O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
Filtro:

Contextualizando

Investigado por: 2024-05-07

Postagens exageram peso de declaração da Astrazeneca em processo; efeito adverso de vacina já era conhecido

  • Contextualizando
Contextualizando
A Astrazeneca declarou em tribunal no Reino Unido que a Síndrome de Trombose com Trombocitopenia (STT) pode ser um dos efeitos raros do imunizante contra covid-19, segundo reportagem do jornal The Telegraph publicada na última semana. A publicação tem gerado reações de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Uma postagem do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-mandatário, afirma que o pai “sempre esteve certo” nas críticas às vacinas. O risco, no entanto, já era conhecido, pois está presente na bula desde 2021.

Conteúdo analisado: Postagens afirmam que Bolsonaro estava certo ao duvidar das vacinas contra covid-19 e relacioná-las a casos de embolia e trombose após a Astrazeneca ter admitido que o imunizante pode ocasionar Síndrome de Trombose com Trombocitopenia (STT) em casos raros.

Contextualizando: Uma declaração da farmacêutica Astrazeneca gerou uma série de reações de grupos que questionam a segurança do imunizante contra a covid-19 produzido pela companhia. Em documentos judiciais, a empresa afirma que a vacina produzida em parceria com a Universidade de Oxford pode causar Síndrome de Trombose com Trombocitopenia (STT), com incidência rara, afetando uma a cada 100 mil pessoas vacinadas. A farmacêutica é alvo de uma ação coletiva no Reino Unido que alega que o imunizante causou ferimentos graves e até a morte de dezenas de pessoas no país.

A afirmação, revelada pelo The Telegraph, foi feita pela defesa da farmacêutica na Suprema Corte britânica em resposta ao processo movido pela família de Jamie Scott, homem que ficou com lesão cerebral permanente ao ter uma hemorragia um dia após tomar a vacina. A família de Scott acredita que a lesão foi causada pelo imunizante.

A Astrazeneca defende que os casos passem por uma perícia. “Admite-se que a vacina AZ pode, em casos muito raros, causar STT. O mecanismo causal não é conhecido. Além disso, a STT também pode ocorrer na ausência da vacina AZ (ou de qualquer imunizante).”. Em 2023, a empresa declarou que não acredita “que a STT seja causada pela vacina a nível generalizado”.

Diferentemente do que sugerem Eduardo Bolsonaro e outros perfis que postaram o conteúdo, a incidência de casos raros de coágulos em imunizados não é um segredo. A informação está disponível na bula da vacina desde 23 de abril de 2021, o que pode ser conferido no histórico de bulas do site da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

A vacina da Astrazeneca teve o uso emergencial aprovado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em fevereiro de 2021. No Brasil, ela foi produzida pela Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) e aprovada pela Anvisa no mesmo mês.

Também diferentemente do que afirmam o deputado federal e outras pessoas em redes sociais, a notícia publicada pelo jornal britânico não indica que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) estava certo ao criticar as vacinas como forma de combater a pandemia de covid-19.

Em março de 2021, a aplicação do imunizante da Astrazeneca chegou a ser suspensa em países da União Europeia após a ocorrência de casos de coágulos sanguíneos atribuídos à vacina. Após uma análise, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) concluiu que a formação de coágulos é efeito muito raro, que pode acontecer em uma a cada 100 mil pessoas vacinadas, e que reações ao imunizante são geralmente leves e passam em poucos dias.

Diante disso, a agência declarou que os benefícios da vacina Astrazeneca na prevenção da covid superam os riscos de efeitos secundários. A base desta conclusão é o fato de que a imensa maioria dos efeitos adversos das vacinas são leves e moderados, enquanto os efeitos graves são muito raros. No caso da covid-19, a chance de a doença matar os não vacinados era significativamente maior do que a chance de a doença levar a óbito uma pessoa com o esquema vacinal completo. Por isso, inúmeras agências de saúde e especialistas afirmam que os benefícios da vacinação superam seus riscos.

Em nota enviada ao Comprova, a FioCruz afirmou que a vacina da Astrazeneca foi considerada segura e eficaz tanto pelo Ministério da Saúde como pela Anvisa e que ela segue recomendada pela OMS para pessoas acima de 18 anos “uma vez que seus possíveis efeitos adversos graves, como a Síndrome de Trombose com Trombocitopenia, são extremamente raros”.

Fontes consultadas: Buscamos por informações sobre o caso na Justiça para entender as denúncias contra a farmacêutica. Em seguida, procuramos a bula do imunizante e os selos de aprovação dos órgãos competentes, que atestam a segurança da vacina. Pesquisas sobre notícias na época mostraram ainda que a agência europeia recomenda o uso da vacina da Astrazeneca.

Por que o Comprova contextualizou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está sendo descontextualizado, o Comprova coloca o assunto em contexto. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Para se aprofundar mais: O Comprova já mostrou ser enganoso que pesquisadores descobriram relação entre vacina e covid longa e que o Brasil tenha comprado imunizantes banidos em outros países. Também é falso que estudo de Cambridge comprove que pessoas vacinadas contra o novo coronavírus adquiriram Aids e que a Suprema Corte dos EUA decidiu que as vacinas contra a covid-19 “não são vacinas”.

Saúde

Investigado por: 2024-05-06

Moderna não admitiu que DNA residual em vacinas pode levar a câncer

  • Enganoso
Enganoso
Não é verdade que a farmacêutica Moderna tenha admitido que o DNA residual em suas vacinas de RNA mensageiro (mRNA), como a contra a covid-19, possa causar câncer nos imunizados. Ao Comprova, a empresa afirmou que o DNA residual é uma impureza relacionada ao processo de fabricação que não afeta a segurança e a eficácia do produto. O Federal Drug Administration (FDA), agência reguladora do governo dos EUA, também nega que as vacinas de mRNA causem câncer.

Conteúdo investigado: Post afirma que a farmacêutica Moderna admitiu que as vacinas contra a covid-19 estão contaminadas por DNA e, portanto, podem causar defeitos congênitos e câncer. Em um vídeo compartilhado junto à alegação, o médico norte-americano Robert Malone, conhecido por desinformar sobre as vacinas, diz o mesmo, acrescentando que a contaminação poderá causar qualquer doença que esteja associada com danos ao DNA.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: Post viral engana ao afirmar que a farmacêutica Moderna tenha admitido que sua vacina contra a covid-19 possa levar a pessoa imunizada a desenvolver câncer por conta de resíduos de DNA no produto. De fato, há DNA residual em vacinas de mRNA, como a da Moderna, mas isso não interfere na segurança.

“Nossa vacina contra a covid-19 foi submetida a extensos testes clínicos e não clínicos para demonstrar sua eficácia, qualidade e segurança”, afirmou a farmacêutica ao Comprova. A empresa explicou que “o DNA residual é uma impureza relacionada ao processo de fabricação” que não afeta o produto final. Também disse que seus processos seguem padrões estabelecidos extensivamente e revistos por órgãos reguladores.

Conclusão semelhante tem o Food and Drug Administration (FDA), órgão norte-americano de vigilância sanitária. Em documento de 2023 sobre DNA residual em vacinas de mRNA, a agência afirma que “não há nada que indique danos ao genoma, como o aumento das taxas de câncer” e garante a segurança e eficácia de todos os imunizantes aprovados nos Estados Unidos (o da Moderna é um deles).

No Brasil, duas vacinas contra a covid produzidas pela farmacêutica são registradas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Spikevax bivalente e a Spikevax monovalente. A última teve o registro concedido em março e está atualizada para proteger contra a variante Kraken. Nesta semana, as primeiras doses do imunizante chegaram ao Brasil como parte de um contrato assinado no mês passado para a aquisição de 12,5 milhões de doses.

O post usa trecho de fala do médico Robert Malone, conhecido por desinformar sobre vacinas. O mesmo vídeo foi utilizado em outra publicação enganosa verificada pela Comprova nesta semana, também atacando, sem evidências, a vacina da Moderna.

O Comprova tentou falar com o autor do conteúdo, mas o perfil no X não recebe mensagens. Não foram identificados perfis semelhantes em outras redes sociais.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O post aqui checado teve 97,9 mil visualizações até 6 de maio, além de ser compartilhado mil vezes e somar duas mil curtidas.

Fontes que consultamos: Procuramos a farmacêutica citada no post e consultamos a FDA e informações sobre a audiência em que a fala do médico foi gravada. Também localizamos outras checagens sobre o assunto e tentamos contato com o autor do post.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A alegação aqui verificada também foi alvo de checagens fora do Brasil e desmentida por USA Today e Lead Stories. O Comprova já checou anteriormente ser falso que vacina contra covid-19 cause danos irreversíveis ao DNA e demonstrou que os imunizantes não provocam câncer.

Saúde

Investigado por: 2024-05-02

É enganoso que Brasil tenha comprado vacina contra a covid banida em outros países

  • Enganoso
Enganoso
Não é verdade que o Brasil comprou vacinas que foram banidas em diversos países, diferentemente do que afirma post. As primeiras doses vendidas pelo laboratório Moderna foram realocadas para diferentes públicos ao longo das campanhas, mas nunca excluídas das ações. A versão atual do imunizante é aprovada pela Anvisa e recomendada pela OMS.

Conteúdo investigado: Mensagens no X e no Telegram sobre a compra pelo governo brasileiro de mais de 12 milhões de doses da vacina contra a covid-19 da Moderna. Post afirma que “inúmeros países” já baniram o imunizante “devido a graves problemas”.

Onde foi publicado: X e Telegram.

Conclusão do Comprova: Post engana ao afirmar que o Brasil acaba de comprar uma vacina contra a covid-19 banida em inúmeros países. O governo federal anunciou a aquisição de 12,5 milhões de doses da farmacêutica Moderna em 19 de abril. Segundo o Ministério da Saúde, o lote faz parte dos imunizantes mais atualizados contra a doença, aprovado pela Anvisa e recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

O imunizante que o responsável pelo post se refere é a versão original (bivalente), que teve o público-alvo alterado em alguns países por causa de efeitos adversos. No entanto, a vacina Moderna não foi banida.

