foi feita na manhã de 4 de janeiro, quando Bolsonaro estava internado no hospital Vila Nova Star, em São Paulo. O registro não tem qualquer ligação com o atentado de 2018. O presidente foi à unidade depois de passar mal durante o período de férias, em Santa Catarina. O médico Antônio Luiz Macedo chegou ao local na mesma data da gravação do vídeo, depois de voltar das férias em Bahamas, onde estava com a mulher, para atender Bolsonaro. O presidente estava internado no local desde 2 de janeiro.

O Comprova procurou tanto o médico (por WhatsApp) quanto o Conselho Federal de Medicina (CFM) (por e-mail) para esclarecerem o contexto da imagem. Até o fechamento deste texto, ambos não haviam retornado.

Quem eram os advogados de Adélio?

A defesa de Adélio Bispo foi composta por quatro advogados. O autointitulado coordenador do grupo é o advogado Zanone Manuel de Oliveira Junior, com registro vigente na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a partir do município de Contagem, em Minas Gerais, mantendo a Zanone Manuel de Oliveira Junior Sociedade Individual de Advocacia. Além de Zanone, atuam no caso os advogados Pedro Augusto de Lima Felipe e Possa, Marcelo Manoel da Costa e Fernando Magalhães.

De acordo com o Cadastro Nacional de Advogados da OAB, Possa e Costa têm registro vigente no município de Barbacena, também em Minas Gerais. Os dois são sócios do escritório Costa, Garcia, Lopes, Marotta & Possa Sociedade de Advogados.

Já Magalhães tem registro da OAB no município de Betim, também em Minas Gerais, sendo sócio da Fernando Eulalio Sociedade Individual de Advocacia.

Quem pagou os advogados de Adélio?

De acordo com o advogado Possa, em entrevista ao UOL, em novembro de 2021, o escritório de Zanone acertou o recebimento de R$ 25 mil pela defesa de Adélio Bispo. O advogado, no entanto, diz que há um acordo de confidencialidade para não revelar quem financiou a defesa. Até novembro daquele ano, segundo o advogado Possa, teriam sido pagos apenas R$ 5 mil.

“É uma pessoa ligada a ele (Adélio) religiosamente. Eu não sei a identidade dela, só o doutor Zanone (Manuel, que está à frente da defesa do caso) que sabe, teve contato com ela. Mas não há mandante, um financiador, ninguém que tinha conhecimento prévio dessa ação perpetrada pelo Adélio. Somente ao saber da facada é que ele se dispôs a ajudá-lo por uma questão de amor ao próximo, vamos assim dizer”, disse o advogado ao ser entrevistado pelo UOL.

O Comprova entrou em contato por meio de mensagens no aplicativo WhatsApp com o advogado Zanone Manuel de Oliveira Junior, mas não houve resposta.

Sigilo do advogado de Adélio foi quebrado

No dia 3 de novembro de 2021, a Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) autorizou a quebra de sigilo bancário do advogado Zanone Manuel de Oliveira Júnior. A medida veio após operação da Polícia Federal, em 2018, que apreendeu os materiais de Zanone em seu escritório. A medida foi autorizada com o objetivo de chegar a uma conclusão sobre como Adélio Bispo, que não teria condições de pagar por um advogado de renome, segundo o TRF-1, contratou Zanone.

Por ocasião da decisão, a Polícia Federal reabriu o inquérito que investiga o caso, para analisar os dados do advogado. O Comprova perguntou à PF se já havia prazo para apresentar novas conclusões e quais as diligências que estavam em andamento. A corporação respondeu apenas “não se manifestar sobre eventuais investigações em andamento”.

Conclusões da investigação sobre a facada

Em outros dois inquéritos, a Polícia Federal já havia concluído que Adélio agiu por motivação política, mas que ele sofre de distúrbio mental. Conforme pareceres médicos da defesa de Adélio e de peritos escolhidos pela acusação na decisão da Justiça, em 2018, conclui-se que ele sofre de transtorno delirante persistente. Nos inquéritos, a PF também não apontou evidência de algum mandante do atentado. O inquérito chegou à conclusão de que não houve participação de terceiros.

Adélio foi absolvido impropriamente – a absolvição imprópria permite que o réu seja considerado inimputável – pelo juiz federal Bruno Savino em 14 de junho de 2019. Neste caso, ele não é sentenciado a uma pena, mas passa a cumprir alguma medida de segurança. No caso de Adélio, a decisão foi pela conversão da prisão preventiva em internação.

No dia 14 de julho de 2022, o juiz Bruno Savino expediu ofício ao juiz corregedor da Penitenciária Federal de Campo Grande/MS, solicitando a renovação do prazo de permanência de Adélio Bispo dos Santos naquele estabelecimento até maio de 2025.

Como fora sentenciado em julho de 2019, Adélio tinha previsto o prazo de três anos para ser submetido a novos exames, com possibilidade de liberação, conforme decisão do juiz federal, devendo ser solicitadas novas informações à Diretoria do Sistema Penitenciário Federal em maio do ano de 2025, caso não sejam prestadas informações espontâneas até a data estipulada sobre a situação do custodiado.

No último dia 25 do mês de julho, Adélio foi submetido a uma nova perícia médica na Penitenciária Federal de Campo Grande (MS). Os laudos dos exames, realizados por peritos da Justiça Federal, estão previstos para serem divulgados até o fim de agosto. A depender do diagnóstico, há possibilidade de Adélio ser colocado em liberdade. Em entrevista ao UOL, o advogado de Adélio afirmou que a perícia pode apontar uma melhora no quadro de saúde dele, devido aos tratamentos psicológicos pelos quais ele vem passando durante o cumprimento da pena. O advogado, contudo, acredita que Adélio deve ser mantido no presídio federal para continuar com seu tratamento.

