Postagem com cápsula vazia não prova “conspiração” de prefeitos contra cloroquina
- Falso
- Falso
- Meme que viralizou nas redes sociais faz uma montagem com imagem de um caso que envolve outro medicamento. A montagem sugere que o conteúdo teria sido postado no perfil de Twitter de Roberto Jefferson. A assessoria do ex-deputado nega a publicação
- Conteúdo verificado: Publicação no Facebook que mostra a captura de tela de uma postagem supostamente feita pelo presidente nacional do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Roberto Jefferson, afirmando que cápsulas de cloroquina foram esvaziadas para “provar” que este medicamento não funciona.
É falso o conteúdo de uma publicação feita no Facebook que afirma que cápsulas de cloroquina vazias foram distribuídas por prefeitos para “provar que o medicamento não tem eficácia contra a covid-19”. A informação foi compartilhada milhares de vezes nas redes sociais desde o último dia 7 de agosto junto com a imagem de uma cápsula de remédio aberta.
A imagem viralizada se trata, na verdade, do frame de um vídeo sobre um caso ocorrido no município de Pontes e Lacerda, no Mato Grosso. A gravação em questão foi feita por uma mulher que recebeu ivermectina – não cloroquina – no hospital privado Vale do Guaporé, na cidade mato-grossense.
Essas publicações são, por vezes, acompanhadas de uma captura de tela de celular em que se vê a identificação do perfil @blogdojefferson, sugerindo que a postagem seria de Roberto Jefferson, presidente nacional do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). A única conta encontrada pelo Comprova em redes sociais cujo usuário é “@blogdojefferson” é de um dos perfis de Jefferson no Twitter. Ele, no entanto, está impedido de fazer postagens com esse perfil desde o fim de julho por uma determinação da justiça relacionada ao inquérito das fake news. A assessoria do político afirmou que ele não fez esta publicação e que se trata de uma montagem.
O conteúdo investigado pelo Comprova culpa os prefeitos pela distribuição das cápsulas vazias. No caso da gravação de onde foi tirada a imagem, não há participação da prefeitura. O Hospital Vale do Guaporé fechou uma parceria com empresários locais para a distribuição da ivermectina como forma de profilaxia contra a covid-19, embora ela não tenha eficácia comprovada. Coordenadores da ação ouvidos pelo Comprova disseram que o projeto não recebeu dinheiro público e que não tem cunho político.
Como verificamos?
O Comprova iniciou a verificação fazendo uma busca no Google, que levou a uma matéria publicada em julho deste ano. Ela mencionava um vídeo no qual uma pessoa mostrava uma cápsula vazia de ivermectina entregue por um projeto realizado por empresários da cidade de Pontes e Lacerda, no Hospital Vale do Guaporé, e indicava que a coordenadora da ação, Eliana Matsuda, havia se manifestado.
Por meio de uma pesquisa nas redes sociais pelas palavras “ivermectina + cápsulas + vazias” foi possível, ainda, encontrar três vídeos, um deles publicado em 3 de agosto, nos quais se via o medicamento prescrito e se ouvia a voz de uma mulher que contava como descobriu que a cápsula de ivermectina estava vazia.
Entramos em contato com a Secretaria Municipal de Saúde, com a Prefeitura de Pontes e Lacerda, com o Conselho Municipal de Saúde e com o Hospital Vale do Guaporé.
O Comprova conversou com Eliana Matsuda, a respeito do projeto e do vídeo da cápsula esvaziada, e com a assessoria de imprensa de Roberto Jefferson, sobre a publicação supostamente feita por ele.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 12 de agosto de 2020.
Verificação
Ivermectina, não cloroquina
Uma pesquisa inicial no Google mostrou que uma história semelhante à da suposta cápsula de cloroquina vazia havia ocorrido em uma cidade do Mato Grosso, Pontes e Lacerda, mas com a ivermectina. A partir desta informação, o Comprova buscou por publicações que mencionassem a “ivermectina esvaziada”, chegando a três postagens.
Os vídeos, com uma qualidade superior às das fotos viralizadas nas redes sociais, possibilitaram a identificação do nome do medicamento: ivermectina de 6mg.
No vídeo, uma mulher diz: “Eu fui na Santa Casa pegar uma ivermectina para poder tomar mais a minha filha. […] E hoje era a data certa de tomar a segunda dose, com 15 dias. […] Ela tomou um comprimido e o outro, por curiosidade, eu acredito, ela foi e abriu. Olha o que tinha dentro da cápsula. Nada!”.
A imagem, compartilhada nas redes, de fato, corresponde a um fragmento do vídeo em que a mulher mostra a cápsula de ivermectina vazia.
