O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Saúde

Investigado por: 2020-12-17

Não há comprovação de que vacina da Pfizer tenha causado paralisia de Bell em voluntários

  • Enganoso
Enganoso
Quatro casos foram identificados em um grupo de 38 mil voluntários testados com a vacina, mas não foram estabelecidas relações de causa e efeito com a vacina. A paralisia de Bell atinge de 20 a 30 casos em cada 100 mil pessoas por ano no mundo e, desses, 70 a 90% se recuperam completamente.
  • Conteúdo verificado: Tuíte que afirma que vacina (da Pfizer) pode causar paralisia de Bell.

É enganoso um tuíte afirmando que a vacina da Pfizer contra a covid-19 causa paralisia de Bell. Dos 38 mil voluntários dos testes com o imunizante, quatro tiveram a paralisia, porém, segundo a Food and Drugs Administration (FDA) – agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos que regulamenta o uso de medicamentos e vacinas no país -, não há evidências para afirmar que o distúrbio foi causado pela vacina. O comitê consultivo da FDA classificou o episódio como “evento adverso sem gravidade”.

A vacina foi considerada segura, pois os eventos adversos sérios foram observados em menos de 0,5% dos voluntários. Os efeitos mais frequentes, contudo, não foram os mais graves, sendo os mais comuns a reação no local da injeção, cansaço e dor de cabeça. O imunizante já começou a ser aplicado no Reino Unido e nos Estados Unidos.

A paralisia de Bell é ocasionada por uma lesão no nervo facial, cuja causa não é totalmente conhecida. Não é considerada grave pelos especialistas consultados pelo Comprova.

Como verificamos?

O Comprova buscou notícias na imprensa profissional de imunizantes que pudessem ter apresentado a paralisia de Bell como efeito adverso. Assim foi possível identificar que o tuíte se referia à vacina da Pfizer.

Buscamos o documento produzido pelo comitê científico da FDA que avaliou segurança e eficácia do imunizante para aprovação do uso emergencial, para entender o que realmente foi dito pela agência sobre a paralisia de Bell.

Depois, consultamos o neurologista Pedro Braga Neto, da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), para entender qual a gravidade da paralisia de Bell.

Por fim, falamos com o doutor em Biologia Molecular pela Universidade de Cambridge, Rafael Dhalia, que atua como especialista em desenvolvimento de vacinas na Fiocruz.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 17 de dezembro de 2020.

Verificação

O que disse a FDA sobre a vacina da Pfizer

As farmacêuticas Pfizer e BioNTech solicitaram autorização de uso emergencial da vacina BNT 162b2 à Food and Drug Administration (FDA), a agência regulatória de medicamentos dos Estados Unidos. Tanto a FDA quanto o CDC (Centro de Controle de Doenças) aprovaram o pedido, e os norte-americanos começaram a ser vacinados na segunda-feira, 14.

Para isso, as duas empresas entregaram os resultados de segurança e eficácia da fase 3 de testes, ainda em andamento, com cerca de 38 mil voluntários. O imunizante mostrou eficácia de 95%.

A vacina foi considerada segura, uma vez que eventos adversos sérios foram observados em menos de 0,5% dos voluntários. No entanto, os efeitos adversos mais comuns foram outros, todos de menor gravidade: reação no local da injeção (84,1%), cansaço (62,9%) e dor de cabeça (55,1%).

Um evento adverso inesperado chamou a atenção da agência reguladora. Entre os voluntários que tomaram a vacina, quatro tiveram a paralisia de Bell, enquanto a mesma condição não foi observada no grupo de placebo – pessoas que não tomaram a vacina e serviram como grupo de comparação com aqueles que tomaram. O comitê consultivo da FDA classificou a paralisia de Bell como “evento adverso sem gravidade”.

Isso quer dizer que a vacina causou a paralisia? Para os especialistas da FDA, “não há clara evidência que permita concluir a relação causal” entre o imunizante e o desenvolvimento da paralisia facial. Também afirmam que o número de casos (4) é “consistente com o observado na população em geral”, isto é, em pessoas fora dos testes. “No entanto, a FDA recomendará vigilância de novos casos em vacinados na população em geral.”

As quatro pessoas desenvolveram a síndrome de 3 a 48 dias após tomarem a vacina. Este último caso não mais apresentava a paralisia três dias após o aparecimento dela. Os outros aparentavam estar se curando no momento em que o relatório foi elaborado.

Como a vacina da Pfizer funciona

A vacina das empresas Pfizer e BioNTech utiliza uma tecnologia inovadora que introduz nas células humanas uma parte da informação genética do novo coronavírus (SARS-CoV-2) responsável pela produção de um antígeno viral. Dessa forma, as células passam a produzir esse antígeno, que será reconhecido pelo sistema imunológico da pessoa que recebe a dose e motivará a produção de anticorpos que protegerão o corpo contra o vírus.

Este tipo de vacina já foi alvo de desinformação. O Comprova já desmentiu que algumas das vacinas em produção contra a covid-19 causariam danos irreversíveis ao DNA humano. No plano de imunização do governo Bolsonaro, entregue pelo Ministério da Saúde ao Supremo Tribunal Federal (STF) neste sábado, 12, as vacinas que utilizam RNA são descritas como seguras porque “não há integração do RNAm injetado ao genoma do indivíduo vacinado”.

O que é a paralisia de Bell

A paralisia de Bell é um distúrbio repentino ocasionado por uma lesão no sétimo nervo craniano, o nervo facial, cuja causa não é totalmente conhecida. É também chamado de paralisia facial periférica e ocorrem entre 20 a 30 casos para cada 100 mil pessoas por ano no mundo. Pode ocorrer em qualquer pessoa, mas é mais frequente na faixa etária de 15 a 50 anos. De acordo com o coordenador do Departamento Científico de Neurologia Geral da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e professor da UFC e UECE, Pedro Braga Neto, em alguns casos as lesões podem ser decorrentes de uma inflamação provocada pelo herpesvírus.

“A grande maioria dos casos não tem uma causa esperada. Há relatos de outros vírus, além do herpes, que podem ser agentes causadores da paralisia de Bell. Há relatos, por exemplo, de paralisia facial periférica pelo coronavírus, como sintoma neurológico da infecção.”

Os sintomas mais comuns são perda de movimentos de um lado do rosto, dificuldade de fechar os olhos, dificuldade de sorrir e realizar qualquer expressão facial no lado comprometido. “Além disso, pode haver dificuldade de lacrimejar os olhos, desconforto no ouvido e de sentir gosto do lado da língua afetada. Mas há um bom prognóstico, 70 a 90% dos pacientes se recuperam da lesão do nervo completamente”, explica o neurologista. A recuperação dos movimentos da face geralmente ocorre entre seis a oito semanas.

Segundo Pedro Braga Neto, existem relatos na literatura médica de paralisia facial periférica associados à vacina, particularmente à imunização da influenza, “mas são eventos bem raros”, afirma. A paralisia de Bell não é considerada grave, explica o médico: “É uma doença autolimitada e que acomete exclusivamente o nervo facial. Pode gerar problemas de autoestima e psicológicos, devido a questões estéticas do rosto. Infelizmente alguns pacientes podem ficar com o rosto assimétrico, boca torta, etc como sequela do quadro.”

O pesquisador da Fiocruz Rafael Dhalia usou palavras semelhantes para confirmar que a paralisia é “um evento raro”. Ele também admite que, “aparentemente pode ocorrer em decorrência de vacinação, com frequência muito baixa e sendo totalmente reversível. Pessoas com histórico de alergia e reações anafiláticas são mais propensas e devem, portanto, se vacinar sob orientação e cuidados médicos. Foram relatados apenas quatro casos em (quase) 40 mil voluntários, todos já recuperados. Portanto, desaconselhar a vacinação por esse motivo me parece um desserviço. Lembrando que a vacina da Pfizer vem mostrando bons resultados, foi aprovada pelo FDA para uso limitado e vários países liberaram inclusive para vacinação em massa”.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova checa conteúdos virais suspeitos sobre a pandemia de covid-19 e políticas públicas do governo federal. A vacina da Pfizer chama atenção por ser o primeiro imunizante a receber autorização emergencial de grandes economias como o Reino Unido e os Estados Unidos, o que deu destaque para seus resultados e possíveis efeitos adversos. O tuíte checado teve ao menos 2,5 mil interações.

Peças de desinformação sobre vacinas são prejudiciais porque diminuem a confiança da população nas autoridades e em campanhas de imunização, consideradas fundamentais para diminuir a mortalidade da covid-19 e desafogar o sistema de saúde. O Comprova já desmentiu publicações afirmando que as vacinas seriam iniciativa de redução populacional ou que a CoronaVac teria matado voluntários.

O site e-farsas também desmentiu o conteúdo sobre o imunizante da Pfizer.

Enganoso, para o Comprova, é conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-12-16

Vacinas para covid-19 não são capazes de provocar danos genéticos

  • Falso
Falso
Especialistas ouvidos pelo Comprova desmentem alegações de um médico em um vídeo publicado por deputado federal no Facebook. Os especialistas reforçam que não existem estudos científicos catalogados de que no futuro as vacinas contra o novo coronavírus possam causar câncer ou alterações genéticas em quem se imunizar.
  • Conteúdo verificado: Vídeo publicado por deputado no Facebook no qual um médico afirma que as vacinas em desenvolvimento para a covid-19 e que utilizam as tecnologias de vetor viral, vacina de DNA e vacina de RNA mensageiro podem provocar danos genéticos potenciais em quem se imunizar.

É falso que as vacinas em desenvolvimento contra a covid-19 que utilizam como tecnologia vetor viral (adenovírus), vacina de DNA e vacina de RNA mensageiro possam provocar alterações genéticas ou câncer. É enganosa também a alegação de que as mesmas vacinas, para serem seguras, teriam de ser testadas durante 20 ou 30 anos. As afirmações foram feitas pelo médico Alessandro Loiola durante uma entrevista publicada em vídeo e compartilhada, na primeira semana de dezembro, pelo deputado federal do Rio de Janeiro Daniel Silveira (PSL) em seu perfil do Facebook.

Ao contrário do que defende o médico na entrevista, não há provas de que haja um tempo mínimo para que uma vacina seja desenvolvida para que possa ser considerada segura. Do mesmo modo, não existem estudos científicos catalogados de que no futuro as vacinas contra o novo coronavírus possam causar câncer ou alterações genéticas em quem se imunizar. É válido reforçar que os imunizantes em desenvolvimento contra a covid-19 estão sendo testados em conjunto por laboratórios e instituições de pesquisa de várias partes do mundo, com o aval de órgãos regulatórios de diferentes países.

Em entrevista ao Comprova, Rafael Dhalia, especialista em desenvolvimento de vacinas de DNA vírus pela Fiocruz, lembrou que a eficácia demonstrada nos testes por essas vacinas que utilizam as tecnologias adenovírus e RNA mensageiro, ambas citadas pelo médico no vídeo verificado pelo Comprova, é de 92 a 95%. E que elas não têm apresentado efeitos adversos graves.

Sobre as possíveis alterações genéticas, o Comprova já checou outros conteúdos semelhantes e, ao entrevistar especialistas como o virologista Flávio Fonseca, da Universidade Federal de Minas Gerais e do Centro de Tecnologia em Vacinas da UFMG, constatou que não existem vacinas que tenham a capacidade de alterar o nosso material genético. Além disso, em outra checagem, o Comprova mostrou que todas as vacinas em teste no Brasil passaram pela fase pré-clínica.

O Comprova entrou em contato por Facebook e e-mail com o deputado federal Daniel Silveira, que compartilhou o vídeo. Além disso, tentou contato com o médico que fez as alegações, Alessandro Loiola. No entanto, até a publicação desta verificação não obtivemos resposta.

Como verificamos?

Para esta verificação, primeiramente, entramos em contato com especialistas para tentar sanar dúvidas relacionadas às afirmações feitas pelo médico Alessandro Loiola durante uma entrevista. Dentre elas, esclarecer as diferentes tecnologias utilizadas nas vacinas em desenvolvimento e o que elas podem causar nas pessoas.

Conversamos com Rafael Dhalia, da Fiocruz, com Gladys Prado, médica infectologista do Hospital Sírio-Libanês e parte da equipe de educadores da ONG Uneafro e com o virologista Flávio Fonseca, da Universidade Federal de Minas Gerais e do Centro de Tecnologia em Vacinas da UFMG, que contribuíram com informações para que pudéssemos entender quais são as propostas da vacina, seus efeitos e a veracidade do conteúdo verificado.

Em seguida, buscamos por registros com o nome de Alessandro Loiola no Conselho Federal de Medicina e por menções no Google a seu cargo como Coordenador-Geral do Departamento de Empreendedorismo Cultural, da Secretaria da Economia Criativa, da Secretaria Especial da Cultura.

Fizemos também uma busca no Google com o nome do deputado federal Daniel Silveira, que compartilhou o vídeo no seu perfil do Facebook.

Até o fechamento desta verificação, o deputado federal Daniel Silveira não havia respondido ao e-mail e nem à mensagem privada enviada na própria rede da publicação, como tentativa de contato pelo Comprova. Procurado por e-mail, Alessandro Loiola também não retornou.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 16 de dezembro de 2020.

Verificação

No vídeo checado, além de o médico Alessandro Loiola afirmar que as vacinas poderão alterar o código genético e futuramente causar câncer, ele levanta outros questionamentos para tentar desqualificar as pesquisas e testes realizados para a vacina contra a covid-19 e diminuir a gravidade da pandemia, mesmo com a iminência de uma segunda onda do vírus e aumento significativo de casos. Na segunda parte da legenda do post, o deputado federal Daniel Silveira escreveu: “A estratégia sempre foi muito clara: ‘vamos espalhar o medo em escala global, e assim, podemos emplacar nossos experimentos como cura.’

Tecnologias utilizadas nas vacinas

Durante a entrevista, Alessandro Loiola coloca em xeque a segurança de três tecnologias utilizadas em algumas vacinas em desenvolvimento contra a covid-19: utilização de vetor viral (adenovírus), vacina de DNA e vacina de RNA mensageiro. De acordo com o médico, por serem tecnologias novas e as vacinas nunca terem sido testadas em humanos, elas poderão provocar alterações no material genético das pessoas com consequências desconhecidas. Isso não é verdade.

