Vídeo de hidrelétrica transbordando é antigo e não tem relação com desligamento de bombas do São Francisco
- Enganoso
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- Vídeo que viralizou no TikTok engana ao associar suposta ação do governo Lula (PT) em bloquear as águas do rio São Francisco com seca no Nordeste. A publicação mostra uma montagem com duas gravações com contextos diferentes e estabelece uma relação enganosa entre a falta de água e os protestos. Na verdade, há escassez de água em decorrência de seca e estiagem em alguns estados nordestinos. Além disso, o ato mostrado não tem relação com o fechamento de bombas.
Conteúdo investigado: Vídeo publicado no Tik Tok mostra o que seria uma usina hidrelétrica na região Nordeste do Brasil. Uma descrição afirma: “governo deixa o Nordeste sem água e vazão da água não tem para onde ir. Águas do São Francisco foram fechadas e está transbordando”. As imagens são da vista aérea de uma hidrelétrica, onde existem cachoeiras e muita água correndo. Posteriormente, o vídeo é cortado para outro contexto e situação, em que nordestinos estariam realizando “bloqueios em rodovias para a liberação da água do São Francisco”.
Onde foi publicado: Tik Tok.
Conclusão do Comprova: É enganoso vídeo que associa suposta ação do governo Lula (PT) em bloquear as águas do rio São Francisco com seca no Nordeste. A publicação no Tik Tok mostra uma montagem com duas gravações feitas em contextos diferentes e estabelece uma relação enganosa entre a falta de água e protestos no Nordeste. No primeiro vídeo, a abundância de água na hidrelétrica não foi causada pelo fechamento das bombas, mas sim pela cheia em função das chuvas de janeiro de 2023. Ao contrário, em outubro deste ano, foi registrada a escassez de água em decorrência de seca e estiagem em alguns estados da região. Além disso, não houve qualquer fechamento de bombas na usina e o protesto mostrado na segunda gravação não tem relação com as imagens iniciais.
Na primeira parte do vídeo verificado pelo Comprova, imagens aéreas do Complexo Hidrelétrico de Paulo Afonso, localizado no norte da Bahia, são utilizadas para afirmar que o governo Lula teria trancado as águas do São Francisco. Tais imagens retratam a hidrelétrica em um período de cheia, formando cachoeiras, algo que não tem relação com a transposição ou bloqueio das águas.
Por meio de nota, a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Eletrobras Chesf), responsável pela usina hidrelétrica, confirmou que as imagens mostram o Complexo Hidrelétrico de Paulo Afonso, na Bahia. No início deste ano, o aumento da vazão do rio São Francisco fez reaparecer as cachoeiras, que possuem desnível de 80m de queda d’água. Por conta desse espetáculo natural, a região atraiu turistas, que realizaram visitas guiadas autorizadas pela própria Chesf. As quedas d’água de Paulo Afonso voltaram a ficar visíveis em 2022, após mais de dez anos de período de seca.
Já o segundo vídeo mostra, na verdade, um protesto realizado no dia 4 de outubro, no Km 82 da BR 116, próximo ao Trevo do Ibó, em Belém do São Francisco, no estado de Pernambuco. Na ocasião, agricultores dos projetos de irrigação Pedra Branca (BA), Fulgêncio (PE) e Brígida (PE) denunciaram a falta de água e energia nas localidades. Os projetos são atendidos pelo Sistema Itaparica, programa federal implementado na década de 1990 pela Chesf, para compensar as populações que tiveram que ser realocadas após a construção da usina hidrelétrica de Luiz Gonzaga, situada em Petrolândia (PE).
O corte de energia e água nos locais não têm relação com um suposto fechamento de bombas feito pelo governo federal. A responsabilidade do abastecimento, segundo o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Petrolândia (PE), é da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), uma empresa pública vinculada ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MDR). Até 2014, a companhia administrava o Sistema Itaparica em parceria com a Chesf. Após o fim do convênio, foi a Codevasf que assumiu a manutenção dos projetos de irrigação.
