O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
Filtro:

Saúde

Investigado por: 2024-03-13

Não há evidências de que suramina elimine vacina do organismo de imunizados contra a covid

  • Falso
Falso
Não é verdade que a substância suramina tenha sido identificada como um antídoto para inibir os efeitos da vacina contra a covid-19, como defende um médico em um vídeo gravado em 2021 e que voltou a viralizar. O remédio é um antiparasitário indicado para tratar a doença do sono, a doença de Chagas, a teníase e a oncocercose. O médico também cita o uso da ivermectina, outro antiparasitário, para bloquear a atuação da vacina, mas, o medicamento é contraindicado para covid pela Organização Mundial da Saúde em função de eventuais efeitos colaterais e não faz parte do rol de remédios aprovados pela Anvisa para tratamento do coronavírus.

Conteúdo investigado: Um vídeo que voltou a circular nas redes sociais mostra o médico identificado como Dr Nasser dizendo que os medicamentos suramina e ivermectina podem funcionar como um antídoto contra a proteína S gerada a partir da vacinação contra a covid-19. O trecho da gravação vem com o título “Notícia boa para os vacinados arrependidos, ou enganados! ESSA É A VERDADEIRA CIÊNCIA!” e ainda “Saiba como eliminar a vacina do seu organismo. Dr Nasser, MD PHD do Hospital Albert Einstein*”.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: Não há evidências científicas que demonstrem que a substância suramina possa impedir a atuação da vacina contra a covid-19 no organismo, assim como não há indicação médica para o uso da ivermectina por pessoas imunizadas contra a doença. O conteúdo aqui investigado integra uma palestra conduzida pelo médico José Augusto Nasser no “Encontro Liberdade e Democracia”, realizado em novembro de 2021 em São José, Santa Catarina. Já naquela época, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) alertava para a falta de evidências dos possíveis benefícios da ivermectina.

O médico, que já foi alvo de outras investigações do Comprova, defende que os remédios sejam usados para reparar mitocôndrias (estruturas dentro das células) que são supostamente destruídas pela proteína S gerada a partir da vacinação, o que não é verdade. Ele diz ainda que a suramina pode ser consumida através do chá de funcho, planta medicinal indicada para melhorar a digestão, combater cólicas e aliviar náuseas, mas a substância é, na verdade, fabricada em laboratório.

Ao Comprova, a farmacêutica Bayer, que sintetizou o medicamento pela primeira vez em 1904, disse que o antiparasitário é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como remédio essencial para tratar doenças tropicais. “Não há indicação em bula para uso relacionado à covid-19 e o medicamento não é comercializado no Brasil”, esclareceu a empresa.

Eduardo Silveira, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), explica que a proteína S estimula a produção de anticorpos para combater uma eventual infecção pelo coronavírus e que não se mantém no organismo. “Quando a gente toma uma vacina, ela é rapidamente processada. Então, para que esse suposto detox de vacina pudesse funcionar, essa proteína teria que ficar circulando eternamente, o que não acontece.”

Ainda segundo o especialista, a mitocôndria serve como um motor metabólico da célula. “Ninguém mostrou absolutamente nada sobre o papel da spike [proteína S] na mitocôndria de uma célula infectada. Pelo contrário, uma vez que o vírus invade essa célula, ele começa o processo de replicação. Então, para tentar ganhar o público, é um uso de palavras que não tem a mínima relação com a realidade.”

Procurado pela reportagem, o Hospital Albert Einstein informou que o médico José Augusto Nasser nunca fez parte do corpo clínico da instituição, diferentemente do que alega o vídeo.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 12 de março, a publicação tinha 145,4 mil visualizações no X.

Como verificamos: Primeiramente, o Comprova buscou por outras checagens feitas sobre a declaração do médico José Nasser acerca da suramina como antídoto para os efeitos da vacina contra a covid-19. Em seguida, procurou a Bayer, empresa farmacêutica que produz a suramina, e a Anvisa. Na sequência, a reportagem entrevistou o professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP) Eduardo Silveira e o presidente da Sociedade Paulista de Infectologia, Carlos Magno Fortaleza. Por fim, o Comprova fez contato com o próprio médico José Nasser.

Erro em pesquisa citada pelo médico

Durante a apresentação, o médico menciona um estudo sueco que sugere que a proteína S pode se integrar ao DNA e interferir em seu processo de reparação. Ele diz que isso levanta preocupações sobre a possibilidade de os imunizantes terem efeitos genotóxicos e carcinogênicos, ou seja, a capacidade de provocar mutações no material genético e potencialmente causar câncer.

O médico afirma que o referido artigo oferece uma análise detalhada sobre como a proteína S pode interromper a reparação do DNA, enfatizando a importância constante deste processo para prevenir o desenvolvimento de tumores.

O Comprova solicitou ao médico o estudo ao qual ele se referia, mas Nasser não enviou a publicação. De acordo com o Estadão Verifica, as fontes citadas por ele durante a apresentação remetem a uma pesquisa publicada na revista Viruses em outubro de 2021, conduzida por pesquisadores da Universidade de Estocolmo e da Universidade de Umeå, na Suécia, semanas antes da palestra realizada pelo médico.

O artigo em questão foi removido da revista em 2022 porque um dos autores descobriu que o documento apresentava um desenho experimental inadequado. Isso significa que a estrutura que orientou a coleta de dados e a análise estatística estava incorreta. Assim, as conclusões da pesquisa não têm validade.

Na palestra, o médico defende o consumo de suramina através do chá de funcho e do chá de agulha de pinheiro branco. Na imprensa internacional, especialistas reforçam que não há relatos de que a substância possa ser encontrada na natureza, já que foi sintetizada a partir de um corante chamado azul de tripano, comumente usado em laboratórios para coloração celular. Além disso, o consumo traz riscos de toxicidade renal e hepática, reações oculares, insuficiência adrenal e anemia.

“A ingestão de um chá vai fazer com que esse conteúdo esteja no estômago e no intestino, o caminho natural. Mas essas regiões não contêm células que normalmente são infectadas pelo vírus. Então, para que a ideia desse médico funcionasse, além de ter uma concentração grande dessa suramina, ela ainda teria que ser translocada do trato digestório e ficar circulando no organismo até o indivíduo ser infectado ou vacinado”, diz o professor Eduardo Silveira.

Pesquisa com suramina é inconclusiva

Um estudo publicado na revista Nature em abril de 2023 investigou se a suramina seria capaz de inibir a ligação entre a proteína spike do vírus e células humanas, impedindo a infecção. A pesquisa foi conduzida por instituições dos Estados Unidos e da Coreia do Sul. Foram analisadas estruturas das variantes do tipo selvagem, Delta e Ômicron em ensaios in vitro.

Um dos resultados observados foi de que a “suramina é um potente inibidor da infecção por SARS-CoV-2 e é mais ativa contra a variante Ômicron”. Os cientistas afirmam, no entanto, que a pesquisa não é conclusiva. “Dado que a suramina não está aprovada nos Estados Unidos devido a preocupações com a toxicidade, são necessários mais estudos farmacológicos e ensaios clínicos para demonstrar a eficácia da suramina reaproveitada como terapêutica para a covid-19 ou como profilaxia pós-exposição, por exemplo, como spray nasal.”

O estudo não faz referência sobre um possível uso da suramina para eliminar a proteína S do organismo, como sugeriu o médico do vídeo aqui verificado. Para o presidente da Sociedade Paulista de Infectologia, Carlos Magno Fortaleza, a tese de detox de vacina é irracional. “Primeiro, porque detox significa desintoxicar, tirar toxinas de dentro do corpo. E a vacina não cria, nem injeta, nem faz o organismo produzir toxinas. O que as vacinas fazem é induzir a resposta imunológica, seja através de anticorpos, seja através de células do sistema imune, contra um agente”, explica.

No Brasil, não há indicações aprovadas pela Anvisa para medicamentos com suramina. “Ressaltamos que somente ensaios clínicos que tenham finalidade de subsidiar o registro do medicamento estão sujeitos à análise e anuência da Anvisa. Pesquisas de caráter científico ou acadêmico não dependem de autorização”, diz nota enviada pela agência ao Comprova.

O Ministério da Saúde reafirmou que a vacinação de covid-19 teve “grande impacto na redução da morbimortalidade pela doença, evitando milhares de óbitos e internações no Brasil”. Reforçou, ainda, que a suramina tem sido utilizada pela medicina em diferentes contextos por possuir propriedades antiparasitárias e anti-inflamatórias. Mas deixou claro que o medicamento deve ser usado conforme indicação na bula. “Até a presente data, não existem estudos ou indícios que demonstrem que esta substância interfira na eficácia das vacinas contra a covid-19 ou de outras vacinas”, diz a nota.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova procurou o responsável pela publicação no X, mas não obteve resposta. A reportagem ainda contatou o próprio médico José Nasser, que reafirmou que a suramina inibe, sim, os efeitos da vacina da covid-19 e que os estudos já foram bem divulgados “em outras contestações”. O médico também afirmou que não recomenda mais o chá de funcho “por outras razões”, mas não deu detalhes. “A discussão médica deverá ser feita em ambiente médico e eu não me responsabilizo por muitos vídeos que não são meus que podem ainda estar circulando. Infelizmente estes conteúdos são editados, clonados e tudo pode ser feito com eles”, disse Nasser, que, como informado acima, já teve conteúdos verificados pelo Comprova.

O que podemos aprender com esta verificação: A tática de desinformação atrelada a esse conteúdo é a manipulação de fatos científicos para promover uma falsa sensação de segurança ou cura alternativa, sem embasamento em evidências científicas concretas. Para se precaver contra esses conteúdos enganosos, é fundamental buscar fontes confiáveis e especialistas reconhecidos e estudos comprovados para obter informações sobre saúde e vacinação. Além disso, é importante desenvolver o pensamento crítico e questionar informações duvidosas, verificando sua veracidade antes de compartilhá-las, contribuindo assim para conter a disseminação de desinformação.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Boatos.org, O Observador, Agência Lupa e Estadão Verifica já verificaram o mesmo conteúdo e o classificaram como falso. Outro post envolvendo Nasser, um em que ele mentia ao afirmar que estudo de Cambridge comprovou que imunizados contra a covid desenvolveram Aids, foi recentemente verificado pelo Comprova.

Saúde

Investigado por: 2024-03-07

É falso que estudo de Cambridge comprove que pessoas vacinadas contra a covid-19 adquiriram Aids

  • Falso
Falso
Não é verdade que cientistas da Universidade de Cambridge concluíram que 25% dos imunizados contra a covid-19 com vacinas de mRNA desenvolveram Aids, ao contrário do que afirma post investigado pelo Comprova. Uma pesquisa identificou em parte dos pacientes estudados uma resposta do sistema imunológico à vacina que não era esperada, mas não encontrou nenhum efeito colateral. O Ministério da Saúde confirma que nenhuma vacina tem a capacidade de causar Aids. A publicação ainda mente ao usar o termo “VAids”, que seria uma "síndrome de imunodeficiência adquirida por vacina". A condição não existe, como verificado na Classificação Internacional de Doenças (CID-11), da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Conteúdo investigado: Post no Instagram afirma que cientistas de Cambridge descobriram que 25% das pessoas que tomaram a vacina de mRNA contra a covid-19 têm “VAIDS” e que o estudo revela falhas no sistema imunológico.

Onde foi publicado: Instagram.

Conclusão do Comprova: São falsas as afirmações de médico sobre estudo da Universidade de Cambridge ter descoberto que 25% das pessoas que receberam vacina de mRNA contra a covid-19 estão com “VAids”. Esse tipo de imunizante, baseado no RNA mensageiro, simula a exposição ao novo coronavírus para poder combatê-lo, como explica o Ministério da Saúde. Já a Aids (da sigla em inglês para Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) é a doença causada pela infecção do vírus da imunodeficiência humana (HIV é a sigla em inglês). Diferentemente do que diz o autor do post, não existe uma condição chamada VAids, que seria uma “síndrome de imunodeficiência adquirida por vacina”, nem os imunizantes causam a doença.

“Esse tipo de fake news é um crime contra a saúde pública”, afirma o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri. Ele disse ao Comprova que o vírus HIV é transmitido de diferentes formas, especialmente pelo contato sexual desprotegido, mas não por meio de um imunizante. Na página dedicada à doença, o Ministério da Saúde elenca as principais formas de transmissão, além do sexo sem camisinha: uso de seringa por mais de uma pessoa; transfusão de sangue contaminado; da mãe infectada para seu filho durante a gravidez, no parto e na amamentação; e por instrumentos não esterilizados que furam ou cortam.

Em consulta à Classificação Internacional de Doenças (CID-11), da Organização Mundial da Saúde (OMS), a busca pelo termo “VAids” não traz nenhum resultado.

Contatado pelo Comprova, o Ministério da Saúde afirmou que “nenhuma vacina possui a capacidade de causar a Aids” e que os imunizantes salvam vidas.

O autor do post cita como fonte de suas afirmações o site Slay News, que leva para uma reportagem do jornal britânico The Daily Telegraph. O texto não fala que o estudo concluiu que 25% das pessoas vacinadas com os imunizantes de mRNA desenvolveram Aids ou outras doenças, apenas que tiveram uma resposta imunológica não intencional.

Tampouco a reportagem revela o nome do estudo, mas informações nele citadas levam ao artigo publicado na revista Nature. A pesquisa também não diz que as vacinas levaram as pessoas a ter Aids. O estudo foi realizado por pesquisadores da Universidade de Cambridge. Segundo texto no site da instituição, o artigo identificou que pode ocorrer uma falha na “leitura”, pelas células humanas, do mRNA da vacina, o que resultaria numa resposta imunológica não intencional, situação constatada em um terço de 21 pacientes do estudo que receberam o imunizante. No entanto, nenhum efeito nocivo no organismo dessas pessoas foi detectado.