Adélio, o autor da facada

Desde 2018, quando cometeu o atentado contra Bolsonaro, o nome de Adélio Bispo de Oliveira passou a estampar noticiários do Brasil e de outros países. A partir daí, uma série de especulações e histórias surgiram envolvendo o autor da facada.

Adélio nasceu na cidade de Montes Claros, Minas Gerais, em 6 de maio de 1978. Em setembro de 2018, uma reportagem de Mateus Parreiras, do Estado de Minas, reproduzida pelo Correio Braziliense, trouxe detalhes da vida de Adélio, o que inclui passagens por diferentes cidades brasileiras. Na maior parte dos casos, sem ficar muito tempo em cada um dos municípios ou ainda se mudando frequentemente de bairros numa mesma cidade.

Conforme a publicação, Adélio deixou sua cidade natal pela primeira vez quando ainda tinha 17 anos, no ano de 1995. De lá pra cá, passou por diversos bairros de Uberaba, no Triângulo Mineiro; morou também em Florianópolis, Santa Catarina.

Ao longo deste tempo, teve alguns trabalhos com carteira assinada ou sem registro formal, como quando atuou como servente de pedreiro. Essa foi a ocupação registrada por ele, em 2007, junto à Justiça Eleitoral. Na ocasião, Adélio filiou-se ao PSOL, tendo permanecido nos quadros da sigla até 2014, quando pediu para deixar o partido. As investigações também não revelaram qualquer indício de envolvimento de partidos políticos com o crime. Antes do atentado, em seu perfil no Facebook Adélio compartilhava conteúdos críticos a Bolsonaro, como mostrou uma reportagem da Folha, em 2018.

Passagem pelo Congresso

Assim como outros episódios já citados acima envolvendo Adélio, peças de desinformação também circularam nos últimos anos dando conta de uma possível ida dele à Câmara dos Deputados, no dia 6 de setembro de 2018, mesma data do crime. É o caso, por exemplo, de uma uma publicação feita no Twitter, em 5 de agosto de 2022. O post questiona: “Como o nome do esquerdista e homicida Adélio Bispo foi parar na Câmara dos Deputados e justamente no dia em que ele desferiu uma facada no abdômen do então candidato à presidência Jair Bolsonaro?”

Conteúdos desta natureza acabaram sendo reforçados por um equívoco cometido à época dos fatos. Ainda em setembro daquele ano, um ofício redigido por Paul Pierre Deeter, diretor da Polícia Legislativa da Câmara dos Deputados, apontou a “existência de dois registros de entrada referentes à pessoa do Senhor Adélio, ambos datados do dia 6 de setembro de 2018, dia em que fora efetuada sua prisão no estado de Minas Gerais em decorrência do atentado ao deputado Bolsonaro”.

No dia 20 de setembro, foi concluída uma apuração por parte da Polícia Legislativa apontando que a “suposta visita” de Adélio à Casa foi um engano.

Segundo Paul Deeter, um funcionário da Câmara acessou o sistema para checar se havia alguma informação de que o autor da facada já teria estado no Congresso anteriormente. A atitude teria sido tomada em função da grande repercussão do caso. “O funcionário quis fazer essa busca, mas acabou registrando o nome de Adélio no sistema quatro horas depois do fato”, afirmou o diretor à imprensa.

Vale lembrar, inclusive, que Adélio foi preso pela PF instantes após o atentado, sendo impossível sua passagem pela Câmara no horário indicado no suposto registro.

Também não ficou caracterizada, segundo a investigação, nenhum tipo de má-fé por parte do funcionário da Casa. Após o arquivamento, a ocorrência foi encaminhada ao Ministério Público Federal (MPF). Tal procedimento, segundo a Câmara, é o padrão adotado em todos os casos de arquivamento de investigações ou inquéritos conduzidos pela Polícia Legislativa da Casa.

Anos antes do atentado, em agosto de 2013, há registros da entrada de Adélio na Câmara, mas não há detalhes dos locais, tampouco gabinetes visitados por ele.

Por que explicamos: O Comprova investiga conteúdos sobre pandemia, eleições e políticas públicas que atinjam alto grau de viralização nas redes sociais. Já o “Comprova Explica” serve como instrumento para que os leitores entendam um conteúdo que está viralizando e causando confusão, como é o caso do tema aqui analisado. Desde a campanha eleitoral de 2018, o episódio da facada no presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, passou a ser tema de diversas peças de desinformação e é objeto de buscas constantes no Google. Conteúdos falsos ou enganosos que envolvem atores políticos causam prejuízos ao processo democrático e atrapalham a decisão do eleitor, que deve ser tomada com base em informações verdadeiras.

Outras publicações sobre o tema: Prestes a completar quatro anos, o episódio da facada no presidente Jair Bolsonaro segue sendo alvo de boatos, especulações e desinformação. Desde então, diversos conteúdos relativos ao caso já foram analisados por agências de checagem, além de receber uma ampla cobertura da imprensa brasileira.

O Comprova, por exemplo, já verificou ser falso que Bolsonaro tem câncer e não levou facada e que médico de Bolsonaro disse “câncer de intestino” em vídeo de reportagem, mas como brincadeira. Constantemente, perfis nas redes sociais também tentam relacionar adversários do atual presidente ao crime ocorrido na cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais. Neste sentido, o Comprova já demonstrou que homem em foto com Gleisi Hoffmann não é agressor de Bolsonaro e que post mente ao tentar associar Lula e Manuela D’Ávila a facada contra Bolsonaro.