O especialista em desenvolvimento de vacinas de DNA vírus pela Fiocruz, Rafael Dhalia, confirmou a utilização dessas novas tecnologias em algumas vacinas da covid-19. “No momento, na última fase de desenvolvimento [fase 3], temos quatro vacinas de vetor viral. A chinesa (Sinovac), a russa (Centro Gamaleya), a inglesa (AstraZeneca e Oxford) e a americana (Johnson & Johnson). E duas de RNA mensageiro, a americana (Moderna) e a americana/alemã (Pfizer e BioNTech)”. Ele disse também que nenhuma vacina de DNA entrou na fase 3 ainda e que a inglesa, produzida pela AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford, “foi a escolhida pelo governo brasileiro para a vacinação em massa caso venha a ser aprovada”.

“Embora todas elas tenham como base o material genético do vírus, nas vacinas de vetor viral esse material é transportado para nossas células por um vírus deficiente, que não causa doença grave. Enquanto as vacinas de RNA são transportadas para as nossas células dentro de partículas lipídicas”, explicou Dhalia.

O especialista da Fiocruz pontuou ainda que os resultados mais recentes divulgados das vacinas que utilizam as tecnologias adenovírus e RNA mensageiro, ambas citadas pelo médico no vídeo, “vêm demonstrando bons resultados de eficácia, entre 92 e 95%” e que “os dados de segurança não vêm demonstrando efeitos adversos graves”.

“Resultados mais recentes da empresa Moderna (vacina de RNA) demonstraram, inclusive, que dos 95 participantes do estudo que tiveram covid-19, 11 evoluíram para as formas graves. Nenhum desses recebeu a vacina. Demonstrando que esta vacina parece proteger inclusive das formas mais graves”, completou.

Para o especialista, “não é à toa” que o Reino Unido optou por começar a vacinação dos seus profissionais de saúde e idosos com as vacinas de RNA. E também, que a Rússia tenha iniciado a imunização pela vacina de adenovírus. “Uma análise técnica rigorosa por parte de especialistas foi com certeza realizada”, pontuou.

A vacina pode alterar o material genético, DNA?

No vídeo compartilhado, Alessandro Loiola afirma que a vacina pode alterar o código genético de quem receber as doses. No entanto, os especialistas entrevistados pelo Comprova afirmaram que esse processo não pode ocorrer.

O virologista Flávio Fonseca, da UFMG, explicou que “nosso organismo está acostumado a receber uma quantidade de material genético estrangeiro enorme e nossas células sabem como lidar com esses materiais genéticos”.

“No núcleo da célula tem várias enzimas que patrulham esse espaço corrigindo imperfeições no genoma e evitando que o material genético estrangeiro possa trazer algum problema. E isso é um resultado de milhões de anos de evolução para evitar que a gente seja sujeito a isso”, acrescentou.

A médica infectologista Gladys Prado, do Sírio Libanês, explica que a vacina traz proteínas que estimulam o sistema imunológico enquanto nossos anticorpos reconhecem essas proteínas. Mas, quando uma pessoa é contaminada pelo coronavírus o processo é bem diferente: em vez de fortalecer o sistema imunológico, o vírus vindo da contaminação torna-se um “hospedeiro” e faz com que a célula trabalhe para ele.

A vacina de vetor viral pode provocar câncer?

Sem apresentar provas ou evidências, o médico no vídeo verificado diz ainda que “daqui há 30 anos poderemos ter uma epidemia de câncer”. Recentemente, o Comprova classificou como falso outro conteúdo que também sugeria que as vacinas em desenvolvimento contra o novo coronavírus que utilizam RNAs mensageiros poderiam causar câncer.

Na ocasião, conversamos com a microbiologista Jordana Coelho dos Reis, que atua no Laboratório de Virologia Básica e Aplicada do Departamento de Microbiologia, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ela reforçou que os RNAs que estão sendo utilizados nos testes para algumas vacinas não têm a capacidade de alterar nosso DNA e que, portanto, são seguros. “A gente pode confirmar com segurança, com pé no chão, tranquilamente que essas vacinas não representam um risco para câncer nesse sentido de alterar genoma, não tem a menor chance disso acontecer”.

Quem é o deputado que compartilhou o vídeo

Daniel Lúcio da Silveira, 38, é ex-policial militar e atualmente é deputado federal pelo Rio de Janeiro, filiado ao Partido Social Liberal (PSL).

Em 2018, quando ainda era candidato, se notabilizou por quebrar uma placa em memória à ex-vereadora Marielle Franco, assassinada em março do mesmo ano, como mostra esta reportagem do portal Uol.

Neste ano, o parlamentar se tornou um dos alvos da operação da Polícia Federal no inquérito das fake news e na investigação da origem de recursos e a estrutura de financiamento de grupos suspeitos da prática de atos contra a democracia.

Em agosto, a agência de notícias The Intercept Brasil publicou uma reportagem trazendo informações sobre o histórico policial de Silveira. A reportagem mostra que o ex-policial militar chegou a passar 80 dias preso no quartel entre os anos de 2013 e 2017. De acordo com a apuração da agência, “entre os motivos que levaram o deputado a ser detido tanto tempo estão mau comportamento, faltas, atrasos e, sobretudo, a gravação e postagem de vídeos ofensivos durante ações de patrulhamento”.

Quem é o médico entrevistado no vídeo

O entrevistado que aparece no vídeo é o médico vitoriense Alessandro Lemos Passos Loiola, 49, formado pela Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (Emescam), no Espírito Santo. Constam no site do Conselho Federal de Medicina (CFM) três registros em seu nome, em diferentes estados: Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo. Isso é possível porque um médico precisa ter registro em cada estado onde atua.

No seu estado de origem, a situação do registro de Loiola aparece como “transferido”. Já nos outros dois, os registros estão ativos. Nos conselhos regionais de Minas Gerais e Espírito Santo, constam como áreas de atuação médica a cirurgia geral e a proctologia ou coloproctologia. Em São Paulo não há indicação de especialidades.

Ele tem mais de 49 mil seguidores no Instagram. Na descrição, está a seguinte definição: “escritor, palestrante, médico” e um link que direciona para um canal no aplicativo Telegram. Em um dos destaques do perfil contém um Stories com a frase “um canal para compartilhar ideias e reflexões censuradas pelos redbirds nas outras redes”. Na tradução livre “redbirds” significa pássaros vermelhos.

Em sua conta no Twitter, com mais de 88 mil seguidores, há um link para um site que aparentemente tem como foco o público masculino. Ele contém publicações de Loiola abordando diferentes temas, dentre eles, assuntos relacionados à pandemia, como um texto em que ele fala sobre “os riscos da vacina” e outro em que se posiciona contra o uso de máscaras de pano. No site constam ainda cursos para discutir “as falácias esquerdistas”.

Ambos os perfis têm postagens dele divulgando um livro de sua autoria, em que, na orelha, além de se apresentar como médico, ele menciona que foi, também, coordenador da Secretaria Especial de Cultura do governo federal.

Em novembro de 2019, como mostra matéria do portal Metrópoles, Alessandro Loiola foi escalado pelo então secretário da cultura, Roberto Alvim, para se tornar coordenador de cultura.

A nomeação para o cargo de Coordenador-Geral de Empreendedorismo e Inovação, do Departamento de Empreendedorismo Cultural, da Secretaria da Economia Criativa, da Secretaria Especial da Cultura, foi assinada pelo então ministro do Turismo, Marcelo Henrique Teixeira Dias, mais conhecido como Marcelo Álvaro Antônio, e publicada no Diário Oficial da União de 27 de novembro de 2019.

Menos de dois meses depois, ele e outros dois funcionários da Secretaria Especial da Cultura foram exonerados dos cargos também pelo ministro Dias. As exonerações foram publicadas no Diário Oficial da União no dia 24 de janeiro de 2020. Os três tinham sido nomeados pelo ex-secretário Roberto Alvim, que foi demitido dez dias antes, após fazer um pronunciamento oficial com referências nazistas, como mostra esta reportagem publicada por O Globo.

Alessandro Loiola já foi foco de verificações realizadas pelo Comprova e em nenhuma delas foi encontrado um currículo do médico na Plataforma Lattes, que reúne pesquisadores do país.

Em outubro o Comprova publicou uma checagem que comprovou que médico tirou de contexto dados de estudo para sugerir que máscaras são ineficientes. No mês seguinte, as declarações enganosas de Loiola que, inclusive, não participou da pesquisa sobre o uso de máscaras N95, foram usadas por uma deputada e novamente o Comprova constatou que o estudo recomendava o uso de máscara contra a covid-19.

Recentemente, o Estadão Verifica, que participa do Comprova, publicou uma verificação sobre um vídeo que circulou no WhatsApp em que o médico fazia uma comparação entre tuberculose e covid-19, minimizando a gravidade da doença provocada pelo vírus. De acordo com a checagem, a comparação feita pelo médico ignora aspectos importantes de ambas as doenças.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos duvidosos relacionados à políticas públicas do governo federal e à pandemia do novo coronavírus, incluindo publicações que veiculam informações suspeitas relacionadas à vacina contra a covid-19. No caso deste vídeo verificado, a divulgação desse conteúdo é ainda mais grave, porque ele coloca em descrédito as vacinas que estão em desenvolvimento para conter o vírus que já tirou a vida de mais de 182 mil brasileiros, de acordo com os dados do Ministério da Saúde atualizados em 15 de dezembro.

Nesta verificação, o vídeo com informações falsas foi publicado no Facebook e teve mais de 142 mil visualizações, até dia 15 de dezembro. Além de contribuir para o descrédito das vacinas, o conteúdo também desencoraja a população a se imunizar por meio da vacinação, o meio mais efetivo, segundo especialistas, para conter a covid-19.

Na publicação o descrédito das vacinas se dá pelas diversas afirmações, sem apresentar outras provas, sobre “danos genéticos em potencial” que poderão ser provocados pelos imunizantes em desenvolvimento. Por isso, o Comprova tenta contribuir com o entendimento dos estudos sobre as vacinas, ouvindo especialistas e, assim, sanar dúvidas da população e aumentar a confiança das pessoas sobre as informações catalogadas nas pesquisas científicas.

O Comprova já checou outros conteúdos falsos que também distorciam fatos e disseminavam medo entre a população em relação aos imunizantes. Recentemente o Comprova publicou uma verificação em que constatou que as vacinas não são uma iniciativa globalista para reduzir a população. Mostrou também que eram falsas as afirmações de um vídeo que dizia que médico teria morrido por conta de efeitos da vacina de Oxford e as alegações de um áudio de que as vacinas poderiam causar câncer, danos genéticos ou homossexualismo.

Também mostrou que é enganoso dizer que expor a população ao vírus é melhor para acabar com a pandemia do que a vacinação, que todas as vacinas em teste no Brasil passaram por fase pré-clínica, ao contrário do que diz médico e que tuíte engana ao sugerir que vacina contra a covid-19 é desnecessária.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira. 

Saúde

Investigado por: 2020-12-16

Tuíte usa afirmações falsas de médico canadense para negar a pandemia

  • Falso
Falso
Ao contrário do que alega um tuíte que reproduz afirmações inverídicas atribuídas a um médico canadense, a pandemia de coronavírus é uma realidade e os testes PCR são eficazes para detectar a presença do vírus.
  • Conteúdo verificado: Post no Twitter com declarações atribuídas a médico do Canadá sobre a pandemia ser uma farsa, os testes RT-PCR não serem confiáveis e o distanciamento social ser inútil porque a Covid é espalhada por aerossóis.

Não é verdade que a pandemia seja uma farsa, o distanciamento social, inútil e que os testes PCRs não sejam confiáveis, como afirma o perfil MarleneFFL no Twitter. A postagem usa declarações inverídicas feitas pelo médico canadense Roger Hodkinson e publicadas em um site chamado Day News.

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, a pandemia de Coronavirus matou mais de um milhão e meio de pessoas no mundo. A OMS recomenda que as pessoas continuem com o distanciamento social, a utilização de máscaras e as medidas de saúde necessárias para evitar mais mortes e contaminações. Essas medidas são as únicas formas de evitar o coronavírus até a chegada da vacina.

A OMS reconheceu que em alguns casos há transmissão por aerossóis, que são partículas bem menores que ao invés de se dissiparem, ficam no ar como “fumaça”. No entanto, a transmissão de aerossóis se dá em situações específicas. Portanto, é preciso manter todos os cuidados de higiene e distanciamento social.

O Comprova consultou especialistas que trabalham no enfrentamento da Covid-19 e nos testes que detectam a presença de coronavírus. O teste RT-PCR é o teste molecular que procura no organismo a presença de Sars-Cov 2 (o agente causador da Covid). Porém, os testes não são os únicos recursos para diagnosticar a doença e fazem parte de um arcabouço de métodos ignorados na publicação. Além disso, dizer que a pandemia é uma farsa é ignorar o sofrimento de milhões de famílias que perderam pessoas e que ainda precisam continuar com as medidas de proteção.

Como verificamos?

Primeiramente, pesquisamos verificações que o Comprova já fez sobre declarações falsas e enganosas sobre a pandemia. Fizemos uma busca sobre Roger Hodkinson no site do Western Medical, e a biografia publicada lá diz que ele é formado na Universidade de Cambridge e foi professor da Universidade de Alberta, no Canadá. Enviamos email para essas duas instituições e somente a Universidade de Alberta respondeu. Encontramos um registro desse médico no estado de Alberta, Canadá.

Conversamos por telefone com duas especialistas. A professora de Medicina da Universidade de Pernambuco (UPE) e pesquisadora do Instituto Aggeu Magalhães/Fiocruz, Ana Maria de Brito, que tem pós-doutorado em epidemiologia na Universidade de Berkeley, Califórnia, EUA (2011/2012), e a médica Marta Silva, do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (UFG). Entramos em contato com o site Day News, onde o conteúdo foi originalmente postado no Brasil, mas até o momento não houve resposta aos questionamentos enviados para o e-mail informado na página de “contato” do site.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 14 de Dezembro de 2020.

Verificação

Enfrentamento da Covid-19

Os primeiros casos de Covid-19 foram registrados no mês de janeiro, na China. Até o dia 14 de dezembro de 2020, segundo a OMS, 1.608.648 pessoas morreram por Covid no mundo. Em junho, o FMI afirmou que os países gastaram US$ 10 trilhões para conter as consequências econômicas da pandemia. Um monitoramento do Tesouro Nacional mostra que a União gastou R$ 508,4 bilhões no combate à doença até o momento.