O autor do post, que foi procurado pela reportagem e não respondeu até a publicação deste texto, já teve outros conteúdos relacionados à vacina contra a covid verificados

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O post foi removido em 5 de março, mas, até sair do ar, alcançou mais de 3,5 mil curtidas.

Como verificamos: Para obter informações sobre a vacina e a Aids, pesquisamos sites de órgãos como a OMS e o Ministério da Saúde, que foi contatado pela reportagem. Também consultamos o estudo usado como base da afirmação mentirosa, textos no site da Universidade de Cambridge que repercutem a pesquisa e tentamos contato com os autores da pesquisa, que não responderam até a publicação desse texto. Contatamos representante da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), o presidente da Sociedade Paulista de Infectologia, Carlos Magno Fortaleza, e questionamos o responsável pela postagem enganosa, que não respondeu até o fechamento desta verificação.

A tecnologia das vacinas de mRNA

As vacinas de RNA mensageiro levam, de uma forma controlada, uma mensagem para as células humanas criarem a proteína spike para que, a partir disso, o organismo possa gerar uma resposta imunológica a ela. A proteína spike é um fragmento do vírus Sars-CoV-2, causador da covid-19, por meio da qual o vírus entra nas células humanas, causando a doença.

“A vacina existe para você encontrar com o vírus de forma controlada, sem ter a doença, antes que o vírus entre em contato com você”, explicou o virologista Amilcar Tanuri, coordenador do Laboratório de Virologia Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em checagem recente do Estadão Verifica.

Ao Comprova, o presidente da Sociedade Paulista de Infectologia, Carlos Magno Fortaleza, explicou que o estudo aponta para uma nova perspectiva desse tipo de vacina. “Os cientistas estão vendo que, além dessas proteínas que são próprias do vírus, o RNA contido na vacina tem criado outras proteínas. A partir daí, há uma imunidade contra essas outras proteínas, que não são do vírus e não eram desejadas. Não é indesejado no sentido negativo, apenas não eram esperadas”, disse.

Segundo o infectologista, o próprio artigo deixa claro que a produção de outras proteínas não causa nenhum efeito colateral. “Isso não tem a ver com a Aids, é uma questão muito técnica. Não é nada absurdo”, afirmou. “Tem a ver, talvez, com melhorar [o modelo da vacina] para que seja produzida só a spike mesmo, e, então, a imunidade será apenas contra o coronavírus”, avaliou. O médico relembrou que informações falsas sobre uma suposta ligação entre Aids e vacinas já foram foram removidas por decisões judiciais.

Estudo aponta ajuste para as vacinas, mas não danos no organismo

O estudo “N1-methylpseudouridylation of mRNA causes +1 ribosomal frameshifting”, publicado na Nature em 6 de dezembro de 2023, e que foi distorcido na postagem falsa, foi realizado pelos pesquisadores Anne Willis e James Thaventhiran, do Medical Research Council (MRC) Toxicology Unit, da Universidade de Cambridge, com a colaboração de outros estudiosos das universidades de Kent, Oxford e Liverpool.

Segundo o site da instituição, o estudo descreve como as vacinas de mRNA podem causar uma resposta imunológica não intencional e aponta ajuste no desenvolvimento de futuros imunizantes com essa tecnologia que, de acordo com o site da Universidade de Cambridge, se trata de uma descoberta revolucionária, “que foi utilizada para controlar a pandemia da covid-19 e está sendo proposta para tratar vários tipos de cânceres e doenças cardiovasculares, respiratórias e imunológicas”.

Segundo o texto no site da universidade, os pesquisadores descobriram que o mRNA das vacinas pode ser decodificado de forma errada pelas células humanas resultando, além da produção da proteína spike, na produção de outras proteínas capazes de gerar uma “resposta imunológica não intencional” no organismo. Na pesquisa, que envolveu testes em laboratório com camundongos e análise de pessoas vacinadas, eles mostraram que essa falha ocorreu em um terço de 21 pacientes do estudo que receberam a vacina. Porém, nenhum efeito nocivo no organismo foi encontrado.

Os pesquisadores identificaram que um componente químico do mRNA utilizado na vacina, chamado N1-metilpseudouridina, é o causador da falha. Eles, então, redesenharam as sequências genéticas do mRNA sintético para evitar o efeito indesejado. Segundo a universidade, essa modificação pode facilmente ser aplicada a futuras vacinas de mRNA, “evitando respostas imunológicas perigosas e não intencionais”.

Pesquisadores reafirmam segurança da vacina e dizem que alegações são falsas

O texto no site da universidade destaca a seguinte declaração do imunologista James Thaventhiran, um dos responsáveis pelo estudo: “A pesquisa mostrou, sem sombra de dúvida, que a vacinação com mRNA contra a covid-19 é segura. Bilhões de doses das vacinas de mRNA da Moderna e da Pfizer foram entregues com segurança, salvando vidas em todo o mundo. Precisamos garantir que as vacinas de mRNA do futuro sejam igualmente confiáveis. Nossa demonstração de mRNAs ‘resistentes ao deslizamento’ [erro na decodificação pelas células humanas] é uma contribuição vital para a segurança futura desta plataforma médica.”

No mesmo texto, a bioquímica Anne Willis, outra responsável pelo estudo, também reafirma a segurança das vacinas de mRNA contra a covid-19 e destaca que o ajuste que identificaram pode ser facilmente implementado na produção futura de novos imunizantes com essa tecnologia: “O nosso trabalho apresenta uma preocupação e uma solução para este novo tipo de medicina. Estas descobertas podem ser implementadas rapidamente para evitar quaisquer problemas de segurança futuros e garantir que as novas terapias de mRNA sejam tão seguras e eficazes como as vacinas contra a covid-19.”

A equipe de checagem da AFP em Hong Kong checou a mesma alegação e também atestou que ela é falsa. À AFP, os pesquisadores envolvidos no estudo disseram que as afirmações de que a vacina com mRNA provocou Aids nos imunizados foram simplesmente inventadas. “Nosso último estudo não questiona a avaliação de segurança das vacinas de mRNA da covid existentes. Os dados são claros: não há evidências que liguem proteínas involuntárias a respostas imunológicas prejudiciais”, disse James Thaventhiran, acrescentando que “os humanos encontram regularmente proteínas involuntárias e geram respostas imunológicas inofensivas”.

Também à AFP, Lance Turtle, coautor do estudo e pesquisador da Universidade de Liverpool, disse que a alegação compartilhada nas redes não tem base em fatos. “Não havia absolutamente nada sobre imunodeficiência em nosso estudo… Não há nada de imunodeficiência nisso, é o sistema imunológico respondendo a uma proteína estranha”, disse Turtle.

Autor do post tem histórico de desinformação

O médico José Augusto Nasser dos Santos é natural de Campo Grande (MS), mas atua na cidade do Rio de Janeiro desde a década de 1990, em um consultório no Leblon. Especializado em neurocirurgia, ele é autor de um curso de “detox de vacinas da covid-19” com a administração de ivermectina, vitaminas e chás; nenhum desses itens é aprovado pelo Ministério da Saúde para o tratamento da doença. As aulas são oferecidas em mensagens automáticas enviadas pelo WhatsApp comercial do médico, assim como fornecimento de atestados para não receber a vacina.

Nasser também é autor do vídeo que foi compartilhado por Luciano Hang no X (antigo Twitter), resultando no bloqueio do perfil do empresário da rede social, em janeiro de 2022. Na gravação, o médico se posicionou de forma contrária à vacinação infantil com informações enganosas sobre o imunizante, alegando que se tratavam de um “experimento”, sem benefícios comprovados. Naquele mês, ele se utilizou do mesmo discurso em uma audiência pública realizada na Câmara dos Deputados a convite da deputada Bia Kicis (PSL-DF).

No Senado, o neurologista protagonizou mais uma sessão polêmica, comandada pelo senador Eduardo Girão (Novo-CE), em que criticava a necessidade do comprovante de vacinação para diversos serviços. Na ocasião, o médico sugeriu, de forma irônica, que houvesse também a proibição de pacientes com Aids, tuberculose e hepatite C em estabelecimentos comerciais.

Em outro momento, Nasser foi alvo de uma verificação do Projeto Comprova em que ficou constatado que o médico deturpou dados de uma pesquisa para disseminar informações enganosas de que a vacinação contra a Covid-19 teria resultado em abortos.

O que diz o responsável pela publicação: Ao Comprova, Nasser negou que o termo VAids tenha relação com a Aids. “São duas coisas muito diferentes”, afirmou. Porém, a expressão surgiu na pandemia, entre pessoas anti-vacina, sempre associada à Aids. Inclusive, como informado acima, ele mesmo já comparou a forma de transmissão da covid-19 com a do vírus HIV e não há na ciência uma condição chamada de VAids.

O que podemos aprender com esta verificação: É comum que os desinformadores divulguem conteúdos com tom alarmista, como este verificado aqui. Milhares de pessoas no mundo se imunizaram contra a covid-19 com as vacinas da Moderna e da Pfizer e, ao ler o post, algumas pessoas podem se assustar e achar que poderiam estar com Aids por conta do produto. Os desinformadores sabem que, ao causar a sensação de espanto ou surpresa, a pessoa impactada pode não refletir direito, ter o julgamento influenciado por aquele conteúdo. E já é mais do que sabido que as vacinas, tanto as de mRNA como as outras, são eficazes contra o novo coronavírus, então, ao se deparar com posts que associam os imunizantes a doenças, desconfie. Se achar que pode ser verdadeiro, tente encontrar o estudo citado ou o assunto publicado em outros locais. Ou, se, de fato, 25% dos vacinados estivessem com Aids, você acha que isso não mereceria atenção de autoridades, cientistas e veículos jornalísticos?

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Aos Fatos checou o mesmo conteúdo verificado aqui e posts associando as vacinas contra a covid-19 à Aids já foram classificados com falsos ou enganosos diversas vezes pelo Comprova. Alguns exemplos: é falso que vacina australiana tenha infectado pessoas com HIV; imunizante é seguro e não gera HIV, câncer ou HPV; e é falso que o Canadá tenha admitido que triplamente vacinados contra tenham desenvolvido Aids. A equipe também publicou, na seção Comprova Explica, que o imunizante não provoca Aids, ao contrário do que sugeriu Bolsonaro em live.

 

Atualização: Este texto foi atualizado em 8 de março de 2024 para incorporar resposta do responsável pela postagem investigada. 

Saúde

Investigado por: 2024-03-05

Nota técnica anulada do Ministério da Saúde não muda legislação sobre aborto; entenda

  • Comprova Explica
Comprova Explica
O Ministério da Saúde publicou uma orientação, anulada posteriormente, reafirmando que não há limite de tempo de gestação em casos de aborto legal. A nota, porém, não tem poder de mudar a legislação vigente. No Brasil, a interrupção voluntária da gravidez só é permitida em casos de risco à vida da mãe, estupro e anencefalia. Os casos em que é permitido o aborto legal são os mesmos desde 2012.

Conteúdo analisado: Nota técnica do Ministério da Saúde publicada em 29 de fevereiro foi alvo de uma série de postagens que afirmavam que o governo havia permitido o aborto até os nove meses de gestação. O texto, revogado um dia depois, pedia a anulação de uma recomendação feita no governo anterior, que determinava que o aborto legal só poderia acontecer até 21 semanas e 6 dias de gestação. A nota, porém, não tem poder de mudar a legislação vigente.

Comprova Explica: As secretarias de Atenção Primária e de Atenção Especializada do Ministério da Saúde publicaram em 28 de fevereiro uma nota técnica que propunha a anulação de outra nota, de 2022, da gestão de Jair Bolsonaro (PL), que estabelecia um limite de 21 semanas e 6 dias de gestação para casos de aborto legal. Esse período não era, porém, embasado por nenhuma decisão legal ou consenso científico.

A mesma orientação aparecia em um guia do MS para profissionais de saúde, Atenção Técnica para prevenção, avaliação e conduta nos casos de abortamento, que trazia orientações para condutas nos casos de interrupção da gravidez.

O conteúdo da nota técnica do fim de fevereiro foi criticado e distorcido em publicações nas redes sociais, inclusive de deputados da oposição, como Nikolas Ferreira e Daniel Freitas, ambos do Partido Liberal (PL), que alegaram que o governo teria autorizado o aborto até o 9º mês de gravidez. Desde a publicação da lei que define quais são os casos legais de aborto, em 1940, não há nenhum limite de idade gestacional para o procedimento.

Além disso, as notas técnicas não têm força de lei. São documentos elaborados por especialistas dos ministérios, emitidos quando há necessidade de esclarecer algum assunto e que apenas oferecem fundamentação “para tomada de decisões”. O documento foi revogado um dia depois da publicação, em 29 de fevereiro. Em nota para a imprensa, o ministério afirmou que ele não passou “por todas as esferas necessárias e nem pela consultoria jurídica da pasta”.

Documento revogava orientação que já não tinha efeito desde o ano passado

A nota anulada pretendia suspender uma recomendação que já não tinha efeito desde o ano passado. Em janeiro de 2023, primeiro mês do atual mandato do presidente Lula (PT), o Ministério da Saúde publicou uma portaria que revogou o documento do ano anterior, que falava em limite de tempo, “por não estar alinhado com a atual orientação sobre direitos sexuais e reprodutivos do Ministério da Saúde” (a justificativa está disponível na página onde o manual podia ser consultado).