Como o próprio post mostra, na Suécia, por exemplo, o governo suspendeu a vacina para menores de 30 anos em outubro de 2021. Mas, o que o post não informa é que órgãos de saúde do país voltaram a oferecer o imunizante em outubro de 2022, com novas diretrizes para crianças acima de seis anos.

Outro exemplo de país que teria banido a vacina, segundo o post, foi o Japão, mas isso não ocorreu. Em agosto de 2021, o governo suspendeu o uso de 1,63 milhão de doses após “relatos de contaminantes em alguns frascos”. Diferentemente do que o post sugere, não foi identificado nenhum problema de segurança ou eficácia e a suspensão foi apenas uma precaução, segundo autoridades japonesas e a Moderna.

Como reações adversas graves, a bula da versão atual da vacina cita casos de miocardite e pericardite, condições que afetam o coração. Ainda assim, o risco de desenvolvimento dessas doenças, segundo a farmacêutica, é muito raro e ocorre em menos de 0,01% dos pacientes que utilizam o medicamento. A maioria se recuperou, mas há casos fatais, segundo o laboratório. As reações mais comuns são inchaço, dor de cabeça, dores musculares, náuseas e diarreia.

A publicação também traz um vídeo traduzido do inglês em que o médico Robert Malone fala sobre riscos da vacina da Moderna a congressistas norte-americanos. A sessão foi gravada em Washington em 2023 e divulgada pela republicana Marjorie Taylor Green, publicamente anti-vacina e que já teve o perfil do X derrubado por compartilhar desinformação sobre a covid-19. Malone também é conhecido por difundir informações falsas sobre vacina e já foi desmentido diversas vezes.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No X, a publicação teve, até 30 de abril, mais de 118,8 mil visualizações e, no Telegram, 4 mil.

Fontes que consultamos: Links dos sites New York Post, BMJ e The Straits Times, citados pelo autor, do Ministério da Saúde e da OMS.

Moderna diz que vacina está atualizada

Um dos argumentos do post que tenta descredibilizar a vacina é o de que a dose atual produzida pela Moderna não protege os humanos da variante do coronavírus em circulação, o que não é verdade. A publicação compartilha outro post de um médico infectologista alegando que o imunizante não combate a linhagem JN.1, descendente da XBB e que vem aumentando de forma exponencial entre os infectados.

Em dezembro de 2023, a OMS publicou uma diretriz sobre qual deveria ser a composição dos imunizantes para acompanhar a evolução do vírus. Na nota, a organização manteve a recomendação de usar como antígeno vacinal uma linhagem descendente da variante XBB.1, como a XBB.1.5. A orientação já vinha sendo aplicada pelos laboratórios desde maio do ano passado. Segundo a OMS, pesquisas indicam que vacinas com essa composição tiveram resultados positivos na neutralização da JN.1. A entidade pondera que os dados ainda são limitados.

Ao divulgar informações sobre o acordo fechado com o governo brasileiro, a Moderna esclareceu, em nota oficial, que a farmacêutica “gerou dados pré-clínicos e clínicos de sua vacina candidata monovalente XBB.1.5 mostrando uma resposta imunológica contra sub-linhagens XBB e cepas atualmente circulantes do vírus SARS-CoV-2, incluindo JN.1”. Ou seja, o imunizante apresentou benefícios no combate à variante em circulação.

Em um texto publicado no site do Ministério da Saúde, o médico infectologista e doutor em Epidemiologia Sérgio de Andrade Nishioka explicou que todas as vacinas usadas atualmente protegem contra formas graves da covid-19, independentemente da linhagem. “Novas variantes como JN.1, porém, são mais transmissíveis que as variantes anteriormente mais prevalentes, e podem infectar e causar doença em pessoas previamente imunizadas pela vacina e/ou infecção anterior.” Todas as vacinas aprovadas pela Anvisa apresentaram resultados eficazes e de segurança; essa é a principal estratégia de prevenção.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Diversas publicações com informações falsas sobre vacinas foram checadas pelo Comprova, incluindo a de que um estudo de Cambridge comprovou que pessoas vacinadas contra a covid-19 adquiriram Aids e que o imunizante cause danos irreversíveis ao DNA.

Saúde

Investigado por: 2024-04-23

Não é necessário detox de proteína da vacina contra a covid-19

  • Enganoso
Enganoso
Não há evidência que a proteína spike, produzida no corpo humano a partir de vacinas contra covid-19, cause ferimentos nas pessoas imunizadas, nem que medicamentos poderiam eliminá-la do organismo, como alega um post no X. Especialistas consultados pelo Comprova explicaram que a proteína é naturalmente eliminada poucos dias após a vacinação, e alertaram que a automedicação com as substâncias indicadas pode trazer prejuízos. Há uma ação disciplinar do Conselho Americano de Medicina Interna (Abim, na sigla em inglês) contra o médico que recomenda a conduta.

Conteúdo investigado: Publicação traduzida do inglês traz lista de substâncias indicadas pelo médico Peter McCullough para “desintoxicação” da proteína S presente na vacina contra a covid-19. O mesmo conteúdo contém o vídeo original com falas do médico sobre o assunto.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: Não há comprovação científica de que as substâncias indicadas pelo cardiologista norte-americano Peter McCullough para um suposto detox contra os efeitos da vacina da covid-19 possam eliminar a proteína S do organismo após a imunização, diferentemente do que afirma post.

A proteína spike está presente no Sars-CoV-2 como estrutura que conecta o vírus à célula humana. Os imunizantes de tecnologia RNA mensageiro, como o da Pfizer, ensinam o corpo a produzir a mesma proteína para que o sistema imunológico crie anticorpos contra ela.

Conforme explica Eduardo Silveira, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), não faz sentido afirmar que há uma intoxicação da proteína S após a vacinação porque ela é eliminada do corpo em poucos dias. “No organismo, quando se vacina uma pessoa, tudo é processado rapidamente e em menos de uma semana você não tem mais absolutamente nenhuma proteína circulando porque ela é rapidamente reconhecida por anticorpos e eliminada. Algumas enzimas das células vão degradar aquele material.”

O suposto detox elaborado por McCullough inclui nattoquinase, bromelaína e curcumina para ajudar a “degradar a proteína spike” após a vacinação. O médico também recomenda tratamentos adicionais com hidroxicloroquina, ivermectina, colchicina, adesivo de nicotina ou aciclovir oral e naltrexona.

Ao Comprova, o Ministério da Saúde esclareceu que nenhuma dessas substâncias têm relação comprovada de eficácia contra qualquer eventual efeito das vacinas da covid-19. “A automedicação pode apresentar diversos riscos para a saúde, incluindo o agravamento de sintomas ou condições médicas, reações alérgicas e resistência antimicrobiana”, alerta o comunicado.

Além disso, assim como explicou Silveira, não há evidências que comprovem danos causados pela proteína spike às pessoas vacinadas, segundo a pasta. “A afirmação de que as pessoas são ‘feridas’ pela proteína spike das vacinas não possui embasamento científico confiável”, diz a nota.

O infectologista Igor Queiroz, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, destaca que a eficácia das substâncias citadas no post não foi comprovada em humanos nem mesmo contra a doença. “Esses compostos podem ser até que funcionem no laboratório, num tubo de ensaio, mas quando vai colocar no organismo humano, o que a gente fez com várias medicações, como a hidroxicloroquina e a ivermectina, é como um placebo. Não tem ação contra o vírus nos seres humanos”.

McCullough é conhecido por disseminar desinformações no contexto da pandemia. O médico já foi alvo de outras verificações do Comprova, como a que demonstrou que a revisão de um estudo publicado no site do Ministério da Saúde não garante eficácia da hidroxicloroquina no tratamento preventivo contra a covid-19 e que estudos fraudados não deslegitimam artigos que comprovam ineficácia da substância.

O médico também foi citado em checagens na imprensa internacional, como a que demonstrou que um evento em que ele criticou a Organização Mundial de Saúde (OMS) não foi oficialmente organizado pelo Parlamento Europeu, ao contrário do que se divulgou nas redes sociais. Contra McCullough há uma ação disciplinar do Conselho Americano de Medicina Interna (ABIM, na sigla em inglês) por alegações infundadas relacionadas às vacinas.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até a publicação deste texto, o post contabilizava mais de 70 mil visualizações. O conteúdo original, no entanto, ultrapassa a marca de 1,3 milhão de visualizações e mais de 30 mil interações.

Fontes que consultamos: Consultamos o Ministério da Saúde, o infectologista Igor Queiroz, membro da Sociedade Brasileira de Infectologia, e Eduardo Silveira, professor da USP. Também resgatamos verificações anteriores do Comprova sobre o médico Peter McCullough e a proteína spike.

Automedicação pode trazer riscos à saúde

O Ministério da Saúde alerta que é difícil garantir a segurança e a eficácia de qualquer tratamento sem o diagnóstico e a supervisão de um profissional de saúde qualificado. A pasta também deu mais detalhes sobre as substâncias sugeridas pelo médico do conteúdo aqui verificado e esclareceu que não há qualquer evidência científica ou relação entre o uso delas com o tratamento da covid-19.