No entanto, uma resolução de 21 de setembro deste ano da Codevasf determinou que a administração do projeto voltasse para a Chesf. Ao Comprova, ambas as empresas enviaram notas atribuindo uma à outra a responsabilidade pela manutenção e operação dos projetos do Sistema Itaparica. O “toma lá, dá cá” já foi noticiado por outros veículos como a Folha de Pernambuco.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 18 de outubro de 2023, o conteúdo investigado tinha 16,4 mil visualizações, 5,6 mil compartilhamentos e 1,5 mil comentários no Tik Tok.
Como verificamos: O Comprova analisou as imagens utilizadas em ambos os vídeos investigados e buscou identificar os locais onde foram gravadas e em quais contextos. Para analisar o primeiro vídeo, que mostra uma hidrelétrica vista de cima, a verificação usou o mecanismo de busca reversa do Google, utilizando o print do vídeo.
A pesquisa indicou imagens semelhantes e dessa forma foi possível identificar o Complexo Hidrelétrico de Paulo Afonso, localizado no norte do estado da Bahia. Foram encontradas diversas imagens, entre elas uma publicada no site da Chesf, empresa controladora da Eletrobras responsável pelo complexo.
Para analisar o segundo vídeo, a verificação usou também o mecanismo de busca reversa do Google, utilizando o print do vídeo. O resultado indicou diversas gravações semelhantes, além de uma matéria do G1 noticiando a manifestação. O ato ocorreu no dia 4 de outubro, no Km 82 da BR 116, próximo ao Trevo do Ibó, em Belém do São Francisco, no estado de Pernambuco.
O Comprova entrou em contato com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Petrolândia (PE), uma das organizações envolvidas nos protestos. Através de visualização no Google Maps, foi possível identificar os locais onde os agricultores protestaram no dia 4 de outubro, em Belém do São Francisco. A verificação também solicitou posicionamento da Chesf e da Codevasf, empresas que até 2014 tinham convênio para manutenção dos projetos de irrigação de Pedra Branca (BA), Fulgêncio (PE) e Brígida (PE).
Além disso, o autor da postagem do Tik Tok foi contatado pelo Comprova, via mensagens no Facebook, o qual retornou à equipe. Não era possível falar com ele pelo próprio Tik Tok, pois a possibilidade de envio de mensagens estava bloqueada.
Governo Federal não “fechou” bombas do Rio São Francisco
De acordo com a assessoria de imprensa da Eletrobras Chesf, responsável pela usina, as imagens do Complexo Hidrelétrico de Paulo Afonso, na Bahia, são antigas e não mostram a grande quantidade de água represada por causa de um suposto fechamento das bombas. Segundo o órgão, a gravação retrata uma situação de cheia no rio São Francisco no início de 2023. Devido ao aumento da vazão, formam-se cachoeiras na região, que acabam se tornando pontos de visitação turística. A alegação já foi desmentida antes por outros veículos de verificação.
Apesar de a Usina Hidrelétrica de Paulo Afonso também ser de responsabilidade da Chesf , mesma empresa envolvida na falta de água nos projetos de irrigação Pedra Branca (BA), Brígida (PE) e Fulgêncio (PE), a Eletrobras nega que haja relação entre as cachoeiras e o protesto no Trevo do Ibó, no estado de Pernambuco.
Manifestação não tem relação com suposto fechamento de bombas
Em entrevista ao Comprova, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Petrolândia (PE), Natanael Caetano da Silva, informou que a manifestação em Belém do São Francisco, no Trevo de Ibó, foi realizada para cobrar o abastecimento das empresas Codevasf e Chesf e pedir intervenção do governo federal. “Após acontecer tudo isso, [o governo federal] paralisou duas obras da Codevasf e colocou R$25 milhões à disposição da Codevasf para pagar as contas de energia e fechar o resto do ano”, afirmou o sindicalista.
Durante audiência pública realizada pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados, no dia 11 de outubro, Giuseppe Serra Seca Vieira, secretário nacional de Segurança Hídrica do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MDIR), afirmou que o órgão fez um aporte de R$ 20 milhões para a Codevasf.