Em outra manifestação do ministério, a Nota Técnica Conjunta nº 37/2023, publicada em setembro do mesmo ano, a pasta refuta os argumentos da gestão anterior ao apontar que o tempo gestacional e o peso do feto são elementos importantes em casos de aborto espontâneo, mas não são levados em consideração nos casos de aborto induzido, segundo definição da Organização Mundial da Saúde (OMS). “A definição legal de aborto é a interrupção da gravidez anterior ao tempo compreendido entre a concepção e o início do trabalho de parto, o qual é o marco do fim da vida intrauterina”, aponta o texto.

Para os autores da nota publicada em setembro, a recomendação emitida durante a gestão de Jair Bolsonaro “intimida a população e os profissionais de saúde que atuam nos poucos serviços que acolhem as pessoas com direito ao aborto no Brasil”. O texto ainda critica trecho do manual de 2022 que afirmava que “todo aborto é um crime, mas quando comprovadas as situações de excludente de ilicitude após investigação policial, ele deixa de ser punido, como a interrupção da gravidez por risco materno”. “Aborto legal não é crime e ameaçar meninas e mulheres com investigação policial é tortura do estado”, afirma a nota nº 37/2023.

O Comprova entrou em contato com o Ministério da Saúde questionando o motivo de anular uma recomendação já suspensa, mas não obteve resposta até a conclusão desta verificação.

Nota técnica de 2022 embasou recusa de aborto legal

Mesmo sem ter caráter de lei, a orientação emitida em 2022 pelo governo Jair Bolsonaro ajudou a fundamentar uma decisão judicial que impediu uma menina de 11 anos, vítima de estupro, de fazer um aborto legal em Santa Catarina.

A criança descobriu a gravidez quando já estava na 22ª semana, ao ser encaminhada a um hospital universitário em Florianópolis. Os médicos se recusaram a fazer o procedimento citando a recomendação do Ministério da Saúde.

O caso foi à Justiça e, durante a audiência, a juíza Joana Ribeiro Zimmer tentou convencer a garota a manter a gestação “mais um pouquinho”. Após repercussão do caso na imprensa, o Ministério Público Federal fez uma recomendação e a menina conseguiu interromper a gravidez. Em nota, o órgão reforçou que “é recomendado atender vítimas de estupro, independentemente da idade gestacional”. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu uma investigação contra a juíza que tentou impedir o cumprimento da lei.

Quais são os casos legais de aborto no Brasil?

O aborto provocado é considerado crime de infanticídio, segundo o Código Penal Brasileiro, exceto em dois casos: estupro e risco de morte da mãe. Uma última exceção foi aprovada pelo STF em 2012, quando o feto é anencéfalo, ou seja, apresenta uma má-formação do cérebro que inviabiliza a sobrevivência fora do útero. No relatório, o então ministro Marco Aurélio justificou que “impor à mulher o dever de carregar por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, não sobreviverá” era uma violência à dignidade humana.

Tramita ainda no Supremo a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que discute a descriminalização do aborto nas primeiras 12 semanas da gestação. Antes de se aposentar, a ministra Rosa Weber votou para permitir a interrupção voluntária da gravidez nesse período, independentemente da circunstância, e argumentou que, embora não caiba ao STF elaborar políticas públicas – papel que seria dos poderes Executivo e Legislativo –, a criminalização do procedimento é um debate constitucional. O julgamento foi suspenso em setembro de 2023 e não há previsão de quando será pautado novamente.

Como verificamos: A nota anulada no final de fevereiro não está mais disponível no domínio do Ministério da Saúde, mas a reportagem conseguiu a íntegra com fontes da pasta. Já a nota técnica conjunta anterior, de 2022, está anexada à ação sobre a descriminalização do aborto que tramita no STF e pode ser consultada no site da Corte.

O manual de 2022 também não está mais disponível no site do ministério, mas foi possível obtê-lo ao buscar o endereço no Wayback Machine, que arquiva páginas da internet.

Por fim, para saber quais são os casos em que o aborto é legal no Brasil, a reportagem consultou o Código Penal e a decisão do STF de 2012 que permitiu a interrupção de gravidez de fetos anencéfalos.

Por que explicamos: O Comprova Explica busca esclarecer conteúdos em discussão nas redes sociais com potencial de gerar desinformação. A nota técnica anulada motivou publicações enganosas em perfis de grande engajamento, o que pode causar dúvida sobre quais são os casos em que o aborto é legal no Brasil e se o governo atual fez alguma mudança relacionada ao assunto. Não há nenhuma mudança nas hipóteses em que o aborto é descriminalizado desde 2012.

Outras checagens sobre o tema: Os boatos relacionados à suspensão da nota técnica do Ministério da Saúde já foram negados pelo Aos Fatos, g1 e Estadão Verifica. Em 2022, o Comprova também mostrou que era falso um panfleto dizendo que Lula liberaria o aborto.

Política

Investigado por: 2024-02-29

É falso que Israel cancelou contrato para fornecimento de aparelho contra o câncer depois de fala de Lula

  • Falso
Falso
É falso que Israel cancelou contratos firmados no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), para fornecimento de aparelhos para diagnóstico e tratamento de câncer, durante a gestão do presidente Lula (PT). Procurados pelo Comprova, o Ministério da Saúde e o Instituto Nacional do Câncer (INCA) esclareceram que nunca houve acordo entre os dois países. Já a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) afirmou que o método mencionado na publicação não existe; é um desafio científico e tecnológico ainda não atingido.

Conteúdo investigado: Uma publicação afirma que um acordo firmado em 2019, entre Brasil e Israel, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), importaria, a partir de 2024, um aparelho com tecnologia israelense que detecta câncer de mama e próstata a partir da primeira célula e faz a retirada de tumores sem cortes. Entretanto, o contrato teria sido cancelado dias após as falas do presidente Lula (PT) sobre a atuação israelense na guerra na Faixa de Gaza.

Onde foi publicado: X e Telegram.

Conclusão do Comprova: É falso que Israel tenha cancelado contratos de exportação na área da saúde ao Brasil após o presidente Lula (PT) criticar a atuação israelense no conflito com o Hamas. Postagens citam a venda de um suposto aparelho que detectaria câncer de mama e de próstata precocemente, mas os contratos nunca existiram. A publicação também diz que os acordos teriam sido firmados em 2019, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e que a tecnologia chegaria ao país a partir de agosto deste ano.

Procurado pelo Comprova, o Ministério da Saúde negou que haja qualquer contrato de importação de equipamento para tratamento oncológico com o governo de Israel. O Instituto Nacional do Câncer (INCA) também reafirmou a inexistência de acordo em vigor entre a instituição e empresas israelenses para a compra de dispositivos de tratamento de câncer de mama e de próstata. “As alegações de cancelamento de contrato são infundadas e foram categorizadas como informações falsas”, destacou o instituto.

Além disso, de acordo com a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), o aparelho supostamente criado por Israel mencionado na publicação não existe. “O câncer de mama é uma doença complexa que envolve a multiplicação descontrolada de células anormais. Detectar o câncer a partir da primeira célula é um desafio científico e tecnológico que ainda não foi atingido”, destacou a entidade

O post mente ainda ao afirmar que a transação teria sido desfeita pela gestão israelense em 21 de fevereiro de 2024. O conteúdo sugere que o suposto rompimento do contrato teria sido motivado pelas declarações de Lula em uma entrevista coletiva em Adis Abeba, capital da Etiópia, em 18 de fevereiro, quando fez um paralelo entre a guerra na Faixa de Gaza e o Holocausto. O post faz isso ao utilizar uma imagem com a hashtag NaziLula e uma suástica nazista, formada por vários “L”, em alusão ao nome do chefe de Estado.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 29 de fevereiro, a publicação no X (antigo Twitter) teve 300,5 mil visualizações, 12 mil curtidas, 4 mil compartilhamentos e 351 comentários. Já no Telegram, o post recebeu 4,3 mil visualizações.

Como verificamos: A reportagem pesquisou no Google por contratos entre Brasil e Israel na área da saúde, para diagnóstico e tratamento de câncer, e encontrou verificações de outros veículos sobre o tema, entre 2019 e 2024. Ainda foram procurados o Ministério da Saúde e o INCA para questionar sobre a existência do contrato citado na publicação. A Sociedade Brasileira de Mastologia também foi consultada para esclarecer sobre a veracidade e utilização da suposta tecnologia israelense.

Diagnóstico a partir da primeira célula é desafio ainda não atingido

A tecnologia que a publicação afirma ter sido criada em Israel e que faz a detecção de câncer a partir da primeira célula não existe. De acordo com a Sociedade Brasileira de Mastologia, o câncer de mama é uma doença complexa que envolve a multiplicação descontrolada de células anormais e, por isso, o método de diagnóstico citado é um “desafio científico e tecnológico que ainda não foi atingido”, mas existem pesquisas na área.

“A SBM conhece, por exemplo, a existência de pesquisas sobre biópsia líquida, um método desenvolvido por cientistas brasileiras da Universidade Federal de Uberlândia que permite a detecção do câncer de mama pelo sangue. O método consiste em analisar o DNA das células tumorais que circulam na corrente sanguínea. É menos invasivo que outros exames e pode contribuir, futuramente, para o diagnóstico precoce da doença. Além disso, os mastologistas também acompanham o andamento das pesquisas israelenses com uso da inteligência artificial para diagnóstico precoce do câncer de mama e com vacina para prevenir a doença”, afirmou a Sociedade.

Com relação à retirada de tumores sem cortes, o INCA afirmou que utiliza técnicas de ablação de pequenos tumores em casos selecionados, que consiste em um tratamento minimamente invasivo guiado por ultrassonografia ou tomografia, realizado pelo intervencionista oncológico, que acarreta na destruição térmica, química ou elétrica de um tumor benigno ou maligno. Existem diferentes tipos de ablação, dependendo do órgão e do método utilizados. Porém, segundo o Instituto, não se trata de uma tecnologia israelense. “Essas técnicas já existem há anos e não estão relacionadas a um contrato específico com Israel.”

A SBM também explica que existe uma técnica denominada crioablação, que consiste na colocação de uma agulha dentro do nódulo, guiado por ultrassonografia, provocando o congelamento do tumor e de parte do tecido ao redor. Contudo, ressalta que pode ser indicada apenas para pacientes com tumores pequenos (preferencialmente menores que 1cm), únicos e sem metástases em linfonodos axilares. A entidade também lembra que se trata de um método de tratamento e não diagnóstico de câncer de mama.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova não conseguiu contato com a autora da publicação, porque o perfil no X (antigo Twitter) não é aberto para receber mensagens. A reportagem também tentou contato por telefone e WhatsApp, mas não conseguiu resposta até a publicação desta verificação.

O que podemos aprender com esta verificação: É comum que apoiadores de grupos políticos inventem informações e criem cenários falsos para atacar, desacreditar e provocar rejeição contra opositores. Publicações como a investigada aqui também geram comoção da audiência, por tratar de temas relacionados à saúde, em especial o câncer, que afeta pessoas de todas as idades e seu diagnóstico e tratamento ainda são considerados um desafio para a medicina e ciência. É necessário ficar em alerta com a divulgação de informações sobre ações de governos e envolvendo tratamentos de doenças. Nesses casos, deve-se sempre checar o conteúdo com órgãos oficiais, entidades e na imprensa profissional.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: As informações sobre o acordo entre o Brasil e Israel circulavam desde 2019 e já haviam sido alvo de investigação do Estadão e UOL naquele ano. Em 2024, o cancelamento do suposto contrato também foi verificado pelo Estadão Verifica e Reuters. Ainda neste ano, o Comprova explicou sobre a abertura do processo de impeachment contra Lula, após as falas sobre a guerra em Gaza. O Comprova também desmentiu, em 2023, a relação entre vacinados contra a covid-19 e mortes por câncer na Inglaterra e que o imunizante contra a poliomielite causou câncer em 98 milhões de americanos.

Contextualizando

Investigado por: 2024-02-26

Médico foi premiado nos EUA por entidade da qual é membro e ainda responde a ação na Justiça Federal

  • Contextualizando
Contextualizando
Publicação que diz que o endocrinologista Flávio Adsuara Cadegiani, após ser inocentado de crimes no Brasil, recebeu prêmio nos EUA, omite contexto relevante. O médico é membro da instituição que fez a homenagem. Criada na pandemia da covid-19, a entidade é formada por profissionais que defendem o uso de medicamentos sem comprovação científica de eficácia para tratar a doença, como a ivermectina. Cadegiani é investigado por estudo realizado com o medicamento proxalutamida em pessoas internadas com covid-19 no qual houve a morte de 200 pacientes no Amazonas. Ele foi inocentado em processos administrativos nos Conselhos Regionais de Medicina do Amazonas e do Rio Grande do Sul, mas ainda é alvo de um inquérito criminal no Amazonas e uma ação civil pública no Rio Grande do Sul.

Conteúdo investigado: Uma publicação de uma ex-integrante do governo Bolsonaro sobre o médico Flávio Cadegiani aponta que o endocrinologista recebeu prêmio de reconhecimento pela contribuição científica nos Estados Unidos. Postagem acompanha manchete “Depois de ser inocentado de crimes no Brasil, cientista brasileiro é premiado nos EUA”. A matéria, publicada pelo Médicos pela Vida, associação que defende o “tratamento precoce” contra covid-19, afirma que Cadegiani foi atacado pela imprensa por estudo com proxalutamida em 2021 e que foi injustamente alvo de busca e apreensão. O texto também afirma que o estudo de Cadegiani foi reconhecido nas mais renomadas instituições científicas do mundo como de alta qualidade.

Onde foi publicado: Instagram, X (antigo Twitter), Facebook e YouTube.

Contextualizando: O médico Flávio Cadegiani, investigado no Brasil por supostas irregularidades em estudo para tratar pacientes com covid-19 com o medicamento proxalutamida, ainda não aprovado para tratar a doença, recebeu um prêmio nos Estados Unidos, no dia 2 de fevereiro, por “Contribuições para a Excelência em Pesquisa”. A notícia repercutiu nas redes sociais, com um tom de que seria uma prova de que o médico teria sofrido perseguição em seu país.

