Eleições

Investigado por: 2020-10-01

É falso que apenas três países, inclusive o Brasil, utilizem urnas eletrônicas

  • Falso
Falso
Urnas eletrônicas são utilizadas em 15 países além do Brasil. Em Cuba, votações usam cédulas de papel
  • Conteúdo verificado: Postagem no Facebook afirma que, além do Brasil, apenas Cuba e Venezuela usam urnas eletrônicas

É falso o conteúdo de uma publicação que viralizou no Facebook afirmando que, apesar de existirem 193 países no mundo, as urnas eletrônicas só são utilizadas em Cuba e na Venezuela, além do Brasil. Dados do Institute for Democracy and Electoral Assistance (IDEA) mostram que ao menos 46 países utilizam votação eletrônica em algum tipo de eleição (seja nacional, regional ou para escolha de dirigentes sindicais). Desses, ao menos outros 15 países, além do Brasil, utilizam máquinas de votação eletrônica de gravação direta (não usam boletins de papel e registram os votos eletronicamente, sem que o eleitor interaja com qualquer cédula física).

Também é falso que Cuba utilize urnas eletrônicas. A Lei Eleitoral do país prevê a votação por meio de cédulas de papel em eleições ou referendos. Na Venezuela, urnas eletrônicas são utilizadas desde 2004 com equipamentos fornecidos pela empresa Smartmatic.

Em relação à quantidade de países, não há um levantamento único de quantos existem, já que cada governo é livre para reconhecer ou não a existência de outras nações e estabelecer relações diplomáticas com elas. Hoje, a Organização das Nações Unidas (ONU) possui 193 estados-membros. O Brasil reconhece a existência de 196 nações, inclusive algumas que não têm assento na ONU, como o Vaticano e a Palestina.

Como verificamos?

Primeiro, buscamos verificações anteriores sobre temas similares, as quais nos serviram como ponto de partida. Por meio de uma checagem feita pelo Estadão Verifica, chegamos ao Institute for Democracy and Electoral Assistance, que possui um levantamento sobre a digitalização de processos eleitorais. Acionamos o IDEA por e-mail e recebemos um retorno de Peter Wolf, especialista sênior em Eleições, Democracia e Tecnologia, que nos passou os dados mais recentes da entidade e nos ajudou a interpretá-los.

Depois, consultamos os sites do Conselho Eleitoral Nacional de Cuba, onde encontramos a Lei Eleitoral cubana e outras informações sobre a eleição mais recente no país, e do Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela, que lista várias informações sobre o histórico de digitalização local. Também consultamos o site da Smartmatic, empresa que forneceu urnas eletrônicas para a Venezuela, onde encontramos dados sobre o rompimento da companhia com as autoridades venezuelanas e sobre sua atuação no Brasil.

Consultamos o site da ONU para saber quantos são os estados-membros que integram a entidade e consultamos o site do Ministério das Relações Exteriores para saber quantos países têm sua existência reconhecida pelo Brasil. Também pesquisamos quais os sistemas de segurança da urna brasileira no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Por fim, enviamos mensagem para a autora do conteúdo verificado, mas ela não respondeu até a publicação dessa verificação.

Verificação

O uso de urnas eletrônicas não é exclusividade do Brasil. Levantamento do IDEA mostra que ao menos 45 outros países utilizam algum tipo de votação eletrônica. A maioria deles (26), em eleições nacionais. Os dados do instituto também mostram que, além do Brasil, outros 15 países utilizam urnas eletrônicas com gravação direta. Mas existem outros modelos de votação eletrônica, como o voto pela Internet, que é regulamentado em 10 países.

“Veja que máquinas de votação são certamente utilizadas em muito mais do que três países. […] Se você incluir todos os tipos de máquinas de votação, achará inúmeros exemplos: Estados Unidos, Canadá, Venezuela, Bélgica, França, Índia, Filipinas, República Democrática do Congo e Namíbia”, afirma Peter Wolf, especialista sênior da IDEA.

Ele lembra, porém, que há especificidades nas urnas eletrônicas brasileiras. “Notadamente a ausência de comprovante de papel, que é menos comum. É possível que o conteúdo que você está verificando se refira a isso. Em alguns locais nos Estados Unidos, na Namíbia e parte da França são os únicos exemplos de sistemas sem comprovante de papel que me vêm à mente agora. Além, é claro, de sistema de votações on-line que, obviamente, não possuem uma função de registro em papel”, explica Wolf.

Uma lei de 2015 previu a emissão de um comprovante de votação pelas urnas brasileiras, mas o trecho foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por colocar em risco o sigilo do voto, como mostrou o Comprova recentemente.

Eleições em Cuba

Cuba não utiliza urnas eletrônicas em suas votações. A Lei Eleitoral cubana prevê o uso de cédulas de papel (boletas, em espanhol) para eleições e para a realização de plebiscitos ou referendos. As cédulas devem conter os nomes e sobrenomes dos candidatos, além dos cargos aos quais eles estão concorrendo, segundo as regras complementares das eleições de janeiro. Elas devem ser impressas com tinta preta em papel branco.

Os delegados, então, devem marcar um xis do lado direito do candidato em quem desejam votar. A lei determina que a marcação seja feita em um lugar reservado, em que o eleitor possa votar de forma secreta, como explica uma cartilha elaborada pelo Conselho Eleitoral Nacional.