Eleições

Investigado por: 2022-08-15

Não há registro no TSE de suposta pesquisa que impede entrevistado de votar em Bolsonaro

  • Enganoso
Enganoso
São enganosas postagens que procuram desacreditar as pesquisas eleitorais ao mostrar, em vídeo, uma suposta pesquisa sendo feita por telefone que não permite o voto em Jair Bolsonaro (PL). Apuração realizada pelo Comprova mostrou que não há registro deste levantamento no banco de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Sendo assim, mesmo que a pesquisa seja real, ela não é oficial e nem pode ser divulgada ao público, sob pena de multa e prisão. Somente as pesquisas registradas no TSE, que, no caso das eleições deste ano, seguem normas definidas na Resolução Nº 23.600/2019, podem ser divulgadas publicamente.

Conteúdo investigado: É enganoso um vídeo que circula na internet no qual uma suposta pesquisa eleitoral, feita por chamada de telefone automática, não permite ao entrevistado declarar intenção de voto no presidente Jair Bolsonaro (PL) em eventual segundo turno contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A pessoa que divulgou o vídeo afirma que “assim fica fácil manipular”.

Onde foi publicado: Twitter e Facebook.

Conclusão do Comprova: O vídeo que mostra uma suposta pesquisa eleitoral fraudulenta sendo feita por telefone não pode ser utilizado para desacreditar as pesquisas eleitorais feitas no país, como insinuam, de maneira enganosa, postagens no Twitter e no Facebook. Para uma pesquisa eleitoral ser considerada oficial e, logo, poder ser divulgada à sociedade, ela precisa ser registrada no TSE. Isso implica em seguir normas que, no caso das eleições deste ano, estão definidas na Resolução Nº 23.600/2019, do próprio tribunal.

Nos registros do TSE das pesquisas para as eleições deste ano, não há nenhuma com as características daquela apresentada no vídeo verificado: ser conduzida por chamada de telefone com gravação automatizada e ter a pergunta “e se houver um segundo turno entre Bolsonaro e Lula, hoje, em quem você votaria?”.

Nenhuma das pesquisas registradas no TSE que utilizaram gravação automatizada de voz, por telefone, e responsiva a dígitos no teclado do aparelho, utiliza a mesma pergunta que aparece no vídeo verificado. Já o número de telefone que aparece no vídeo não pode ser identificado.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O tuíte verificado tem 9.440 curtidas e 621 comentários. Ele foi retuitado 4.612 vezes. O tuíte repercutiu também no Facebook, onde foi compartilhado 362 vezes a partir de 26 postagens feitas por cerca de 20 páginas diferentes, que somam mais de 2,3 milhões de seguidores. Os dados foram atualizados às 10h10 de domingo (14).

O que diz o autor da publicação: O Comprova entrou em contato com o empresário Paulo Filippus, autor do tuíte verificado. Nele, Filippus sugere que houve manipulação no levantamento. “Pesquisa por telefone não aceita o voto em Bolsonaro. Assim fica fácil manipular.” E continua: “É urgente que identifiquem a empresa que disparou essas ligações por telefone (64) 3055-7296 e os responsabilizem por essas manipulações. Isso não pode passar batido”.

Questionado sobre a origem da gravação, ele não respondeu, apenas informou que o intuito da postagem era “pedir para que as autoridades identifiquem a empresa responsável pela ligação e lhe questionem sobre o vídeo. Nada mais que isso”, disse.

Já o usuário do Twitter Osvaldo Lima Jr., que fez a publicação mais antiga identificada — em 27 de julho, às 6h34 —, foi procurado, mas não respondeu.

Como verificamos: O Comprova baixou o vídeo com auxílio da página Save from Net e o inseriu na ferramenta InVid, que separa frames e permite a busca reversa por imagens do vídeo na internet. A análise trouxe outras postagens do mesmo vídeo e uma checagem da Reuters sobre o material.

Com uso do identificador de chamadas TrueCaller, foi possível constatar que o número estava registrado na cidade de Rio Verde, Goiás. Foram acionados, então, órgãos e empresas com o intuito de identificar o responsável pelo telefone: a Junta Comercial de GO, o Procon-GO, a Anatel e a operadora Vivo. O TSE e o Ministério Público Eleitoral (MPE) também foram procurados, para saber se haviam recebido denúncias sobre a pesquisa ou se o telefone estava vinculado a alguma empresa de pesquisa cadastrada no tribunal.

O Comprova tentou localizar algum CNPJ vinculado ao telefone no motor de busca Aleph, do consórcio de jornalismo investigativo OCCRP, e em outros sites na internet. Telefonemas foram feitos para o número, mas a ligação nunca completou.

A equipe ainda buscou os autores da postagem e acessou o banco de dados do TSE com o intuito de analisar se havia registro de alguma pesquisa eleitoral com as características que aparecem no vídeo verificado: feita por gravação automatizada de voz, capaz de responder a dígitos no teclado do telefone, e com a pergunta “E se houver um segundo turno entre Bolsonaro e Lula, hoje, em quem você votaria?”.

Para tanto, foram analisadas, por buscas por palavras-chave, todas as planilhas em CSV com informações sobre as pesquisas registradas neste ano no TSE e todos os questionários aplicados por essas pesquisas.

As planilhas foram consultadas com utilização do programa RS Studio, para análise somente da coluna com informações sobre a metodologia empregada. Já os questionários, que estão em PDF e são 945 no total, foram baixados e inseridos no programa Pinpoint, que permite a busca por palavras-chave em arquivos no formato.

Pesquisa não foi registrada no TSE e não pode ser divulgada

As pesquisas eleitorais divulgadas à sociedade devem ser obrigatoriamente registradas no TSE, conforme a Resolução: 23.600/2019. O banco de dados com todos os registros feitos neste ano pode ser consultado no Portal Dados Abertos do TSE, em ‘Pesquisas Eleitorais – Atual’.

Em consulta ao site, não foi localizada nenhuma pesquisa com as duas características da que aparece no vídeo. Primeiro, ser feita por sistema URA, ou unidade de resposta audível (gravação automatizada capaz de identificar dígitos e voz), e, segundo, conter a pergunta “E se houver um segundo turno entre Bolsonaro e Lula, hoje, em quem você votaria?”.