O prêmio, porém, foi concedido pela Front Line COVID-19 Critical Care Alliance (FLCCC), que apresenta Cadegiani como um de seus membros-fundadores e defende o tratamento precoce contra a covid-19 com medicamentos como a ivermectina e a hidroxicloroquina, que não são recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para tratamento da doença. Segundo informações da equipe do médico e confirmadas pela FLCCC, no entanto, Cadegiani não participou da criação da aliança. A associação alega que o endocrinologista recebeu o título porque “se juntou à organização em seus primeiros dias e contribuiu extensivamente para o que a organização se tornou”.

O Comprova analisou versões anteriores do site da associação por meio da ferramenta Wayback Machine e constatou que o nome de Cadegiani, de fato, não aparece nas primeiras edições. A primeira aparição do nome do médico como membro data de 2021.

O prêmio foi entregue pelos médicos Paul Marik e Pierre Kory, diretor científico e presidente e diretor médico da FLCCC, respectivamente. Em novembro de 2021, um artigo escrito pelos dois foi retirado de publicação pela revista científica Journal of Intensive Care Medicine. A retirada aconteceu após o hospital cujos dados de mortalidade foram utilizados no estudo entrar em contato com o periódico e sinalizado erro nos números da pesquisa. Dessa forma, o artigo, intitulado “Clinical and Scientific Rationale for the ‘MATH+’ Hospital Treatment Protocol for COVID-19”, passava a falsa impressão de que o protocolo defendido pela FLCCC para o tratamento de pessoas hospitalizadas com covid-19, chamado “MATH+”, que inclui medicamentos como hidroxicloroquina e ivermectina, tinha tido resultado positivo na redução do número de mortes. Os outros médicos que assinam o estudo também são da organização.

Os médicos Pierre Kory e Flávio Cadegiani participaram de um outro estudo sobre o uso da ivermectina como tratamento profilático da covid-19, publicado na revista Cureus, que, posteriormente, divulgou uma errata ao tomar conhecimento que os autores haviam omitido informações sobre conflitos de interesses. Segundo a errata, Cadegiani não informou ser “consultor pago (US$ 1,6 mil, cerca de R$ 8 mil) da Vitamedic, fabricante de ivermectina” e “membro fundador da Front Line COVID-19 Critical Care Alliance (FLCCC), uma organização que promove a ivermectina como tratamento da covid-19”.

Já Pierre Kory omitiu ser presidente e diretor médico da FLCCC. A errata ainda diz que, em fevereiro de 2022, “Kory abriu um serviço privado de telessaúde para avaliar e tratar pacientes com covid aguda, covid de longa duração e síndromes pós-vacinais”.

A informação também consta em artigo da revista Time, intitulado “Right-Wing Doctors Are Still Peddling Dubious COVID Drugs”, de maio de 2023. Segundo o texto, o médico Pierre Kory lançou um “centro de tratamento avançado da covid-19” com consultas a U$ 1.650 (cerca de R$ 8.250) para atendimento de ‘síndrome pós-vacinação’ ou outros problemas”. Ainda segundo a matéria, outro membro da FLCCC, o médico Fred Wagshul, vende consultas sobre ivermectina a U$ 211 (cerca de R$ 1.055).

Cadegiani foi inocentado em Conselhos de Medicina mas ainda responde a ação na Justiça Federal

A postagem sobre o prêmio de Flávio Cadegiani diz que o médico foi “inocentado de crimes no Brasil”, mas necessita de contexto. Cadegiani é investigado por supostas irregularidades em estudo com o medicamento proxalutamida, administrado em pacientes com covid-19, no qual houve a morte de 200 pacientes no Amazonas. O médico foi inocentado em processos administrativos nos Conselhos Regionais de Medicina do Amazonas e do Rio Grande do Sul. Porém, dois procedimentos contra ele ainda tramitam na Justiça Federal: um inquérito criminal, no Amazonas, e uma ação civil pública, no Rio Grande do Sul.

Em setembro de 2021, no ofício enviado à Procuradoria-Geral da República (PGR) para que o órgão investigasse as mortes no estudo no Amazonas, a Conep relata uma série de irregularidades, como aplicação em locais diferentes e com número de participantes acima do autorizado, desrespeitando, segundo o órgão, o protocolo da pesquisa que havia sido aprovado.

De acordo com a Conep, a autorização dada ao endocrinologista permitia que a pesquisa com proxalutamida fosse realizada com 294 voluntários, em Brasília. No entanto, Flavio Cadegiani começou a aplicar o medicamento em pacientes no Amazonas e em outros estados, como o Rio Grande do Sul. O órgão também alega que o parecer final entregue pelo médico continha resultados de 645 pessoas, mais do que o dobro do número autorizado.

Procurada pelo Comprova, a PGR informou que o inquérito criminal aberto pelo Ministério Público Federal (MPF) para apurar as mortes durante o estudo está em tramitação na Justiça Federal do Amazonas, sob sigilo. O órgão ainda informou que há outro inquérito que investiga Cadegiani em processo em andamento na Justiça Federal do Rio Grande do Sul. Neste último caso, o MPF moveu ação civil pública contra um conjunto de réus em razão de supostos fatos lesivos à saúde pública em estudo com proxalutamida para tratamento da covid-19 no Hospital Arcanjo São Miguel, em Gramado, no Rio Grande do Sul. A pedido do MPF, a Polícia Federal chegou a cumprir mandados de busca e apreensão contra o médico e outros envolvidos no estudo.

O caso resultou em denúncia contra Cadegiani na CPI da Pandemia por crime contra a humanidade. Na época, a Rede Latino-americana e Caribenha de Bioética (Redbioética), da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), disse que o caso “poderia ser um dos episódios mais graves e sérios de infração à ética de pesquisas e de violação aos direitos humanos dos participantes na história da América Latina”.

Em relação às mortes, Cadegiani argumentou que a maioria havia sido registrada no grupo que tomou placebo. Segundo a Conep, diante do alto número de mortes era necessário interromper o cegamento do estudo – o medicamento fornecido aos participantes (proxalutamida ou placebo) era desconhecido do pesquisador – para verificar se os óbitos estariam associados à toxicidade do medicamento ou se o grupo de controle estaria em desvantagem por suposta eficácia da proxalutamida.

A comissão ainda alegou que o pesquisador “nunca demonstrou a rastreabilidade dos medicamentos fornecidos na pesquisa (cadeia de distribuição e dispensação), sendo impossível certificar qual produto o grupo controle realmente recebeu”.

Em entrevista ao portal Metrópoles, Flávio Cadegiani negou violações éticas e defendeu o estudo. Já em nota enviada ao Comprova, a assessoria do médico alegou que ele não fez publicações em que nega responder a processo na Justiça e ressaltou que Cadegiani foi inocentado pelos Conselhos de Medicina do Amazonas e do Rio Grande do Sul. “Ambos os conselhos concluíram pela total regularidade da conduta do pesquisador e que o estudo fora, sim, autorizado. Ainda constatou-se que a condução dos ensaios estava de acordo com os princípios éticos e com a legislação vigente no país”, destaca trecho da nota (Parágrafo acrescentado após a publicação de uma primeira versão deste texto).

Quem é Flávio Cadegiani

Flávio Cadegiani é médico formado pela Universidade de Brasília (UnB) com especialização em endocrinologia e metabolismo pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabolismo (Sbem). Com histórico de obesidade na infância, o médico se tornou conhecido no tratamento de pessoas com a doença, em Brasília. O especialista é autor do livro “Overtraining Syndrome in Athletes, A Comprehensive Review and Novel Perspectives”, publicado pela editora Nature.

Em 2021, um estudo coordenado por Cadegiani ganhou projeção nacional após se tornar alvo da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), do Conselho Nacional de Saúde (CNS), atrelado ao Ministério da Saúde. A comissão enviou, em setembro daquele ano, ofício à Procuradoria-Geral da República (PGR) para que o órgão investigasse a morte de 200 pessoas que participaram do estudo com proxalutamida no Amazonas.

O endocrinologista foi convocado, ainda em 2021, a depor na Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia, que o indiciou por crime contra a humanidade relativo ao estudo com proxalutamida. Assim como Cadegiani, a médica Mayra Pinheiro, autora da postagem analisada aqui, foi convocada no inquérito. Ela foi indiciada por epidemia com resultado morte, crime contra a humanidade e prevaricação. Na época, a médica ocupava a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, do Ministério da Saúde, durante o governo de Jair Bolsonaro. Mayra Pinheiro, que ficou conhecida como “Capitã Cloroquina”, chegou a disputar eleições em 2022 para deputada federal pelo Partido Liberal (PL), mas não se elegeu.

Ambos os profissionais defendiam o chamado “kit-covid”. De acordo com o relatório da CPI, o conjunto de remédios sem eficácia comprovada, cujos mais conhecidos eram a cloroquina, a hidroxicloroquina, a ivermectina e a azitromicina, não é um “rol fechado”. “A depender de quem se expressa, podem ser incluídos a flutamida, proxalutamida, colchicina, spray nasal, bem como vitaminas diversas e suplementos alimentares”, destaca o texto. Segundo a Anvisa, além das vacinas, os medicamentos aprovados para tratar a covid-19 são: remdesivir, sotrovimabe, baricitinibe, paxlovid (nirmatrelvir + ritonavir), molnupiravir e tocilizumabe.

Como o conteúdo pode ser interpretado fora do contexto original: Da forma como foi divulgada, a postagem dá a entender que Cadegiani recebeu prêmio de instituição americana independente e respeitada no meio científico, e que ele foi absolvido de investigações do MPF que tiveram repercussão na imprensa, umas delas criminal, por estudo com proxalutamida no tratamento a pacientes com covid-19. Essas interpretações, sugeridas pela postagem, não condizem com a realidade.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova buscou a médica Mayra Pinheiro por meio de contato disponibilizado em sua rede social, por mensagens nas plataformas, e pelo PL do Ceará, mas sem sucesso. 

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Publicado no Instagram, a postagem alcançou 24,3 mil visualizações até 26 de fevereiro.

Como verificamos: O Comprova buscou informações sobre o prêmio dado a Cadegiani e constatou que ele foi concedido pela FLCCC Alliance. Em seguida, foram consultadas informações no site da organização e em veículos de imprensa sobre seus fundadores, além de pesquisas sobre o médico. Também foram consultados documentos oficiais da CPI da Pandemia. O Comprova ainda fez contato com a PGR para apurar sobre os inquéritos abertos pelo MPF contra Cadegiani, consultou um deles, que não está sob sigilo, no site da Justiça Federal do RS, e buscou informações sobre a responsável pela postagem analisada.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já publicou uma série de checagens que desmistificam o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19. Entre eles, Flavio Cadegiani já apareceu em verificação de vídeo enganoso em que médicos associam o aumento de problemas cardíacos à vacinação e em estudo sobre ivermectina, que apresenta dados imprecisos e não comprova eficácia do antiparasitário contra covid.

 

Atualização: Este Contextualizando foi atualizado em 27 de fevereiro de 2024 para incluir resposta da equipe do médico Flavio Cadegiani recebida posteriormente à publicação e, em 28 de fevereiro, para incluir esclarecimento da Front Line COVID-19 Critical Care Alliance (FLCCC) sobre o nome do médico constar em seu site como membro fundador da entidade.

Correção: uma primeira versão deste Contextualizando informou equivocadamente que o médico respondia a “processos” na Justiça Federal. Como consta deste texto atualizado, Cadegiani é alvo de um inquérito que corre sob sigilo na Justiça Federal no Amazonas e de uma ação civil pública na Justiça Federal do Rio Grande do Sul.

Saúde

Investigado por: 2024-02-21

É falso que chá de folha de mamão combata a dengue

  • Falso
Falso
Não há comprovação científica de que a folha do mamoeiro e derivados da planta, como chá ou extrato de folha de mamão, sejam eficazes no tratamento de pacientes com dengue e no aumento dos níveis de plaquetas. Infectologistas consultados pelo Comprova afirmam que a planta não traz benefício clínico de aumento de plaquetas e também não previne eventuais complicações da dengue, como a hemorragia.

Conteúdo investigado: Dois vídeos publicados nas redes sociais que apresentam maneiras de tratar a dengue usando folha de mamão para aumentar os níveis de plaquetas e evitar um eventual quadro hemorrágico. A autora de um dos conteúdos investigados ensina a fazer um chá usando a folha de mamão sob o argumento de que a infusão a teria ajudado na recuperação da doença. No outro vídeo, um homem recomenda o extrato de mamão como uma maneira natural de combater a doença sem efeitos colaterais.

Onde foi publicado: TikTok e Facebook.

Conclusão do Comprova: Não existem evidências científicas que comprovem que a folha do mamoeiro aumenta os níveis de plaquetas e evita complicações da dengue, como o quadro de hemorragia. De acordo com especialistas consultados pelo Comprova, o chá de folha de mamão ou o extrato de mamão, recomendados nos conteúdos investigados, não possuem ação direta ou indireta no aumento de plaquetas e não podem ser considerados uma forma de tratamento no combate aos efeitos da dengue.

Os autores dos vídeos afirmam que a folha do mamão teria propriedades medicinais no tratamento da dengue. Em uma das gravações, uma jovem diz ter tido a doença e afirma que o chá de folha de mamão aumentou suas plaquetas. No outro conteúdo investigado, um homem, que nas redes sociais se apresenta como biólogo e especialista em plantas medicinais, recomenda usar extrato de mamão para combater a dengue de maneira natural. Também segundo ele, a folha aumentaria os níveis de plaquetas e evitaria o quadro de hemorragia.