  • Nattoquinase, bromelaína e curcumina: são substâncias naturais que podem ter propriedades anti-inflamatórias e anticoagulantes.
  • Hidroxicloroquina, ivermectina e colchicina: são drogas que têm sido objeto de debate em relação ao seu uso no tratamento ou prevenção da covid-19. No entanto, estudos científicos publicados até o momento não forneceram evidências conclusivas de que elas sejam eficazes contra a doença. Além disso, essas drogas podem causar efeitos colaterais graves e até mesmo fatais quando usadas de forma inadequada.
  • Adesivo de nicotina ou aciclovir oral: O uso de nicotina pode ser prejudicial à saúde. O aciclovir é um medicamento antiviral usado principalmente para tratar infecções por herpes.
  • Naltrexona: é um medicamento usado no tratamento de dependência de substâncias e para reduzir os desejos de álcool ou opioides. Seu uso indevido pode ter consequências sérias.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Outras alegações infundadas do médico Peter McCullough já foram verificadas por agências de checagem, incluindo a do boato antigo que engana sobre efeitos colaterais da vacina da covid-19, as afirmações enganosas sobre a suposta relação de óbitos com o imunizante a partir de um estudo que não foi revisado e a informação falsa de casos de miocardite após a vacinação.

Comprova Explica

Investigado por: 2024-04-11

Não há casos de H5N1 em humanos no Brasil

  • Comprova Explica
Comprova Explica
O vírus H5N1 é responsável por causar a influenza aviária, doença infecciosa que pode atingir aves e mamíferos, inclusive humanos. Apesar de a região das Américas enfrentar uma epidemia desse tipo de infecção, apenas quatro casos em humanos foram confirmados nos últimos dois anos, nenhum deles no Brasil, que registrou a doença apenas em aves silvestres. Ao Comprova, o Ministério da Agricultura e Pecuária informou que o país permanece livre do surto, e que o consumo de carne de aves, ovos e derivados é seguro.

Conteúdo analisado: Publicação compartilha manchete da agência internacional de notícias BNO News sobre um caso de gripe aviária confirmada em um humano no Texas, nos Estados Unidos, após contato com vacas infectadas. Nessa e em outras postagens nas redes sociais usuários comentam demonstrando preocupação com o alastramento da doença e a infecção de seres humanos.

Comprova Explica: Posts sugerindo uma nova pandemia, agora da influenza aviária, têm circulado nas redes sociais, gerando preocupação entre os leitores. Contra uma possível onda de pânico, o Comprova traz detalhes sobre a doença e mostra que, ao contrário do que sugerem as publicações, os casos em humanos são isolados, como esclareceu a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).

A influenza aviária é uma doença viral infecciosa que pode infectar aves e mamíferos, incluindo humanos. Segundo a Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA), desde 2022, a região das Américas enfrenta uma epidemia de Influenza Aviária de Alta Patogenicidade (IAAP) – que produz sintomas em praticamente todos os infectados–, associada ao vírus influenza subtipo A (H5N1) em aves domésticas, aves e mamíferos silvestres.

No Brasil, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) notificou à OMSA as primeiras detecções de influenza aviária em aves silvestres no Espírito Santo, em 15 de maio de 2023. Em 4 de outubro do mesmo ano, a pasta confirmou um foco de gripe aviária em leões-marinhos no Rio Grande do Sul. O registro mais recente foi feito em 5 de abril de 2024, no Rio de Janeiro, segundo o Ministério da Saúde.

Até o momento, não houve casos confirmados em humanos. Além disso, o Mapa esclareceu ao Comprova que a OMSA segue considerando o Brasil como livre de IAAP nas aves comerciais, sendo seguro consumir carne, ovos e derivados.

Segundo a diretora do Laboratório de Virologia do Instituto Butantan, Viviane Botosso, os surtos da doença vêm ocorrendo em ondas desde o final da década de 1990, a depender das mutações do vírus H5N1. De acordo com a pesquisadora, a tendência, neste ano, é de uma redução no número de casos entre os animais, já que o pico foi registrado em 2023. “É um problema global, que começou em 2020 em países da Europa e da Ásia, e, recentemente, chegou à América.”

Botosso também afirmou que a infecção entre vacas é uma novidade, provavelmente em função de adaptações do vírus, e que, até então, a contaminação ocorria principalmente entre aves silvestres. Além disso, segundo ela, o risco de transmissão entre humanos é baixo. “O receptor do influenza aviário é ligeiramente diferente do receptor do influenza humano, então nós não temos os receptores em abundância para esse vírus. Por isso, é difícil ter a transmissão. Não se sustenta”, explicou ao Comprova.

Como verificamos: Inicialmente, procuramos pela informação sobre mais um caso de influenza aviária em humanos em outros sites da imprensa. Em seguida, buscamos explicações e orientações sobre o H5N1 junto aos Ministérios da Saúde e da Agricultura e Pecuária e ainda com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA), além do panorama da doença no Brasil e na região das Américas. Por fim, consultamos uma especialista do Instituto Butantan.

H5N1 em humanos

Segundo o Ministério da Saúde, essa transmissão é rara, mas pode acontecer por meio de contato direto com aves infectadas ou pela inalação de secreções ou excreções de animais doentes.

Nas Américas, os casos de infecção em humanos associados à epidemia são isolados, com quatro relatados até o momento, sendo um no Equador, em janeiro de 2023, outro no Chile, em março do mesmo ano, bem como um nos Estados Unidos, em abril de 2022, e o mais recente, também nos EUA. Em 1º de abril, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) confirmou que uma pessoa no Texas foi infectada com o vírus da gripe aviária H5N1 após exposição a vacas leiteiras supostamente infectadas.

As manifestações clínicas incluem desde um quadro de infecção respiratória leve até a progressão rápida para desconforto respiratório, pneumonia grave e óbito. Os sintomas podem ser consultados no site do Ministério da Saúde. Ainda de acordo com a pasta, em casos suspeitos ou confirmados, é indicada a prescrição de um medicamento antiviral, preferencialmente nas primeiras 48 horas após o início dos sintomas.

Segundo a OPAS, existem vacinas de uso humano contra a influenza aviária, mas são de uso restrito. Como o risco de infecção humana permanece baixo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) não recomenda a vacinação da população no período interpandêmico – fase de vigilância após uma epidemia ou pandemia. A OMS orienta a imunização contra a influenza sazonal, com campanhas anuais, em pessoas com risco de infecção pelo vírus da influenza A (H5), especialmente em áreas com circulação da doença.

“É um vírus tipicamente de aves, não está adaptado para infecções em humanos. Podem ocorrer infecções pontuais, como esse caso recente no Texas, mas não é um vírus de transmissão entre humanos”, explica Viviane Botosso, do Instituto Butantan. No caso do paciente americano, o Departamento de Saúde do Texas informou que o sintoma apresentado pelo infectado foi conjuntivite.

Prevenção e controle

O Mapa recomenda à população que, ao encontrar aves silvestres e mamíferos marinhos doentes, com sinais como pescoço torto, diarreia, dificuldade de voar ou andar, ou mortalidade, deve-se notificar o serviço veterinário mais próximo. Toda notificação é atendida pelo Ministério da Agricultura e Pecuária e segue o Plano de Contingência para Influenza Aviária.

O Ministério da Saúde orienta aqueles que trabalham com animais silvestres e profissionais de saúde expostos a casos suspeitos ou confirmados de influenza aviária, que adotem medidas de precaução e utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) como luvas, máscaras N95 ou superior e protetores oculares sempre que forem manusear animais ou ter contato com ambientes contaminados. É importante evitar tocar na boca, olhos e nariz após contato com animais ou superfícies contaminadas, lavar as mãos com sabão e trocar de roupas após contato com animais infectados.

“O grande problema é o manuseio de um animal doente, e não o consumo da carne, porque o cozimento impediria a contaminação”, explica Botosso. “A grande preocupação é com o vírus não chegar nas granjas, mas os ministérios ficam em cima disso para garantir o controle. Tanto que, até hoje, não tivemos casos em nenhuma produção de ave comercial no nosso país. Monitoramento é a melhor prevenção”, diz.

Por que explicamos: Textos alarmistas sobre saúde que circulam na internet podem comprometer o combate a doenças que têm ferramentas de controle. O conteúdo aqui explicado faz parte de um problema detectado há mais de 30 anos e que vem sendo monitorado por organismos globais, com estratégias para controlar surtos já esperados pelas autoridades em saúde pública. Esclarecer essas informações pode promover atitudes individuais que complementam ações mais amplas de prevenção.

Outras checagens sobre o tema: É comum que temas sobre saúde, em especial relacionados à pandemias e epidemias, sejam alvo de desinformação. Recentemente, o Comprova desmentiu que casos de pneumonia estão sendo usados para encobrir a covid-19 e que a substância suramina tenha sido identificada como um antídoto para inibir os efeitos da vacina contra a doença. O Comprova também mostrou que a folha do mamoeiro e derivados da planta e ivermectina não são eficazes no tratamento de dengue, assim como distribuir recipientes com vinagre de álcool não é um método recomendado contra o Aedes aegypti.

Saúde

Investigado por: 2024-04-02

Órgão de saúde alemão não determinou que lockdown era prejudicial, nem que covid matava igual à gripe

  • Enganoso
Enganoso
A taxa de mortalidade da covid-19 não é igual à da gripe e os lockdowns durante a pandemia não foram prejudiciais, diferentemente do que afirma post que usa reportagem sobre documentos do Robert Koch Institut (RKI), órgão do governo alemão que monitora doenças infecciosas. Os arquivos mencionados são verdadeiros, mas não emitem o posicionamento oficial do instituto, apenas opiniões individuais de integrantes do comitê de crise emitidas em diferentes momentos, quando o conhecimento sobre a covid ainda era incipiente. Contatado pelo Comprova, o RKI afirmou, sobre a mortalidade, que 65 mil pessoas morreram de covid-19 na Alemanha no inverno de 2020/2021, número muito superior ao da pior gripe das últimas décadas, ocorrida no inverno de 2017/2018, quando cerca de 25 mil pessoas faleceram.

