Política

Investigado por: 12/09/2025

Governo não criou benefício exclusivo para dependentes de álcool

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Segundo o INSS e ministérios, o alcoolismo só pode ser considerado em análises individuais de benefícios já existentes, como o BPC e o auxílio-doença. Não existe "Bolsa Alcoólatra".

Ao contrário do que afirma uma postagem nas redes sociais, o governo federal não criou um benefício chamado “Bolsa alcoólatra”. Não existe no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ou em qualquer política pública vigente um programa que pague, automática ou especificamente, um salário mínimo a pessoas com dependência de álcool. A publicação investigada foi feita em 8 de setembro no X . O post usa emojis e uma montagem com a logomarca do INSS e a foto de um homem bebendo para afirmar que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teria lançado o benefício.

Consultados pelo Comprova, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social (MDS) e o Ministério da Previdência Social (MPS) negaram a existência de um novo programa. Os órgãos esclareceram que pessoas com alcoolismo podem, em alguns casos, ter acesso a benefícios já previstos em lei — como o auxílio por incapacidade temporária, a aposentadoria por incapacidade permanente (ambos incluídos na Lei nº 8.213/1993) e o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Este último, garantido pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS – Lei nº 8.742/1993), paga um salário mínimo a idosos com 65 anos ou mais e a pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade social, desde que cumpram os requisitos de renda e sejam aprovadas em perícia médica e social.

O BPC não prevê o alcoolismo como critério automático para a concessão, mas já houve decisões judiciais isoladas em que a dependência severa de álcool foi reconhecida como deficiência, permitindo o acesso ao benefício. Esses casos, no entanto, dependem da análise individual da Justiça e exigem provas, sejam testemunhais ou periciais, conforme previsto nas regras do programa. Não se trata, portanto, de uma política pública específica voltada a dependentes de álcool.

O MDS explicou ainda que mantém o Programa de Cuidado e Acolhimento de Usuários e Dependentes de Álcool e Outras Drogas, regulamentado pela Portaria nº 3.588/2017, que financia vagas em comunidades terapêuticas para tratamento e reinserção social. Esse programa, porém, não prevê repasse direto de renda aos acolhidos.

Assim, a alegação de que o governo Lula teria criado uma “Bolsa alcoólatra” distorce informações sobre o BPC e outros benefícios já existentes, apresentando-os como se fossem um programa novo. O que há, de fato, são mecanismos previdenciários e assistenciais que podem ser aplicados em casos específicos de incapacidade causada pelo alcoolismo, mas que não equivalem à criação de uma bolsa exclusiva para dependentes, como diz a publicação investigada.

Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova

O conteúdo foi publicado por um perfil no X que tem mais de 57 mil seguidores e costuma divulgar conteúdos políticos em tom crítico e provocativo. Até 11 de setembro, a postagem havia alcançado cerca de 1,5 milhão de visualizações, com 956 compartilhamentos.

Questionado pelo Comprova, o perfil alegou que a informação havia sido retirada de uma suposta matéria publicada em julho – o texto usado como fonte também contém desinformação. O interesse aparente é gerar engajamento e repercussão política ao associar o governo federal e o INSS a um programa inexistente, explorando uma narrativa polêmica para ampliar alcance.

Por que as pessoas podem ter acreditado

A publicação apresenta a informação de forma simples e direta e sensacionalista, sem contexto. O uso da frase Novo benefício do INSS garante salário mínimo de R$ 1.518 para pessoas que tiveram a capacidade de trabalho afetada pelo ALCOOLISMO” passa a ideia de novidade e oficialidade, reforçada pela presença da logomarca do INSS e pela imagem de um homem bebendo, o que cria uma associação visual manipuladora que confere credibilidade ao enunciado. Esse enquadramento explora o viés de confirmação de parte do público, que já tem desconfiança em relação aos programas sociais e está predisposto a acreditar que o governo estaria “premiando” dependentes em vez de valorizar quem trabalha.

Além disso, a publicação utiliza conteúdo enganoso e falsa conexão a um suposto benefício do INSS. O uso de emojis e a expressão “Bolsa alcoólatra” reforçam ainda o apelo emocional e a ironia, tornando a mensagem mais impactante e convincente para quem consome conteúdo em redes sociais de forma rápida e sem verificação.

Fontes que consultamos: Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social (MDS), Ministério da Previdência Social, pesquisa em veículos jornalísticos, legislação vigente (Lei nº 8.213/1991, Lei nº 8.742/1993 e Portaria nº 3.588/2017), decisões judiciais do TRF-4.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: É comum que postagens nas redes sociais usem o INSS como alvo de desinformação. O Comprova já verificou em outras ocasiões conteúdos que exploravam a entidade com alegações infundadas. Em maio de 2025, mostramos que Lula não derrubou a lei de combate a fraudes no INSS — a norma de 2019 continua em vigor e as alterações que flexibilizaram parte de suas regras foram sancionadas ainda no governo Bolsonaro, em 2022. Também verificamos boatos de que o governo teria confirmado uma lista de 800 mil idosos que perderiam benefícios, o que não corresponde à realidade.

Notas da comunidade: Na publicação verificada, o X exibiu uma nota de contexto adicionada por usuários da plataforma. A nota informa que não há nenhum novo benefício no INSS, esclarece que o BPC existe desde 1993 e o auxílio-doença desde 1991, ambos pagos apenas em situações de incapacidade. Explica ainda que, no caso do alcoolismo, apenas quando há alterações mentais a condição pode ser reconhecida como incapacitante. A nota também traz links para legislações e páginas oficiais do governo (Planalto, INSS e Previdência), oferecendo ao público informações verificáveis e contextualizadas.