De acordo com o infectologista Alexandre Naime Barbosa, que é professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), o consumo de chá de mamão, folha de mamão ou de suco de mamão não traz benefício clínico de aumento de plaquetas, seja na pessoa saudável ou no paciente com dengue. Na avaliação do especialista, alegações como essas desviam a atenção do que realmente importa, que é o diagnóstico precoce da doença e a busca por um serviço médico para fazer a hidratação adequada.

Conforme explicou a infectologista Marise Reis, professora associada e chefe do Departamento de Infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a queda de plaquetas é uma alteração esperada nos casos de dengue, mesmo nas formas mais brandas. Segundo Reis, os índices das plaquetas servem como parâmetro para avaliar se o caso tem gravidade ou não. “As plaquetas caem mesmo e elas são recuperadas posteriormente, de forma espontânea”, disse. Ela acrescentou que não há evidência ou estudo que comprove a relação entre o consumo do chá de folha de mamão e o aumento do nível de plaquetas. “Para controle da dengue, eu diria que não temos nenhuma evidência científica e eu não recomendo”, ressaltou.

A página do Ministério da Saúde dedicada à dengue esclarece que ainda não existe tratamento específico para a doença e que a melhora do quadro requer reposição adequada de líquidos. A pasta orienta que, além da ingestão de líquidos, o paciente deve fazer repouso, não se automedicar, procurar imediatamente o serviço de urgência em caso de sangramentos ou surgimento de pelo menos um sinal de alarme e retornar para a reavaliação da situação clínica, de acordo com a orientação médica.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O vídeo publicado no Tiktok acumula 261 mil visualizações, 16,3 mil curtidas e mais de 7 mil compartilhamentos até o dia 21 de fevereiro de 2024. O outro conteúdo investigado, publicado no Facebook, contava com 15 mil visualizações até a publicação desta checagem.

Como verificamos: A reportagem entrevistou infectologistas citados acima e consultou as orientações do Ministério da Saúde a respeito dos sintomas e tratamento correto da dengue.

Folha de mamão não tem eficácia científica comprovada

Ao Comprova, Alexandre Naime Barbosa, da SBI, explicou que não existem estudos clínicos com comprovação de que o chá de folha de mamão ou qualquer outro produto do mamão provoque o aumento de plaquetas no corpo humano. Segundo Barbosa, o que pode existir são estudos in vitro, ou seja, realizados em laboratório, mas que não atestam eficácia in vivo, ou seja, no organismo de uma pessoa. “Para a gente aprovar um tratamento como eficaz, ele precisa ter os famosos ‘estudos de fase três’. Isso significa usar a intervenção, nesse caso seria o chá de folha de mamão, em um grupo de pessoas e, no outro grupo, usar o placebo”, disse.

De acordo com o infectologista, o chá de folha de mamão só poderia ser considerado eficaz se no grupo em que ele foi utilizado ocorresse o aumento real de plaquetas, o que, segundo ele, não existe na medicina. “Por mais que vá citar um estudo A ou B feito em laboratório, em tubo de ensaio, não há comprovação clínica, então não funciona”, pontuou.

No vídeo gravado pelo homem que se identifica como biólogo e especialista em plantas medicinais, há a afirmação de que a folha do mamão evitaria um quadro hemorrágico, o que não é verdade segundo a infectologista Eliana Bicudo, da SBI. Segundo Bicudo, não existe nenhum trabalho científico que evidencie resposta terapêutica da folha do mamão ao tratamento da dengue. A especialista destaca que a orientação médica para pessoas diagnosticadas ou com suspeita de dengue é a hidratação. “A gente sugere que o paciente tome, em 24 horas, 80 ml de líquido por quilo de peso corporal”, disse.

O especialista em arboviroses Kleber Giovanni Luz, infectologista da UFRN e consultor da Organização Mundial da Saúde, salienta que a folha do mamão não possui absolutamente nenhum efeito no tratamento da dengue. Segundo ele, o consumo do chá pode até levar a uma inflamação no fígado. “A gente não deve usar esses produtos naturais – apenas os chás – com sentido de hidratar a pessoa. O ideal é o soro de reidratação oral e água”.

Queda de plaquetas é esperada nos casos de dengue

Os autores dos vídeos verificados aqui apresentam a folha do mamão como uma solução para aumentar as plaquetas – elementos do sangue que atuam na coagulação. De acordo com a médica infectologista Marise Reis, da UFRN, a queda de plaquetas está entre as alterações características da dengue.

“A queda de plaquetas é um parâmetro que a gente monitora para avaliar se a doença tem gravidade ou não”, esclarece Reis. A infectologista Eliana Bicudo, da SBI, também explicou que a doença inflamatória causada pelo vírus da dengue consome plaquetas na corrente sanguínea, por isso os níveis caem. “A partir do momento em que o vírus vai morrendo porque os anticorpos vão matando o vírus, ele vai diminuindo essa reação inflamatória e deixa de consumir plaquetas”, detalhou Bicudo.

Em um dos vídeos verificados, a autora diz ter tido dengue e afirma que o chá da folha do mamão foi responsável por aumentar as plaquetas dela. Segundo Eliana, não foi o chá da planta que fez a autora do vídeo melhorar, mas sim a evolução natural da doença com o passar do tempo. “Não é um chá especificamente o motivo da melhora dela. Os anticorpos dela é que começaram a combater o vírus. Com isso, ocorre uma menor destruição das plaquetas.”

Dengue não possui tratamento específico

De acordo com o Ministério da Saúde, a dengue é uma doença febril aguda, sistêmica, dinâmica, debilitante e autolimitada. Na página com informações sobre a doença, a pasta informa que a maioria dos doentes se recuperam, porém, parte deles pode progredir para formas graves, inclusive virem a óbito. “A quase totalidade dos óbitos por dengue é evitável e depende, na maioria das vezes, da qualidade da assistência prestada e da organização da rede de serviços de saúde”, explica a pasta.

Embora não exista um tratamento específico contra a doença, infectologistas consultados pelo Comprova destacaram a importância de pacientes com dengue se hidratarem. De acordo com Eliana Bicudo, a doença desidrata rapidamente pela febre, pelos vômitos e pela diarreia. Assim, os pacientes devem ingerir bastante líquido para evitar o agravamento do quadro. A infectologista comentou também que o volume de líquido pode ser limitante para alguns pacientes, o que pode gerar necessidade de hidratação venosa.

Segundo o infectologista Alexandre Naime Barbosa, os pacientes devem procurar o serviço médico logo nos primeiros dias e fazer hidratação de acordo com a fase da dengue em que ele se encontra. Barbosa também chamou atenção para as complicações da dengue e explicou que o termo “dengue hemorrágica” caiu em desuso. Segundo ele, a dengue grave, como é chamada, pode acontecer mesmo sem hemorragia. “A gente tem óbito por dengue sem sangramento, é por isso que a gente evita usar o termo dengue hemorrágica”, informou.

Conforme o Ministério da Saúde, quem apresentar febre de 39° a 40° graus de início repentino e pelo menos duas das seguintes manifestações – dor de cabeça, prostração, dores musculares e/ou articulares e dor atrás dos olhos – deve procurar imediatamente o serviço de saúde. A pasta orienta que os pacientes fiquem atentos após o período febril. “Com o declínio da febre (entre 3° e o 7° dia do início da doença), sinais de alarme podem estar presentes e marcar o início da piora no indivíduo. Esses sinais indicam o extravasamento de plasma dos vasos sanguíneos e/ou hemorragias.”

Os sintomas que caracterizam os sinais de alarme são: dor abdominal intensa e contínua; vômitos persistentes; acúmulo de líquidos em cavidades corporais (ascite, derrame pleural, derrame pericárdico); hipotensão postural e/ou lipotímia; letargia e/ou irritabilidade; aumento do tamanho do fígado (hepatomegalia) > 2cm; sangramento de mucosa e aumento progressivo do hematócrito.

O que diz o responsável pela publicação: Procurados, os autores dos vídeos que divulgam supostas propriedades da folha do mamão no tratamento da dengue não responderam à tentativa de contato.

O que podemos aprender com esta verificação: É comum que, em momentos de crise sanitária, as pessoas sejam incentivadas a tomar decisões prejudiciais à saúde individual ou coletiva, como seguir tratamentos não comprovados. Desconfie de publicações que não tragam link para a fonte dos estudos citados ou adotem tom alarmista. Na dúvida, procure as autoridades da área, como a OMS e o Ministério da Saúde, além de dados na imprensa profissional para obter informações confiáveis.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: As alegações verificadas também foram desmentidas pelo UOL Confere, Agência Lupa e Aos Fatos. Ainda sobre a dengue, recentemente, o Comprova desmentiu a suposta eficácia da ivermectina contra a doença e classificou como falso um vídeo que indica o uso de vinagre de álcool como repelente contra o mosquito Aedes aegypti.

Saúde

Investigado por: 2024-02-19

Vídeos enganam ao indicar ivermectina para o tratamento da dengue

  • Enganoso
Enganoso
Não há comprovação científica da eficiência da ivermectina, um antiparasitário, na prevenção e tratamento de pacientes com dengue e nem seu uso é recomendado para tratamento da doença. Estudo usado como base para a afirmação feita por alguns profissionais da saúde nas redes sociais foi realizado apenas com ensaios in vitro. São necessários estudos clínicos para comprovar a eficácia em seres humanos. A ivermectina produz efeitos colaterais e não deve ser tomada indiscriminadamente.

Conteúdo investigado: Profissionais da saúde afirmam em vídeo nas redes sociais que a ivermectina, um medicamento antiparasitário, serviria para o tratamento do vírus da dengue. Um deles usa um artigo científico para embasar a defesa, estudo em que o medicamento é utilizado in vitro (apenas em ambiente laboratorial).

Onde foi publicado: X (antigo Twitter), WhatsApp e Instagram.

Conclusão do Comprova: Vídeos que circulam nas redes sociais mostram profissionais da saúde afirmando que a ivermectina seria eficaz no combate à dengue, o que já foi desmentido pelo Ministério da Saúde (MS) em 5 de fevereiro de 2024. De acordo com a pasta, a ivermectina — um antiparasitário usado principalmente para combater vermes— não é eficaz e não diminui a carga viral da dengue. O MS alerta ainda que não reconhece qualquer protocolo que inclua o medicamento no tratamento da doença.

Em uma das gravações, o biomédico Dermeval Reis mostra um estudo publicado em uma revista científica que embasaria as afirmações.

Nos outros vídeos, o médico Leandro Almeida nega que haja um aumento incomum nos casos de dengue no Brasil e sugere que o “alarde” é porque “agora existe uma vacina”. Ele também diz que médicos que negam a eficiência da ivermectina no tratamento de infecções virais e bacterianas “não estudam ou têm viés ideológico”.

A vacina contra a dengue, conhecida como Qdenga, da farmacêutica Takeda, foi incorporada ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) e já está sendo aplicada em adolescentes de 10 a 14 anos. O Brasil foi o primeiro país do mundo a oferecer a vacina no sistema público universal. A eficácia e a segurança da vacina foram comprovadas por estudos científicos validados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que liberou o imunizante, neste primeiro momento, apenas para adolescentes de 10 a 14 anos – faixa etária que concentra o maior número de hospitalizações, depois dos idosos. O laboratório não apresentou à Anvisa resultados de testes com pessoas acima de 60 anos, então o imunizante só pode ser aplicado nesse público em caso de indicação médica.

Casos prováveis da doença quintuplicaram em janeiro de 2024 no comparativo com o mesmo período do ano passado: subiram de 93.298 para 472.129, segundo o Painel de Monitoramento das Arboviroses, do Ministério da Saúde, um aumento de 406,04%.

Em ambos os casos, a disseminação de informações sem comprovação científica é feita por profissionais da saúde, o que leva parte da população a acreditar na veracidade da informação sem buscar por uma verificação. Entretanto, nenhum estudo ou órgão oficial de saúde endossa o uso do medicamento para prevenção e tratamento da dengue. Aqueles que seguem a recomendação de tais profissionais se submetem ao risco de ter a saúde prejudicada, uma vez que o medicamento pode provocar efeitos colaterais.

O antiparasitário ivermectina voltou a circular nas redes sociais em postagens falsas e enganosas como um possível medicamento para tratar doenças virais, assim como ocorreu na pandemia de covid-19. À época, Ministério da Saúde e Organização Mundial de Saúde (OMS) ressaltaram a ineficácia do medicamento no combate ao coronavírus. Em novembro de 2023, com o avanço da vacinação global da covid, a OMS chegou a atualizar diretrizes terapêuticas da doença e reiterou o veto ao uso da ivermectina.

Os conteúdos são enganosos, pois usam um estudo real, para chegar a uma conclusão falsa, que pode ser prejudicial aos pacientes com dengue, segundo especialistas. Há pesquisas em laboratório que testam o uso da ivermectina contra o vírus da dengue, mas ainda não existe nenhum teste clínico em humanos em larga escala que comprove sua eficácia.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 16 de fevereiro, os vídeos tinham 135,6 mil visualizações, 2 mil compartilhamentos e 5 mil curtidas no X. Somadas, no Instagram, as publicações foram vistas por 705 mil pessoas e tiveram 37 mil compartilhamentos.

Como verificamos: Buscamos o artigo citado em um dos vídeos pelo título. Após constatar que se tratava de um estudo real publicado em uma revista científica, entramos em contato com especialistas para entender se apenas aquela pesquisa seria suficiente para confirmar a suposta eficácia da ivermectina contra o vírus da dengue – o que eles negaram. Também procuramos posicionamento do Ministério da Saúde sobre os boatos.