Conteúdo investigado: Post com foto de jornal alemão com o título “Protocolos secretos da Covid revelados” e a legenda: “Descobriram documentos oficiais do RKI (Robert Koch Institut), a ‘Anvisa alemã’, que confirmaram todas as teorias dos ‘negacionistas’. Segundo os próprios conselheiros do governo para a questão da pandemia, o ‘lockdown traria mais consequências maléficas do que o vírus. O uso de máscara era questionável e que a mortalidade da COVID era parecida com a da gripe’. Ou seja, tudo aquilo que quem falou, quando da pandemia, era perseguido e até processado criminalmente”.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: Post engana ao afirmar que documentos do Robert Koch Institut (RKI), órgão do governo alemão que monitora doenças infecciosas, confirmaram que o lockdown seria mais prejudicial do que o novo coronavírus, que o uso de máscara era questionável e que a mortalidade da covid-19 era semelhante à da gripe.

De fato, houve documentos do órgão publicados com essas afirmações, mas as opiniões não representam o posicionamento oficial do instituto. Contatado pelo Comprova, o RKI afirmou que os documentos são resumos de discussões da equipe de crise de covid-19 que refletem o nível de conhecimento em diferentes datas e que nessas conversas são abordadas diferentes perspectivas. “As declarações individuais feitas no contexto de tais discussões não refletem necessariamente a posição acordada do RKI”, informou o instituto.

Diferentemente do que sugere o post enganoso, tanto os lockdowns quanto o uso de máscaras continuaram sendo defendidos pelo RKI ao longo da pandemia.

Segundo o post enganoso, o RKI afirmou que o lockdown era mais prejudicial do que o vírus, mas não foi isso que o documento mostrava. Ele trazia um alerta de que os lockdowns mostraram um aumento esperado da mortalidade infantil na África. Além de falar sobre a questão do confinamento no continente africano, onde a realidade é diferente, a citação sobre a mortalidade infantil era um dado e não refletia o posicionamento do RKI, que defendia os lockdowns na Alemanha, que teve bloqueios parciais e totais de circulação de pessoas.

Sobre o uso de máscaras, o RKI afirma ter recomendado a proteção assim que percebeu que elas poderiam conter a transmissão do vírus, antes mesmo de outros países europeus. No fim de janeiro de 2020, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) não tinha decretado a pandemia (isso só ocorreria em março), o RKI sugeriu que pessoas com algum sintoma de infecção respiratória aguda usassem a proteção facial em espaços públicos. E, no início de abril daquele ano, passou a recomendar o uso geral de máscaras pela população.

A OMS só começou a recomendar o uso do item de proteção em junho de 2020 e, em fevereiro de 2023, afirmou que o uso de máscara continuava sendo uma das estratégias para reduzir a transmissão do vírus. Em página sobre a covid atualizada em outubro do ano passado, quando já havia sido decretado o fim da pandemia, o órgão afirma que “o uso de máscara reduz a propagação de doenças respiratórias na comunidade, reduzindo o número de partículas infecciosas que podem ser inaladas ou exaladas”.

Outra teoria negacionista citada no post enganoso e que aparece no documento do RKI, de que a mortalidade da covid era parecida com a da gripe, também não faz sentido. De 2020 a 2022, morreram de covid na Alemanha, segundo o Robert Koch Institut, 161,5 mil pessoas – destas, 65 mil ocorreram no inverno de 2020/2021. Para efeito de comparação, o órgão cita em seu site que, “na pior onda de gripe das últimas décadas, no inverno de 2017/2018, ocorreram cerca de 25 mil mortes”.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 1 de abril, a publicação havia sido visualizada 70,4 mil vezes no X.

Como verificamos: Buscamos no Google o título da reportagem em alemão mostrado no post e descobrimos que a matéria foi publicada pelo jornal Bild, cuja sede é em Berlim. Confirmamos a publicação na versão impressa por meio do site Front Pages, que mostra capas de jornais do mundo todo. No Google Tradutor, traduzimos o conteúdo da reportagem. E, em outra busca realizada no Google sobre essa discussão na Alemanha, foi possível encontrar uma reportagem publicada pelo The Telegraph.

Entramos em contato com o RKI por e-mail, que negou o conteúdo alarmante do post e enviou uma verificação feita pelo veículo alemão Tagesschau com o título “Os arquivos RKI e o escândalo que não é escândalo”. Na avaliação de especialistas ouvidos pela reportagem do site, o “conteúdo é muito menos explosivo do que se afirma” e as atas foram escandalizadas, com declarações tiradas de contexto.

O que diz o responsável pela publicação: A reportagem tentou contato com o autor do post, mas não houve resposta até a publicação deste texto.

O que podemos aprender com esta verificação: Dados reais podem ser tirados de contexto com o objetivo de desinformar. O post se refere a documentos do RKI, mas que retratavam opiniões emitidas em momentos da pandemia nos quais os integrantes do comitê de crise alemão ainda não tinham conhecimento completo sobre as dinâmicas da doença e que não consistiam no posicionamento oficial do órgão. Para não cair na desinformação, quando vir posts com conteúdos muito bombásticos, o primeiro passo é refletir se aquilo faz sentido. Como os órgãos de saúde informaram desde o início da pandemia, os cientistas estavam estudando como o vírus agia e as medidas de proteção foram divulgadas em etapas diferentes em cada país de acordo com o número de mortes. Foi provado, para ficar apenas em um exemplo do conteúdo do post, que o uso de máscaras foi eficaz. Também vale sempre buscar a informação em outros sites. Neste caso, uma busca na plataforma do RKI mostraria o que o órgão acredita até hoje.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Como citado anteriormente, o veículo alemão Tagesschau também verificou posts semelhantes ao verificado aqui. E, sobre pandemia, o Comprova já concluiu, por exemplo, ser enganoso que pesquisadores descobriram relação entre vacina e covid longa e falso que haja evidências de que suramina elimine vacina do organismo de imunizados contra a covid.

Saúde

Investigado por: 2024-03-21

Surto de dengue não tem relação com programa de mosquitos financiado por Bill Gates

  • Falso
Falso
Não é verdade que o atual surto de dengue no Brasil tem relação com um programa de combate à doença financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates, como alega publicação feita em rede social. A parceria do Programa Mundial de Mosquitos com a Fiocruz foi fechada em março de 2023 para a instalação de uma biofábrica, ainda em construção, que vai criar populações do Aedes aegypti com a bactéria Wolbachia. O método reduz as chances de infecção e se mostrou eficaz e seguro em diversas cidades do mundo, como Niterói (RJ). Além disso, os mosquitos não são geneticamente modificados e a entidade não pertence à ONU.

Conteúdo investigado: Post diz que “surto de dengue no Brasil aumenta em 400% após os mosquitos OGM [geneticamente modificados] de Bill Gates serem liberados propositalmente”. O texto cita o “Programa Mundial de Mosquitos da ONU” e um “plano para liberar bilhões de mosquitos geneticamente editados no Brasil durante um período de 10 anos”. A publicação afirma ainda que “um ano após o início desta iniciativa ‘genial’ contra os mosquitos, desafiando a própria natureza, os casos de dengue aumentaram exponencialmente, em vez de diminuir”. E questiona a eficácia da vacina Qdenga: “será que funciona? Os efeitos adversos começam a ser reportados, pelo próprio Diretor do Departamento do Programa Nacional de Imunização, Eder Gatti”.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: O Programa Mundial de Mosquitos (WMP, em inglês), parcialmente financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates, não tem relação com o atual surto de dengue no Brasil, diferentemente do que afirma post viral. O projeto foi fundado pelo cientista Scott O’Neill, que estuda a dengue desde os anos 1990 e, ao contrário do que diz a publicação falsa, não tem relação com a ONU. A fundação é uma associação sem fins lucrativos que “trabalha para proteger a comunidade global de doenças transmitidas por mosquitos, como dengue, zika, febre amarela e chikungunya”.

Em março de 2023, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Ministério da Saúde fecharam uma nova parceria com a entidade para expandir a atuação do programa com a instalação da maior biofábrica – instalação que utiliza processos de biotecnologia para cultivar organismos vivos – do mundo no Brasil. O local vai abrigar a criação de mosquitos Aedes aegypti com a bactéria Wolbachia, método do projeto de combate à dengue, zika e chikungunya. Diferentemente do que alega o post aqui investigado, a biofábrica ainda não foi inaugurada. O local começou a ser construído em março deste ano em uma unidade do Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar), em Curitiba. A previsão é que comece a operar em 2025, segundo o líder de Relações Institucionais e Governamentais do WMP, Diogo Chalegre.

O post também mente ao afirmar que o método contribui para o avanço das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. Em Niterói, no Rio de Janeiro, por exemplo, o programa em parceria com a Fiocruz começou em 2015 e, desde então, os casos de dengue vêm diminuindo ano após ano. Mesmo agora com o surto, a cidade, que tem mais de 500 mil habitantes, contabiliza quase 600 casos prováveis da doença e nenhum óbito.

No restante do país, de fato, houve crescimento de 400% no número de diagnósticos da doença em relação a 2023. O motivo, no entanto, não envolve o Programa Mundial de Mosquitos. “Nós temos um aumento natural de casos, frequentemente a cada cinco ou seis anos, dentro de todo o ciclo histórico de doença”, explicou ao Comprova o médico infectologista Jean Gorinchteyn, do Hospital Albert Einstein e do Hospital Emílio Ribas. “Mas, especialmente no último ano, nós tivemos questões climáticas envolvidas, como aumento recorde de temperaturas, grande índice de chuvas, fazendo com que houvesse um ambiente muito favorável à proliferação dos mosquitos”, diz.

Atualmente, a campanha de vacinação contra a dengue no Brasil contempla jovens de 10 a 14 anos de idade com doses da Qdenga, fabricada pelo laboratório japonês Takeda. Uma nota técnica emitida pelo Ministério da Saúde esclareceu que os efeitos adversos após a imunização, sendo a maioria reação alérgica, são raros e não evoluem para internações. A vacina pode reduzir em 80% os casos sintomáticos da doença e em 90% as hospitalizações, segundo a farmacêutica.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 21 de março, a publicação somava 163 mil visualizações e mais de sete mil interações.

