Vídeo inventa tentativa de compra de mansão nos EUA por Janja
- Política
- Uma voz gerada por inteligência artificial foi usada no vídeo que inicialmente espalhou a desinformação a respeito da primeira-dama
Ao contrário do que afirma um vídeo, não é verdade que a primeira-dama, Janja da Silva, tenha tentado comprar uma mansão na Flórida avaliada em US$ 15 milhões com recursos públicos desviados do Brasil. Também não há indícios de que a suposta operação teria sido barrada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
No TikTok, um ex-locutor esportivo reproduz as alegações de um vídeo publicado em um canal do YouTube que não apresenta nenhuma prova. A narração da gravação original é creditada a um suposto jornalista investigativo chamado André Molina, sobre o qual não há qualquer registro.
O vídeo no YouTube que deu origem ao boato começa da seguinte forma: “Meu nome é André Molina, repórter investigativo há mais de 15 anos, e hoje trago a vocês uma reportagem…”. No entanto, a voz tem características de ter sido gerada por inteligência artificial. Um trecho do áudio do vídeo foi submetido à ferramenta Hiya.com do InVID, que detecta conteúdos sintéticos.
O resultado (reprodução abaixo) aponta indícios de manipulação: “Hiya.com considera este fragmento de áudio como muito provavelmente gerado por IA”. O projeto InVID reúne ferramentas que auxiliam a checagem de fatos e foi desenvolvido por diversas organizações, como a Agência France Press (AFP), com financiamento da União Europeia.

Em vários momentos, a narração do vídeo afirma ter tido acesso a documentos confidenciais e trocas de e-mail que confirmariam a história, mas nada é apresentado. O vídeo tem um total de 23 minutos e mostra fotos de Trump e Janja que permanecem na tela do início ao fim do conteúdo.
A foto que ilustra o perfil do canal, que mostra um homem ao microfone, também tem características de ter sido gerada por IA.
Secom nega teor do conteúdo
Não há qualquer registro que corrobore a história em veículos de imprensa no Brasil ou no exterior. Também não existe qualquer menção nos perfis oficiais de Trump ou do Departamento de Estado americano nas redes – que estariam envolvidos diretamente no suposto episódio.
Procurada, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) afirmou que o conteúdo “evidentemente é falso”. O órgão acrescentou que “repudia a divulgação de boatos falsos com objetivos políticos, que visam única e exclusivamente desinformar a população, atacar reputações, enfraquecer instituições e manipular a opinião pública”.
Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova
O homem que repercute a desinformação em suas contas no TikTok e no Instagram é o ex-locutor esportivo José Roberto Papacídero. Ele grava vídeos com críticas ao atual governo federal, ao presidente Lula, ao Judiciário brasileiro e à imprensa. Ele foi procurado pelo Comprova, mas não respondeu até o fechamento deste texto.
Já o canal no YouTube que inicialmente divulgou o boato falso foi criado em abril do ano passado e divulga uma série de histórias falsas como se fossem reportagens investigativas. Nenhuma prova é apresentada – consta apenas o relato feito pela mesma voz com características de ter sido gerada por IA.
Além disso, o tom aparentemente bombástico usado nos vídeos leva a crer que as supostas notícias seriam amplamente divulgadas na imprensa, o que não acontece em nenhum dos casos. A maioria dos conteúdos são contra Lula e Janja. O Comprova não encontrou meios de contatar o canal.
Por que as pessoas podem ter acreditado
Há um esforço para fazer parecer que o conteúdo é uma reportagem investigativa. Cria-se o nome de um suposto repórter com mais de 15 anos de experiência e menciona-se acesso a documentos e e-mails secretos. Destaca-se ainda o apelo emocional usado pelo homem que repercute o conteúdo do YouTube nas redes sociais, ao dizer que a “notícia vai deixar vocês indignados, revoltados”.
Fontes que consultamos: O Comprova consultou o canal no YouTube que inicialmente divulgou a notícia falsa e os perfis nas redes sociais do homem que repercutiu o vídeo. Houve ainda buscas em perfis de Trump e do Departamento de Estado americano e consulta em veículos de imprensa. A Secom também foi procurada.
Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: A alegação sobre a suposta tentativa de compra de uma mansão na Flórida pela primeira-dama também foi verificada pelo Aos Fatos e pelo Boatos.org. Em maio, o Comprova mostrou que Janja não foi sozinha à Rússia e não há provas de que ela seja vigiada por autoridades norte-americanas.