Experimentos in vitro não podem ser usados para confirmar eficácia de medicamento

O coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Alexandre Naime Barbosa, verificou o artigo citado em um dos vídeos e explicou que pesquisas feitas em tubos de ensaio ou com animais não podem ser tomadas como definitivas para conduta médica. “São estudos que prospectam a possível ação de uma droga, ou seja, dão algumas pistas”, disse.

“Não existe comprovação de eficácia [da ivermectina contra a dengue] em seres humanos. Esse estudo foi feito com amostra de seres humanos, mas foi um estudo in vitro. Portanto, não serve para tomada de decisão e, por isso, nenhum organismo recomenda. Até porque o mecanismo de ação da ivermectina não é esse: ele atua contra vermes, parasitas, não tem nada a ver”, afirmou.

Na mesma linha de raciocínio, André Prudente, médico infectologista e professor do Departamento de Infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), explica que um medicamento testado in vitro, isto é, somente no laboratório, não necessariamente será eficaz in vivo, no organismo humano, para combater ou tratar determinada doença.

“Eu conheço o trabalho. Esse artigo publicado não prova absolutamente nada. É um artigo que foi feito in vitro. Inibir uma proteína do vírus não quer dizer que seja tratamento para o vírus. Portanto, não há estudos bem conduzidos, com metodologia adequada, o que a gente chama de ‘ensaio clínico randomizado’, que mostrem qualquer eficácia da ivermectina em dengue ou qualquer outro vírus”, detalha.

Para conseguir verificar se o medicamento é, de fato, eficaz contra uma condição, seriam necessários ensaios clínicos com pacientes infectados pela doença, de acordo com os especialistas. O coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Dengue, Mauro Teixeira, diz que um trabalho de 2021 concluiu que a ivermectina não tem eficácia clínica contra o vírus da dengue.

“Não há evidência óbvia na literatura, que eu consiga achar em fontes confiáveis, que [a ivermectina] funcione para pacientes com dengue. Se não há evidências, não há recomendação de uso”, declarou.

Ele lembrou ainda que a ivermectina, assim como todo medicamento, produz efeitos colaterais e não deve ser tomada indiscriminadamente. A bula da ivermectina cita dores, vômitos, reações na pele e dispneia (falta de ar) como algumas das reações adversas mais comuns.

Recomendações do Ministério da Saúde

Na nota citada anteriormente, o órgão aconselha que pessoas com sintomas da dengue procurem a unidade de saúde mais próxima, para serem orientadas por um profissional. Além disso, não é indicado se automedicar, porque uma série de remédios comuns, como a aspirina, podem ter efeitos colaterais indesejados.

A recomendação para casos leves da doença é de repouso, enquanto durar a febre, e hidratação. Na maioria dos casos, os sintomas desaparecem após 10 dias. Caso haja dor forte e sangramentos, é indicado procurar um serviço de saúde.

“As condutas clínicas indicadas pelo Ministério da Saúde são sustentadas em bases científicas e evidências de eficácia que garantem a segurança do paciente. Os medicamentos prescritos para o tratamento têm aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e constam na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais do SUS (Sistema Único de Saúde)”, informa a pasta.

O ministério ainda orientou não confiar em tudo que circula na internet. “Não existe receita milagrosa quando o assunto é saúde”, afirma o comunicado . “Não repasse conteúdos duvidosos, cheque os dados em fontes oficiais e informe a todos que você conhece sobre o perigo da desinformação. Fake news pode matar”.

O que diz o responsável pela publicação: Leandro Almeida insistiu na falsa eficácia da ivermectina contra o vírus da dengue, e disse que “existem vários artigos mostrando eficácia, porém, cada veículo de informação irá postar somente aquilo que é do seu interesse, mesmo que a verdade se mostre outra”. Ele indicou três artigos que, assim como o checado por Comprova, também foram limitados a testes em laboratório e em animais e, portanto, não comprovam nenhum benefício da ivermectina em pacientes humanos. Um deles, inclusive, teve os resultados questionados pelo conselho editoral da revista científica. Dermeval Reis não respondeu até o fechamento desta verificação.

O que podemos aprender com esta verificação: Interpretações de estudos científicos podem ser usados para chegar a conclusões falsas. Desconfie de publicações que não tragam link para a fonte dos estudos citados. E, na dúvida, procure as autoridades da área, como a OMS e o Ministério da Saúde, e dados na imprensa profissional para ter informações confiáveis.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Além do Ministério da Saúde, veículos de imprensa também desmentiram a suposta eficácia da ivermectina contra a dengue, como a Folha de S.Paulo e o g1. O Comprova também verificou outro vídeo falso de Leandro Almeida, de julho de 2022, que relacionava a vacina da covid-19 a herpes-zóster. Na pandemia, o Comprova verificou ainda que não havia prova de que a ivermectina curasse a covid-19, ao contrário do que afirmava uma médica. Além disso, uma publicação no Twitter sobre um estudo que supostamente provava a eficácia da ivermectina contra a covid-19 foi desmentida.

Saúde

Investigado por: 2024-02-16

Vinagre de álcool não é recomendado como medida para combater mosquito da dengue

  • Falso
Falso
É falso que distribuir recipientes com vinagre de álcool no chão dos domicílios seja um método recomendado contra o Aedes aegypti, transmissor da dengue. Especialistas ouvidos pelo Comprova afirmam não haver comprovação científica sobre o uso da substância no combate ao mosquito. O Ministério da Saúde também não cita a utilização do produto alimentício como forma de prevenção à dengue e outras arboviroses urbanas, como zika e chikungunya.

Conteúdo investigado: Vídeo divulgado nas redes sociais indica o uso de vinagre de álcool como repelente contra o mosquito da dengue. Nas imagens, um homem que diz ser presidente do Comitê da Dengue de São Miguel do Iguaçu (PR) afirma que colocar o produto em recipientes no chão dos cômodos da casa funciona para afastar o Aedes aegypti.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter) e TikTok.

Conclusão do Comprova: Não é verdadeiro que o vinagre seja um método de prevenção e controle do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, diferentemente do que alega vídeo viral. Procurada pelo Comprova, a Prefeitura de São Miguel do Iguaçu (PR), cidade da qual o autor do vídeo diz ser, afirmou que o homem que aparece na gravação recomendando o produto é Edílio Diesel, que atuou como presidente do Comitê Intersetorial para Controle da Dengue de 2019 a 2020 e atualmente não faz parte do grupo. A gestão do município informou que usar vinagre para o combate ao Aedes aegypti não é uma orientação dada à população, pois “não há comprovação da sua efetividade”.

A tática de colocar potes com o produto nos cômodos de casa, citada no vídeo investigado, não faz parte das recomendações do Ministério da Saúde para o enfrentamento à doença. Os especialistas consultados pelo Comprova também informaram não haver comprovação de que o vinagre seja capaz de combater a dengue e disseram que, na realidade, a ação pode causar mais exposição.

Tânia Vergara, médica da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), explicou que não há estudos que demonstram que o vinagre é capaz de combater o mosquito. “A notícia é falsa e aumenta o risco de adquirir a dengue, por ser inadequada”, diz. A pesquisadora em gestão de saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Chrystina Barros, também afirmou que “a informação não tem procedência” e enfatizou que “o vinagre não é usado como repelente ou para matar larvas e afastar o mosquito”.

Ademir Martins, biólogo do Laboratório de Biologia, Controle e Vigilância de Insetos Vetores do Instituto Oswaldo Cruz, da Fundação Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), esclareceu que os mosquitos podem ser atraídos pelo vinagre através do olfato e, ao se aproximarem, morrerem por intoxicação ou afogados. No entanto, a medida não é adequada para o combate à dengue. “Em muitas casas há crianças e animais domésticos que não devem beber o líquido. Além disso, todo recipiente que acumule água pode se tornar um criadouro de Aedes”, frisou o pesquisador.

O site da Associação Nacional das Indústrias de Vinagre (Anav) é citado nas publicações sobre a utilização do produto para o combate à dengue, nesse caso, no entanto, ele seria utilizado para combater as larvas, e não o próprio mosquito. Em 2008, a Anav divulgou um artigo recomendando o vinagre como um “poderoso auxiliar no tratamento de saúde” e “mais nova e barata arma para combater a larva que origina o mosquito Aedes aegypti”. Porém, ao ser procurada pelo Comprova em 2024, informou que “não há atualização da orientação, pois foi publicada há alguns anos”.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No X, a publicação acumulou mais de 2,9 mil visualizações e 75 curtidas até o dia 16 de fevereiro. O vídeo foi replicado por diferentes contas no TikTok superando mais de 800 visualizações antes da publicação desta checagem.

Como verificamos: A reportagem fez contato com a Prefeitura de São Miguel do Iguaçu para verificar a veracidade da relação do homem que aparece no vídeo com o Comitê Intersetorial para Controle da Dengue e as recomendações oficiais da pasta para a população do município. Ainda foram realizadas buscas pelas orientações do Ministério da Saúde de combate e prevenção, dados da dengue e informações sobre a vacina contra a doença, bem como entrevistas com especialistas da área de saúde sobre a eficácia da utilização de vinagre contra o Aedes aegypti. A checagem ainda procurou por vídeos e matérias com os termos vinagre, mosquito e dengue, descobrindo que a publicação já circulava nas redes sociais desde 2020 e já havia sido desmentida por outros veículos.

Combate à dengue

Segundo o Ministério da Saúde, a dengue é uma doença febril aguda, sistêmica, dinâmica, debilitante e autolimitada, em que a maioria dos doentes se recupera, porém, parte deles pode progredir para formas graves, inclusive ir a óbito. O vírus da dengue (DENV) pode ser transmitido ao homem principalmente por via vetorial, ou seja, pela picada de fêmeas de Aedes aegypti infectadas. Já os casos de transmissão por via vertical (de mãe para filho durante a gestação) e por transfusão de sangue são raros. Dados do painel de monitoramento de arboviroses do Ministério da Saúde, verificados pelo Comprova em 16 de fevereiro, apontam que o Brasil registrou 532.921 casos prováveis de dengue, com 90 mortes pela doença confirmadas e outras 348 em investigação. O coeficiente de incidência da dengue no país, até a data, era de 262,4 casos para cada grupo de 100 mil habitantes.

Em dezembro de 2023, a vacina contra a dengue foi incorporada ao Sistema Único de Saúde (SUS) e entrou no Calendário Nacional de Vacinação pela primeira vez em fevereiro deste ano. Por conta da capacidade de produção laboratorial, a primeira campanha atende 521 municípios, distribuídos em 37 regiões endêmicas, e contempla apenas crianças e adolescentes de 10 a 14 anos, faixa etária que apresenta maior risco de agravamento. Além desse grupo, um estudo do Ministério da Saúde, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMSRio), iniciado em 16 de fevereiro, vai imunizar 20 mil voluntários, entre 18 e 40 anos, residentes do bairro de Guaratiba, na Zona Oeste da cidade, para avaliar a eficácia da vacina na população adulta. O objetivo é comparar a incidência de infecção sintomática em um grupo vacinado com a incidência entre não vacinados, tornando possível medir a efetividade do imunizante na prevenção de casos sintomáticos de por qualquer sorotipo.

O Ministério da Saúde e especialistas da área ouvidos pelo Comprova destacam que, mesmo com a vacina, o controle do vetor Aedes aegypti é o principal método para a prevenção e combate à dengue e outras arboviroses urbanas. As ações preventivas devem ser adotadas em períodos fora da sazonalidade da doença, porque são o momento ideal para manutenção de medidas para prevenir epidemias futuras. A pasta recomenda o uso de telas nas janelas e repelentes em áreas de reconhecida transmissão; remoção de recipientes que possam se transformar em criadouros de mosquitos; vedação de reservatórios de caixas d’água; além de desobstrução de calhas, lajes e ralos.

“As ações para dengue têm que envolver educação, eliminar criadouros de mosquitos, aplicar inseticidas e larvicidas, devidamente registrados, em áreas de risco, além das medidas de proteção individual, como repelentes e, para dentro de casa, as telas”, afirmou Chrystina Barros. “Prestem atenção em caixas d’água abertas, calhas, pneus, acúmulo de lixo na via pública, o poder público também é responsável. Em piscinas, devem ser limpas e cloradas adequadamente. Usem repelentes à base de DEET ou Icaridina”, destacou Tânia Vergara.

“Com apenas dez minutinhos por semana é possível andarmos pela casa e ao redor para verificar se há objetos que estão acumulando água e virando depósito de ovos do mosquito. Agindo uma vez por semana, a população interfere no desenvolvimento do vetor, já que seu ciclo de vida, do ovo ao mosquito adulto, leva de 7 a 10 dias. Com uma ação semanal, é possível impedir que ovos, larvas e pupas do mosquito cheguem à fase adulta, freando a transmissão dessas doenças”, reforçou Ademir Martins.

O que diz o responsável pela publicação: Procurados, os responsáveis pelos perfis que divulgaram o vídeo e o ex-presidente do Comitê Intersetorial para Controle da Dengue da Prefeitura de São Miguel do Iguaçu, Edílio Diesel, não responderam à tentativa de contato do Comprova.

O que podemos aprender com esta verificação: Em meio a crises de saúde, é comum que a desinformação sobre métodos de prevenção ou tratamento se torne viral nas redes sociais. É importante lembrar que movimento semelhante também ganhou destaque em 2020, no início da pandemia de covid-19, com indicações de produtos como a água tônica para combater a doença, o que não tem qualquer comprovação científica. Neste caso, o surto de dengue no Brasil e a urgência do enfrentamento da doença se tornaram o alvo do conteúdo falso que faz recomendações sem evidências e comprovações científicas. Duvide de indicações milagrosas de medicamentos ou produtos que prometem uma resolução rápida de problemas de saúde ou doenças. Antes de acreditar, procure pelas recomendações das autoridades de saúde e especialistas e dados publicados na imprensa profissional para ter informações confiáveis sobre o assunto.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: As informações verificadas já haviam sido desmentidas anteriormente pelo UOL Confere, bem como a ação de outros métodos que não os recomendados pelas autoridades de saúde no combate ao mosquito e cura da doença, pelo Boatos.org. Em 2023, o Comprova também já tinha esclarecido sobre a incorporação da vacina contra a dengue ao Programa Nacional de Imunizações (PNI), Em 2024, o Comprova mostrou como funciona o mosquito geneticamente modificado utilizado no combate à dengue.