Como verificamos: Começamos a verificação buscando informações sobre o Programa Mundial de Mosquitos no site oficial da instituição. Parte das alegações do post foi desmentida no canal da própria entidade, assim como no site da Fundação Bill & Melinda Gates. Também encontramos dados sobre o surto de dengue no portal da Fiocruz e do Ministério da Saúde. Entrevistamos o médico infectologista Jean Gorinchteyn e um porta-voz do Programa Mundial de Mosquitos.

Como funciona o programa financiado por Bill Gates

Os mosquitos criados pelo programa financiado por Bill Gates não são geneticamente modificados, como alega o post aqui verificado. OGM é a sigla para “organismos geneticamente modificados”, ou seja, que tiveram alterações genéticas manipuladas por cientistas. O programa do empresário é considerado natural e sustentável por não apresentar riscos ao ecossistema em que é liberado, diferentemente do uso de inseticidas em larga escala, por exemplo. A técnica é diferente daquela desenvolvida pela empresa Oxitec, que também atua no Brasil.

Um dos laboratórios de criação dos mosquitos do WMP está localizado em Medellín, na Colômbia. “Eles atendem a todas as necessidades dos insetos à medida que crescem de larvas a pupas e até adultos, mantendo a temperatura ideal e alimentando-os com porções generosas de farinha de peixe, açúcar e, claro, sangue”, escreveu Bill Gates em um blog. São produzidos cerca de 30 milhões de mosquitos por semana.

Na fábrica, os cientistas introduzem a bactéria Wolbachia nos ovos do Aedes aegypti, sem alteração genética. Essa bactéria está presente em quase 60% dos insetos no mundo, incluindo moscas-das-frutas, mariposas, libélulas e borboletas, e pode impedir que os vírus da dengue, zika e chikungunya se desenvolvam no mosquito. Consequentemente, reduz a chance de o Aedes aegypti transmitir essas doenças para humanos.

“A Wolbachia vive dentro das células dos insetos e é transmitida de uma geração para outra através dos ovos dos insetos. Os mosquitos Aedes aegypti normalmente não transmitem Wolbachia, mas muitos outros mosquitos o fazem”, diz o site do programa. “Análises de risco independentes indicam que a libertação de mosquitos Wolbachia representa um risco insignificante para os seres humanos e para o ambiente.”

Os mosquitos são colocados em pequenas caixas e liberados no ambiente com ajuda da população local ao longo de 12 a 20 semanas. Outra opção oferecida pelo programa é a instalação de cápsulas, com ovos já criados com a Wolbachia, nas ruas ou dentro das casas dos moradores do local estudado. A própria população fica responsável por colocar água nas caixas até a eclosão do mosquito adulto, que ocorre entre uma e duas semanas.

Um teste realizado entre 2017 e 2020 na cidade de Yogyakarta, na Indonésia, mostrou uma redução de 77% na incidência de dengue e uma queda de 86% no número de hospitalizações pela doença na comunidade que recebeu o método com a Wolbachia. O programa comparou dados de uma região não tratada com o local que aplicou o teste. Na área com os mosquitos selvagens, foram registrados 318 casos de dengue e 102 internações. Já na região tratada, foram 67 casos e 13 hospitalizações.

A Fundação Bill & Melinda Gates financia o trabalho com a Wolbachia desde 2004 através do Programa Grandes Desafios na Saúde Global, iniciativa criada pela própria instituição. O investimento ultrapassa a marca de US$ 230 milhões, incluindo o aporte de US$ 50 milhões (respectivamente, R$ 1,1 bilhão e R$ 250 milhões) citado pelo post aqui investigado. O projeto recebe apoio de outras 23 entidades, incluindo os governos do Brasil, dos Estados Unidos, da Austrália, da Nova Zelândia, de El Salvador, além da empresa KPMG, o banco australiano Macquarie, a Fundação Comunitária do Vale do Silício e outras instituições ligadas à famílias de filantropos.

Testes no Brasil tiveram resultados positivos

A cidade do Rio de Janeiro foi a primeira a receber a iniciativa no Brasil, em 2014. Os projetos em larga escala, no entanto, começaram a partir de 2017, com a liberação dos mosquitos não só na capital fluminense, mas também em Niterói (RJ), Belo Horizonte, (MG), Campo Grande (MS) e Petrolina (PE). Em 2024, a pedido do Ministério da Saúde, o projeto será ampliado para outros seis municípios: Joinville (SC), Foz do Iguaçu (PR), Londrina (PR), Presidente Prudente (SP), Uberlândia (MG) e Natal (RN).

Os trabalhos são acompanhados pela Fiocruz, que destaca a redução de 70% dos casos de dengue, 60% de chikungunya e 40% de zika em Niterói. “Depois desses dados, a gente vem acompanhando ainda toda a série histórica da cidade, mostrando resultados ainda superiores na redução dos casos das arboviroses. Estamos fazendo a compilação para publicar para a população e para a comunidade científica”, destaca o pesquisador da fundação e Líder do Programa Mundial de Mosquitos Brasil, Luciano Moreira, em nota enviada ao Comprova. Os resultados dos demais municípios ainda estão sendo levantados.

Segundo o líder de Relações Institucionais e Governamentais do WMP, Diogo Chalegre, o engajamento da população local tem sido expressivo. “Antes de liberarmos, fazemos uma atividade chamada de Engajamento Comunitário, onde informamos a população sobre nossas atividades. Ao final dela, fazemos uma pesquisa de aceitação. Os números de aceitação giram em torno de 90%”, disse.

Os resultados promissores levaram o governo brasileiro a firmar uma nova parceria com o projeto em março de 2023. A maior biofábrica do mundo está sendo construída em Curitiba e deve começar a operar em 2025, com a criação de 100 milhões de mosquitos por semana, atendendo 70 milhões de pessoas nos próximos 10 anos. O programa já conta com uma instalação no Rio de Janeiro, inaugurada em 2014. Além disso, uma terceira biofábrica construída em Belo Horizonte está passando por testes operacionais e vai atender 22 municípios da Bacia do Paraopeba a partir do segundo semestre deste ano.

“Não existe nenhuma relação entre esse surto atual com a liberação de mosquitos que têm no seu interior a Wolbachia ou mosquitos transgênicos. Pelo contrário, os lugares que fizeram isso conseguiram diminuir a população dos mosquitos, infelizmente de uma forma temporária. É um mecanismo extremamente caro, que impede que o gestor público institua isso como uma forma de controle para a epidemia”, pondera o médico infectologista Jean Gorinchteyn, que já foi Secretário de Saúde do estado de São Paulo.

Vacina Qdenga é segura e eficaz

A vacina Qdenga, do laboratório japonês Takeda, é recomendada pela Organização Mundial da Saúde para combate à dengue desde outubro de 2023. Na ocasião, a presidente do Grupo Consultivo Estratégico de Peritos em Imunização da OMS, Hanna Nohynek, enfatizou a eficácia do imunizante. “Essa é a primeira vacina contra dengue com potencial para uso mais amplo. Muitos países estão enfrentando surtos devastadores de dengue e prevemos o agravamento geral da situação com as alterações climáticas”, disse.

A farmacêutica, aliás, já recebeu financiamento da Fundação Bill & Melinda Gates, como afirma o post investigado. Em 2016, a instituição anunciou um aporte de U$ 38 milhões no programa de desenvolvimento e registro de uma vacina contra a poliomielite para 70 países em desenvolvimento. A Takeda, que está ativa há 70 anos, também trabalha com vacinas contra covid-19, zika e influenza.

No Brasil, a Anvisa aprovou o registro da Qdenga em março de 2023. Segundo a agência, “o valor de eficácia global da vacina, que é o objetivo primário do estudo clínico apresentado, atingiu o patamar de 80,2%”, combatendo os quatro diferentes sorotipos do vírus causador da doença. A bula indica o imunizante para pessoas de 4 a 60 anos, mas o Ministério da Saúde incluiu apenas jovens de 10 a 14 anos na campanha em razão da baixa produção pelo laboratório.

Em março deste ano, o governo emitiu uma nota técnica sobre o andamento da campanha. No universo de 365 mil doses aplicadas no país desde 2023, foram identificados 16 casos de reações alérgicas graves. Todos se recuperaram e não houve hospitalizações. Naquele momento, o diretor do Departamento do Programa Nacional de Imunizações, Eder Gatti, reafirmou que os benefícios superam os riscos. “Nem todos os casos estão relacionados à estratégia de vacinação. É um número pequeno frente ao número de doses aplicadas. Mas o Ministério da Saúde, prezando pela transparência e segurança, fez uma nota técnica de acompanhamento após a discussão com especialistas”, afirmou.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com Karina Michelin, autora do post, mas não recebeu retorno até o momento da publicação deste texto. Ela já teve diversos conteúdos classificados como falso ou enganoso pelo Comprova.

O que podemos aprender com esta verificação: A publicação faz uso do nome de Bill Gates, bilionário cujo nome é constantemente citado em teorias da conspiração, para criar um tom alarmista sobre um assunto que se tornou rotineiro. O texto mistura nomes de instituições globais, como a ONU, e inclui diversos números para tentar passar credibilidade à mensagem, mas não se preocupa com a veracidade e o contexto das informações. O projeto da biofábrica citada no texto, por exemplo, faz parte de um plano real, mas o laboratório sequer foi inaugurado, portanto, não pode ter qualquer relação com o atual surto de dengue. Como são temas de interesse público, informações sobre doenças e vacinas podem ser confirmadas pelo próprio leitor em sites oficiais de órgãos públicos e também das instituições privadas, além da imprensa.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: As alegações do post aqui verificado também foram alvo de investigação da AFP, que mostrou que o mesmo texto tem versões em inglês e espanhol. O Comprova já publicou explicações sobre o programa de liberação de mosquitos geneticamente modificados no Brasil e esclareceu falas com desinformação sobre a vacina Qdenga.