Em verificação publicada em 7 de agosto de 2020, o Comprova já tratava das evidências científicas “indicando que o uso de máscaras reduz a quantidade de partículas virais que pessoas infectadas com a covid-19 expelem ao falar, espirrar ou tossir”. O Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC) indica em seu site 19 artigos que foram publicados em revistas científicas atestando a efetividade das máscaras como parte da estratégia para controlar a pandemia.

As declarações do médico canadense são de um áudio gravado em uma conferência na cidade de Edmonton, em Alberta, Canadá. O YouTube retirou esse áudio do ar, mas outro vídeo no Youtube comprova a existência desse médico e suas declarações.

Medidas de segurança ainda são as únicas formas de prevenção contra a Covid-19, ao contrário do que afirma o médico. O novo coronavírus tem alta taxa de contágio. No dia 15 de dezembro, cada 100 pessoas contaminadas transmitiam o vírus para outras 113, portanto, a taxa é de 1,13. Esse número representa o avanço da doença que é transmitida pelo ar e pelo contato de superfícies contaminadas. Por isso, o uso de máscaras e o distanciamento social são necessários para evitar mais mortes e contaminações, e são recomendados pelas principais instituições científicas e de saúde, como a OMS, o Conselho Nacional de Saúde e a Fiocruz. “Dizer que a pandemia é uma farsa é um crime contra a humanidade”. É o que afirma a médica do Hospital das Clínicas da UFG, Marta Silva, que trabalha no monitoramento dos casos em Goiás. Para Marta, negar a existência do vírus é negar a morte de milhões de pessoas e, consequentemente, o sofrimento de muitas famílias que choram pelo seus mortos.

A pandemia não é uma farsa

“Excesso de mortalidade” é um conceito usado em epidemiologia e saúde pública que se refere ao número de mortes por todas as causas durante uma crise além do que se espera em condições normais. No caso da pandemia, é necessário saber como os números de mortes totais se comparam ao número médio de mortes no mesmo período nos anos anteriores.

Vários estudos já foram publicados no mundo comprovando o excesso de mortalidade registrado em 2020. Esses estudos usaram apenas os dados da primeira onda da covid-19 na Europa e Estados Unidos, ou seja, sem contar sequer os mortos da chamada segunda onda, ainda em evolução. Em verificação de 27 de outubro, o Projeto Comprova citou três desses estudos disponíveis no banco de dados Our World in Data, mantido pela Universidade de Oxford com outros parceiros da comunidade científica internacional.

No Brasil, o excesso de mortalidade está em 24%, de acordo com os dados do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), que indica 185 mil mortes a mais do que as 784.205 que eram projetadas inicialmente para 2020, caso não houvesse a pandemia.

Testes PCR

A professora e pesquisadora Ana Maria de Brito detalhou como funcionam os testes RT-PCR e apontou erros e imprecisões nas falas atribuídas a Roger Hodkinson.

Segundo ela, esse teste é “considerado o padrão ouro para diagnosticar a covid-19 por identificar a presença do material genético do vírus na amostra de secreção respiratória [colhida no nariz e na garganta por meio do swab, semelhante a um cotonete]”. “O ideal é que seja feito na primeira semana de sintomas, de preferência não ultrapassando o 12º dia. É que nesse período a quantidade de vírus [carga viral] está mais elevada, o que permite detectar o RNA do SARS-CoV-2 na amostra analisada”, explica. O RNA, ou ácido ribonucleico, é uma molécula responsável pela síntese de proteínas das células do corpo. Sua principal função, portanto, é a produção de proteínas.

Segundo a pesquisadora, se feito na janela de tempo correta, o exame tem alto grau de confiabilidade, acima de 90%, e dificilmente apresenta um resultado falso positivo. Porém, há possibilidade de apresentar resultados falsos negativos, não o contrário, como afirma o canadense”. Assim, como o RT-PCR amplifica a quantidade do material genético do vírus em uma amostra de secreção, quanto maior for a carga viral mais preciso será o resultado.

A primeira imprecisão de Hodkinson seria a afirmação que os diagnósticos estão sendo feitos apenas pela testagem. “O diagnóstico de qualquer doença não é feito apenas pelos testes diagnósticos. Eles são mais uma ferramenta que os médicos utilizam e que se somam ao exame clínico com a constatação da presença de sintomas e exames de imagem. Os médicos sabem que quase nenhum teste diagnóstico é perfeito e todos podem apresentar erros”, informou Ana Brito.

No Brasil, por exemplo, exames laboratoriais não são pré-requisito para confirmar diagnóstico de covid-19 desde junho.

Quem é Roger Hodkinson?

Roger G. Hodkinson é médico registrado no estado de Alberta, no Canadá. É CEO do Western Medical Assessments, uma empresa de consultoria médica, e aparece em um vídeo no YouTube apresentando os serviços prestados pela empresa.

Uma checagem realizada pela Associated Press investigou a afirmação de Hodkinson de que a “covid-19 é a maior farsa já perpetrada contra um público desavisado”. Nessa mesma checagem, o Royal College of Physicians and Surgeons of Canada, instituição criada pelo parlamento que regula a educação médica do país, respondeu à equipe de checagem dizendo que ele, apesar de ser patologista desde 1976, não exerce e nunca exerceu nenhum cargo na instituição.

Em nota publicada no dia 20 de novembro, o Royal College informou que apoia todas as medidas de segurança contra a Covid-19, incluindo o distanciamento social e o uso das máscaras e higienização das mãos.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos duvidosos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia do novo coronavírus. Com a pandemia da covid-19, torna-se urgente o combate a informações que servem apenas para desorientar a população. A postagem no site Day News chegou a ter 20 mil interações, segundo a plataforma de monitoramento CrowdTangle. E no twitter o post teve 2,2 mil curtidas. Dizer que a pandemia é uma farsa, ou que a utilização de máscaras e o distanciamento social é inútil é relativizar as centenas de mortes que ocorreram, e ignorar as diversas comprovações científicas sobre a covid-19.

O Comprova já verificou outros conteúdos que traziam informações falsas sobre a covid-19 e as formas de prevenção à doença, como a postagem que sugeria que o uso de máscaras poderia provocar o acúmulo de líquido nos pulmões e um tuíte onde um deputado usa dados imprecisos para colocar em dúvida a eficiência de medidas de distanciamento social.

O Globo e o Boatos.org também já fizeram checagens sobre as falas de Roger Hodkinson.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2020-12-15

É impossível que vacina cause alterações genéticas, dizem especialistas

  • Falso
Falso
Não há nenhuma comprovação que vacinas contra a covid-19 possam modificar a composição genética das pessoas como alega um vídeo publicado no Instagram e no YouTube.
  • Conteúdo verificado: Postagem no Instagram que afirma que “pessoas podem sofrer mutações após serem vacinadas” e que as vacinas são consideradas “organismos geneticamente modificados”.

Não há nenhuma comprovação que vacinas contra a covid-19 possam modificar a composição genética das pessoas. Um vídeo publicado no Instagram e no YouTube afirma que “muitas vacinas são derivadas de células fetais” e que “o DNA do feto entra no corpo do receptor”, causando alterações genéticas. Essas alegações são completamente rechaçadas por especialistas ouvidos pelo Comprova em diferentes ocasiões e pela evidência científica disponível até o momento.

Dois dos imunizantes contra o novo coronavírus — produzidos por Pfizer/BioNTech e Moderna — utilizam uma técnica nova, chamada de mRNA, que usa informação genética do vírus para ensinar nosso corpo a produzir uma proteína específica e criar anticorpos. Nenhuma vacina contém DNA de fetos.

Alguns imunizantes usam culturas celulares para produzir um vírus atenuado, incapaz de causar doenças — vacinas contra febre amarela e sarampo usam essa técnica. Essas células podem ser cultivadas a partir de animais ou de material embrionário. Mas, como o Comprova explicou anteriormente, as células embrionárias não entram na composição da vacina e são desenvolvidas a partir de uma linhagem celular antiga. 

Como verificamos?

Consultamos o pediatra, infectologista e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIM) Renato Kfouri sobre as alegações ditas no vídeo analisado. Também utilizamos outras verificações anteriores publicadas pelo Comprova sobre o mesmo assunto. Acessamos documentos oficiais da Food and Drug Administration (FDA) sobre possíveis riscos da vacina produzida pela Pfizer/BioNTech. Pesquisamos estudos sobre associação entre narcolepsia e a vacinação contra H1N1 na Suécia e na Finlândia. Os links das fontes consultadas estão ao longo do texto.

O vídeo foi publicado no perfil de Karina Michelin no Instagram e também em seu canal de YouTube. O Comprova entrou em contato com Karina por e-mail, mas não recebeu resposta.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 15 de dezembro de 2020.

Verificação

Vacinas podem modificar nossa composição genética?

Não há nenhuma possibilidade de que as vacinas contra covid-19 possam alterar nosso código genético — como já mostraram várias verificações publicadas pelo Comprova. O diretor da SBIm, Renato Kfouri confirma que a incorporação de um DNA estranho por meio de um imunizante é impossível. “Imagina, se fosse possível incorporar o DNA, seria uma guerra biológica”, diz ele. “Isso é uma bobagem enorme.”

Duas das vacinas contra o novo coronavírus utilizam uma técnica nova, de mRNA (RNA mensageiro) — a da Pfizer/BioNTech e a da Moderna. O RNA mensageiro é uma molécula que todos temos no corpo. Ela leva informações até o núcleo das nossas células para produção de proteínas. Os laboratórios responsáveis pelos imunizantes produziram mRNAs sintéticos, que contêm uma parte da informação genética do novo coronavírus. No nosso corpo, esse RNA vai fazer com que produzamos uma proteína que alerta o sistema imunológico para criar anticorpos. 

“Por isso que essas vacinas são de rápida produção, não têm vírus vivo, não têm material vivo”, explica Kfouri. “Todo esse material genético se degrada muito rapidamente. Não há nenhuma incorporação, nenhuma possibilidade de esse material genético ser incorporado [pelo nosso corpo]”.

Em agosto, Cristina Bonorino, professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI), explicou que as vacinas mRNA são desenvolvidas de modo a não interferir com o DNA humano. 

“No caso das vacinas de mRNA, tudo é transparente, tudo é publicado”, disse ela. “Os dados estão aí para serem analisados. E um cara que faz uma alegação dessas basicamente não leu a literatura. É muito importante explicar para as pessoas que isso é impossível.”

No início deste mês, o virologista da Universidade Federal de Minas Gerais e do Centro de Tecnologia em Vacinas da UFMG Flávio Fonseca disse que “não existe nenhuma vacina capaz de alterar o nosso material genético, nosso DNA”. 

Ele acrescentou que, apesar de estarmos constantemente expostos a material genético estranho (como vírus e bactérias), nosso DNA fica muito bem protegido dentro das células: “Ele fica dentro do núcleo, não fica exposto no citoplasma. E dentro do núcleo há uma série de enzimas que fazem, entre aspas, o patrulhamento da qualidade do nosso DNA para evitar exatamente que aconteçam mutações indesejadas”.

Vacinas são derivadas de células fetais?

No vídeo, Karina afirma que “muitas vacinas são derivadas de células fetais para as quais o DNA do feto entra no corpo do receptor”. Isso é falso. Como explicado anteriormente, os imunizantes usados atualmente contra a covid-19 usam a técnica de RNA mensageiro — e não DNA. 

Renato Kfouri explica que não há DNA de fetos nas vacinas. Alguns imunizantes usam o vírus atenuado ou inativado. Nesse caso, o laboratório usa culturas celulares, que são infectadas repetidamente até que a virulência seja reduzida. As células usadas nesse processo podem ter origem animal ou embrionária. Muitas vacinas amplamente utilizadas foram desenvolvidas por meio dessa metodologia: contra sarampo, rubéola e febre amarela. 

Em julho, o Comprova mostrou que a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford não usa células de fetos. Na realidade, as células foram retiradas de um feto abortado legalmente na Holanda nos anos de 1970 e desenvolvidas em laboratório a partir da imortalização — ou seja, a capacidade perene de divisão. Elas deram origem à linhagem de células HEK-293 (a sigla vem do inglês “human embryonic kidney”, ou seja, rim de embrião humano), que desde então é usada na indústria farmacêutica em todo o mundo.

A tecnologia utilizada no imunizante de Oxford é de “vetor viral recombinante”, diferente da de vírus atenuado.

A narradora do vídeo cita como fonte o Instituto Charlotte Lozier. Trata-se de uma insituição conservadora cujo presidente é ativista anti-aborto

FDA admitiu ‘riscos oncogênicos’ da vacina?

A narradora do vídeo também afirma que a Food and Drug Administration (FDA), agência equivalente à Anvisa nos EUA, alertou para “riscos oncogênicos”, relacionados a câncer, das vacinas contra covid-19. Até o momento, o órgão sanitário aprovou apenas uma vacina para uso emergencial, produzida pela Pfizer e BioNTech. Os riscos potenciais associados a esse imunizante, segundo a FDA, incluem dor no local da aplicação, febre e cansaço.

Na quinta-feira, 17, está marcada a próxima reunião do comitê avaliador da agência para analisar dados da vacina produzida pela farmacêutica Moderna.

O Comprova não encontrou nenhum registro de que a FDA tenha alertado sobre “riscos oncogênicos” da vacina contra covid-19. Entramos em contato com a agência por e-mail, mas não recebemos resposta.

Em outubro, o comitê avaliador de vacinas da FDA divulgou uma apresentação em que listava possíveis eventos adversos que seriam monitorados durante testes com imunizantes contra o novo coronavírus. A lista (página 16) não inclui câncer. Importante ressaltar que, embora a agência sanitária monitore a possível ocorrência de eventos adversos, isso não quer dizer que eles tenham ocorrido. Até o momento, não foram registradas reações negativas graves ligadas ao imunizante aplicado nos EUA.

No início deste mês, a microbiologista Jordana Coelho dos Reis, que atua no Laboratório de Virologia Básica e Aplicada do Departamento de Microbiologia, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), disse ao Comprova que não há nenhuma possibilidade de que as vacinas que usam mRNA causem câncer. 

“A gente pode confirmar com segurança, com pé no chão, tranquilamente que essas vacinas não representam um risco para câncer nesse sentido de alterar genoma, não tem a menor chance disso acontecer”, disse ela.

Vacinas são organismos geneticamente modificados?

Karina afirma que muitas das vacinas testadas contra a covid-19 são de nova geração e foram consideradas “organismos geneticamente modificados” pelo Parlamento Europeu. A narradora do vídeo insinua que, por terem sido desenvolvidas em tempo recorde, as vacinas não seriam seguras. Mas não há nenhuma evidência de que isso seja verdade. 