Portanto, por lei, tendo sido fraudada ou não, a suposta pesquisa do vídeo não pode ser divulgada ao público. Caso seja, as penas aplicáveis são as descritas na própria Resolução: 23.600/2019:

  • Art. 17. A divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações constantes do art. 2º desta Resolução sujeita as pessoas responsáveis à multa no valor de R$ 53.205,00 a R$ 106.410,00.
  • Art. 18. A divulgação de pesquisa fraudulenta constitui crime, punível com detenção de seis meses a um ano e multa no valor de R$ 53.205,00 a R$ 106.410,00.

Análise das pesquisas no banco de dados

No Portal Dados Abertos do TSE, é possível baixar todos os questionários submetidos aos eleitores nas pesquisas registradas, ou seja, que estão autorizadas a serem divulgadas ao público. O teor dos questionários é uma das informações obrigatórias que a empresa ou instituto de pesquisa deve prestar no ato do registro.

O Comprova baixou todos os questionários, um total de 945 arquivos em PDF, e fez o upload deles no programa Pinpoint, do Google, que permite a busca por palavras-chave em PDFs. As buscas que apresentaram resultados foram feitas com os termos “URA” (6 resultados) e “ligação” (26).

Consultamos todos esses questionários, que foram submetidos a eleitores em pesquisas feitas pelo Instituto Goiás Pesquisas e pelo PoderData. É possível constatar que, nelas, foi utilizado sistema de gravação automatizada responsiva a dígitos no teclado do telefone, como na suposta pesquisa do vídeo investigado:

  • “A plataforma de pesquisa via Sistema URA identifica e registra no banco de respostas informações dos log’s de dados das pesquisas finalizadas e completas” (questionário do Instituto Goiás Pesquisas).
  • “Olá, esta é uma ligação do PoderData. Estamos conversando com pessoas de todo o país sobre assuntos da atualidade. Posso tomar poucos minutos do seu tempo para fazer algumas perguntas? Basta usar o teclado do telefone para escolher as respostas. Se quiser ouvir as opções novamente use sempre a tecla ZERO”. (questionário do PoderData).

No entanto, as perguntas que constam nos documentos diferem da feita na gravação mostrada no vídeo verificado (“E se houver um segundo turno entre Bolsonaro e Lula, hoje, em quem você votaria?”).

Outro conjunto de dados pesquisado foram as planilhas em arquivo CSV com informações das pesquisas realizadas neste ano, também disponíveis no Portal Dados Abertos. Usamos o RStudio, software de análise de dados a base da linguagem de programação R, para procurarmos por pesquisas que incluíssem na coluna de metodologia, chamada “DS_METODOLOGIA_PESQUISA”, a expressão “unidade de resposta audível” ou o radical “auto”.

Assim, identificamos outras empresas que utilizaram modelos automatizados para questionar eleitores: a Multi Mercado LTDA, a Percent Pesquisa de Mercado e Opinião LTDA, e a IBPAD – Consultoria e Pesquisa LTDA. Esta última, porém, realizou pesquisas pela internet, não por chamada de telefone, e apenas para divulgação interna.

Quanto à Multi Mercado LTDA e à Percent Pesquisa de Mercado e Opinião LTDA, os questionários também informam que as pesquisas foram feitas por gravações automatizadas de voz, por telefone:

  • “A técnica de coleta de dados será a de entrevistas telefônicas por meio de ligações automatizadas para telefones fixos e celulares utilizando sistema tecnológico de ligações em massa, com base em questionário estruturado” (Percent Pesquisa de Mercado e Opinião LTDA)
  • “Aplicação de questionário estruturado por meio de ligações automatizadas para telefones fixos e celulares” (Multi Mercado LTDA)

As perguntas dessas empresas sobre intenção de voto em eventual segundo turno também diferem da que é feita no vídeo verificado.

Contato com as empresas

O Comprova entrou em contato com os quatro institutos de pesquisa que realizaram, neste ano, pesquisa eleitoral por URA em chamadas telefônicas.

Segundo o professor Jorge Lima, do Instituto Goiás Pesquisas, a pesquisa que aparece no vídeo não foi feita por eles. Além disso, ele afirmou que ela não é feita pelo mesmo sistema URA que utilizam. “Nosso sistema de ligação é o sistema de URA reversa, ou seja, nós fazemos a ligação. Se uma questão ficou inválida, por exemplo, ele não passa para a próxima questão”, disse Lima.

Para ele, um ponto que pode mostrar a manipulação do vídeo é que “a pessoa é abordada e passa um tempo [para ela responder] e ela vai ainda gravar a situação. A nossa [pesquisa] se tiver 5 segundos sem resposta, a ligação cai automaticamente. Parece mais uma ligação e não um sistema de URA”.

Lima também questiona o fato da pessoa que gravou o vídeo não deixar “o questionário rodar até o final”, mostrar só a questão sobre o eventual segundo turno entre Bolsonaro e Lula, e não revelar o nome do instituto que teria feito a pesquisa.

Sócio-diretor e coordenador do PoderData, Rodolfo Costa Pinto negou “com toda certeza” que a suposta pesquisa do vídeo fosse conduzida pelo seu instituto. “Não é a gravação que a gente utiliza e também não é o texto que utilizamos”, explicou Pinto: “Nas gravações, utilizamos sempre o texto literal que está registrado no TSE, que utiliza a palavra ‘tecle’ depois de cada opção”, detalhou.

Ronye Steffan, diretor da Percent Pesquisa de Mercado, também afirmou ao Comprova que a pesquisa não foi realizada pela empresa, porque as suas entrevistas por telefone, apesar de envolverem sistema tecnológico de ligações em massa, são conduzidas por pessoas, e não URA. Steffan acrescentou que eles trabalham com o método Survey de pesquisa, tanto presencial quanto telefônico, ambos com os dados coletados por uma pessoa.