Saúde

Investigado por: 2024-03-20

Suprema Corte dos EUA não decidiu que vacinas contra a covid-19 “não são vacinas”

  • Falso
Falso
Vídeo que circula nas redes sociais dissemina informações falsas ao afirmar que a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que as vacinas contra a covid-19 não são eficazes ou que causam danos irreparáveis. No conteúdo, um médico brasileiro alega que a Suprema Corte teria dado razão ao advogado Robert Kennedy Jr., conhecido por suas posições antivacinas. No entanto, verificações anteriores de fontes confiáveis constataram que as alegações são falsas, e não há registros de processos envolvendo Kennedy Jr. na Suprema Corte ou em outra instância. Além disso, a FDA, equivalente à Anvisa dos EUA, esclareceu que as vacinas contra a covid-19 são seguras e eficazes, tendo salvo milhões de vidas, e que seus benefícios superam os riscos.

Conteúdo investigado: Em vídeo, homem afirma que a Suprema Corte dos Estados Unidos julgou um caso aberto por Robert Kennedy Jr. contra farmacêuticas e decidiu que “vacinas contra covid-19 não são vacinas” e que “os danos causados pelas vacinas de mRNA são irreparáveis”. Sobre o vídeo, há uma legenda com a data de 11 de março de 2024.

Onde foi publicado: Kwai.

Conclusão do Comprova: É falso que a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que as vacinas contra a covid-19 não são vacinas ou que os imunizantes de mRNA causam danos irreparáveis. A afirmação mentirosa, feita por um médico em vídeo que já havia sido retirado do Instagram, voltou a circular, agora no Kwai.

Na gravação, o médico afirma que a decisão da Suprema Corte teria sido a favor de Robert Kennedy Jr. — o advogado norte-americano é um conhecido pregador antivacina. Verificações anteriores de veículos como Estadão Verifica e AFP Checamos já haviam concluído que o conteúdo era desinformativo, mas uma nova consulta ao site da Corte dos Estados Unidos mostra que não há nenhum processo envolvendo o nome de Robert Kennedy Jr.. Tampouco há ação semelhante na página de processos ganhos pela Children’s Health Defense, associação chefiada por Kennedy Jr..

Além disso, a equipe do autor do vídeo, Djalma Marques, afirmou ao Comprova que o post, publicado inicialmente no Instagram, foi retirado da plataforma. No entanto, o vídeo foi replicado e compartilhado por dezenas de perfis no Kwai.

Consultada pela reportagem, a Food and Drug Administration (FDA), agência norte-americana que regula medicamentos quanto à eficácia e segurança, disse que o post é desinformativo e que as vacinas “são uma das intervenções de saúde pública mais eficazes, responsáveis ​​por salvar milhões de vidas todos os anos”. Finaliza afirmando que os benefícios das vacinas contra a covid superam os riscos.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. A postagem contava com 107 mil visualizações até o dia 14 de março de 2024.

Como verificamos: Para verificar a veracidade das informações, o Comprova consultou o site da Corte dos Estados Unidos em busca de processos envolvendo o nome do advogado Robert Kennedy Jr., que não foram encontrados. Além disso, entramos em contato com a Food and Drug Administration (FDA), para posicionamento sobre eficácia e segurança das vacinas, e com a equipe do autor do vídeo, Djalma Marques.

O médico

Conhecido como doutor Kefir, Djalma Marques, inscrito no Conselho Federal de Medicina em setembro de 2020, divulgou conteúdos negacionistas durante a pandemia. Em agosto de 2020, por exemplo, o Comprova concluiu ser enganoso um post em que o médico afirmava que a pandemia era uma farsa criada com fins políticos.

Em 2022, o Aos Fatos informou que, diferentemente do que Marques publicou em seu post, era falso que ivermectina e antiviral da Pfizer agiam da mesma forma contra o novo coronavírus. No ano seguinte, a Lupa desmentiu que um tratado discutido na Organização Mundial da Saúde (OMS) permitiria ao órgão confinar pessoas.

Ao enviar uma mensagem via Whatsapp para o número de telefone informado em seu perfil no Instagram, a reportagem recebeu uma resposta automática informando que ele trabalha com laudo médico de isenção de vacina e tratamento para “pós-imunizados”, dentre outros pontos.

O que diz o responsável pela publicação: A equipe de Marques não comentou o fato de o conteúdo ser falso, apenas disse, inicialmente, que o médico já havia tratado do assunto com o Instagram, onde o post havia sido publicado. Questionada se a publicação havia sido retirada por conter desinformação, respondeu que, “por ser um médico que posta muito nas redes sociais, às vezes há a necessidade de ajustar alguma informação, e foi isto que ocorreu”.

O que podemos aprender com esta verificação: Além de citar a Suprema Corte dos Estados Unidos, o post menciona princípios do Código de Nuremberg elaborado como resposta aos crimes praticados por médicos em experimentos com seres humanos na Segunda Guerra Mundial para conferir legitimidade e confiabilidade à falsa informação que está transmitindo. O autor também inicia o vídeo afirmando que agências de checagem irão retirá-lo do ar e, por isso, pede que as pessoas compartilhem nas redes sociais. Isso é uma tática comum entre os desinformadores, que sabem que podem ter suas publicações investigadas pelos veículos. Assim, o aviso serve apenas para despertar o senso de urgência no espectador e alcançar o objetivo de viralizar.

É importante acessar sites de confiança, em especial os portais oficiais das instituições citadas no vídeo para verificar se as informações procedem, como decisões judiciais e pesquisas científicas. Também é possível checar se o que é falado no vídeo foi noticiado por algum veículo jornalístico de confiança, tanto no Brasil quanto no exterior.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Essa não é a primeira vez que circulam informações falsas sobre decisões da Suprema Corte dos EUA contra as vacinas de covid-19. Em 2023, isso já foi checado pela AFP e Estadão Verifica. As mesmas alegações também circularam em outros países e foram checadas em inglês e espanhol. O jornal português Observador também fez checagem sobre o tema. O Comprova já realizou verificações de alegações falsas atribuídas a Robert F. Kennedy, como a de que a vacina contra covid-19 cause danos irreversíveis ao DNA.

Saúde

Investigado por: 2024-03-15

Postagem desinforma ao dizer que pesquisadores descobriram relação entre vacina e covid longa

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa uma publicação que afirma que as vacinas contra a covid-19 são causadoras das complicações prolongadas conhecidas como covid longa. Especialistas ouvidos pelo Comprova e o Ministério da Saúde afirmam que as condições pós-covid se desenvolvem em infectados pelo SARS-CoV-2 e podem acometer qualquer um que já tenha contraído o vírus. Contudo, os riscos são maiores para pessoas não imunizadas, que tenham sido acometidas com a forma grave, reinfectadas e portadoras de condições de saúde preexistentes.

Conteúdo investigado: Post compartilha um artigo traduzido e publicado no site de uma jornalista e intitulado: “Estados Unidos: Médicos americanos após examinar mil pacientes descobriram que a ‘covid longa’ se desenvolveu em 70% dos casos após a vacina e não após a infecção”. A autora completa a postagem afirmando que “diante de todas essas informações os governos continuam inertes” e marcando o perfil do escritor do texto.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: Publicação engana ao afirmar que pesquisadores teriam descoberto que a covid longa seria causada pelas vacinas contra a covid-19 e não pelo vírus Sars-CoV-2, que provoca a covid-19. Os responsáveis pelo texto compartilhado no post investigado aqui nem mesmo fazem essa alegação. Conhecidos por compartilharem conteúdos que desinformaram durante a pandemia, os autores apenas especulam sobre essa possibilidade, que é negada por autoridades de saúde, especialistas e que não encontra base em estudos científicos publicados até aqui.

Segundo o Ministério da Saúde, a covid longa é definida como sinais e sintomas que continuam ou se desenvolvem quatro semanas ou mais após a infecção inicial e não podem ser justificadas por um diagnóstico alternativo. Qualquer pessoa que tenha contraído o vírus anteriormente pode ser afetada.

Uma nota técnica de 2023 da pasta diz que há evidências de que pessoas que apresentaram a doença nas formas mais graves, em especial aquelas que precisaram de cuidados intensivos, que não foram vacinadas, que já eram portadoras de condições de saúde preexistentes e que contraíram o Sars-CoV-2 mais de uma vez têm maior propensão a desenvolver condições pós-covid.

Orestes Forlenza, médico psiquiatra e pesquisador em estudo sobre covid longa e chefe do departamento de psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), explica que toda vacina tem uma taxa de efeitos adversos, mas que elas não são responsáveis pelos sintomas da covid longa.

“Depois do advento da vacina, clinicamente, o que a gente percebeu é que esses casos de covid longa não são mais tão graves, porque como você tem muito menos formas graves da doença, você terá muito menos formas persistentes de covid longa”, afirma. “Além de diminuir a incidência de covid da população, uma outra consequência da vacinação é que você não vê mais casos tão graves de covid longa como vimos no início. A vacina não é a causa da covid longa. É a covid longa uma consequência da infecção pelo Sars-CoV-2. Isso é fato.”

André Prudente, médico infectologista e diretor-geral do Hospital Giselda Trigueiro e professor do Departamento de Infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), afirmou desconhecer estudos científicos publicados em meios reconhecidos que apontam a imunização como causa da covid longa. “A relação de covid longa e vacina é que as pessoas vacinadas têm menor risco de desenvolver covid longa. Já as pessoas não vacinadas e que adoeceram da doença têm maior risco. Na verdade, tem trabalhos bem feitos mostrando que as pessoas que tomaram vacina, inclusive antes de adoecer de covid, têm um risco bem menor de desenvolver a síndrome.”

As informações citadas pelo especialista aparecem nos estudos científicos “COVID-19 vaccination for the prevention and treatment of long COVID: A systematic review and meta-analysis” e “Protective effect of COVID-19 vaccination against long COVID syndrome: A systematic review and meta-analysis”, ambos publicados pela empresa editorial holandesa Elsevier, especializada em conteúdo científico, técnico e médico.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 15 de março, a publicação no X contava com 45,1 mil visualizações, 3 mil curtidas, mil compartilhamentos e 29 comentários.