O imunizante desenvolvido pelas empresas Pfizer e BioNTech, que utiliza a nova tecnologia de mRNA, teve o uso emergencial aprovado pela agência reguladora dos EUA, a FDA, que tem o “padrão ouro” do processo de autorização. Os testes clínicos da vacina evidenciam sua segurança e sua eficácia, de 95%.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) garante que, apesar da rapidez com que as vacinas têm sido desenvolvidas, as pesquisas continuam a seguir os mais altos padrões de segurança. “Dada a necessidade urgente de vacinas contra a covid, investimentos financeiros sem precedentes e colaborações científicas estão mudando a forma como as vacinas são desenvolvidas”, diz a entidade. 

“Isto significa que algumas das etapas do processo de pesquisa e desenvolvimento têm acontecido em paralelo, mantendo, ao mesmo tempo, padrões clínicos e de segurança rigorosos”, informa a OMS. 

Em julho, o Parlamento Europeu aprovou uma medida para acelerar a produção de vacinas contra a covid-19, diante da emergência sanitária mundial. A normativa dispensou a exigência de alguns procedimentos para ensaios clínicos com imunizantes que usam organismos geneticamente modificados (GMO, na sigla em inglês).

Os integrantes do Comitê de Meio Ambiente, Saúde Pública e Segurança Alimentar do Parlamento Europeu concordaram que havia a necessidade de adaptar as regras, mas enfatizaram que os padrões de qualidade, segurança e eficácia da vacina devem ser mantidos.

GMOs são produtos de engenharia genética, uma tecnologia aplicada desde os anos 1970 para modificar aspectos de plantas, animais e microorganismos. Os tipos mais comuns de GMO são plantas modificadas, como milho, soja e algodão. 

Renato Kfouri explica que algumas pesquisas de vacinas contra a covid-19 utilizam uma tecnologia chamada de vetor viral, como a desenvolvida pela Universidade de Oxford, ou a produzida pela farmacêutica Janssen. “São vacinas que usam outro vírus, um adenovírus modificado geneticamente para carregar um pedaço do coronavírus”, diz o diretor da SBIm. “Não tem nenhum perigo. É a filosofia das vacinas: enfraquecer o vírus para proteger da doença”.

Quem é o doutor Michael Yeadon?

Karina cita ainda Michael Yeadon, ex-funcionário da farmacêutica Pfizer. Ela repete uma alegação de Yeadon já desmentida pelo Estadão Verifica e pela Agência Lupa — a de que não há necessidade de vacinação. A informação é falsa porque as vacinas foram fundamentais na erradicação ou controle de várias doenças no Brasil e no mundo. De acordo com o Ministério da Saúde, sarampo, poliomielite e tétano neonatal foram eliminadas; e outras doenças como difteria, coqueluche e tétano acidental, hepatite B, meningites, febre amarela, formas graves da tuberculose, rubéola e caxumba, foram controladas.

Yeadon também espalhou a alegação falsa de que a vacina desenvolvida pela Pfizer e BioNTech contra a covid-19 poderia causar infertilidade em mulheres. Estadão Verifica e Agência Lupa desmentiram novamente o cientista — a substância que ele diz que poderia interferir no sistema reprodutor de mulheres não está presente na composição do imunizante distribuído no Reino Unido e nos EUA.

O ex-consultor científico da Pfizer foi desmentido ainda pela agência de checagem americana Health Feedback. A verificação mostrou que, em entrevista a uma rádio, Yeadon fez várias alegações sem evidências de que a pandemia teria acabado no Reino Unido.

Yeadon é co-fundador de uma pequena empresa farmacêutica chamada Ziarco e não trabalha na Pfizer pelo menos desde 2011.

Qual a relação entre vacinação e narcolepsia?

No vídeo, Karina também menciona que centenas de crianças e adolescentes vacinadas contra H1N1 na Suécia desenvolveram narcolepsia, um distúrbio que causa sonolência excessiva durante o dia. De fato, foi observada uma associação entre essa condição médica e a aplicação do imunizante Pandemrix em 2009, mas os casos foram raros. 

A Folha de S. Paulo mostrou em 2011 que a Europa restringiu o uso dessa vacina por causa do risco de narcolepsia. Mais de 31 milhões de doses foram aplicadas em 47 países. A GSK, farmacêutica responsável pelo imunizante, disse ter sido notificada de 335 casos do distúrbio, dois terços na Finlândia e na Suécia.

De acordo com essa revisão das evidências disponíveis publicada na revista científica Vaccine em 2019, o mecanismo que levou a um risco aumentado de narcolepsia ainda não foi totalmente compreendido. Como a maior parte dos casos observados ocorreu na Finlândia e na Suécia, é possível que haja um risco maior nessas populações. “Parece haver uma suscetibilidade genética naquele grupo. E no restante do mundo não houve problema”, afirma Renato Kfouri.

O Centro Europeu de Controle e Prevenção de Doenças (ECDC, na sigla em inglês) investigou em 2012 os dados de vacinação com a Pandemrix em vários países. Na Suécia e na Finlândia, foi encontrado um risco maior de narcolepsia na população de 5 a 19 anos, mas não em adultos. Nas outras nações analisadas (Dinamarca, Itália, França, Holanda, França, Noruega e Reino Unido), o mesmo risco não foi encontrado.

O diretor da SBIm explica que, inicialmente, pesquisadores atribuíram a causa da narcolepsia ao adjuvante usado na vacina, o ASO3, uma substância nova. Adjuvantes são compostos adicionados aos imunizantes para potencializar a resposta imunológica do corpo. Estudos posteriores, no entanto, mostraram que o ASO3 é seguro e a substância continua a ser utilizada. Em 2018, pesquisadores do Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês) analisaram dados da Pandemrix e de outras vacinas que usaram o ASO3 e não encontraram associação com narcolepsia.

Kfouri observa que é por isso que as vacinas continuam a ser monitoradas mesmo após a aprovação pelos órgãos de vigilância sanitária. É a chamada fase quatro dos estudos, de farmacovigilância. “Por isso há a importância de ter a vigilância desses eventos adversos, antes e depois do licenciamento”, disse ele. “Não só para vacina, mas para todos os remédios. Assim vamos construindo conhecimento”.

Quem é Karina Michelin?

Dona de um perfil no Instagram com 68,5 mil seguidores, Karina Michelin se apresenta como jornalista, atriz, apresentadora e poeta. O Comprova já checou um vídeo anterior de Karina em que ela comparava, erroneamente, o índice-H de pesquisadores ligados ao combate ao novo coronavírus. Esse índice é uma métrica que avalia a quantidade de citações de artigos científicos de um determinado pesquisador, e é equivocado comparar pesquisadores de áreas distintas e idades diferentes.

Tentamos contato com Karina por meio de um e-mail disponível em sua página do Facebook, mas ela não respondeu. Após o início da apuração para esta verificação, o vídeo da jornalista foi marcado pela Agência Lupa como falso. A reprodução da mesma gravação no YouTube foi retirada do ar. 

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos duvidosos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia do novo coronavírus.

Com a covid-19, as informações relacionadas à pandemia precisam orientar a população sobre as doenças, como uma forma de minimizar os riscos de contrair o vírus. Ao fazer alegações falsas sobre os efeitos colaterais ou mesmo a segurança das vacinas, a postagem que chegou a 89, 5 mil visualizações no instagram, além de prestar um desserviço, apenas atrapalha em conter a disseminação da doença.

O Comprova já verificou outros conteúdos que traziam informações falsas sobre a covid-19 como a que checou ser falso que vacina contra covid-19 cause danos irreversíveis ao DNA, assim como as vacinas contra a covid-19 não serão capazes de provocar danos genéticos nem vão monitorar a população e que o vírus não foi feito na França e vacinas não são uma iniciativa globalista para reduzir a população.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2020-12-14

Vacina que teve estudos suspensos no Peru não é a mesma testada no Brasil

  • Enganoso
Enganoso
Site publica nota sem mencionar que não se trata da vacina testada no Brasil e que será produzida pelo Instituto Butantan, o que levou muitos leitores a se manifestarem contra a Coronavac nos comentários. Dois dias depois, o site editou o texto para incluir a referência ao laboratório Sinopharm.
  • Conteúdo verificado: Texto publicado em site sobre suspensão de testes de vacina chinesa no Peru, que não menciona qual a empresa responsável pelo imunizante.

É enganoso um artigo publicado pelo site Jornal da Cidade Online sobre a suspensão dos testes de uma vacina chinesa no Peru. O texto, publicado no sábado, 12, não mencionava em nenhum momento qual a empresa responsável pelo imunizante. Apenas nesta segunda-feira, 14, o link foi atualizado para incluir a informação de que a vacina suspensa é da Sinopharm, que não realiza ensaios clínicos no Brasil. É outra farmacêutica chinesa, a Sinovac, que produz uma pesquisa em parceria com o Instituto Butantan, de São Paulo.

A Sinopharm tem duas candidatas a vacina contra covid-19 na fase três de testes — uma em parceria com o Instituto Biológico de Wuhan e outra com o Instituto Biológico de Pequim. O imunizante que teve o estudo suspenso no Peru é testado nos seguintes países: Emirados Árabes Unidos, Barein, Egito, Jordânia e Argentina. O governo do Paraná chegou a firmar um acordo com a farmacêutica chinesa para testagem no estado, mas a parceria não vingou.

Os testes da Sinopharm foram suspensos no Peru após um voluntário ter sentido fraqueza nas pernas. O Ministério da Saúde do país informou que ainda investiga se esse sintoma foi causado pela vacinação. No sábado, 12, o responsável pela pesquisa no Peru, Germán Málaga, da Universidad Peruana Cayetano Heredia (UPCH), disse à imprensa local que “há muito pouca probabilidade” de relação com o imunizante. Segundo o médico, o resultado da investigação sobre o evento adverso ficaria pronto em três dias.

Os comentários da postagem do Jornal da Cidade Online no Facebook evidenciam que muitas pessoas entenderam que a vacina suspensa no Peru é a mesma produzida em São Paulo em parceria com o Butantan. “O (governador do Estado, João) Doria calça justa tem que tomar primeiro com a família dele e esquecer a população porque ninguém quer tomar essa droga de vacina da China”, escreveu um usuário.

Procurado pelo Comprova, o site respondeu por email que fez uma atualização da matéria, informando que a vacina foi desenvolvida pelo laboratório Sinopharm.

Como verificamos?

Pesquisamos sobre a suspensão de testes da vacina chinesa na imprensa brasileira e peruana. Também procuramos posicionamentos oficiais do Ministério da Saúde do Peru e da Sinopharm, mas não conseguimos contato com a farmacêutica chinesa.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 14 de dezembro de 2020.

Verificação

Qual é a vacina chinesa testada no Peru?

A vacina da Sinopharm testada no Peru usa a tecnologia de vírus inativado e é produzida em parceria com o Instituto Biológico de Wuhan. Os estudos tiveram início em julho de 2020. Segundo divulgação do Ministério da Saúde do Peru, a Sinopharm iniciou os testes no país em setembro, com 6 mil voluntários e, em outubro, pôde duplicar a quantidade de pessoas submetidas ao teste.

O mesmo texto afirma que, além da Sinopharm, a Johnson e Johnson também iniciou testes da fase 3 no país em novembro, com 3,5 mil voluntários. O governo do Peru até o momento informa ter acordo para aquisição de 9,9 milhões de doses da vacina da Pfizer, com uso já autorizado nos Estados Unidos, e mais 13,2 milhões de doses por meio da iniciativa de colaboração Covax Facility.

A mesma vacina já foi aprovada pelo Ministério da Saúde dos Emirados Árabes Unidos. Lá, os estudos de fase três atestaram 86% de eficácia, de acordo com o órgão de saúde. A fabricante chinesa não divulgou dados sobre os testes.

De acordo o plano de imunização do governo brasileiro, que lista todas as vacinas em fase três de testes no mundo, o imunizante da Sinopharm teve eventos adversos “leves e de curta duração, caracterizados principalmente por dor no local da aplicação e febre, sem registro de eventos adversos sérios”.

Quais foram os sintomas do voluntário peruano?

O pesquisador Germán Málaga, da UPCH, explicou ao jornal El Comercio, do Peru, que um voluntário de 64 anos teve fraqueza nas pernas depois de receber a vacina produzida pela Sinopharm. “Parece mais uma neuropatia diabética; no entanto, há uma possibilidade mínima de que tenha sido Guillain-Barré e por motivos de segurança o estudo foi suspenso”, esclareceu.

A Síndrome de Guillain-Barré é uma doença autoimune rara, que acomete de 1 a 4 pessoas a cada 100 mil habitantes. Um dos sintomas é justamente a fraqueza nos membros inferiores.

Málaga acrescentou que a probabilidade de que haja relação com a vacina é “muito pequena”, porque o paciente tem diabetes mal-controlada há muitas décadas. “O paciente está bem, felizmente é um evento leve, o paciente está se recuperando, ele está em bom estado e todo o apoio está sendo dado a ele para recuperar sua saúde”, disse o médico.

Segundo Málaga, as investigações sobre uma possível relação com o imunizante levariam 72 horas. Depois disso, os testes poderiam ser retomados. No Peru, 11,7 mil voluntários receberam doses da vacina chinesa.

A decisão de suspender os estudos foi divulgada pelo Instituto Nacional de Saúde do Peru no dia 11 de dezembro. O Ministério da Saúde peruano apoiou a decisão em um comunicado no dia seguinte, em que informou que o evento adverso estava sob investigação. Segundo o órgão de saúde, a suspensão temporária é uma medida de segurança prevista pelo Regimento de Ensaios Clínicos.

Qual a vacina chinesa testada no Brasil?

No Brasil, a vacina é produzida por outra fabricante chinesa, a Sinovac Biotech, e é testada em parceria com o Instituto Butantan em 17 centros de pesquisa (página 65). Esse imunizante também usa a tecnologia de vírus inativado. Os testes chegaram a ser suspensos em novembro após a morte de um voluntário, mas foram retomados depois que a causa do óbito foi apontada como suicídio.

A suspensão de estudos já ocorreu inclusive em testes de outros imunizantes, como a vacina da Universidade de Oxford com a farmacêutica AstraZeneca, que teve estudos interrompidos após uma reação adversa relatada por um voluntário no Reino Unido, em setembro. Quatro dias depois, com a análise do caso, os desenvolvedores anunciaram a retomada dos testes.

