Política

Investigado por: 2023-10-20

Vídeo tira imagens de contexto para mentir sobre desapropriações no AM e PA

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Falso
Vídeo publicado no TikTok faz montagem com gravações de eventos distintos para afirmar que seriam operações de desapropriação no Pará e no Amazonas. Um dos vídeos foi filmado em Porto Seguro, na Bahia, em outubro de 2023, durante uma ação de reintegração de posse após decisão judicial. O outro registro foi feito durante um incêndio acidental no município de Anapu, sudoeste do Pará, em 15 de agosto de 2023, e não tem relação com a alegação do vídeo.

Conteúdo investigado: Vídeo exibe trechos de uma ação ostensiva da Polícia Militar em uma área rural e de incêndios em locais distintos, como uma oficina automotiva e um acampamento em uma área de mata. Há uma mensagem sobreposta ao conteúdo: “Desapropriações de terra seguem a todo vapor no Pará e Amazonas”. Na parte final do registro, um narrador alega que aquilo seria um trabalho da Polícia Federal junto da Força Nacional. “Tudo pegando fogo aqui, tudo aqui. Agora a gente só tem que pegar e ir embora, pegar as coisas e ir embora aqui da região, aqui”, afirma.

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: Vídeo descontextualiza imagens de situações distintas para espalhar a alegação falsa de que há operações de desapropriação de terra nos estados do Pará e do Amazonas.

O Comprova conseguiu identificar que a foto que abre o vídeo foi feita no território Yanomami, em Roraima, em operação do Ibama contra o garimpo ilegal. Já o primeiro vídeo exibido na postagem foi feito na Bahia, no município de Porto Seguro. Um segundo vídeo, de uma oficina automotiva em chamas, mostra, na verdade, um incêndio acidental em comércios de Anapu, no Pará.

A reportagem não conseguiu confirmar a origem do último trecho do vídeo, que exibe um incêndio em um acampamento em uma área de mata, com um maquinário também em chamas. Um narrador que fala nesta parte do registro, contudo, faz menção a uma ação da Polícia Federal (PF) e da Força Nacional, que costumam fazer operaçõesconjuntas de combate ao garimpo ilegal na Amazônia.

O próprio narrador dá a entender que se trata de área de garimpo, ao fazer menção ao fato de que os ocupantes do local teriam “gasto dinheiro à toa” com PLG, sigla para Permissão de Lavra Garimpeira. Não é possível atestar, no entanto, que a narração é original deste último recorte do vídeo.

O Comprova questionou o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) se reconhece as imagens do terceiro vídeo como sendo de alguma operação da PF contra o garimpo ilegal, mas não obteve retorno até esta publicação.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 20 de outubro, foram mais de 85,2 mil visualizações, 3 mil curtidas e 978 comentários no TikTtok.

Como verificamos: O Comprova fez uso de diferentes técnicas para tentar identificar o contexto de cada parte do vídeo. Foi feita uma busca reversa de imagens usando Yandex, Google Imagens e TinEye, sem sucesso. Também foram selecionados elementos que ajudassem na identificação dos locais em que cada trecho foi gravado, como placas de carros, fachadas de comércios e fardas de autoridades.

As imagens foram comparadas com notícias divulgadas em diferentes locais do país, como da TV Bahia, afiliada Globo no estado, do G1 no Pará e do SBT Altamira. A Polícia Federal e as polícias militares do Pará e da Bahia foram consultadas. O Comprova entrevistou a Central Estadual de Associações das Comunidades Tradicionais da Agricultura Familiar e Campesina da Bahia (Cecaf/BA) e o dono da oficina automotiva em Anapu. Por fim, tentamos contato com o autor da publicação.

Foto é de operação contra garimpo ilegal

A fotografia que abre o vídeo exibe um barracão em chamas sob os olhares de um agente com farda do Ibama, órgão que costuma queimar o aparato de criminosos em ações contra o garimpo ilegal. Ao fazer uma busca simples no Google pelos termos “ibama operação garimpo”, a reportagem encontrou a imagem original, que era maior, mas foi recortada para ser incluída no vídeo enganoso.

Trata-se de uma foto de uma operação contra o garimpo ilegal no território Yanomami, em Roraima, em 6 de fevereiro de 2023. A imagem foi divulgada dois dias depois pelo governo federal. Na ocasião, foram destruídos um helicóptero, um avião, um trator de esteira e estruturas de apoio logístico ao garimpo. Além disso, a ação apreendeu duas armas de fogo e três barcos com cerca de 5 mil litros de combustível.

Reintegração de posse em Porto Seguro

O Comprova checou notícias divulgadas em diferentes locais do país e concluiu que os primeiros trechos da postagem desinformativa dizem respeito à reintegração de posse ocorrida na manhã do dia 3 de outubro, em Porto Seguro, na Bahia. O episódio ocorreu em uma localidade conhecida como Gleba Fazenda Roça do Povo/Mangabeira.

De acordo com notícia veiculada na TV Bahia, afiliada Globo no estado, a ação retirou da área centenas de famílias ligadas à Associação dos Produtores do Novo Horizonte. A sede da entidade de trabalhadores rurais funcionava no local e foi destruída. Outras dezenas de imóveis também foram derrubados no lugar.