A partir da informação do local onde isso teria ocorrido e o nome da coordenadora do projeto mencionado, Eliana Matsuda, a equipe do Comprova fez uma busca no Facebook e encontrou uma transmissão ao vivo realizada em 2 de julho de 2020 pela página Lacerda 24 horas com Matsuda em frente ao Hospital Vale do Guaporé (HVG).
Segundo a descrição do vídeo, tratava-se de um grupo de empresários que montou uma campanha para o “bloqueio” da covid-19 em Pontes e Lacerda e que distribuiria 10 mil doses de ivermectina gratuitamente.
Com início em 6 de julho, a campanha, segundo Eliana Matsuda, era uma parceria entre empresas, o Hospital Vale do Guaporé e médicos. O protocolo de medicação, por sua vez, foi feito pela doutora Jaqueline Margonato, do HVG.
A coordenadora do projeto e a doutora Jaqueline ressaltaram que, embora existam médicos que defendem o uso do medicamento, não há comprovação científica da sua eficácia na profilaxia da covid-19.
O Comprova conversou com Eliana Matsuda. Ela disse que a iniciativa foi firmada entre empresários e o hospital sem “cunho político nem dinheiro público”.
Também falamos por telefone com Claudenice Luiza Lima, administradora do hospital. Ela reiterou que a mulher que gravou o vídeo não entrou em contato com a instituição e que o laboratório onde os medicamentos foram comprados disse “não haver possibilidade de a cápsula ter ficado vazia porque o processo é automatizado”. Por fim, relatou que a equipe “abriu outras caixas de medicamento e não encontrou cápsulas com defeito”.
Por telefone, a prefeitura de Pontes e Lacerda afirmou que não tinha qualquer ingerência sobre o tema, assim como a Secretaria de Saúde do município, acrescentando que o Hospital Vale do Guaporé é privado.
A equipe do Comprova também falou com um responsável pelo Conselho Municipal de Saúde de Pontes e Lacerda por WhatsApp, que assinalou que soube do ocorrido pelas mídias sociais e, por se tratar de um caso isolado e sem notificação formal, não deliberou sobre o tema.
A ivermectina industrializada é produzida em forma de comprimido, mas é possível encontrar o medicamento em cápsulas em farmácias de manipulação. Em nota, o Hospital Vale do Guaporé informou que recorreu a um laboratório de manipulação local porque “não havia na indústria, nos distribuidores e no comércio a ivermectina industrializada”.
Roberto Jefferson
A postagem que gerou a verificação tem como base uma suposta publicação do ex-deputado Roberto Jefferson, atual presidente nacional do PTB. Nas redes sociais dele, porém, não há nenhum registro de tal post.
O ex-deputado e outros aliados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) são alvos de um inquérito que investiga disseminação de notícias falsas e ataques a ministros da corte.
Na imagem em questão, é possível ver que o nome do usuário é “blogdojefferson”, o mesmo que Roberto Jefferson usava para publicar tuítes. Contudo, a conta dele na rede social está suspensa desde 24 de julho. A decisão foi de Alexandre de Moraes, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal).
Desde que sua conta foi bloqueada, Roberto Jefferson passou a usar o Twitter pelo usuário “@bobjeffhd”, como se pode confirmar em sua página verificada no Facebook, e no qual não consta nenhuma publicação sobre cápsulas esvaziadas de cloroquina. Também não há registros nas contas dele no Facebook e no Instagram. Na rede social Parler, por sua vez, não encontramos um perfil de usuário @blogdojefferson.
Em mensagem ao Comprova, a assessoria de Roberto Jefferson negou que ele tenha feito a postagem.
Por que investigamos?
O Comprova verifica conteúdos que tenham grande viralização e repercussão nas redes sociais. Um dos posts analisados teve mais de 4,9 mil interações no Facebook. Outro, na mesma rede social, atingiu 1,5 mil compartilhamentos. Este conteúdo também circulou amplamente no Instagram e no Twitter.
A cloroquina é um medicamento em evidência no Brasil, mesmo sem eficácia comprovada contra a covid-19. Ao compartilhar uma informação falsa de que cápsulas da droga estão sendo esvaziadas, o post gera uma preocupação em parte da população que tem buscado se informar sobre o remédio.
A cloroquina só pode ser vendida em receitas de duas vias. Em algumas cidades, Itagi (BA) e Porto Feliz (SP), foi incluída em um kit de prevenção contra a covid-19. A Organização Mundial da Saúde suspendeu seus estudos com a droga por não haver eficácia comprovada no combate ao novo coronavírus.
O Comprova tem publicado outros conteúdos falsos relacionados à pandemia, como da médica que disse que a Austrália controlou a covid-19 com ivermectina, o influenciador que negou a eficiência das máscaras e uma imagem falsa que dizia que a cloroquina estava sendo vendida em trem no Rio de Janeiro.
Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.