Os resultados de eficácia da fase três seriam divulgados até esta terça-feira, 15. No entanto, a divulgação foi adiada para incluir novos dados de voluntários infectados pelo novo coronavírus. É a terceira vez que o governo de São Paulo adia o anúncio desses dados.

No sábado, o governador João Doria (PSDB) voltou a dizer que a previsão de início da campanha de vacinação no Estado é no dia 25 de janeiro.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos duvidosos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia do novo coronavírus.

Os conteúdos enganosos relacionados às vacinas em desenvolvimento contra a covid-19 podem interferir na confiança da população em relação aos imunizantes e reduzir a adesão à vacinação quando o país tiver um plano de proteção implantado. A imunização das pessoas por meio de vacina é vista como a principal estratégia capaz de promover uma ampla proteção e encerrar a pandemia.

Até a tarde desta segunda-feira (14), a publicação do Jornal da Cidade Online que não indicava qual vacina chinesa fora alvo de suspensão dos testes no Peru já havia sido postada mais de 500 vezes no Facebook, com mais de 88 mil reações, 53 mil compartilhamentos e 23 mil comentários, segundo dados da ferramenta CrowdTangle. A desinformação associando a CoronaVac à vacina que teve os testes suspensos no Peru também vem circulando em montagens de páginas no Facebook. Na tarde desta segunda (14), a plataforma já sinalizou o conteúdo como falso.

O Comprova já verificou outros conteúdos que traziam informações incorretas sobre a covid-19 e a vacina chinesa desenvolvida pelo laboratório Sinovac, como a publicação que sugeria que um laudo descartaria suicídio como causa da morte de um voluntário da CoronaVac, outra que sugeria que o Instituto Butantan não teria informado a morte de um voluntário da vacina chinesa e outra que afirmava que a CoronaVac teria matado voluntários e causado danos neurológicos ou de DNA. Verificações também mostraram que é enganosa uma publicação que sugeria que a China não usaria a própria vacina contra covid-19.

A publicação sobre a suspensão dos testes da vacina da Sinopharm no Peru também já foi alvo de verificações de outras agências de checagem, como a Aos Fatos e a Boatos.org.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações.

Saúde

Investigado por: 2020-12-14

Jornal americano não acusou Doria de receber propina da Sinovac

  • Falso
Falso
A reportagem do Washington Post destacada por um youtuber apenas cita pagamentos ilegais feitos pela farmacêutica na China entre 2002 e 2011
  • Conteúdo verificado: Vídeo publicado por youtuber cita reportagem do The Washington Post e afirma que Doria teria recebido propina da farmacêutica chinesa Sinovac

É falso que reportagem do jornal norte-americano The Washington Post tenha afirmado que o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), recebeu propina do laboratório chinês Sinovac, como aponta um vídeo publicado no YouTube.

O autor da gravação cita a publicação como fonte, mas a matéria jornalística aborda apenas pagamentos ilegais admitidos por um dirigente da farmacêutica a um ex-oficial da agência regulatória de medicamentos da China, entre 2002 e 2011. Não há menção a valores indevidos pagos em outros países, tampouco ao governador Doria.

O autor também sugere que a China seria “dona” de 32 partidos políticos no Brasil, mas a legislação brasileira atual impede as legendas partidárias de receber recursos de organizações ou governos estrangeiros.

O autor do vídeo é o youtuber Enzo Leonardo Suzin Momenti, que publica conteúdos favoráveis ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O Comprova tentou contato com ele por e-mail. O autor respondeu com um link para um tuíte publicado por ele em que reafirma sem provas a acusação contra o governador João Doria e diz que essa seria sua “opinião como eleitor”.

Como verificamos?

Para verificar as afirmações feitas no vídeo, consultamos inicialmente a reportagem do The Washington Post que é citada pelo autor como fonte das informações, além de fazer buscas na internet para outros possíveis conteúdos relacionados a propina envolvendo Sinovac e João Doria.

Pesquisamos também a legislação eleitoral sobre formas de financiamento dos partidos e ouvimos o presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB de Santa Catarina (OAB-SC), Paulo Fretta Moreira, sobre a possibilidade de doações estrangeiras às agremiações partidárias do Brasil. Por fim, consultamos reportagens que citavam o nome do autor do vídeo, como matérias sobre a operação da Polícia Federal no âmbito do inquérito das fake news, do Supremo Tribunal Federal (STF), a lista de filiação partidária no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e processos judiciais relacionados ao autor.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 14 de dezembro de 2020.

Verificação

Reportagem do The Washington Post

A reportagem que o youtuber faz menção foi um furo do jornal americano publicado em 4 de dezembro com o título (numa tradução livre): “Enquanto a China se aproxima de uma vacina contra o coronavírus, nuvem de suborno paira sobre a farmacêutica Sinovac”. (A leitura da reportagem pode exigir uma assinatura do jornal.)

A reportagem sobre o laboratório chinês não menciona nem sugere envolvimento do governo de São Paulo, da figura de João Doria, o Instituto Butantan ou qualquer processo relativo ao desenvolvimento da Coronavac.

O que o texto relata, com base em documentos de tribunais da China, é que o presidente da Sinovac, Weidong Yin, admitiu ter pago propina a um ex-oficial da agência regulatória de medicamentos chinesa entre 2002 e 2011 para acelerar a aprovação de vacinas no órgão governamental. Os eventos, portanto, são bem anteriores à pandemia de covid-19.

O caso levou à abertura de uma investigação na Securities and Exchange Commission (SEC) – órgão que regula o mercado de capitais americano e é equivalente à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) brasileira – e no Departamento de Justiça dos EUA. Ao final da apuração, o caso foi encerrado sem que nenhuma responsabilidade ou sanção fosse atribuída à Sinovac.

Enzo ainda afirma que “segundo o Washington Post, [a Sinovac] compra países emergentes e aplica a vacina naquela população antes mesmo de testar na população chinesa, como cobaias humanas”.

Não há, em nenhum momento da reportagem, acusação semelhante. As propinas relatadas foram oferecidas a oficiais chineses.

No vídeo também é alegado que João Doria é bilionário, o que não tem base factual. Nas eleições de 2018, o então candidato a governador declarou um patrimônio de R$180 milhões ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Sinovac

A companhia biofarmacêutica é a parceira do Instituto Butantan no desenvolvimento da vacina Coronavac. As duas instituições tiveram seu primeiro contato por meio da Rede de Fabricantes de Vacinas dos Países em Desenvolvimento, entidade que apoia o aprimoramento dos processos de produção de empresas de nações emergentes.

Butantan e Sinovac são membros da entidade e eventualmente se encontravam nos eventos e reuniões anuais da aliança, que possui 41 fabricantes associados. A relação ficou mais próxima a partir de agosto do ano passado, quando técnicos do Butantan conheceram uma das fábricas da Sinovac em Pequim, durante missão do governo de São Paulo à China.

A Sinovac teve faturamento em 2019 de 246 milhões de dólares e possui cerca de 900 funcionários. Vende, em média, 20 milhões de doses de seus imunizantes por ano, com 15% a 20% de market share na China.

China e partidos políticos brasileiros

Em um trecho do vídeo verificado, o youtuber afirma que “a China é dona dos 32 partidos que existem hoje [no Brasil], e se você tem alguma dúvida disso, você vive na La La Land”. Não fica claro na fala qual influência a China exerceria para ser “dona” de praticamente todos os partidos no Brasil (segundo o TSE, atualmente há 33 partidos com registro no país), se financeira ou de outra ordem. No entanto, a reportagem do The Washington Post citada como base para o vídeo não fala de doações ou propinas pagas no Brasil ou em outros países pela Sinovac – aborda apenas casos ocorridos na China.

Além disso, partidos políticos no Brasil são proibidos de receber dinheiro de instituições ou governos de outros países. O Art. 17, inciso II da Constituição Federal estabelece a “proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes”. A Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/95) também veda o recebimento de recursos de origem estrangeira.

O presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB de Santa Catarina (OAB-SC), Paulo Fretta Moreira, confirma que a legislação brasileira proíbe o recebimento de valores de organizações estrangeiras.

“Esse tipo de recurso internacional, estrangeiro, não pode financiar partido político. Hoje em dia, o financiamento de partidos é exclusivo dos fundos públicos, o partidário e o fundo eleitoral para as eleições, e doações de pessoas físicas. Então nem pessoas jurídicas, nem organismos internacionais, ONGs, todas essas são fontes vedadas tanto para partidos políticos quanto para candidatos em eleições”, explica.

O autor

Enzo Leonardo Suzin Momenti é um youtuber apoiador do presidente Jair Bolsonaro. Em seu canal no YouTube, que tinha 194 mil inscritos até 10 de dezembro, ele costuma compartilhar conteúdos a favor do governo Bolsonaro e ataques à imprensa, a governadores e a ministros do STF.

Em maio de 2020, ele foi um dos alvos de buscas na operação da Polícia Federal que fez parte do inquérito das fake news. A investigação do STF apura notícias falsas, ameaças e ataques a ministros da corte e envolveu outros apoiadores de Bolsonaro. O inquérito está sob sigilo e não permite consulta aos despachos e manifestações. Apenas a decisão que autorizou as buscas está disponível até o momento.

Um vídeo em que o âncora do Jornal Nacional, da TV Globo, William Bonner, cita o nome do youtuber em uma das reportagens sobre a investigação do STF viralizou nos dias seguintes à operação da PF. Na ocasião, o apresentador se referiu a Enzo como “um defensor da tese de que a Terra, o planeta Terra, é… plano”, fazendo gestos circulares e retos com as mãos. Enzo já publicou vídeos em seu canal defendendo o terraplanismo.

Enzo é filiado ao PSL de São Paulo (SP), conforme o sistema de filiação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Apesar disso, em 2018 ele tentou concorrer a deputado estadual em São Paulo com uma candidatura avulsa, sem filiação partidária. O pedido foi negado pela Justiça Eleitoral, porque a Constituição Federal prevê o vínculo com partido político como uma das condições de elegibilidade.

Em um vídeo do próprio canal publicado em dezembro de 2019, Enzo disse que tinha “intenções de ser candidato à prefeitura” de Campinas, cidade em que estava vivendo na ocasião. No entanto, ele não disputou as eleições municipais de 2020.

Outros processos

Enzo e João Doria já estiveram em lados opostos antes do vídeo divulgado pelo youtuber. O governador de São Paulo moveu um processo judicial de indenização por danos morais contra Enzo em 2018. O político alegou que o youtuber teria o relacionado a atos ilícitos que nunca cometeu, “utilizando-se de narrativa com tom de clandestinidade e sensacionalismo”, segundo um trecho da decisão que consta na ação. Ainda segundo a manifestação da defesa, no vídeo ele usava termos como “mafioso” e “safado” ao se referir ao governador. Em novembro de 2018, o youtuber foi condenado em primeira instância a pagar R$ 50 mil como indenização a Doria.

A defesa de Enzo chegou a recorrer ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), mas conseguiu apenas reduzir a indenização para R$ 15 mil. O processo atualmente está em fase de execução da sentença. Segundo a consulta processual do site do TJ-SP, já houve penhora de R$ 1,8 mil localizados pelo sistema bancário da Justiça, transferidos para uma conta vinculada ao processo.

Enzo também foi alvo de uma ação do deputado estadual de São Paulo, Gil Diniz (sem partido), também conhecido como ‘Carteiro Reaça’. Nesse processo, Enzo não apresentou defesa e foi condenado a indenização de R$ 5 mil por danos morais, por ter chamado o parlamentar de “mafioso” e “corrupto” em um vídeo do seu canal do Youtube. No início de dezembro deste ano, o processo também entrou na fase de execução da sentença.

Gil Diniz também apresentou uma queixa de calúnia, injúria e difamação, mas a solicitação foi convertida em um inquérito policial para melhor apuração dos fatos, que ainda segue em andamento.

Além dessas duas ações, Enzo também é alvo de outro processo por danos morais no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ). Este é movido por Fernando Pinto (Patriota), que foi candidato a vereador em Resende (RJ) nas eleições municipais de 2020. Ele é irmão de outro youtuber de direita, Diego Rox.

O Comprova tentou fazer contato com Enzo pelo e-mail indicado no canal dele no Youtube. Ele respondeu com um link para um tuíte publicado em 12 de dezembro. Na postagem, ele afirma novamente sem provas que Doria teria mentido sobre a eficácia da vacina da Sinovac e que, por isso, lhe caberia concluir que “é também por ter recebido proprina [sic]”. “Esse [sic] minha opinião como eleitor, não gostou? Me processe.”, diz o trecho final da mensagem.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos duvidosos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia do novo coronavírus.

Ao afirmar sem provas que uma das empresas que desenvolve uma das vacinas contra a covid-19 teria pago propina a um governante brasileiro e que isso poderia ter relação com a autorização para utilização do imunizante no território nacional, o vídeo, que teve 15,6 mil visualizações até o dia 11 de dezembro, pode aumentar a desconfiança da população com a segurança ou eficácia da proteção em desenvolvimento contra o novo coronavírus. Assim, poderia prejudicar a estratégia de imunização após a conclusão das vacinas, que é encarada como a principal forma de pôr fim à pandemia.

Além do vídeo, diversas publicações, a maioria imagens com textos, que circulam desde 7 de dezembro no Facebook, também confundem o conteúdo da reportagem do The Washington Post e sugerem que a denúncia de propina relatada na reportagem tem relação com a CoronaVac, o que é falso.

O mesmo vídeo com as acusações de Enzo contra João Doria foi verificado também pela Aos Fatos e pela Boatos.org.

O Comprova já verificou outros conteúdos que traziam informações falsas sobre a vacina desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac, como a publicação que sugeria que um laudo descartaria suicídio como causa da morte de um voluntário da CoronaVac, outra que sugeria que o Instituto Butantan não teria informado a morte de um voluntário da vacina chinesa e outra que afirmava que a CoronaVac teria matado voluntários e causado danos neurológicos ou de DNA. Verificações também confirmaram que é falso que Doria tomou vacina chinesa contra a covid-19 e que a parceria para a vacina não foi firmada pelo governador de São Paulo no ano passado.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2020-12-09

Pacientes com lúpus não são imunes ao novo coronavírus

  • Falso
Falso
O Comprova teve acesso a um estudo que mostra que pacientes com doenças autoimunes contraíram a covid-19. E especialistas dizem que, apesar da hidroxicloroquina ser eficaz no controle do lúpus, ela não interfere nos riscos dos pacientes de contrair ou não a covid-19.
  • Conteúdo verificado: Post na rede social Twitter insinuando que pessoas com lúpus não “desenvolvem” covid-19.