Como verificamos: Primeiramente, foi feita uma leitura detalhada do artigo compartilhado e das pesquisas científicas citadas no texto. Através do Google, fizemos buscas sobre os autores dos artigos e da postagem, o que permitiu identificar histórico de desinformação. Buscamos orientações sobre o tema junto ao Ministério da Saúde, além de especialistas, que prestaram esclarecimentos e indicaram estudos científicos e informações publicados em revistas e periódicos internacionalmente reconhecidos. Publicações da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto Butantan foram consultadas. A autora da publicação também foi procurada.

Médicos têm histórico de desinformação sobre a pandemia de covid-19

O texto citado no post investigado, de autoria dos médicos Pierre Kory e Paul E. Marik, afirma que, em dois anos, eles avaliaram e trataram mais de mil pessoas com covid longa. “Aproximadamente 70% desses pacientes disseram que os sintomas relatados ocorreram minutos, horas, dias e semanas após a vacinação contra covid, e não após a infecção por covid”, descreveram. O texto assinado pela dupla foi publicado no portal de notícias americano The Hill, em 6 de junho, onde estão creditados como “colaboradores de opinião”. Não se trata, portanto, de um artigo científico publicado em um periódico no qual tenha sido avaliado por outros pesquisadores.

Para Forlenza, da USP, a observação feita pelos autores indica uma metodologia problemática para chegar ao resultado. “Não foi feito um ‘pool’ (agrupamento) de pessoas que têm ou não a queixa, para ter um grupo comparativo. Vai pegar, justamente, as pessoas que tiveram sintomas pós-vacina ou acham que os sintomas foram por causa da vacina e se inscreveram. Não é feito uma aleatorização do estudo para que, em um universo de mil pessoas, você tenha os tantos que não tiveram a queixa e os tantos que tiveram”, afirma.

Outro problema metodológico, diz Forlenza, é o autorrelato com base no passado. “A pessoa estava se lembrando do que aconteceu no pós-vacina numa janela de quase dois anos. É relevante, mas pode ser frágil, do ponto de vista do rigor científico, pois a nossa memória muda em dois anos, você lembra e esquece de coisas”, diz. “Se você é influenciado por um tema, a probabilidade de valorizar mais aquele tema é muito maior.”

Na publicação investigada, Pierre Kory é descrito como pneumologista americano, intensivista e presidente da Front Line COVID-19 Critical Care Alliance (FLCCC Alliance). Já Paul E. Marik, é apresentado como médico e ex-professor de medicina, que atuou como presidente da Divisão de Medicina Pulmonar e de Cuidados Críticos da Eastern Virginia Medical School em Norfolk, Virgínia, e também foi médico intensivista em Hospital Geral Sentara Norfolk.

Kory é conhecido por ter defendido ao Senado dos EUA, em dezembro de 2020, o uso de ivermectina para a prevenção de covid-19 – remédio nunca teve sua eficácia comprovada contra o coronavírus. Ele já foi citado em outras checagens do Comprova, assim como E. Marik, por disseminar desinformação sobre a covid-19. Karina Michelin, a autora da postagem investigada, também já foi alvo de diversas checagens envolvendo informações falsas compartilhadas nas redes sociais sobre a pandemia. Em abril de 2023, ela teve seu canal no Youtube banido da plataforma sob a alegação de violação das regras da comunidade.

Condições pós-covid

De acordo com o Ministério da Saúde, as condições pós-covid, também conhecida como covid longa, podem afetar qualquer pessoa infectada pelo vírus, mesmo quem teve sintomas leves a moderados ou ficou assintomático. Essas condições podem melhorar, se agravar ou reaparecer, podendo evoluir de forma grave até fatal, meses ou anos após a infecção. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), não é possível prever por quanto tempo elas podem se manifestar.

Os sinais e sintomas podem ser consultados na página do Ministério da Saúde sobre as condições pós-covid. Algumas pessoas, principalmente as que tiveram as formas mais graves, também podem ter diabetes, hipertensão arterial, fenômenos tromboembólicos, doenças cardíacas e neurológicas. O documento aponta que a prevenção ao vírus é a melhor forma de evitar covid longa, por meio de medidas não farmacológicas e vacinação. Ainda não há testes específicos para identificar a covid longa e o diagnóstico acontece após uma série de exames e avaliações médicas, que descartam outras comorbidades.

Segundo o MS, pesquisas estão sendo desenvolvidas para entender melhor como ocorre e os efeitos das condições pós-covid. No dia 11 de março, a pasta anunciou o estudo “Epicovid 2.0: Inquérito nacional para avaliação da real dimensão da Pandemia de COVID-19 no Brasil”, que vai levantar dados para a criação de políticas públicas para o tratamento da covid longa.

O que diz o responsável pela publicação: A jornalista Karina Michelin afirmou que os médicos estão pedindo, no artigo, uma investigação contínua para compreender e tratar a covid longa e que há dois anos eles estão analisando casos clínicos de seus pacientes. “Quando os ‘especialistas’ cheios de conflitos de interesse atribuem a covid longa somente a infecção causada pelo vírus, estão ignorando que esta condição também pode ser causada pela vacina”, disse.

O que podemos aprender com esta verificação: Publicações como a verificada aqui tendem a induzir a audiência a acreditar que está sendo constantemente enganada por informações e medidas de órgãos oficiais, em especial as relacionadas à vacinação. Por conta da disseminação de desinformação ocasionada desde o início da pandemia, determinados grupos passaram a buscar por orientações de profissionais que se popularizaram por questionar ou adotar posicionamentos contrários ao de entidades reconhecidas de saúde e pesquisa. Métodos não comprovados cientificamente põem em risco a saúde da população como um todo. É importante ficar atento às metodologias e dados apresentados em pesquisas e artigos, às suposições e apontamentos feitas pelos autores desses estudos e aqueles que os compartilham, principalmente os que pareçam acusatórios, bem como sempre procurar por meios formais e reconhecidos para se informar.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Pierre Kory já foi citado em outras checagens do Comprova, como a de um estudo feito em Itajaí (SC), que não provou eficácia de ivermectina contra covid-19, e a de um médico braileiro que foi premiado pela FLCCC, checagem em que Paul E. Marik também é mencionado. Já a jornalista Karina Michelin foi alvo de diversas checagens envolvendo informações falsas compartilhadas nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19. A autora do post já afirmou falsamente que vacina causa alterações genéticas, que órfãos da Polônia são usados em experimentos de vacinas e que a OMS apontou danos ao sistema imunológico após vacina.

Saúde

Investigado por: 2024-03-14

Casos de pneumonia citados em vídeo não têm relação comprovada com covid

  • Enganoso
Enganoso
Um vídeo no Instagram espalha desinformação, sugerindo que casos de pneumonia estão sendo usados para encobrir a covid-19. Ao utilizar informações recentes sobre famosos diagnosticados com pneumonia, o conteúdo gera uma confusão entre conceitos. Nenhum dos casos citados no vídeo tem relação comprovada com a covid-19. Enquanto doença, a pneumonia pode ser provocada por diversos fatores ou agentes, inclusive o SARS-CoV-2, vírus causador da covid-19. No entanto, são doenças diferentes.

Conteúdo investigado: Advogado lista em vídeo uma série de casos de pessoas famosas que foram diagnosticadas recentemente com pneumonia e questiona se a covid virou pneumonia. Ele afirma ainda que “na época do Bolsonaro, tudo era covid.”

Onde foi publicado: Instagram.

Conclusão do Comprova: Vídeo publicado no Instagram que cita casos de pneumonia entre pessoas públicas desinforma ao insinuar que a doença está sendo utilizada para mascarar casos de covid-19. Nenhum dos casos de pneumonia citados no vídeo tem relação comprovada com a covid-19. A pneumonia é uma inflamação no pulmão que costuma ser provocada por infecções causadas por bactérias ou vírus. De acordo com especialistas ouvidos pelo Comprova, a covid-19 pode levar a uma série de complicações respiratórias, incluindo a pneumonia, mas são doenças diferentes.

O autor do vídeo fundamenta sua argumentação no diagnóstico de pneumonia do ex-ministro José Dirceu (PT), da cantora Ivete Sangalo, do empresário Abilio Diniz e da vereadora de Goiânia Luciula do Recanto (PSD). Ivete teve pneumonia após pegar virose; Diniz foi diagnosticado com pneumonite, não pneumonia; Luciula teve pneumonia bacteriana, causada por leptospirose. Dirceu não divulgou a causa da pneumonia, mas reportagens sobre seu quadro de saúde não citam covid.

O autor do vídeo associa erroneamente esses casos com um suposto artigo do Hospital Oswaldo Cruz. Contudo, esse texto não é um artigo científico, mas a reprodução de uma reportagem de maio de 2020 do portal R7, que abordava a possibilidade de pacientes com covid-19 desenvolverem pneumonia.

O pneumologista Elie Fiss, citado na reportagem, destacou ao Comprova que o contexto de 2020 era diferente da situação atual. Ele afirma que os casos do novo coronavírus tratados recentemente não têm evoluído com a mesma gravidade observada no início da pandemia, por causa da vacinação.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 13 de março, o vídeo tinha mais de 1 milhão de visualizações no Instagram.

Como verificamos: Inicialmente, buscamos informações no Google sobre o suposto artigo do Hospital Oswaldo Cruz e, usando palavras-chaves, encontramos a reportagem do R7 que foi reproduzida pelo hospital. Entramos em contato com a unidade de saúde, que confirmou não ter sido a autora do texto. Procuramos também especialistas e o Ministério da Saúde, que forneceu informações atualizadas sobre a covid-19 e a relação da doença com a pneumonia. Por fim, procuramos as assessorias das pessoas públicas citadas no texto.