A Multi Mercado LTDA informou que a ligação não foi feita pelo instituto e que as frases registradas no vídeo não correspondem ao questionário registrado no TSE.

Número não localizado

Não foi possível localizar a quem pertence o número que aparece no vídeo: 06430557296. Foram feitas consultas na internet, em sites e programas, e procurados órgãos como a Junta Comercial de Goiás, o Procon-GO, a Anatel e a operadora Vivo. Devido à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), não foi possível obter a informação.

Ligações feitas para o número não completam. O aplicativo TrueCaller, um identificador de chamadas, aponta que o número é da cidade de Rio Verde, Goiás, e que ele é acusado de ser “Pesquisa Eleitoral Golpe” e tem “16 denúncias de spam”.

Ao clicar no botão ‘Ver”, o aplicativo mostra outra tela com mais dados, como a estimativa de que o número costuma ligar entre 11h e 14h:

Por que investigamos: Investigamos conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre as eleições presidenciais, a pandemia de covid-19 e políticas públicas do governo federal. No caso do material investigado, vimos que a publicação mostra uma suposta pesquisa eleitoral feita por telefone que, supostamente, beneficiaria um candidato, em detrimento de outro. Peças de desinformação como esta podem atrapalhar o processo eleitoral, pois enganam a população, que deve fazer sua escolha a partir de dados verdadeiros e confiáveis.

Outras checagens sobre o tema: Uma publicação semelhante ao conteúdo verificado, mas que inclui o mesmo vídeo, também foi desmentido pelo serviço de checagem de fatos da agência de notícias Reuters.

Em outras verificações sobre pesquisas eleitorais, o Comprova já mostrou que nenhuma pesquisa eleitoral aponta 70% de votos para Bolsonaro e que a postagem usa foto de atos sem presença de Lula para tentar desacreditar pesquisas eleitorais. Também já mostramos que áudio sobre fraudes em pesquisas é de comediante, não de ex-diretor do Datafolha e que post engana ao usar caso no RN para tirar credibilidade de pesquisas eleitorais.

Eleições

Investigado por: 2022-08-15

Reportagem cita outros países com cenário econômico positivo além do Brasil, diferentemente do que diz pastor

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso vídeo com o discurso de um pastor de Fortaleza afirmando que somente o Brasil terá um cenário econômico positivo em 2022, enquanto a perspectiva para a economia dos demais países é sombria e incerta. Ele cita um relatório divulgado em julho pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). O texto realmente existe, no entanto, prevê dados positivos não só para o Brasil, mas também para outros países da América Latina e do Caribe e para a Arábia Saudita. Para o Brasil, a estimativa de crescimento econômico é de 1,7% em 2022. A projeção para o México, por exemplo, é maior, chegando a 2,4%.

Conteúdo investigado: Vídeo em que o pastor Jecer Goes afirma que o FMI anunciou em julho deste ano que as perspectivas são sombrias para toda a economia mundial, menos para o Brasil.

Onde foi publicado: Facebook, TikTok e YouTube.

Conclusão do Comprova: É enganoso vídeo em que um pastor afirma que somente o Brasil terá um cenário econômico positivo em 2022, enquanto a perspectiva para a economia dos demais países é sombria.

Na gravação, de 31 de julho de 2022, Jecer Goes, um dos fundadores do Ministério Canaã, de Fortaleza, cita um relatório recente do Fundo Monetário Internacional (FMI). O pastor diz que o órgão “trouxe uma notícia que abala o mundo” e segue: “A notícia é que as perspectivas para a economia mundial são sombrias. Agora, preste atenção ao restante da notícia. O FMI informa que somente o Brasil está fora dessa perspectiva negativa”.

No entanto, o documento, chamado “World Economic Outlook” e publicado em 26 de julho deste ano, prevê dados positivos não apenas para o Brasil, mas para outros países da América Latina e do Caribe, além da Arábia Saudita.

Para o Brasil, a estimativa de crescimento econômico é de 1,7% em 2022. Colômbia e Chile também foram citados no relatório (sem as respectivas projeções) como economias que tiveram recuperação robusta e impulsionaram uma revisão do Produto Interno Bruto (PIB) para cima. A projeção para o México é maior que a brasileira, de 2,4%, assim como a da Arábia Saudita (7,6%).

Procurada, a igreja respondeu que o pastor se baseou em “reportagem publicada por diversos portais de notícias do país”. No entanto, a matéria a que se referem diz que Brasil e México estão entre as exceções, o que difere do que foi declarado pelo pastor, que usou apenas a informação do título.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: Publicado em 2 de agosto de 2022, o vídeo viralizou poucos dias depois. No TikTok, em 12 de agosto, somava 389 mil visualizações. Na mesma data, a publicação no perfil do Facebook investigado contava com 4,7 mil compartilhamentos e 110 mil visualizações. O vídeo na íntegra foi publicado, no dia 31 de julho, no canal do YouTube do religioso, que tem 83,3 mil inscritos.

O que diz o autor da publicação: Procurado, o Ministério Canaã respondeu que Goes reproduziu reportagens publicadas em portais de notícias sobre o relatório. Questionada sobre o conteúdo da reportagem, a igreja respondeu que “o pastor leu apenas o título da matéria” e que, “caso exista mais algum país incluso nesse rol de exceção, a matéria jornalística deveria ter citado no título”. E completou, com ameaça: “qualquer dúvida, passaremos o assunto ao Jurídico sobre qualquer matéria indevida que envolva o nome do pastor”.