É falso que pessoas com lúpus não contraem a covid-19, como insinua uma publicação no Twitter. O post questiona por que os cientistas e a mídia não estão falando sobre isso, possivelmente relacionando ao fato de que o tratamento para lúpus envolve a hidroxicloroquina, medicamento que, mesmo sem comprovação científica de eficácia contra a covid-19, ainda é utilizado e defendido por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.

O Comprova conversou com especialistas que disseram não ser correta a relação de lúpus com a covid-19 e que, apesar da hidroxicloroquina ser eficaz no controle do lúpus, ela não interfere nos riscos dos pacientes de contrair ou não o novo coronavírus. Um estudo, coordenado por uma força-tarefa da Sociedade Brasileira de Reumatologia, e que está em processo de avaliação pelos pares, para ser publicado, aponta que os casos de covid-19 entre pacientes reumáticos, que usam o medicamento, ocorreram na mesma frequência que em pessoas que não fazem uso da hidroxicloroquina.

Lúpus é uma doença autoimune rara que causa um desequilíbrio do sistema imunológico. A defesa imunológica se vira contra os tecidos do próprio organismo como pele, articulações, fígado, coração, pulmão, rins e cérebro. A hidroxicloroquina, um dos principais medicamentos utilizados no tratamento da doença, chegou a ter sua eficácia contra os sintomas graves da covid-19 estudada, mas as pesquisas realizadas em várias partes do mundo sugerem que a droga não tem efeito contra o novo coronavírus. A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e diversas entidades médicas do Brasil não recomendam o uso para os pacientes com coronavírus, visto que não há resultados científicos que comprovem a funcionalidade do tratamento.

Como verificamos?

Tentamos contato com a autora da postagem no Twitter, @ValeriaBNews, para conferir as suas fontes a respeito da possível ligação entre os pacientes com lúpus e uma suposta “imunidade” ao novo coronavírus. O perfil não possibilita o envio de mensagens diretas, então enviamos as perguntas pelo perfil da mesma pessoa no Facebook e pelo contato de uma livraria da qual ela é proprietária.

Como não tivemos retorno até o fechamento dessa verificação, analisamos as respostas ao tuíte original e vimos que a suposta conexão entre as duas doenças seria o uso contínuo de hidroxicloroquina – medicamento usado há décadas no tratamento do lúpus.

Buscamos, então, informações de verificações anteriores do Comprova sobre a eficácia do fármaco no tratamento da covid-19, bem como reportagens sobre o tema. Além disso, entrevistamos, por telefone, o reumatologista, professor da Escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), e coordenador da Comissão de Lúpus da Sociedade Brasileira de Reumatologia, que nos deu explicações sobre a doença.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 9 de dezembro de 2020.

Verificação

No tuíte verificado, a usuária da rede social insinua que a mídia e os cientistas estariam ocultando a informação de que pacientes com lúpus não desenvolvem a covid-19 ao contraírem o novo coronavírus. Essa relação não é verdadeira.

Lúpus

O lúpus, segundo o coordenador da Comissão de Lúpus da Sociedade Brasileira de Reumatologia, Edgard Reis, “é uma doença autoimune, em que o organismo começa a produzir anticorpos e substâncias inflamatórias que vão atacar órgãos e tecidos do próprio corpo”. Geralmente, os “alvos” desses ataques são as articulações, algumas estruturas do sangue, do sistema nervoso central e dos rins, e eles podem ser desencadeados por diversos fatores, como infecções ou desequilíbrios hormonais.

Como a hidroxicloroquina é usada em pacientes com lúpus?

De acordo com o reumatologista Edgard Reis, a hidroxicloroquina é um medicamento utilizado há mais de 50 anos no tratamento de pacientes com lúpus para auxiliar no controle da doença e no controle do sistema imune do paciente.

“Ela atua como um imunomodulador, ela vai ajudar a equilibrar o sistema imune do paciente. A hidroxicloroquina atua em estruturas da célula, que vão alterar o ph da célula e interferir em mecanismos inflamatórios da doença também”, explica o médico. O medicamento bloqueia os receptores de algumas células e diminui a resposta inflamatória.

Que benefícios a hidroxicloroquina traz a esses pacientes?

Há muita segurança dos especialistas em relação aos benefícios que a hidroxicloroquina confere aos pacientes com lúpus. De acordo com Edgard Reis, a medicação diminui a chance de a doença entrar em atividade e a frequência dos sintomas, além de melhorar lesões de pele e sistemas articulares. Também minimiza a evolução de sequelas da doença e o risco de morte do paciente.

“Ou seja, aquele paciente com lúpus que usa a hidroxicloroquina vive por mais tempo do que aquele que não usa”, afirma Reis. A hidroxicloroquina também melhora o perfil de colesterol, propicia uma melhora na glicemia, diminui o risco de trombose e melhora a ação de outros medicamentos. “Ela age com sinergismo com outras medicações. A hidroxicloroquina, junto com outras medicações, ajuda a controlar melhor a doença também. Então, é uma droga muito importante, é uma medicação âncora, uma medicação base no tratamento da doença, a menos que o paciente tenha contraindicações para o seu uso”, completa.

De acordo com o professor da Unifesp, essas contraindicações são poucas e não são absolutas, e estão mais ligadas a problemas cardíacos e oculares bastante específicos. Segundo ele, porém, é preciso fazer acompanhamento com um reumatologista, e realizar avaliações periódicas sobre o uso de qualquer medicamento ligado ao tratamento do lúpus.

Pacientes com lúpus têm menos chance de contrair a covid-19?

Não. Apesar de todos os benefícios da hidroxicloroquina no controle do lúpus, ela não interfere nos riscos de que esses pacientes contraiam ou não a covid-19. Os próprios especialistas na área de reumatologia tiveram a curiosidade, no início da pandemia, de saber se a hidroxicloroquina protegeria, de alguma forma, os pacientes que usavam a medicação.

“Lá no começo da covid, a gente tinha essa curiosidade também: será que aqueles pacientes com lúpus, que já usam a hidroxicloroquina, teriam menos risco de contrair a covid-19? E, contraindo, será que eles teriam uma doença menos grave? Os estudos mostraram que não. Eles têm a mesma chance de contrair a covid e eles não têm uma doença menos grave pelo uso da hidroxicloroquina. Então, isso está bem claro pra gente na literatura”, afirma Edgard Reis.

O estudo que apontou estes resultados chama-se Mario Pinotti 2 e foi elaborado por uma força-tarefa da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) com mais de 10 mil brasileiros com doenças reumáticas autoimunes – como lúpus, artrite reumatoide e Síndrome de Sjögren – e seus contactantes. O estudo foi feito em nove estados brasileiros e no Distrito Federal, incluindo 97 cidades e com a participação de quase 400 alunos estudantes de medicina voluntários.

Das 10 mil pessoas avaliadas, 5.166 eram pacientes com doenças reumáticas em uso de hidroxicloroquina há mais de 5 anos e 4.423 contactantes domiciliares, ou seja, pessoas que não usam o medicamento, e moram junto com os pacientes reumáticos. Dos participantes, 169 pacientes reumáticos tiveram covid-19, o equivalente a 4,03% do universo pesquisado. Já entre os contactantes, que serviram de comparação, a proporção de infectados foi de 3,25%, o que representou 124 pessoas. Os resultados apontam, portanto, que o uso de cloroquina ou hidroxicloroquina não protegeu e nem evitou formas graves da covid-19 entre aqueles que usavam a medicação. Os dados sobre a pesquisa foram passados ao Comprova pelo coordenador da Comissão de Lúpus da Sociedade Brasileira de Reumatologia, que nos explicou que ela ainda não foi publicada, e está em processo de revisão pelos pares.

“A gente conhece ao longo desses anos muito do perfil de segurança da hidroxicloroquina para o lúpus, que é muitas vezes conflitante ou que não é semelhante àquele perfil de segurança dos pacientes de covid-19, onde a hidroxicloroquina foi testada e não se mostrou eficaz”, afirma Reis.

O que o especialista afirma é que os cenários são diferentes para o uso do medicamento e que até mesmo a dose testada para a covid-19 é diferente daquela utilizada em pacientes com doenças reumáticas. “A covid-19 tem um status inflamatório agudo, que é único da própria doença, que é singular, ou seja, é diferente do status inflamatório crônico que a gente tem em algumas doenças autoimunes. E, muitas vezes, na covid-19 você tem um uso concomitante com várias outras medicações que podem levar a uma interação medicamentosa que pode propiciar o aparecimento de eventos adversos. A gente sabe dos benefícios da hidroxicloroquina no lúpus, mas sabe que ela não é protetora para covid-19”, finaliza.

Em uma publicação oficial na internet, assinada por Edgar Reis, a Sociedade Brasileira de Reumatologia orienta os pacientes com doenças reumáticas sobre o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina e alerta que o quadro da covid-19 é bastante diferente.

O uso da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19 vem sendo apontado como ineficaz há alguns meses. A OPAS, braço da Organização Mundial da Saúde na América, não recomenda o uso do medicamento para os pacientes com o novo coronavírus, diante da ausência de resultados científicos que comprovem a eficácia e segurança do tratamento. O Comprova também já demonstrou que não há tratamento prévio para a covid-19 e que o uso da hidroxicloroquina não é capaz de diminuir a gravidade da doença.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos duvidosos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia do novo coronavírus.

No caso da covid-19, é imprescindível que as informações sejam claras e possam orientar a população sobre a doença e as formas de minimizar os riscos de contágio. Ao relacionar o uso de um medicamento sem eficácia comprovada a uma suposta “imunidade” à doença, a autora da postagem – que teve quase 5 mil interações no Twitter – desinforma sobre os riscos ligados à infecção e à ausência de tratamento. Com isso, a postagem pode atrapalhar os esforços das autoridades em conter a disseminação da doença.

O Comprova já verificou outros conteúdos que traziam informações falsas sobre a covid-19 e as formas de prevenção à doença, como a postagem que sugeria que o uso de máscaras poderia provocar o acúmulo de líquido nos pulmões e o vídeo que afirma que as vacinas contra o novo coronavírus são uma tentativa de diminuir a população.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Política

Investigado por: 2020-12-08

É enganoso que trecho de ferrovia em GO seja obra do governo Bolsonaro

  • Enganoso
Enganoso
Trecho mostrado em vídeo que viralizou no Facebook foi concluído em 2014 e não no governo Bolsonaro como afirma a publicação. Ele foi concedido à iniciativa privada em março de 2019, em um leilão realizado no início do governo Bolsonaro, mas anunciado ainda no mandato de Michel Temer, no final de 2018.
  • Conteúdo verificado: Post no Facebook sugere que os trens da Ferrovia Norte-Sul em Mara Rosa começaram a circular neste ano e atribui o feito ao presidente Jair Messias Bolsonaro (sem partido).

É enganoso que um trecho da ferrovia Norte-Sul tenha sido liberado recentemente, durante a gestão de Jair Bolsonaro (sem partido), como induz uma publicação feita no Facebook e acompanhada de um vídeo. A legenda diz que “começam os trens a circular pela ferrovia Norte-Sul” e diversos dos comentários que aparecem no post celebram o fato como uma conquista do governo atual. As imagens do vídeo foram de fato registradas no local citado no post verificado e a estrada de ferro está em fase final de obras, mas a operação naquele trecho só começará oficialmente em 2021.

A ferrovia Norte-Sul, que quando estiver totalmente pronta ligará Barcarena (PA) a Rio Grande (RS), teve sua construção iniciada em 1987. A parte da via mostrada no vídeo está concluída desde 2014. Ele fica em Mara Rosa, no norte de Goiás, e integra o trecho da ferrovia que vai de Porto Nacional (TO) a Estrela d’Oeste (SP). Este trecho foi concedido à iniciativa privada em março de 2019, em um leilão realizado no início do governo Bolsonaro, mas anunciado ainda no mandato de Michel Temer, no final de 2018.

A empresa Rumo venceu a disputa, mas só deve começar a operação neste trecho no primeiro semestre de 2021, segundo informou a própria companhia ao Comprova. Até lá, somente trens de outra concessionária, a VLI, que opera outro trecho da Norte-Sul, transitam no trajeto ferroviário já concluído entre Anápolis (GO) e Porto Nacional, onde está inserida Mara Rosa, local da gravação do vídeo verificado. As obras que ainda faltam se concentram no trecho sul, entre São Paulo, Goiás e Minas Gerais, segundo a Rumo. A VLI informou ao Comprova usar “de forma pontual” o trecho de Anápolis a Porto Nacional, que passa por Mara Rosa. A empresa não informou desde quando faz uso desta parte da ferrovia.

Ao Comprova, a Rumo confirmou que o trem que aparece no vídeo é de outra concessionária, mas que o registro se deu na Ferrovia Norte-Sul e que a viagem ocorreu entre 16 e 17 de outubro deste ano. A VLI também confirmou que o registro é de uma composição da companhia, que circulou nessas datas. A primeira divulgação do vídeo nas redes sociais foi em 21 de outubro. Fontes de Mara Rosa (GO) também confirmaram que o registro foi feito na cidade.

A postagem, divulgada em vários grupos de Facebook e perfis do Twitter desde o final de novembro, também traz na legenda mensagens de que “é um sonho de mais de 30 anos” que começa a virar realidade e a mensagem “É um novo Brasil!”, tendo sido postada em diversos grupos de apoio a Bolsonaro.

Como verificamos?

Para checar as informações e o conteúdo do vídeo, fizemos buscas reversas em ferramentas como InVID e Google, com o objetivo de localizar outras publicações em que o vídeo pudesse ter sido utilizado. Também consultamos o Ministério da Infraestrutura, a empresa pública Valec, que executou a maior parte da obra da ferrovia, a Rumo, que é a atual concessionária do trecho onde foi feito o vídeo investigado, e a empresa VLI, que detém a concessão de outro trecho da Ferrovia Norte-Sul e foi apontada como dona do trem que aparece nas imagens.

Recorremos ainda a um profissional da imprensa local. Consultamos também o Google Earth para tentar localizar o ponto da filmagem, a prefeitura de Mara Rosa e reportagens sobre a concessão e as obras da ferrovia.