Casos de famosos citados não tem relação comprovada com a covid-19

Na postagem aqui investigada, um homem utiliza notícias de famosos diagnosticados recentemente com pneumonia para sugerir que a doença está sendo utilizada para mascarar casos de covid-19. Nos comentários do vídeo, usuários alegam que os dados do novo coronavírus foram supernotificados no governo Bolsonaro e estão sendo escondidos no governo Lula. “COVID só existiu no governo do Bolsonaro!!! Do Lula não tem. Este desgoverno já esta levando o Brasil para o buraco”, escreveu um seguidor.

Outra pessoa disse que, antes, “morte por bala perdida era COVID, morte em acidente de trânsito, era COVID, morte por infarto era COVID, morte por dengue era COVID”. O vídeo também faz uma afirmação parecida e diz que, na época do governo Bolsonaro, ficou provado que havia pessoas que morriam por causas não relacionadas à covid e que traziam essa causa de morte no atestado de óbito. “Na época de Bolsonaro, gripe era covid. Tudo era diagnóstico de covid”, afirmou. Mas nada disso é verdade.

O Comprova já fez diferentes checagens que desmentem a alegação de que mortes por outras causas estavam sendo notificadas como covid. Na realidade, o cenário durante a pandemia era outro: estudos demonstraram que havia subnotificação de mortes pela doença causada pelo coronavírus. Por exemplo, em 2022 pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) calcularam que o número de óbitos por covid-19 no Brasil em 2020 era 18% maior do que dizem as estatísticas oficiais.

Vale ressaltar que uma reportagem da Folha de S. Paulo mostrou que o problema de subnotificação persiste, mas por razões diferentes das do início da pandemia. Em 2020, faltavam testes e a prioridade era diagnosticar casos mais graves. Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, hoje a postura da população em relação à covid-19 mudou, e menos testes são feitos. Além disso, ainda há uma falta de política pública clara de testagem para a doença.

Os famosos citados foram José Dirceu; Ivete Sangalo; Abilio Diniz e Luciula do Recanto. Nenhum desses casos tem relação comprovada com a covid-19. Diniz, no caso, não teve pneumonia, ao contrário do que foi noticiado inicialmente na imprensa, e sim pneumonite. Ele morreu no dia 18 de fevereiro, aos 87 anos, por uma insuficiência respiratória em função da doença. Enquanto a pneumonia é uma inflamação no pulmão que costuma ser provocada por infecções causadas por bactérias ou vírus, as causas de pneumonite são fungos, penas de aves, agentes orgânicos ou químicos inalados, doenças autoimunes, como lúpus ou artrite reumatoide, e até medicamentos.

Já a vereadora Luciula do Recanto disse que “teve derrame nos dois pulmões decorrente de uma pneumonia bacteriana, mas devido a leptospirose e não covid”. A assessoria de Ivete Sangalo informou que não vai passar mais detalhes sobre a doença da artista além do que já foi divulgado inicialmente. Em fevereiro, logo após o carnaval, Ivete postou numa rede social que pegou uma virose. “A partir de aconselhamento médico, vim ao hospital e, então, veio a internação. Diagnóstico: Pneumonia. Estou assistida e já me sentindo melhor.” Por fim, o advogado de José Dirceu não retornou os nossos contatos até o fechamento do texto.

Hospital Oswaldo Cruz não fez estudo sobre o tema

O autor do vídeo associa os casos desses famosos com um suposto artigo do Hospital Oswaldo Cruz intitulado “Pneumonia causada pela covid-19 pode ser silenciosa. Entenda”. O texto, no entanto, não é um artigo ou pesquisa científica e sim a reprodução na íntegra de uma reportagem do portal R7 de maio de 2020, ou seja, início da pandemia. Em nota, o hospital desmentiu a autoria da reportagem. “Ela foi produzida em 2020 pelo portal R7 com entrevista do Dr. Elie Fiss, pneumologista do Hospital.”

A reportagem publicada fala sobre a possibilidade de infectados pela covid-19 terem um quadro que evolui para pneumonia. “Em pacientes com covid-19, ela [pneumonia] é uma consequência da lesão gerada pelo novo coronavírus nos pulmões ou da resposta exagerada do sistema imune do organismo ao vírus”, informou trecho da reportagem.

Ao Comprova, o pneumologista Elie Fiss explicou que o contexto em que a reportagem foi feita, em 2020, é diferente do atual momento. “Naquela época, nós começamos a ter a experiência tanto de pneumonia causada pelo vírus, a pneumonia viral, como a pneumonia bacteriana por infecção secundária e de tromboses”, afirmou.

É errado dizer que a covid virou pneumonia

Ainda segundo o especialista, é errado afirmar que a covid-19 se transformou em pneumonia. Os casos de covid que ele tem tratado recentemente não apresentaram a mesma gravidade observada no início da pandemia. “Dos casos diagnosticados nesta temporada, nenhum evoluiu como pneumonia complicada, nenhum evoluiu com um quadro de pneumonia viral causado pelo covid”, disse.

Fiss acredita que a vacinação foi responsável por evitar os quadros graves de saúde. “Sem dúvida nenhuma, toda a vacinação que foi feita faz com que os quadros de covid sejam quadros de infecções respiratórias leves”, completou.

Outro especialista consultado, o coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Alexandre Naime, explica que ainda que a pneumonia possa ser causada por vários microorganismos, como vírus, bactérias, fungos e protozoários. Os casos mais comuns são causados por vírus. “O cenário de predominância de vírus respiratórios é muito dinâmico, por isso o monitoramento é fundamental. Isso ajuda a avaliar situações em que seja necessário antecipar a vacina para Influenza ou atualizar a vacina para a covid, por exemplo”, disse.

Os variados tipos de pneumonia costumam se enquadrar no que o Ministério da Saúde define como Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). No último boletim com informe de vigilância das síndromes gripais, o Ministério da Saúde informa que em 2024, até o dia 2 de março, foram notificados 4.280 casos de SRAG, com predomínio de identificação do vírus causador da covid-19, o SARS-CoV-2 (63%). Em relação à SRAG por covid-19, é observado vínculo com o atual cenário de alta de SRAG nos estados do centro-sul. Parte dos estados das regiões Sudeste e Sul apresentam aumento também para o vírus Influenza. Nos estados do Norte e Nordeste que demonstram sinal de crescimento de SRAG, há associação com o incremento nos casos positivos para Influenza.

Em nota, o Ministério da Saúde (MS) afirmou que a covid-19 pode levar a uma série de complicações respiratórias, incluindo a pneumonia. “De fato, muitos casos graves de covid-19 podem resultar em pneumonia, o que pode ser uma das principais causas de hospitalização e mortalidade associada à doença. Em alguns casos, pacientes com covid-19 podem desenvolver pneumonia como uma complicação subsequente à infecção viral inicial. Portanto, é possível que casos de covid-19 evoluam para pneumonia, embora nem todos os casos de pneumonia sejam necessariamente causados pela covid-19”, informou.

O MS disse ainda que a sua Coordenação Geral de Doenças Imunopreveniveis (CGVDI/MS) não realiza monitoramento/vigilância de casos de pneumonia e, por isso, não tem dados sobre a doença. Para Fiss, não é possível afirmar que estamos em surto de pneumonia sem uma análise dos dados. No entanto, ele afirma verificar aumento de casos da pneumonia por Mycoplasma pneumoniae, uma bactéria. Já o SARS-CoV-2, que causa a covid-19, é um vírus. “São mais casos de infecções bacterianas, só que o predomínio é muito mais de mycoplasma do que de outras bactérias”, disse.

Ao redor do mundo, casos de pneumonia bacteriana causada pela Mycoplasma foram diagnosticados. Em novembro de 2023, a Sociedade Internacional de Doenças Infecciosas informou que hospitais chineses estavam sobrecarregados com a doença. Logo mais, países como Holanda, Dinamarca, Reino Unido e Estados Unidos também registraram aumento de casos.

Embora pareça preocupante, a Organização Mundial da Saúde declarou que o aumento de casos já era esperado. Isso ocorre pois, com o isolamento social na pandemia, as pessoas passaram um tempo sem exposição à bactéria. Ao Jornal da USP, Alberto Cukier, diretor de Serviço da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, disse que “o risco de uma nova pandemia é zero”, pois o Mycoplasma é uma infecção bacteriana conhecida e já existe antibiótico eficiente contra o micro-organismo.

O que diz o responsável pela publicação: O autor do vídeo se apresenta como “doutor Amarildo Filho” e como advogado. Em 2020, Filho foi candidato a vereador em Goiânia pelo então Partido Social Liberal (PSL) e foi derrotado, recebendo apenas 1.116 votos. Em 2022, ele foi candidato a deputado estadual de Goiás pelo Agir e foi novamente derrotado, desta vez com 2.909 votos. Amarildo Filho foi procurado por mensagem do Instagram, mas não respondeu.

O que podemos aprender com esta verificação: A postagem analisada associa informações verdadeiras (famosos diagnosticados com pneumonias) com um conteúdo retirado do contexto original para sugerir uma afirmação falsa, que a covid-19 tenha “virado” pneumonia, criando uma confusão entre os significados das doenças, uma vez que a pneumonia pode ser uma das consequências da covid-19, mas também pode ser provocada por outros agentes, de vírus a bactérias. Ao nos depararmos com esse tipo de conteúdo, é importante verificar se todas as fontes usadas para embasar a tese estão corretas ou não.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova realizou outras checagens sobre a relação da covid-19 e outras doenças. Neste mês de março, mostramos que é falso o estudo de Cambridge que comprova infecção de Aids em pessoas vacinadas contra o novo coronavírus. No ano passado, apontamos que uma médica enganou ao dizer que vacinas contra a covid-19 causam infarto e morte súbita em crianças e que não há relação entre vacinação por covid-19 e aumento de mortes por câncer na Inglaterra.