A apuração é feita pelo Conselho Eleitoral Municipal, que verifica quantas cédulas haviam na urna, quantas delas são votos válidos, em brancos ou anulados e, por fim, a quantidade de votos de cada candidato. No caso de referendos e plebiscitos, o eleitor também deve marcar um xis ao lado das palavras SIM ou NÃO.

Eleições na Venezuela

A Venezuela usa urnas eletrônicas em suas eleições desde 2004, com máquinas que imprimiam o comprovante dos votos. A partir de 2012, passou a adotar a identificação biométrica para liberar o funcionamento das máquinas, segundo informa o Conselho Nacional Eleitoral do país. As máquinas foram desenvolvidas pela empresa Smartmatic.

A Smartmatic foi fundada nos Estados Unidos, mas hoje tem sede no Reino Unido. A empresa trabalhou em 15 eleições venezuelanas entre 2004 e 2017. Em agosto de 2017, o CEO da companhia, Antonio Mugica, realizou uma coletiva de imprensa em que informou que a taxa de comparecimento dos eleitores anunciada pela Comissão Eleitoral nas eleições de 30 de julho daquele ano não correspondia aos números que haviam sido registrados pela empresa, com a taxa de participação tendo sido inflacionada em pelo menos um milhão de eleitores. Por isso, a companhia suspendeu suas atividades no país.

A Smartmatic também informa no seu site que nunca forneceu urnas para as eleições brasileiras. A empresa atuou no Brasil nas eleições de 2012, 2014 e 2016 fornecendo comunicação de dados em áreas remotas do país para que os votos pudessem ser transferidos ao TSE. Especificamente em 2012, ela também treinou operadores de campo e prestou serviços de manutenção e testes para urnas. A Smartmatic não forneceu urnas ou prestou outros serviços durante as eleições do Brasil de 2018.

Quantos países existem?

A ONU é composta por 193 estados-membros desde que a República do Sudão do Sul se separou do Sudão em 9 de julho de 2011, como resultado de um referendo realizado em janeiro do mesmo ano que contou com observadores internacionais.

Para que um país possa ser aceito como estado-membro da ONU, suas credenciais precisam ser recomendadas pelo Conselho de Segurança da entidade e, depois, aceitas pela Assembleia Geral, órgão que reúne todos os membros atuais. A própria ONU, porém, explica que reconhecer a existência de um país ou governo é um ato que apenas outro país pode conceder; o que, em geral, implica no estabelecimento de relações diplomáticas entre ambos. Por não ser um estado ou governo, tecnicamente a ONU não tem autoridade para reconhecer se um país existe ou não.

Hoje, o Brasil reconhece e, por sua vez, possui relação diplomática com 196 países, além de um representante junto à União Europeia. A lista inclui autoridades nacionais que não integram a Assembleia Geral da ONU, como a Palestina e o Vaticano. Igualmente, existem 197 embaixadas e consulados estrangeiros no Brasil (incluindo a representação da União Europeia).

Segurança da urna brasileira

A Justiça Eleitoral brasileira utiliza uma série de mecanismos para garantir a segurança e a confiabilidade das urnas e, consequentemente, das eleições no País. O equipamento utiliza criptografia, assinatura digital e resumo digital para garantir que somente o software criado pelo TSE possa ser usado nas urnas. A tentativa de executar qualquer outro programa bloqueia a máquina. O software oficial também não pode ser rodado em outro equipamento.

A assinatura digital também protege contra modificações os dados sobre cada candidato e eleitor, assim como o resultado da votação e os registros das operações. A urna eletrônica também não possui mecanismos que permitam conectá-la a redes de computadores, como a internet, para evitar ataques de hackers. O aparelho também registra qualquer alteração feita em seu código, para evitar tentativas de alterar o software por pessoas que tenham acesso às urnas no dia da votação.

O desenvolvimento do programa utilizado pela Justiça Eleitoral pode ser acompanhado pelos partidos políticos, pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil por meio de inspeções para verificar a sua confiabilidade. O TSE também realizou testes públicos de segurança em 2009 e 2012, nos quais ninguém conseguiu adulterar os sistemas, nem o resultado das votações.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova monitora e verifica conteúdos sobre a pandemia do novo coronavírus, eleições municipais de 2020 e políticas públicas do governo federal que podem causar desinformação nas redes sociais. É o caso do conteúdo objeto desta verificação, que reproduz uma informação falsa sobre as urnas eletrônicas para questionar a confiabilidade dos resultados das votações.

De acordo com os dados da plataforma CrowdTangle, até a data de publicação deste texto, o conteúdo somava mais de 4,4 mil interações no Facebook. O mesmo conteúdo foi verificado pela Agência Lupa, que concluiu que ele é falso.

Conteúdos semelhantes à este também viralizaram nas redes sociais às vésperas da eleição presidencial de 2018. À época, o Tribunal Superior Eleitoral concluiu se tratar de um conteúdo falso e o Estadão Verifica classificou o boato como uma mentira.

O Comprova já mostrou que o STF não decidiu que o voto impresso é inconstitucional; que as Forças Armadas não solicitaram perícia nas urnas eletrônicas; que os códigos usados no aparelho não foram entregues aos venezuelanos; que a Polícia Federal não apreendeu uma van com urnas adulteradas e que a Polícia Militar não apreendeu um carro com votos já preenchidos dentro do equipamento.

Falso para o Comprova é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.