Abastecimento nos projetos de irrigação
Pedra Branca (BA), Brígida (PE) e Fulgêncio (PE) estão entre os dez projetos de irrigação atendidos pelo Sistema Itaparica, um programa federal implementado na década de 1990 que abrange áreas localizadas entre a Bahia e Pernambuco. Ele foi criado junto à Chesf para compensar as populações que tiveram que ser realocadas após a construção da Usina Hidrelétrica de Luiz Gonzaga, em Petrolândia (PE). Os projetos têm foco na agricultura familiar.
No entanto, desde 2014, os projetos de irrigação atendidos pelo sistema vêm passando por diversos problemas. No dia 11 de outubro, uma audiência pública foi realizada pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados, para debater as dificuldades enfrentadas pelos pequenos agricultores que vivem nas áreas cobertas pelo programa.
A Chesf repassava recursos para a Codevasf manter os projetos de irrigação, mas o convênio acabou em 2014. No ano seguinte, a Codevasf alegou problemas orçamentários e suspendeu contratos de assistência técnica. As informações foram compartilhadas pela secretária-executiva da área de gestão de empreendimentos de irrigação da Codevasf, Andréa Sousa, em depoimento durante a audiência pública na Câmara dos Deputados.
Com o fim do convênio entre a Chesf e a Codevasf, “as áreas irrigadas passaram a ser administradas pela 3ª Superintendência Regional da Codevasf, em Petrolina (PE), e pela 6ª Superintendência Regional da Codevasf, em Juazeiro (BA), com o apoio da Área de Gestão dos Empreendimentos de Irrigação da Codevasf, em Brasília”. A informação foi divulgada pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, por meio de notícia publicada no site do governo federal em dezembro de 2017.
Em nota enviada ao Comprova, a Codevasf afirmou que uma resolução da empresa, aprovada pela sua diretoria executiva em 21 de setembro deste ano, remeteu às Chesf “a responsabilidade pelas despesas de operação, manutenção e energia elétrica dos projetos, de modo a garantir o adequado funcionamento das infraestruturas de uso comum do sistema”.
A verificação também entrou em contato com a Eletrobras Chesf que, via nota encaminhada por email, alegou que “é da Codevasf a responsabilidade pela operação e manutenção dos bens que compõem a estrutura de uso comum dos perímetros irrigados de Itaparica, localizados nos estados de Pernambuco e da Bahia, bem como o pagamento da energia elétrica associada”.
O que diz o responsável pela publicação: Em resposta ao Comprova, o autor da postagem no Tik Tok afirmou que não foi ele quem gravou as imagens. Segundo o usuário, as imagens foram encontradas em blogs locais, que falam sobre o desabastecimento de água no Nordeste, algo que ele afirma não ser noticiado pela imprensa tradicional.
O que podemos aprender com esta verificação: A desinformação emerge de fontes que, por vezes, desmerecem a credibilidade dos veículos tradicionais de imprensa. É importante ficar em alerta diante de afirmações como “veja o que o jornalismo não mostra”. No caso do material verificado aqui, uma busca rápida no Google mostraria que a falta de água no Nordeste acontece em decorrência de seca e estiagem em alguns estados e não em razão do fechamento de bombas. Uma característica comum da desinformação é o uso de acontecimentos verdadeiros para estabelecer relações inadequadas que enganam e induzem leitores a interpretações erradas dos fatos. Além disso, discursos muito genéricos merecem atenção. No caso analisado, a afirmação é de que todo o Nordeste estaria sem água, uma região com diversos estados e municípios.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: Recorrentemente, a transposição do São Francisco é alvo de desinformação. Há menos de um mês, o Comprova explicou como a polarização intensifica a desinformação sobre a transposição do São Francisco, bem como já mostrou o porquê do assunto gerar dúvidas. Em uma outra verificação, já foi desmentida a informação enganosa de que Bolsonaro teria concluído 84% das obras da transposição do Rio São Francisco.