Comprova Explica

Investigado por: 2024-02-15

Entenda como age o mosquito da dengue geneticamente modificado

  • Comprova Explica
Comprova Explica
Posts com desinformação envolvendo mosquitos Aedes aegypti geneticamente modificados para o controle de doenças como dengue estão viralizando em um momento em que o país vive uma alta no número de casos. Uma dessas postagens cita reportagem de 2019 sobre um estudo que questionava a eficácia da tecnologia e, mais do que isso, afirmava que poderiam agravar o quadro das doenças. A reportagem é verdadeira, mas a revista Nature, que publicou o estudo originalmente, divulgou meses depois um texto com críticas ao artigo dizendo não haver dados que apoiem a tese de que o mosquito modificado seria mais resistente do que a espécie anterior.

Conteúdo analisado: Posts envolvendo o Aedes do Bem, caixa com ovos de mosquitos Aedes aegypti geneticamente modificados para o controle de doenças como dengue e febre amarela. Um dos conteúdos usa reportagem exibida pela Band em 2019 sobre um estudo que sugere que a alteração genética pode ter criado um supermosquito mais resistente.

Comprova Explica: Dados do Ministério da Saúde divulgados na quarta-feira, 14 de fevereiro, dão conta de mais de 524 mil casos prováveis de dengue em todo o país em 2024, com 84 mortes confirmadas desde o início do ano. Em paralelo, crescem nas redes sociais publicações de boatos envolvendo a dengue que confundem e podem causar danos à população.

Um dos boatos detectados pelo Comprova trata do Aedes do Bem, produto de uma empresa britânica com filial no Brasil constituído por ovos de mosquitos Aedes aegypti geneticamente modificados com o objetivo de controlar a dengue e outras infecções, como chikungunya e febre amarela. Posts usando uma reportagem da Band de 2019 sobre uma possível piora do quadro de transmissão de doenças que o Aedes do Bem poderia causar estão sendo compartilhados de forma descontextualizada. O estudo citado na reportagem foi questionado pela comunidade científica e rebatido por editores da revista Nature, onde havia sido publicado originalmente.

Frente ao perigo da desinformação relacionada à saúde, a seção Comprova Explica traz detalhes sobre o que é o mosquito Aedes aegypti geneticamente modificado para o controle de doenças.

Como verificamos: O primeiro passo foi pesquisar a situação da dengue no Brasil em sites como o do Ministério da Saúde e o que é o Aedes do Bem na página da empresa e em reportagens sobre o assunto.

Também foi consultada a página da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), agência reguladora de biossegurança do Brasil, da revista Nature e da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).

Aedes do Bem

Este é o nome comercial usado pela empresa britânica Oxitec para seu carro-chefe: uma caixa com ovos do mosquito Aedes aegypti geneticamente modificados para controle de doenças. Como diz o site da empresa, que tem filial em Campinas, no interior paulista, os mosquitos que vêm na caixa são machos e, do cruzamento com as fêmeas – que são as transmissoras de doenças como dengue, zika, chikungunya e febre amarela, entre outras –, apenas os filhotes machos sobrevivem, reduzindo a população transmissora dos vírus.

O produto é apresentado em duas versões, uma para uso em residências e outra para utilização profissional. A primeira pode ser comprada pela internet por R$ 199 (valor em 14 de fevereiro).

Fundada em 2002 na Universidade de Oxford, no Reino Unido, a Oxitec está no Brasil há mais de dez anos. Os mosquitos Aedes do Bem já foram testados em cidades brasileiras (leia mais abaixo) e possuem um gene marcador fluorescente, que brilha ao ser exposto a uma luz específica sob o microscópio, permitindo que sejam rastreados e diferenciados dos mosquitos selvagens, como explica o site da empresa.

Segundo parecer técnico da CTNBio publicado em 2020, o produto atende à legislação que visa “garantir a biossegurança do meio ambiente, agricultura, saúde humana e animal”.

Em quais evidências científicas ele se baseia?

Um projeto piloto de quatro anos foi realizado em Piracicaba, no interior de São Paulo, com o objetivo de apurar a eficácia do programa em áreas com altos índices de transmissão de dengue, entre 2015 e 2018. Os testes tiveram início em um bairro com 5 mil moradores e, ao longo do tempo, foram ampliados para 11 regiões do município, englobando 60 mil residentes. Após quatro anos de liberação do “mosquito do bem”, os estudos identificaram uma redução média de 98% na população do “mosquito selvagem” nas áreas controladas pelos pesquisadores.

O projeto foi conduzido em três fases: na primeira, foram coletados dados do histórico do mosquito na região monitorada, incluindo sazonalidade, incidência de dengue e demografia, e também montadas as armadilhas para os ovos do mosquito; na segunda, teve início a liberação do “mosquito do bem”; na terceira, os pesquisadores avaliaram se a supressão do mosquito selvagem já era suficiente para reduzir os vetores modificados.

No piloto, a prefeitura de Piracicaba selecionou o bairro CECAP/Eldorado para receber o produto e tentar controlar a epidemia de dengue naquele momento, com 133 casos entre cinco mil pessoas. O bairro controle, Alvorada, que serviu de referência para comparar a eficácia do programa e não recebeu os mosquitos modificados, ficava a dois quilômetros de distância. As áreas possuíam características semelhantes de tipo de edificação, saneamento básico e densidade populacional.

A liberação dos mosquitos modificados ocorria três vezes por semana. No primeiro ano, foram soltos 45 milhões de mosquitos; no segundo, 30 milhões; no terceiro, 13 milhões. No primeiro pico da estação chuvosa, período em que o transmissor se reproduz com mais facilidade, a quantidade de larvas nas armadilhas foi sete vezes menor no bairro CECAP/Eldorado do que a observada no bairro controle, o Alvorada. A redução da população do mosquito foi de 79%. Com o resultado positivo, os pesquisadores diminuíram em 33% a liberação de novos vetores.

Na segunda estação chuvosa, entre 2016 e 2017, a circulação do mosquito selvagem permaneceu em queda, de 81%. Na terceira estação, a supressão foi de 76%. Durante esse período, os bairros não receberam inseticidas de origem química.

Em outro estudo de caso, foram realizados testes na cidade de Indaiatuba, também em São Paulo, em 2018, com uma segunda geração do produto. O projeto alcançou 12 bairros, uma área com 45 mil habitantes. Após cinco anos de monitoramento, a queda média da população do Aedes aegypti nas áreas tratadas foi de 96%.

Entre 2011 e 2015, a empresa também fez testes em duas cidades do interior da Bahia: Jacobina e Juazeiro. As pesquisas foram realizadas por cientistas da Universidade de São Paulo em conjunto com a Biofábrica Moscamed Brasil, primeira fábrica de mosca do país. A fábrica foi criada em 2006 com o objetivo de realizar o controle biológico da mosca-do-mediterrâneo, uma praga da fruticultura brasileira, por meio de insetos estéreis. Em ambos os municípios, o projeto-piloto identificou uma queda de mais de 90% da população de Aedes aegypti após a liberação dos mosquitos modificados.

Um parecer técnico emitido pela CTNBio em 2020 atestou que o programa “não é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente ou saúde humana”. No mesmo ano, o programa foi testado na Flórida, nos Estados Unidos, e também não representou riscos de biossegurança, garantindo aprovação da Agência de Proteção Ambiental do país. Os resultados do piloto em território americano ainda não foram divulgados, e o estudo segue em andamento.

Estudo publicado pela Nature em 2019 e revisado em 2020

Um dos posts que viralizou sobre o Aedes do Bem usa uma reportagem da Band de 2019 que citava um estudo publicado na revista Nature segundo o qual a alteração genética poderia gerar um supermosquito, piorando o quadro de doenças que ele deveria combater. Só que, em 2020, editores da publicação fizeram alguns apontamentos revisando o que havia sido publicado inicialmente.

O estudo, publicado em setembro de 2019, foi assinado por dez cientistas do Brasil e dos Estados Unidos, e analisou dados do Aedes do Bem em um piloto realizado entre junho de 2013 e setembro de 2015 em Jacobina, na Bahia. Os pesquisadores alegam ter concluído que a liberação de mosquitos geneticamente modificados criou um “supermosquito”, mais selvagem do que o Aedes aegypti anterior e possivelmente resistente a inseticidas.

De acordo com a pesquisa, os mosquitos manipulados em laboratório transferiram os genes para a população local do inseto, o que teria contribuído para a suposta adaptação da espécie. Os cientistas alegam na conclusão do estudo que não é possível apontar os efeitos dessa transferência no controle de transmissão de doenças, e afirmam não terem encontrado “diferenças significativas” nas taxas de infecção por dengue e zika em laboratório, o que, segundo os autores, pode ser alterado em condições de campo.

O programa criado pela Oxitec parte do princípio de que os mosquitos modificados não chegarão à idade adulta por terem nascido mais frágeis. O estudo aqui verificado diz que, se essa letalidade for completa, a liberação da espécie com o novo genoma deverá resultar apenas na redução da população, sem alterar a genética do inseto natural. Os cientistas reconhecem, no entanto, que entre 3% e 4% dos descendentes do mosquito modificado com o mosquito selvagem podem sobreviver até a idade adulta, embora sejam fracos e possivelmente inférteis.

O estudo também afirma que a cepa liberada pela empresa Oxitec em território baiano foi derivada do cruzamento de duas outras cepas: uma originária de Cuba e outra do México. Essa combinação “tri-híbrida” teria gerado características genéticas distintas, resultando em uma população mais robusta do que a espécie anterior do mosquito devido justamente ao “vigor híbrido”, de acordo com os pesquisadores.

Em março de 2020, a revista Nature publicou um “editorial de preocupação” com o artigo. A nota cita falta de dados e omissão de resultados que comprovem as conclusões da pesquisa e faz ponderações quanto à linguagem utilizada pelos cientistas.

“O título não deixa claro que os autores examinaram apenas genomas de espécimes que não possuíam os transgenes e foram amostrados durante o período de liberação”, diz trecho do editorial. “Nenhuma amostragem para este estudo foi realizada mais do que algumas semanas após o programa de liberação e, como tal, não há evidências no artigo que estabeleçam se as sequências introgredidas não transgênicas da cepa liberada permaneceram na população ao longo do tempo. Além disso, trabalhos anteriores de alguns dos autores (referência 6 no artigo) mostraram que, com o tempo, o transgene se perde da população, mas o artigo não divulga esta informação”, afirma a nota.

A revista também faz um alerta sobre as alegações de que a espécie híbrida seria mais resistente do que a população anterior. “Não existem dados no artigo que apoiem este ponto; além disso, os dados incluídos no artigo indicam que um número de indivíduos híbridos diminuiu rapidamente após a libertação”, diz o comunicado. Os editores ponderam, ainda, que os pesquisadores sugerem a ausência de monitoramento da liberação do mosquito geneticamente modificado no município de Jacobina. O programa, no entanto, já estava sendo acompanhado pela CTNBio.

Os cientistas que assinam o artigo foram contatados sobre as preocupações apontadas pela revista, que também procurou outros revisores especialistas no assunto. A comunidade científica consultada pelos editores confirmou que as ponderações são válidas. Dos dez pesquisadores envolvidos no estudo, seis concordaram com a revisão e outros quatro discordaram das notas. A publicação ofereceu a possibilidade de correção dos pontos abordados, mas, segundo a Nature, os autores não responderam se chegaram a um consenso sobre a retificação.

Por que explicamos: A seção Comprova Explica esclarece temas importantes para que a população compreenda assuntos em discussão nas redes sociais que podem gerar desinformação. Quando posts geram boatos infundados sobre temas relacionados à saúde, como neste caso, a desinformação pode colocar vidas em risco. No momento em que o Brasil vive surtos da dengue, com ao menos 84 mortos e mais de 226 mil casos confirmados da doença até 14 de fevereiro, segundo o Ministério da Saúde, a sociedade tem o direito de receber a informação correta para se proteger.

Outras checagens sobre o tema: Outros conteúdos de desinformação tentando assustar a população com assuntos ligados à saúde já foram verificados pelo Comprova. Para levar a informação correta ao leitor, a seção Comprova Explica já trouxe detalhes de como funciona a lista de espera por transplante de órgão no Brasil e mostrou por que recomendação da vacina da Astrazeneca contra a covid-19 foi alterada.

Saúde

Investigado por: 2023-12-01

Agência europeia não desqualificou vacinas contra a covid-19, diferentemente do que afirma médico

  • Enganoso
Enganoso
Não é verdade que a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) tenha desqualificado vacinas de RNA mensageiro contra a covid-19. A alegação foi feita por um médico brasileiro que se baseou em uma entrevista coletiva de um deputado europeu antivacina que distorce uma carta da organização. No documento, a agência defende a segurança dos imunizantes e mantém a recomendação ao uso deles.