Verificação

O vídeo da passagem do trem foi gravado no trecho da Ferrovia Norte-Sul que passa entre Mara Rosa e a cidade de Amaralina, no norte de Goiás. A cidade faz parte de um trecho da ferrovia que já teve obras concluídas em 2014, mas que deve ter o início de uma nova operação somente em 2021.

A cidade de Mara Rosa tem 9.363 habitantes, segundo o último dado do IBGE e faz parte da trama central do Ferrovia Norte Sul, concluída em 2014, ainda no governo de Dilma Rousseff (PT).

Por telefone, o diretor da Rádio Alternativa da cidade, Marcelo Matias, confirmou que a passagem entre Mara Rosa e Amaralina está pronta. Ele assistiu ao vídeo e confirmou que se trata do viaduto da Ferrovia Norte-Sul.

Em contato com a prefeitura de Mara Rosa, a assessoria disse que não tem informações sobre as rotas e cargas transportadas na rodovia, mas confirmou que o percurso de Mara Rosa está pronto há “uns quatro ou cinco anos”.

O Comprova procurou o Ministério da Infraestrutura para pedir informações sobre o trem registrado no vídeo. A assessoria de imprensa do órgão respondeu confirmando que o trecho da ferrovia que passa em Mara Rosa ficou pronto em 2014 e que foi concedido em março de 2019. Sobre o vídeo verificado, no entanto, o ministério solicitou que fosse feito contato com a concessionária desta área da ferrovia, a empresa Rumo.

Em nota ao Comprova, a companhia Rumo confirmou que o trem que aparece no vídeo pertence a outra concessionária que exerce o direito de passagem para circular no trajeto administrado pela Rumo na Ferrovia Norte-Sul. “A composição partiu de Anápolis (GO) em 16/10 com destino a Porto Nacional (TO), chegando no dia seguinte (17). A cidade de Mara Rosa (GO) está entre essas duas cidades”.

A empresa também explicou que, por ter vencido o leilão no ano passado, coordena e autoriza todas as circulações de trens no trecho entre Anápolis (GO) e Porto Nacional (TO) desde 1º de agosto de 2019 – mesmo trajeto em que Mara Rosa está inserida. Apesar de ter vencido a concessão, a Rumo ainda não iniciou a operação neste trecho da Ferrovia Norte-Sul. A previsão é de que isso ocorra no início do primeiro semestre de 2021, segundo a companhia.

Por enquanto, quem utiliza este trecho da ferrovia entre Anápolis (GO) e Porto Nacional (TO) são apenas trens de outra empresa, a VLI, que tem a Vale como acionista e é concessionária do trecho em direção ao Norte, entre Porto Nacional (TO) e Açailândia (MA). Procurada pelo Comprova, a VLI confirmou por e-mail que o vídeo verificado mostra a passagem de uma composição da companhia pelo tramo central da Ferrovia Norte-Sul (FNS), entre os dias 16 e 17 de outubro.

A empresa também afirmou que “utiliza de forma pontual o trecho que aparece no vídeo para enviar trilhos de sua unidade de manutenção, em Minas Gerais, para a operação do tramo norte da FNS, entre Porto Nacional (TO) e Açailândia (MA)”. O Comprova também questionou desde qual período a empresa utiliza o trecho e com qual frequência, no entanto, esses pontos não foram esclarecidos até o fechamento desta publicação.

Histórico conturbado

Segundo informações no site da Valec, a construção da Ferrovia Norte-Sul teve início em 1987. O traçado original era de 1.550 quilômetros, de Açailândia (MA) a Anápolis (GO), passando pelos Estados do Maranhão, Tocantins e Goiás. Esse trajeto está concluído e em operação, segundo o site da Valec. No entanto, os trens da nova concessionária deste trecho só devem circular a partir de 2021. O trecho de Anápolis (GO) a Porto Nacional (TO) é usado “de forma pontual” por outra empresa, a VLI, que administra outro trecho da ferrovia.

Ao longo dos anos, a ferrovia foi recebendo projetos para ampliação. Em 2006, uma lei incluiu um trecho mais ao norte, de Açailândia (MA) a Barcarena (PA) – este trecho ainda está apenas em projeto. Em 2008, uma nova lei ampliou o traçado em direção ao Sul, até Panorama (SP). As informações também estão disponíveis no site da Valec.

As obras da ferrovia ficaram paradas por longos períodos nos mais de 30 anos desde seu início. Também houve polêmicas sobre sua execução. A obra é envolvida em denúncias de irregularidades desde a primeira licitação, em 1987, e chegou a ser alvo de operações da Polícia Federal e de outras investigações sobre corrupção, como mostra reportagem do jornal O Globo. A primeira viagem comercial só ocorreu um ano e meio após a inauguração do trecho entre Anápolis (GO) e Porto Nacional (TO), em 2014, de acordo com reportagem do portal G1.

Em 2015, foram concluídos os estudos de viabilidade para mais dois trechos, de Panorama (SP) a Chapecó (SC) e de Chapecó (SC) a Rio Grande (RS) – esses trechos da ferrovia também estão apenas no papel. Caso esses trajetos sejam totalmente executados, a via permitirá o transporte de cargas cruzando o país do Pará ao Rio Grande do Sul, com interligação com estradas férreas que acessam portos, o que faz com que a ferrovia seja chamada de “espinha dorsal” do transporte ferroviário no Brasil.

Em 2019, um trecho da Ferrovia Norte-Sul foi concedido à iniciativa privada. Segundo reportagem do portal G1, a empresa Rumo arrematou o trecho de 1,5 mil km com um lance de R$ 2,7 bilhões, o dobro do lance mínimo previsto. O contrato tem duração de 30 anos. A empresa já possui outras concessões de ferrovias do país.

O leilão foi anunciado no fim do governo Michel Temer (MDB), mas foi realizado já na gestão de Jair Bolsonaro (sem partido), em março de 2019. O contrato foi assinado em 31 de julho de 2019. O trecho entre Porto Nacional (TO) e Estrela d’Oeste (SP) estava previsto para ser entregue com a execução concluída à concessionária vencedora do leilão, mas foi repassado com 93% das obras terminadas, segundo informou ao Comprova o Ministério da Infraestrutura.

O trajeto de Anápolis (GO) a Porto Nacional (TO) já estava concluído e chegou a ser inaugurado em 2014 pela presidente Dilma Rousseff (PT). As obras que ainda faltam se concentram no trecho sul, entre São Paulo, Goiás e Minas Gerais, segundo nota da empresa.

Antes disso, em 2007, durante o governo Lula, o trecho entre Porto Nacional (TO) e Açailândia (MA) já havia sido concedido, com vitória da empresa Vale.

A Ferrovia nos dias atuais e sua divisão

Projetada para se tornar a espinha dorsal do transporte ferroviário no Brasil, quando concluída a Ferrovia Norte-Sul vai interligar terminais portuários das regiões Norte e Sudeste, passando pelo Centro-Oeste do país.

Atualmente ela está dividida em três partes:

> Tramo Norte: Entre Açailândia (MA) e Porto Nacional (TO), com 720 quilômetros de extensão.

> Tramo Central: com 855 quilômetros de extensão, entre Porto Nacional (TO) e Anápolis (GO). Esse trecho da ferrovia passa por 14 municípios de Tocantins e 19 de Goiás.

> Tramo Sul: entre os municípios de Ouro Verde de Goiás (GO) e Estrela d´Oeste (SP), com 682 km de extensão. Seu traçado passa por 16 municípios de Goiás, 3 de Minas Gerais e 3 de São Paulo.

O caminho das publicações

O Comprova não conseguiu localizar o autor do vídeo. As imagens circulam desde novembro deste ano. De acordo com a ferramenta CrowdTangle, o primeiro registro ocorreu no dia 26 por um perfil pessoal em um grupo chamado “PT Nunca Mais”. No dia seguinte, o mesmo perfil publicou o vídeo com legenda idêntica elogiando a conclusão das obras da ferrovia em outro grupo, de nome “A gente não tem cara de babaca”. Nesse mesmo dia, a primeira publicação, do dia anterior, foi compartilhada por outro usuário em um grupo diferente, o “Debates do Movimento Avança Brasil”.

A partir do dia 28 a postagem começou a ser republicada por diversos perfis, com o mesmo texto de legenda. Segundo a plataforma CrowdTangle, foram 268 publicações e 6,6 mil interações até o dia 7 de dezembro.

O vídeo com a legenda enaltecendo o avanço da Ferrovia Norte-Sul também circulou no Twitter. Nesta rede, foram 36 postagens até 7 de dezembro, segundo a plataforma Tweetdeck.

Buscas reversas por meio da ferramenta InVID mostraram que o vídeo já havia sido publicado no Facebook mais de um mês antes, em 21 de outubro, em uma página que divulga vídeos de entretenimento. Na ocasião, no entanto, não havia nenhuma menção à Ferrovia Norte-Sul na publicação. A página publicou a gravação do trem apenas com a legenda “Oi o trem”, seguida de três emojis. Apenas a narração do vídeo é que fazia referência à Ferrovia Norte-Sul.

O Comprova tentou contato com alguns perfis que divulgaram o vídeo nas redes sociais, mas não obteve retorno até a publicação desta checagem.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos duvidosos sobre as eleições municipais de 2020, a pandemia de covid-19 e as políticas públicas do governo federal que tenham viralizado nas redes sociais. A checagem de conteúdo é importante pois ajuda as pessoas a formarem suas próprias conclusões com base em fatos verdadeiros.

O vídeo publicado na página “Aliança pelo Brasil” teve mais de 2 mil interações no Facebook desde sua publicação no dia 29 de Novembro. Pelo Twitter, publicado no dia 30 de Novembro por um perfil pessoal, teve mais de 1.700 interações.

Em agosto deste ano o Comprova checou outro conteúdo que também atribuía a conclusão de uma obra à gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Na ocasião, o foco era um viaduto na BR-277 em Foz do Iguaçu e foi confirmado pelo próprio Ministério da Infraestrutura que a obra não tinha nenhuma relação com o governo federal. Já em outubro, o Comprova também identificou como engano um tuíte que afirmava que a “Ferrovia do Sol” estava em vias de ser implementada e também comprovou que trecho na BR-163 foi asfaltado no governo do presidente Bolsonaro.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações.

Saúde

Investigado por: 2020-12-07

Máscara não causa acúmulo de líquido nos pulmões nem intoxicação

  • Falso
Falso
Postagem usa suposto caso de mulher que caiu enquanto corria usando uma máscara para dizer que equipamento é prejudicial à saúde, mas autoridades negam que proteção cause danos graves. Além disso, uso de máscara não é recomendado durante prática de exercícios físicos ao ar livre
  • Conteúdo verificado: Postagem em um site que diz que, de acordo com médicos, o uso de máscara pode baixar a imunidade e congestionar pulmões.

É falso que o uso de máscaras não reduza o risco de contrair o coronavírus e que o equipamento seja prejudicial à saúde, como consta num texto publicado pelo site Estudos Nacionais. A postagem recorre a um vídeo gravado por um otorrinolaringologista sobre uma paciente que teria sofrido uma queda enquanto corria usando máscara. Segundo a publicação, ele afirma que o equipamento de proteção pode causar intoxicação por CO2 e acúmulo de líquido nos pulmões. Isso não é verdade.

O uso de máscaras impede a disseminação de gotículas no ambiente, por isso é indicado para a proteção contra o coronavírus. Mesmo a máscara caseira, quando produzida da maneira correta, não oferece riscos à saúde.

Embora o uso da máscara reduza a capacidade respiratória – e, justamente por essa razão, não seja recomendada durante atividades físicas -, especialistas ouvidos pelo Comprova reafirmaram que elas são eficazes na proteção contra o coronavírus e negaram a possibilidade de as máscaras causarem danos graves como intoxicação por acúmulo de CO2 ou acúmulo de umidade e líquido nos pulmões.

O post afirma ainda que as autoridades ao redor do mundo ignoraram o risco do uso de máscaras mesmo após a morte de dois estudantes na China que se exercitavam usando o equipamento. As duas informações também são falsas. Além de a Organização Mundial da Saúde (OMS) não recomendar que as pessoas usem máscaras ao praticar exercícios intensos ao ar livre, a agência de checagem portuguesa Polígrafo já mostrou que é falsa a informação de que os estudantes chineses morreram por conta do uso do equipamento, em maio deste ano.

Como verificamos?

Iniciamos procurando o vídeo citado no início da publicação verificada e chegamos a uma postagem da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), feita no Twitter em 20 de novembro. Em seguida, o Comprova analisou os compartilhamentos do vídeo, não apenas no Twitter como também no Instagram e no Facebook, onde foi possível identificar o nome do médico responsável pela gravação.

Feita a consulta no Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), foi possível confirmar que Leandro Tavares Flaiban, médico otorrinolaringologista que trabalha no Hospital Paulo Sacramento, em Jundiaí (SP), foi o responsável pela gravação.

Consultamos as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) a respeito do uso de máscaras, inclusive durante a realização de atividades físicas, e entrevistamos os infectologistas Fábio Amorim, do Hospital São Rafael e do Instituto Couto Maia, unidade de referência para doenças infectocontagiosas na Bahia; e Clarissa Cerqueira, do Hospital Cardiopulmonar e da Estratégia Med, em Salvador.

Buscamos informações sobre o uso de máscaras em verificações anteriores do Comprova e de outras agências de checagem.

Por fim, entramos em contato com o Hospital Paulo Sacramento, em Jundiaí (SP), que confirmou ter em seu quadro de profissionais o otorrino Leandro Tavares Flaiban. Porém, não foi possível falar com o médico pelos telefones do hospital. Não conseguimos encontrar os contatos pessoais dele.

Também procuramos o site Estudos Nacionais, mas não recebemos resposta até o fechamento desta verificação.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 7 de dezembro de 2020.

Verificação

Máscaras e CO2

O uso de máscaras realmente reduz a capacidade de respirar, segundo especialistas ouvidos pelo Comprova. No entanto, isso não significa que haja um aumento de concentração de CO2 capaz de causar intoxicação. “O gás carbônico que se concentra numa máscara não é suficiente para causar intoxicação nem dano cerebral. A gente trabalha com máscara N95 o tempo inteiro e eu desconheço caso de profissional de saúde que tenha desmaiado”, afirma o médico infectologista Fábio Amorim, que trabalha no Hospital São Rafael, em Salvador, e no Instituto Couto Maia, unidade de referência na Bahia para doenças infectocontagiosas. A máscara N95 consegue filtrar 95% de partículas e é indicada para proteção contra doenças por transmissão aérea.