Como verificamos: No vídeo, o pastor Goes menciona que os dados citados por ele foram obtidos em documento do FMI. Assim, a reportagem buscou no site do Fundo o relatório mais recente sobre as perspectivas para a economia mundial. Foi feita, então, a leitura do documento para entender se o conteúdo do vídeo era verdadeiro. Também foi feita uma busca no YouTube pelo canal de Jecer Goes, onde consta o vídeo do culto na íntegra.

Por fim, a equipe tentou contato com Goes por telefone, e-mail e WhatsApp da igreja e por mensagem privada no perfil do pastor no Facebook, Instagram e no seu e-mail pessoal divulgado na página de Facebook.

O relatório

O relatório “World Economic Outlook” (Perspectiva Econômica Global, em tradução livre), publicado pelo FMI em 26 de julho deste ano, aponta, de fato, para um cenário “sombrio e mais incerto” da economia mundial no período entre 2022 e 2023. O texto é uma pesquisa do corpo técnico do FMI para avaliar o desenvolvimento da economia global a curto e médio prazo. O estudo é publicado duas vezes por ano.

De acordo com as previsões dos técnicos do FMI, o PIB global, após alta de 6,1% em 2021, vai desacelerar para 3,2% em 2022. “Isso reflete a estagnação nas três maiores economias do mundo — Estados Unidos, China e a zona do euro — com importantes consequências para as perspectivas mundiais”, afirma o texto.

Entretanto, para América Latina e Caribe, a análise foi positiva. A estimativa é crescimento de 3% para toda a região. Além disso, o FMI calcula recuperação mais robusta nas economias do Brasil, México, Colômbia e Chile.

Para o Brasil, a estimativa é de alta de 1,7%. O México, porém, deve ter um crescimento ainda maior, chegando a 2,4%. O relatório não detalha os dados da Colômbia e do Chile. O FMI justifica a melhoria no Brasil e no México em razão da elevação nos preços “dos combustíveis fósseis e dos metais” exportados por estes países.

Outro destaque do FMI é com relação à Arábia Saudita, na Ásia, cujo PIB deve registar alta de 7,6% este ano.

Culto religioso no Ceará

O discurso do pastor Jecer Goes foi proferido durante o culto do dia 31 de julho de 2022, na Assembleia de Deus Canaã, no Ceará. Na gravação, antes de iniciar uma oração, ele diz à plateia: “Hoje, o Fundo Monetário Internacional, conhecido pela sigla de FMI, trouxe uma notícia que abala o mundo. A notícia é que as perspectivas para a economia mundial são sombrias. Agora, preste atenção ao restante da notícia. O FMI informa que somente o Brasil está fora dessa perspectiva negativa”.

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. Ao trazer afirmações enganosas sobre a economia em um ano eleitoral no Brasil, o vídeo verificado faz com que pessoas possam escolher seu candidato com base em informações imprecisas, o que é danoso para a democracia brasileira.

Outras checagens sobre o tema: Recentemente, o Projeto Comprova mostrou que vídeo engana ao afirmar que banqueiros apoiam Lula por supostos prejuízos ao setor provocados por Bolsonaro.

Também foi produzido conteúdo atestando ser enganoso um tuíte do deputado federal Marco Feliciano (PL-SP) dizendo que as estatais brasileiras tiveram lucro de R$ 1 trilhão em 2021, na gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Outra análise mostra que post confunde ao destacar posição do Brasil em ranking de crescimento econômico.

 

Esta verificação foi feita por jornalistas de A Tribuna, Nexo, O Popular e Tribuna do Norte que participam do Programa de Residência no Comprova.

Comprova Explica

Investigado por: 2022-08-12

Entenda o que é a política de redução de danos a usuários de drogas criticada em vídeo por Damares Alves

  • Comprova Explica
Comprova Explica
A política de redução de danos reúne uma série de estratégias que visam cuidar das pessoas que usam drogas, conferindo a elas maior qualidade de vida. As intervenções buscam, ainda, reduzir os riscos de infecções sexualmente transmissíveis. As cartilhas que tratam do assunto não são voltadas para escolas, mas para profissionais de saúde que atuam com pessoas que fazem o uso eventual de drogas e dependentes químicos. A iniciativa, cujo histórico aponta para o ano de 1926 na Inglaterra, é adotada em diversos países com resultados positivos na assistência ao público que faz uso de drogas. Ao longo do texto, utilizamos o termo usuário para fazer referência a qualquer pessoa que utilize substâncias psicoativas.

Conteúdo analisado: Vídeo da candidata ao Senado Damares Alves (Republicanos), ex-ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos do governo de Jair Bolsonaro (PL), em que ela acusa a gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de “motivar” adolescentes e jovens a usar drogas. No vídeo, publicado no YouTube, Damares lê conteúdo de cartilha que trata sobre o uso de entorpecentes e, ao fundo, aparecem imagens de trechos destacados da publicação. Há também uma inserção de fotos de Lula, candidato à Presidência da República, com um fundo preto e as inscrições: “Governo Lula ensinava em cartilha como os jovens deveriam usar crack.” A ex-ministra diz que essa era a política de prevenção ao uso de álcool e drogas na administração petista.

Comprova Explica: O vídeo de Damares Alves colocou em debate a prevenção ao uso de álcool e outras drogas durante as administrações do PT. No vídeo, a ex-ministra afirma que, no governo Lula, adolescentes e jovens eram ensinados a utilizar entorpecentes. O discurso saiu do YouTube e ganhou as redes sociais, com discussões sobre a política adotada na gestão petista.

A cartilha apresentada pela ex-ministra de fato foi produzida pelo Ministério da Saúde, à época sob o comando do ministro José Gomes Temporão, no governo Lula, mas tinha como foco serviços de saúde que acolhem usuários de drogas e dependentes químicos. Seu objetivo era auxiliar os profissionais dedicados a lidar com pessoas que se recusam a abandonar o uso de entorpecentes, mas que desejam evitar outros problemas correlacionados, como doenças transmissíveis, por exemplo. Ações neste sentido constituem a chamada política de redução de danos.

Com a repercussão do caso, o Comprova decidiu explicar o que significa a política de redução de danos divulgada por Damares e que havia sido implementada nos governos do PT.

Cartilha apresentada por Damares Alves era distribuída entre profissionais de saúde

Os trechos da cartilha lidos por Damares Alves fazem parte do álbum seriado “Prevenção às IST, HIV/Aids e Hepatites entre pessoas que usam álcool e outras drogas”, segundo Maria Angélica de Castro Comis, psicóloga e integrante da organização Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos (Reduc).

A especialista informa ao Comprova que o material foi veiculado em 2008 e era destinado a profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) que atuavam junto aos usuários e dependentes químicos.

Conforme informou o Ministério da Saúde em Nota Técnica de janeiro de 2009, ao responder a um requerimento do então deputado federal Miguel Martini, que era do PHS naquele período, foram produzidos 10 mil álbuns seriados ao custo de R$ 32.200 (R$ 3,22 cada) e, na época, 1.356 ainda estavam em estoque. A distribuição foi feita por mala direta aos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), aos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTAs) e aos Serviços de Atenção Especializada em HIV/Aids (SAE).

Acompanhava o material uma orientação expressa para que fossem utilizados exclusivamente por profissionais de saúde e organizações da sociedade civil para o trabalho dirigido às pessoas que usam álcool e outras drogas, em serviços específicos e em campo. O Comprova teve acesso ao documento via Lei de Acesso à Informação, fornecido pela Câmara dos Deputados.

O álbum compunha um kit lançado em 10 de outubro de 2008 que incluía cartão para qualquer usuário de substâncias psicoativas, com espaço para anotação do endereço do serviço de referência, e cartaz com informações referentes à redução de danos.

O objetivo do material era servir de apoio ao trabalho dos profissionais de saúde e dos agentes que atuam com redução de danos na abordagem dos usuários de álcool e outras drogas. “O conjunto de materiais foi concebido para contribuir na melhoria do acolhimento das pessoas que usam álcool e outras drogas dentro do sistema de saúde e para combater o preconceito, o estigma e a discriminação”, informa a nota técnica.

Segundo o documento, o acolhimento de qualidade possibilita a promoção da saúde, estrutura vínculos de confiança, fortalece a auto-estima, estimula o usuário a cuidar de si. “Para quem usa álcool e outras drogas, isso pode significar redução de vulnerabilidade, prevenção de doenças, diminuição/interrupção do consumo de substâncias psicoativas”, conclui o texto.

Doutora em Saúde Coletiva e pesquisadora do Grupo de Estudos em Álcool e Outras Drogas da Universidade Federal de Pernambuco (GEAD/UFPE), Rossana Rameh acrescenta que a cartilha visava atingir usuários de drogas pesadas, inclusive injetáveis, e o segmento específico de profissionais que lidam com esse público. “Não é uma tela para ser distribuída na escolinha ou em qualquer serviço de saúde”, afirma. “Era criado e feito para usuários de drogas, pessoas que dizem ‘eu uso e não quero parar, não tenho condições de parar, quero usar sem me ferrar tanto, o que eu faço?’”, diz.

O que é a política de redução de danos

Rossana Rameh ressalta que a redução de danos é uma política feita diretamente com o usuário de drogas e considera que a sociedade nunca esteve e nunca estará livre das drogas. Assim, afirma, a perspectiva levada em conta é que as pessoas vão continuar usando drogas independentemente de o governo manter ou não uma política proibicionista.

A especialista diz, ainda, que a redução de danos é um conjunto de estratégias e intervenções que visam cuidar das pessoas que usam drogas, inclusive incentivando-as a parar de usá-las, se esse for o desejo delas. Essa política, continua Rossana, não nega abstinência, mas também considera que algumas pessoas não vão desejar parar ou não poderão parar de imediato. “Isso é uma coisa mais complexa, mas que a gente precisa dizer que algumas pessoas vão usar drogas na vida”.

Para Maria Angélica de Castro Comis, que atua na área, a redução de danos é uma política que busca melhorar a qualidade de vida das pessoas, principalmente aquelas que usam drogas, além de prevenir as infecções sexualmente transmissíveis. “A redução de danos tem como objetivo modificar o padrão de uso de drogas, reduzir os agravos de saúde e sociais das pessoas mais vulneráveis, como usuárias de drogas, profissionais do sexo, pessoas em situação de rua, entre outros”, diz.

A psicóloga reforça que a redução de danos não tem como principal objetivo levar o usuário à abstinência, mas sim incentivar o cuidado. “A redução de danos pode ser um caminho para a abstinência, mas por ser uma política com baixa exigência muitas vezes é arbitrariamente acusada de apologia ao uso de drogas”, afirma Maria Angélica.

Wander Wilson Júnior, doutor em Ciências Sociais e pesquisador de drogas, saúde mental e redução de danos, afirma o mesmo. Segundo ele, a redução de danos não se trata de incitar ou não o uso de entorpecentes, mas falar francamente sobre o que é o uso e lidar com uma realidade concreta que é a existência de usuários.

“Essa erradicação e esse mundo sem drogas é uma utopia que nunca se cumpre, nunca vai se cumprir, e inclusive isso tem um papel em manter o que se chama de guerras às drogas, esse fracasso que nunca se cumpre, se mantém sempre como promessa e a resposta para essa promessa é sempre mais encarceramento, sempre menos conversa franca”, argumenta.

O especialista explica que a redução de danos é uma política pública de saúde, bem como uma tentativa ética de cuidado com as pessoas que usam drogas. “Você vai ver o usuário como uma pessoa que usa drogas, e se ele tiver sofrimento relacionado ao uso de drogas e o uso for considerado problemático, seja ele diagnosticado como dependência ou não, você vai montar, junto com essa pessoa, possibilidades de cuidado para produzir uma vida que vale a pena ser vivida”, afirma.

Ele destaca, porém, que este processo é feito de forma conjunta. “Você não vai impor uma forma de cuidado e uma moral de cima para baixo para essa pessoa, mas vai construir junto com ela”, diz: “Algumas pessoas não vão querer parar de usar drogas, outras vão colocar isso como uma meta e irão demorar algum tempo, terão suas dificuldades, e você não vai colocar a abstinência de drogas como uma exigência de cuidado com essa pessoa”.

Histórico da estratégia de redução de danos

Wander Wilson Júnior resgata a história da estratégia de redução de danos retornando ao ano de 1926, quando um relatório inglês chamado Rolleston tentou formalizar a prática, a partir da experiência de soldados em guerra.

Muitos combatentes voltaram ao seu país dependentes de opioides (morfina) e alguns deles não conseguiam parar de utilizá-los, mesmo querendo, o que atrapalhava a vida que levavam.

“Se formalizou uma possibilidade clínico-terapêutica de se ter uma prescrição médica de opioides com doses manejáveis para que a pessoa continuasse consumindo opioides, mas mantendo a sua vida, a sua rotina corriqueira, de forma produtiva”.

No Brasil, aponta Wander Wilson Júnior, o ano de 1989 foi um marco importante quando a Prefeitura de Santos, no litoral de São Paulo, tentou implementar uma política de distribuição de seringas descartáveis na região portuária, considerando a alta incidência de infecção por HIV decorrente do consumo de cocaína injetável. “Mas essa política teve que retroceder baseada numa pressão moral que envolvia mídia, religião e a sociedade de modo geral”, afirma.

Em março de 1997, São Paulo aprovou a primeira Lei Estadual de Redução de Danos (9.758/97). Sete anos depois, em outubro de 2004, a Portaria 2.197 integra a Redução de Danos ao SUS e as ações são regulamentadas pelo Ministério da Saúde pela Portaria 1028, de julho de 2005. No mesmo ano, foi aprovada pelo Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas a Política Nacional Sobre Drogas, com um capítulo destinado à redução de danos. Já em 2006, foi sancionada a Lei 11.343, que excluiu a pena de prisão para usuários de substâncias ilícitas.

Após a publicação desta verificação, o Ministério da Saúde enviou resposta ao contato anterior da equipe do Comprova. Na nota, o órgão não informa se adota, atualmente, alguma política de redução de danos. Além disso, o ministério não deu um posicionamento acerca das afirmações feitas pela ex-ministra Damares. O Ministério informou apenas sobre medidas de atendimento psicossocial realizadas atualmente.

Política de redução de danos em outros países

A política de redução de danos não é uma exclusividade do Brasil. Vários países implementaram a estratégia, visando minimizar os impactos do uso de drogas. Maria Angélica afirma que a medida é amplamente adotada em países como Canadá, Alemanha, Suíça, Austrália, Estados Unidos, Holanda, Espanha, Portugal e França. Nesses locais, segundo ela, as políticas de redução de danos estão articuladas a outras políticas públicas de saúde, assistência social, habitacional, segurança pública e trabalho. “Muitos desses países têm espaços de uso seguro de drogas, que evitam mortes por overdose e são articulados com serviços para desintoxicação”, afirma.

Para Rossana Rameh, a utilização de salas seguras, como ocorre na Suíça e Espanha, por exemplo, está longe de ocorrer no Brasil. “Aqui é algo extremamente impensável nos dias atuais, no sentido do moralismo, do medo”, diz.

A pesquisadora observa que, no Brasil, fala-se muito em guerra às drogas, mas ela avalia que essa guerra é mais voltada aos usuários. “E tem um foco. Essa guerra tem cor e classe social. O Uruguai, com toda a sua política de regulação do uso da cannabis, traz uma regulamentação que facilita o controle dessa substância e do usuário. Há um mapeamento dessas pessoas de forma muito tranquila, sem julgamento e perseguição, mas com a possibilidade de essas pessoas não se colocarem mais em risco e em violência porque estão comprando uma substância numa boca de fumo, por exemplo.”

Wander Wilson pontua que as abordagens nos diversos países que adotam as estratégias podem ser diferentes, pensando no território e nas especificidades de cada lugar, mas estão frequentemente articuladas com outras políticas, estabelecendo uma rede de cuidado.

Por que explicamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a pandemia, eleições presidenciais e políticas públicas do governo federal que viralizaram nas redes sociais. A ferramenta Comprova Explica é utilizada para a divulgação de informações a partir de conteúdos que viralizam e causam confusão. A redução de danos é uma estratégia de saúde pública que busca controlar consequências adversas ao consumo de psicoativos – lícitos ou ilícitos — sem, necessariamente, interromper esse uso. A estratégia não deve ser confundida com apologia ao consumo.

Alcance da publicação: Até o dia 12 de agosto, o vídeo da Damares Alves alcançou mais de 10,7 mil visualizações no YouTube.

Outras publicações sobre o tema: O vídeo da ex-ministra repercutiu na imprensa profissional nesta semana (Veja, Correio Braziliense), mas este não é o único tema relacionado a Lula recentemente. O Comprova já demonstrou em outras verificações que o ex-presidente não disse que vai implantar a ditadura no Brasil, nem há registros de declarações de Lula para eliminar o agronegócio da Terra. Há dois anos, o G1 apontou que era fake a alegação de que governos do PT haviam criado “bolsa usuário” para viciados em drogas.

 

Esta reportagem foi atualizada em 15 de agosto para incorporar informações enviadas pelo Ministério da Saúde e recebidas após a publicação.