Conteúdo investigado: Em vídeo no Instagram, médico cita uma coletiva de imprensa realizada no Parlamento Europeu, em que alguns deputados discorreram sobre uma carta enviada a eles pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA). Segundo o autor da publicação, a EMA diz no documento, que não estaria publicado no site da entidade, que não há indicação para vacinação de menores de 60 anos, devido à “baixíssima fatalidade de pessoas jovens e sadias”. O médico ainda afirma que a EMA “só autorizou comercialização de vacina de RNAm para proteção individual dependendo do médico”, não tendo sido indicada a imunização em massa. Ainda de acordo com o médico, a proteína Spike — utilizada pelas vacinas de RNAm — seria tóxica. Um texto acompanha o vídeo: “EMA surpreende parlamentares europeus com conclusões óbvias mas que desqualificam as vac de RNAm”.

Onde foi publicado: Instagram.

Conclusão do Comprova: Não é verdade que a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) tenha desqualificado vacinas de RNA mensageiro contra a covid-19, conforme alega um médico em vídeo no Instagram. Ele também menciona informações falsamente atribuídas à EMA sobre os imunizantes ao se basear em uma coletiva de imprensa comandada por um deputado europeu antivacina, Marcel de Graaff, que, na verdade, deturpou na ocasião uma carta da agência.

O parlamentar havia enviado uma carta anterior à entidade em 4 de outubro de 2023 requerendo a suspensão, na Europa, das autorizações de venda das vacinas Comirnaty e Spikevax, ambas de RNA mensageiro e feitas contra a covid-19. No dia 18 daquele mesmo mês, a EMA respondeu às ponderações do deputado com documento no qual defende a segurança dos imunizantes e mantém a recomendação do uso deles.

“As evidências continuam a mostrar que as vacinas proporcionam proteção, o que é particularmente importante para as pessoas vulneráveis. Remover essas vacinas como uma opção aos estados-membro da União Europeia e para os profissionais de saúde sem a devida atenção aos dados disponíveis seria, portanto, um grande desserviço para a União Europeia e para a saúde pública”, aponta a carta assinada por Emer Cooke, diretora-executiva da EMA. Esse trecho não é lido pelo deputado na coletiva.

O médico brasileiro, que se baseia na entrevista coletiva, alega que a EMA teria admitido não haver indicação de imunização para menores de 60 anos, que a covid-19 tem baixíssima letalidade entre pessoas jovens e sadias, e que não há registros de efeitos secundários das vacinas. A entidade não faz nenhuma dessas alegações.

Na carta, a EMA afirma que as vacinas são indicadas para ativar a proteção do indivíduo imunizado contra a doença e que as autoridades de saúde monitoram continuamente os dados sobre vacinados e relatos de eventuais efeitos, ponderando que nem toda adversidade pode ser associada aos imunizantes.

“Tais eventos adversos podem ocorrer por outras razões em pessoas vacinadas, como acontecem em pessoas não vacinadas”, explica a EMA na carta enviada ao deputado e tornada pública desde então.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O vídeo teve 776 mil visualizações, 60,7 mil curtidas e 1,6 mil comentários até 1º de dezembro.

Como verificamos: Acessamos o link disponibilizado na postagem original. A partir da descrição do vídeo no link, foi possível entender que se tratava de uma coletiva de imprensa concedida no Parlamento Europeu em Estrasburgo, na França, em 21 de novembro de 2023. Na ocasião, não houve qualquer participação da Agência Europeia de Medicamentos.

A coletiva foi comandada por Marcel de Graaff, deputado europeu pelo partido holandês Fórum pela Democracia (FVD) e conhecido por se manifestar contra a vacinação, e tratou de uma carta escrita pela EMA em resposta a questionamentos anteriores dele, relativos às vacinas contra covid-19.

A partir dessas informações, fizemos buscas no Google com os termos “Fórum pela Democracia”, “Parlamento Europeu” e “vacina”, com um filtro temporal para resultados a partir do dia 21 de novembro. A busca, entretanto, não retornou resultados relevantes. Refizemos, então, a mesma pesquisa, porém com os termos em francês “Parlement Européen”, “Forum pour la Démocratie” e “vaccin”. Com essa nova pesquisa encontramos uma reportagem da AFP checando os pontos abordados na coletiva de imprensa.

De acordo com a matéria da AFP, a coletiva gerou diversos conteúdos de desinformação em vários países da Europa, principalmente nos Países Baixos, na Alemanha, na Bulgária e na Bélgica.

Encontramos a carta mencionada pelo deputado europeu na seção “Cartas Abertas” no site da EMA, contrariando o médico autor da postagem, que afirma que a entidade não teria divulgado o documento.

Também entramos em contato com o médico autor da postagem original.

O que diz a carta da EMA

A coletiva de imprensa mencionada pelo médico autor da publicação não contou com a participação de representantes da EMA. Participam da apresentação os deputados Marcel de Graaff e Joachim Kuhs (do partido alemão AfD, de extrema-direita), a médica dinamarquesa Vibeke Manniche e o holandês Willem Engel, líder da organização Viruswaarheid (Verdade sobre o Vírus, em holandês).

Durante a coletiva, os participantes falaram sobre uma carta enviada a eles pela EMA, em resposta a uma carta remetida anteriormente por De Graaff. De acordo com o deputado, ele havia pedido à Agência que retirasse a autorização de comercialização de vacinas contra a covid-19.

Bem como o médico autor do vídeo, De Graaff diz que a EMA teria autorizado “apenas a vacinação individual e não a vacinação em massa para controle da doença” e que, com poucas exceções, “menores de 60 anos não deveriam ter sido vacinados”. Os outros participantes da entrevista afirmam também que haveria “lotes de vacinas perigosos” e que não haveria registros adequados dos efeitos adversos das vacinas.

A carta referenciada durante a coletiva está disponível na íntegra no site da EMA. A partir da leitura do texto, é possível verificar que a EMA não “desqualificou as vacinas de RNAm” e que o uso da carta feito na coletiva — e posteriormente pelo médico no Instagram — não condiz com o conteúdo do documento.

Sobre a alegação de que pessoas com menos de 60 anos não deveriam ser vacinadas, salvo exceções: a carta da EMA não menciona uma idade limite para a utilização da vacina. O documento diz apenas que as vacinas “também fornecem proteção contra formas graves da doença, incluindo hospitalização. Isso é particularmente importante para pessoas vulneráveis ​​que correm maior risco”.

Apesar de a carta da EMA não mencionar a vacinação de menores de 60 anos, há outros documentos e estudos que comprovam a eficácia e importância da vacinação desta faixa etária. Uma pesquisa conduzida no Paraná, mostrou que, entre pessoas com menos de 60 anos, o número de mortes de não vacinados foi 83 vezes maior do que no caso de pacientes imunizados.

Sobre a alegação de que a EMA só autorizou comercialização de vacina de RNAm para proteção individual, e não para vacinação em massa: na carta, a Agência realmente afirma que as vacinas não foram indicadas para prevenir a transmissão de uma pessoa para outra, e sim para a proteção de indivíduos vacinados apenas. O documento ainda aponta que não há dados o suficiente para avaliação conclusiva sobre a prevenção de transmissão da doença em relação aos imunizantes.

No entanto, diferentemente do que alega o autor da postagem, a agência não diz que “não fazia sentido imunizar todo mundo” nem que o imunizante foi autorizado para aplicação “dependendo do médico”. Depois da coletiva de imprensa, a EMA adicionou uma seção em seu site respondendo a pergunta “vacinas contra a covid-19 reduzem a transmissão do vírus SARS-CoV-2?”. De acordo com a Agência, apesar de o principal objetivo da vacina ser a proteção contra a doença, isso não significa que ela não possa reduzir a transmissão do vírus. Após a autorização das vacinas pela EMA, estudos comprovaram que vacinas contra a covid-19 podem, sim, prevenir a transmissão do vírus.

Sobre a alegação de que não há registros adequados dos efeitos adversos da vacina: a carta da EMA fala várias vezes sobre efeitos adversos das vacinas, mas em momento algum diz que não há registros deles. “Gostaríamos de salientar que a EMA e as autoridades nacionais monitoram continuamente os dados sobre os efeitos secundários notificados”, afirma o documento.

A carta ainda clarifica que a notificação de uma suspeita de efeito colateral não é evidência que a vacinação seja a causa do efeito em questão. “Para determinar se uma vacina tem um efeito adverso, as autoridades têm de avaliar todos os dados relevantes, incluindo dados que possam indicar que a condição ocorre com maior frequência em pessoas vacinadas ou pessoas recentemente vacinadas do que em outras.”

Sobre a alegação de que a proteína Spike é tóxica: o documento redigido pela EMA não menciona efeitos da proteína Spike para humanos, tanto na vacinação, quanto em outros contextos, como, por exemplo, na própria infecção por SARS-CoV-2.

Entretanto, a possibilidade da proteína Spike utilizada nas vacinas ser tóxica já foi discutida por pesquisadores. Ainda que o assunto esteja sob evolução, estudos publicados pela Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, chegam à conclusão de que, apesar de poder haver certa toxicidade nas proteínas Spike das vacinas, os imunizantes “são uma boa aposta por serem muito menos tóxicos do que as proteínas spike produzidas durante as infecções virais que previnem”.

Este artigo publicado pela Universidade de Berkeley, nos EUA, discute possíveis efeitos da proteína Spike em casos graves de covid-19 e vai ao encontro do que diz a outra pesquisa. “A quantidade de proteína Spike que circula no corpo após a vacinação é muito menos concentrada do que as quantidades observadas em pacientes com covid-19 grave e que foram utilizadas no estudo.”

Autor de vídeo teve outros conteúdos verificados

O autor do vídeo é o médico clínico geral Roberto Sebastian Zeballos, já verificado pelo Comprova em ocasiões anteriores por divulgar conteúdos falsos ou enganosos sobre a pandemia (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7).

Em 2021, reportagem do Aos Fatos mostrou que Zeballos era um dos médicos com maior projeção de conteúdos de desinformação sobre a doença. Na conta do Instagram, em que divulgou o vídeo com alegações enganosas sobre a carta da EMA, ele acumula atualmente 651 mil seguidores.

Em janeiro do ano passado, professores da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) divulgaram uma carta aberta em protesto às declarações de Zeballos contra as vacinas da covid-19. O médico é formado pela instituição, na qual também obteve grau de mestre e doutor em imunologia.

“Embora tenha o grau de médico e doutorado, parece que pouco aprendeu sobre metodologia científica e aplicações práticas de epidemiologia clínica. Situação que gera, para dizer o mínimo, falta de credibilidade e de integridade. Apresentar experiência clínica individual como única prova da veracidade de suas hipóteses é desconhecer o mais simples pressuposto de metodologia científica. Ninguém julga um tratamento com base em experiência individual”, escreveram os autores da carta.

Em uma das ocasiões em que foi procurado pelo Comprova, Zeballos afirmou que suas afirmações sobre a covid-19 são baseadas na experiência tratando casos da doença. 

Mais recentemente, o Comprova mostrou ser enganoso que a FDA, agência norte-americana que regula medicamentos quanto à eficácia e segurança, tenha autorizado o uso da ivermectina para a prevenção ou tratamento da covid-19, o que havia sido alegado por Zeballos também em vídeo no Instagram.

O que diz o responsável pela publicação: Ao Comprova, Roberto Zeballos listou, em contatos por telefone e WhatsApp, uma série de considerações sobre a carta. Ele afirmou que não encontrou a íntegra dela em um primeiro momento e que se baseou na coletiva de imprensa concedida no Parlamento Europeu para gravar o vídeo.

Após a reportagem enviar a ele o link do documento, disponível no site da EMA, o médico afirmou que a EMA “coloca que autorizou (ONLY) apenas com análise individual” a aplicação da vacina. O trecho ao qual ele se refere diz, na verdade, que a indicação autorizada do imunizante é apenas para prover proteção à pessoa que for vacinada (“The indications are for protecting the vaccinated individuals only”).

Zeballos disse que a EMA cita na carta sobre a autorização ter o objetivo de reduzir doenças graves — a agência escreve que as vacinas protegem contra quadros severos, incluindo hospitalização, o que é particularmente importante para pessoas vulneráveis.

O médico acrescenta, ainda, que devido ao Reino Unido considerar como população de risco a faixa etária acima dos 60 anos, o que não consta no documento, isso pode ter levado o eurodeputado no qual se baseou a interpretar que, na prática, a vacinação não seria indicada pela EMA para quem tenha idade menor do que essa.

Zeballos afirmou, também ao Comprova, que a EMA desqualifica as vacinas ao dizer que elas não controlam a transmissão da covid-19. Ele disse ainda considerar que, no momento, não existem incentivos para a notificação de efeitos adversos da vacina. Na carta, a EMA cita, na verdade, que não há indicação autorizada até aqui das vacinas para a redução da transmissão, por não haver dados que permitam avaliação conclusiva sobre isso. A agência afirma também monitorar continuamente relatos de efeitos adversos. Além disso, reforça a segurança e importância dos imunizantes em prover proteção.

O que podemos aprender com esta verificação: Uma tática comum usada por desinformadores para criar o efeito de credibilidade para informações falsas é usar documentos reais de forma distorcida. No caso verificado, o médico utilizou-se das falas de um deputado europeu que, já naquela altura, deturpou uma carta da EMA, com conteúdo de defesa da vacinação, ou seja, no sentido contrário ao que é alegado pelos desinformadores. Por isso, é importante consultar declarações originais e diversos veículos de comunicação, além de desconfiar caso não seja informada a fonte primária da informação.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Conteúdos falsos ou enganosos sobre a vacinação contra a covid-19 são frequentemente verificados pelo Comprova. Recentemente, mostramos que uma médica engana ao dizer que os imunizantes causam infarto e morte súbita em crianças e ser falsa a alegação de que o Parlamento Europeu tenha classificado a vacina como arma biológica.

 

Atualização: Esta verificação foi atualizada em 7 de dezembro de 2023 para incorporar na seção “O que diz o responsável pela publicação” a resposta do autor da publicação verificada.