A área tem 44 hectares e foi requerida na Justiça pelo proprietário. O pedido de posse da área foi feito em 2017 e uma sentença reconheceu a propriedade das terras. A partir disso, foi expedido mandado de reintegração de posse.

A Central Estadual de Associações das Comunidades Tradicionais da Agricultura Familiar e Campesina da Bahia (Cecaf/BA) confirmou ao Comprova a ação e afirmou que as famílias expulsas do lugar moravam e produziam a própria alimentação desde o início dos anos 2000. Até a retomada do terreno, a entidade diz que o espaço era dividido entre seis associações.

Na data da gravação, dia 3 de outubro, um oficial de justiça foi ao local acompanhado de homens da Polícia Militar e, com o documento de reintegração em mãos, cumpriu a decisão. Houve resistência, confusão e prisão de algumas pessoas. A PM informou à reportagem que não ocorreu confronto com os moradores, mas detenções aconteceram por causa de desobediência e de incitação à violência.

A Secretaria de Assistência Social do Estado cadastrou moradores despejados para tentar reduzir o impacto da reintegração através de ações sociais.

A defesa do dono das terras informou à TV Bahia que o proprietário do terreno estava disposto a garantir aluguel social para as famílias por pelo menos 6 meses. No entanto, nem todas as famílias aceitaram.

O Comprova tentou contato com a PM do estado, mas não recebeu resposta até aqui. A Secretaria de Desenvolvimento Regional do Estado também foi consultada sobre o caso, mas não houve retorno.

A postagem investigada afirma que as imagens teriam sido feitas no Pará e no Amazonas, mas a Polícia Militar paraense negou que nos registros apareçam agentes da corporação.

| Fotos – Reprodução/TikTok/Globoplay
 

Na imagem da esquerda (acima), o vídeo enganoso mostra a reintegração de posse em Porto Seguro como sendo desapropriações de terra no Pará e no Amazonas. A imagem da direita é do telejornal BA Meio-Dia e veicula imagens e informações reais sobre a reintegração de posse. Nas duas imagens é possível observar a mesma casa na cor cinza com a frente em formato diagonal.

É possível perceber também o fardamento dos agentes da Polícia Militar. Em ambos os registros os policiais usam roupas marrons claras, com peças nas pernas na cor preta e a inscrição de “Polícia Militar” nas costas. Também é possível ver, nas imagens abaixo, o momento em que um oficial de Justiça, de cabelos brancos e blusa preta, tenta conversar com a população. Em ambos os registros, esse momento é gravado.

 

Incêndio acidental em Anapu

Para identificar o local da cena exibida no segundo vídeo usado, de um incêndio em uma oficina automotiva, o Comprova buscou pelo sistema Sinesp Cidadão, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, as placas dos carros que estão legíveis no vídeo, para verificar o local de registro dos veículos.

Um dos carros, um Volkswagen Gol preto (abaixo), tem placa de Anapu, no Pará. O DDD do município é 91, o mesmo que aparece nos números de telefone indicados na fachada da oficina (também abaixo).

 

Ao buscar por “autopeças são trindade anapu” no Google, o Comprova encontrou então à beira da Rodovia Transamazônica em Anapu um comércio parecido ao que foi incendiado, mas com um banner diferente. A imagem do local no Google Street View (abaixo) exibe, no entanto, uma outra placa na fachada do local com os dizeres “Barbudo calços de borracha”, que também aparece no vídeo do TikTok.

Já ao pesquisar “incêndio oficina anapu” no Google, o Comprova encontrou reportagens do G1 no Pará (abaixo) e do SBT Altamira que tratam do episódio, ocorrido em 15 de agosto deste ano. As chamas se espalharam por quatro estabelecimentos à beira da rodovia, incluindo a oficina automotiva. Segundo informações dos veículos locais, o incidente começou de maneira acidental, após ter sido colocado fogo em um terreno baldio vizinho.

A versão foi reforçada pelo proprietário da loja automotiva. O Comprova ainda fez contato por WhatsApp com o telefone indicado no registro de CNPJ da Autopeças São Trindade. Um homem que responde pelo número afirmou ser dono da oficina e disse que o incêndio ocorreu acidentalmente, sem qualquer relação com desapropriação de terra. Ao menos até a publicação deste texto, ele não autorizou sua identificação.

No conteúdo enganoso, um homem afirma que o incêndio teria sido causado pela Polícia Federal (PF). Por meio da nota, a corporação negou ter feito qualquer operação de desapropriação em Anapu.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova não conseguiu contato com o responsável pela publicação.

O que podemos aprender com esta verificação: Desinformadores costumam utilizar montagens com registros de situações reais, mas fora do contexto original, para fazer alegações enganosas ou falsas a respeito de um assunto amplamente comentado ou de interesse público. Outra tática é não identificar os autores dos registros, além de omitir quando e onde foram gravados. Nesses casos, é importante buscar veículos de comunicação de sua confiança para verificar se a alegação é verdadeira ou não.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Recentemente, o Comprova mostrou que o governo federal não estava expulsando famílias de assentamento no município de São Félix do Xingu, no Pará. As pessoas retiradas eram consideradas invasoras pela Justiça e ocupavam território indígena homologado há anos. Também foi mostrado que era enganoso vídeo que relacionava protestos em Pernambuco a Lula e à transposição do rio São Francisco e que vídeo de hidrelétrica transbordando era antigo e não tem relação com desligamento de bombas do São Francisco.