A também infectologista Clarissa Cerqueira, do Hospital Cardiopulmonar, em Salvador, corrobora, citando inclusive casos de profissionais de saúde que usam máscara com frequência sem que sofram intoxicação. “A máscara é extremamente eficaz. E ela tem a capacidade de fazer a troca de ar. Então, não existe a pessoa falar que está retendo CO2 por uso de máscara. Nós, profissionais em saúde, usamos máscaras há anos no ambiente hospitalar, tem cirurgiões que operam durante 12 horas, infectologistas que precisam usar máscara para atender pacientes com tuberculose, catapora, e nunca houve nada assim”, explica.

No início do mês de abril, diante da falta de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) no mercado mundial, o Ministério da Saúde recomendou que a população produzisse máscaras de tecido, deixando as máscaras profissionais (cirúrgica e N95 ou similares) para os profissionais da saúde.

Entretanto, para garantir a efetividade da proteção, a confecção das máscaras deve seguir algumas especificações técnicas, especialmente com relação ao tipo de matéria prima a ser utilizada. Os tecidos recomendados são, em ordem decrescente de capacidade de filtragem de partículas virais:

a) Tecido de saco de aspirador;

b) Cotton (composto de poliéster 55% e algodão 45%);

c) Tecido de algodão (como camisetas 100% algodão);

d) Fronhas de tecido antimicrobiano.

Outras informações e especificações podem ser encontradas no site do Ministério da Saúde.

“Uma coisa que pode acontecer é alguém fazer uma máscara com um tecido que não tem capacidade de troca de ar, mas isso não leva a esse tipo de alteração [intoxicação]. O tecido que a gente recomenda é algodão e algum tecido sintético. Você tem que usar um tecido de algodão na camada interna. Na intermediária, um tecido sintético como um TNT e na de fora também, porque o tecido tem poros. Agora, realmente, se a pessoa colocar um plástico no rosto, a pessoa vai morrer de falta de ar”, afirma Clarissa Cerqueira.

Máscaras não provocam acúmulo de líquido nos pulmões

Os dois especialistas também negaram a possibilidade de que a máscara, por conta da umidade, provoque acúmulo de líquido nos pulmões, como afirma o post. “Isso acontece quando a pessoa se afoga ou quando acontece uma falência múltipla por edema de pulmão, mas isso é incompatível com o uso de máscaras”, explica o infectologista Fábio Amorim. O equipamento não impede a passagem do ar, mas sim dificulta a passagem de partículas presentes no ar.

Clarissa Cerqueira explica que a umidade na máscara é comum já que, durante a respiração, a pessoa libera partículas de ar. É por isso que a máscara precisa ser trocada a cada duas horas para que seja de fato eficaz. Mas, mesmo assim, não há possibilidade de acúmulo de líquido nos pulmões. “Não tem nada que justifique uma retenção de líquido nos pulmões. Quando você respira, você libera partículas de ar e, com o tempo, você troca a máscara. Se ela tá úmida, você precisa trocar. Mas não faz nenhum sentido acumular líquido no pulmão, eu não consigo nem explicar. Como entraria água ali?”, questiona.

Não se deve usar máscara durante exercícios físicos

A OMS não recomenda o uso de máscara em atividades físicas mais vigorosas, por conta do risco de redução da capacidade respiratória. No entanto, a Organização orienta que, não importa o quão intensas sejam as atividades físicas, é necessário manter no mínimo um metro de distância de outras pessoas e, no caso de atividades em casa, é necessário escolher um local com ventilação adequada.

Não é verdade que estudantes chineses morreram ao usar máscara

A agência portuguesa de fact-checking Polígrafo noticiou que um dos jovens que faleceu na China enquanto faziam exercícios físicos foi vítima de um ataque cardíaco, como foi declarado no atestado de óbito. Segundo a professora da Universidade de Medicina Chinesa de Shaanxi, Cao Lanxiu, “não foi a máscara que causou a morte súbita”.

Na segunda morte registrada, o estudante faleceu durante uma corrida, segundo apuração realizada pela agência tendo como base uma reportagem realizada pela emissora de TV australiana 7 News. Não houve nenhuma evidência de que a máscara tenha sufocado o aluno.

Quem são os médicos citados no post

A postagem verificada cita dois médicos brasileiros. Um deles é Leandro Tavares Flaiban. De acordo com dados do Conselho Federal de Medicina (CFM), Flaiban é otorrinolaringologista e possui registros em dois estados: São Paulo e Amazonas, ambos em situação regular. No registro principal, no Amazonas, consta a especialidade de otorrinolaringologia. Já o registro secundário, de São Paulo, não possui especialidades cadastradas.

O Comprova conseguiu confirmar que Leandro trabalha no Hospital Paulo Sacramento, em Jundiaí, mas não pudemos conversar com o médico – o hospital, primeiro, disse que não poderia passar o contato dele; em seguida, nos forneceu um telefone, mas ninguém atendeu no número discado. Também não localizamos uma conta sua no Twitter. No Facebook, os posts são fechados.

O segundo médico mencionado no texto é o também otorrinolaringologista Carlos Nigro, que trabalha em uma clínica em Taubaté (SP). Em seu perfil no Facebook, ele afirma ter estudado Medicina na Universidade de São Paulo (USP) e ter doutorado na mesma instituição. As informações constam em seu currículo Lattes, em texto informado pelo próprio autor. Também afirma ser aluno do Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho.

O CFM tem um registro em nome de Carlos Eduardo Nazareth Nigro, feito em janeiro de 1996 em São Paulo, com especialidade para otorrinolaringologia. No Facebook, o médico faz postagens contrárias ao uso de máscara, ao lockdown e à vacina.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre a pandemia e as políticas públicas do governo federal que tenham viralizado nas redes sociais. A matéria publicada no site “Estudos Nacionais” teve 12 mil interações no Facebook, de acordo com a plataforma de monitoramento CrowdTangle. Tratando-se de temas relacionados à pandemia da covid-19, os riscos da desinformação são maiores, visto que afetam diretamente a saúde das pessoas e que as medidas de proteção como as máscaras são de extrema necessidade para impedir a disseminação da doença.

O Comprova já verificou outros conteúdos que disseminam informações sem fundamentos, desde o início da pandemia, como um vídeo que afirmava que as máscaras não são eficientes no combate à covid-19; um áudio no qual um engenheiro falsamente alegava que as vacinas causam câncer e danos genéticos; e um vídeo no qual um pastor diz que o vírus foi feito na França e vacinas seriam uma iniciativa globalista para reduzir a população.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Eleições

Investigado por: 2020-12-04

É enganoso vídeo que denuncia suposta fraude nas urnas em João Pessoa

  • Enganoso
Enganoso
Um candidato a vereador pelo MDB disse não ter tido nenhum voto na seção onde ele próprio votou, mas documentos oficiais da Justiça Eleitoral mostram que ele teve dois votos no local
  • Conteúdo verificado: Vídeo no YouTube em que candidato a vereador em João Pessoa afirma que voto que ele deu em si mesmo não foi contado

É enganoso o vídeo em que um candidato a vereador em João Pessoa, na Paraíba, afirma que não foi contabilizado o voto que ele deu em si mesmo. Na realidade, foram contados dois votos para Edmilson Gomes de Melo (MDB) na seção onde ele votou. Ao todo, o candidato recebeu 119 votos e ganhou uma vaga de suplente na Câmara Municipal.

Gomes de Melo está inscrito no Título de Eleitor na zona 001, seção 004. Porém, algumas seções eleitorais foram agregadas este ano, por isso Edmilson foi orientado a votar na seção 001. Ao Comprova, o Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE-PB) apresentou documentos que provam a votação de Edmilson na seção 001.

No vídeo, o candidato afirma ainda que um funcionário do TRE-PB “adicionou” dois votos para ele na seção eleitoral. O TRE-PB esclareceu que o banco de dados de votação jamais pode ser “editado”. O órgão comunicou em nota que o vídeo é uma “tentativa de macular a Justiça Eleitoral, forjando fatos”.

Como verificamos?

O Comprova entrou em contato com o Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE-PB) e solicitou informações sobre as seções e zonas eleitorais existentes em João Pessoa. Também buscamos o resultado das eleições 2020 no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para confirmar a candidatura do homem que aparece no vídeo e a quantidade de votos obtida por ele. Foram procurados ainda o candidato Edmilson Duroger e o responsável pelo canal Seu Mizuka, que divulgou o vídeo.

Verificação

Qual a explicação do TRE-PB?

No vídeo, o candidato a vereador Edmilson Gomes de Melo está em frente à sede do TRE-PB. De acordo com o órgão eleitoral, ele foi atendido na Seção de Orientação e Apoio às Zonas Eleitorais (SOAZE) no dia 18 de novembro, três dias depois do primeiro turno do pleito. Na gravação, Edmilson afirma que o voto que ele depositou em si mesmo não foi contado, assim como a votação de seus familiares.

Isso não é verdade. De acordo com os resultados oficiais divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edmilson recebeu 119 votos. O TRE-PB detalhou que foram dois votos na seção onde o candidato votou, a 001 da 1ª Zona Eleitoral. A mesma votação consta no boletim de urna divulgado pelo TSE.

Os votos a favor de Gomes de Melo foram distribuídos da seguinte maneira: 49 votos na 1ª Zona Eleitoral; 24 votos na 64ª Zona; 19 votos na 70ª; 12 votos na 76ª; e 15 votos na 77ª.

Edmilson está cadastrado no Título de Eleitor na seção 004 da 1ª Zona Eleitoral, mas o TRE-PB esclareceu que algumas das seções foram agregadas este ano. O órgão apresentou ao Comprova um documento que mostra que o local de votação do candidato foi transferido.

Como mostra consulta ao site oficial do TSE, Gomes de Melo votou na Faculdade de Ciências Médicas (antigo Colégio Pio XII), na Praça São Francisco, 116, no centro de João Pessoa.

No vídeo, Edmilson diz que, depois de reclamar que nenhum voto a seu favor foi contado na seção onde votou, um funcionário do TRE-PB “adicionou” dois votos para o candidato. Em resposta, o TRE-PB disse que não é possível “editar” o banco de dados de votação. Neste ano, a totalização dos votos foi centralizada na sede do TSE, em Brasília.

O TRE-PB informou que vai encaminhar o caso ao Ministério Público Eleitoral.

Quem é o autor do vídeo original?

Edmilson Gomes de Melo tem 57 anos e foi candidato pelo MDB, usando o número 15.777 e o nome de urna “Edmilson Duroger” — referência ao Roger, um dos bairros mais carentes da capital paraibana. No local ficava, até 2003, o antigo lixão da cidade, e ainda hoje funciona a Penitenciária Desembargador Flósculo da Nóbrega, o mais antigo presídio da Paraíba, inaugurado há 80 anos.

Conversamos com Edmilson por telefone. Ele disse que “estranhou não ter tido votos em sua seção, a 4ª da 1ª zona eleitoral, mas que um funcionário do TRE disse que poderia corrigir e imprimiu um relatório com dois votos naquela seção (na verdade, a 1ª)”.

Durante o telefonema, ele admitiu que o funcionário que o atendeu “pode ter sido irônico”. Após a gravação do vídeo, Edmilson disse que retornou ao TRE e recebeu a explicação que sua seção original, a 4ª, foi agregada à 1ª seção por conta das alterações realizadas para reduzir o número de mesários por causa da pandemia.

O candidato explicou que, no vídeo, se referiu aos oito votos que teve no bairro do Roger, pois sabia que, no total, obteve 119 votos. “Sem arrogância, pela campanha que fiz e pelo trabalho que faço no Roger, há muitos anos, era pra ter tido 5 mil votos”. De acordo com os dados do último censo do IBGE, em 2010, a população do bairro era de 10.381 pessoas aptas a votar.

O trabalho ao qual ele se refere seria “as denúncias de corrupção na Câmara Municipal” que costuma fazer. Edmilson informou ao TRE ser “jornalista e redator”. Na documentação de registro de candidatura consta apenas um diploma de conclusão do Ensino Médio.

No dia 24 de novembro, ele foi à sede da superintendência da Polícia Federal no estado e protocolou um pedido para “pegar todas as urnas do município de João Pessoa, e que se disponibilize uma equipe de especialistas na segurança da informação que seja neutra para periciá-las”.

Edmilson contou que foi à PF acompanhado de dois outros candidatos, citados no vídeo analisado: Nininho Mangabeira e Dr. Nosman (Antônio Nosman Barreiro Paulo), ambos do MDB. Um terceiro candidato que, segundo ele, também estaria “revoltado”, Dr. Aníbal Marcolino (José Aníbal Costa Marcolino Gomes), não o acompanhou por ter desistido de fazer a denúncia.

O Comprova entrou em contato com a PF para saber mais informações sobre a denúncia de Edmilson, mas não recebeu resposta.

O canal do Youtube

O vídeo de Edmilson foi reproduzido pelo canal Seu Mizuka, que existe no YouTube desde 9 de dezembro de 2017 e tem 71,9 milhões de visualizações. É conhecido por publicar conteúdos favoráveis ao governo federal e é um dos canais que veicularam anúncios da Secretaria Especial de Comunicação Social do Governo Federal sobre a Previdência, sendo o sexto canal do YouTube com mais interações nos anúncios do governo por visualização. Em junho deste ano, o Comprova já desmentiu um vídeo publicado no mesmo canal e que tentava desacreditar a pandemia da covid-19, apoiado em imagens da cidade de Genebra, na Suíça.

O Comprova tentou contato com o responsável pelo canal Seu Mizuka, mas não obteve resposta.

Por que investigamos?

Atualmente em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre as eleições municipais de 2020, a pandemia de covid-19 e as políticas públicas do governo federal que tenham viralizado nas redes sociais. A verificação de conteúdos que tratam de apuração é importante porque conteúdos inverídicos podem atingir a confiança das pessoas nas eleições.

O vídeo publicado no canal “Seu Mizuka” teve mais de 157 mil visualizações desde o dia 25 de novembro. No Facebook, o link de YouTube teve 32.355 interações, de acordo com a ferramenta CrowdTangle.

O Comprova tem checado uma série de conteúdos que atacam a lisura do processo eleitoral. Por exemplo, desmentimos que o software das urnas eletrônicas brasileiras tenha sido usado em fraudes nos Estados Unidos e que o TSE tenha atualizado os resultados das eleições de acordo com o portal de notícias G1. Veja todas as verificações do Comprova sobre eleições.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações.