Médica usa parecer desatualizado para dizer que faltam evidências sobre vacina da Pfizer
- Enganoso
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- É enganosa a fala de uma médica que se opôs à exigência de um passaporte de vacinação em plenário da Câmara Legislativa do Distrito Federal do dia 8 de dezembro de 2021. Em vídeo de um trecho da fala que circula no Facebook, TikTok e WhatsApp, a médica cita um parecer divulgado em agosto de 2021 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para afirmar que não existem “as principais evidências” quanto à segurança e eficácia do imunizante da Pfizer contra a covid-19. O próprio documento traz dados da eficácia e segurança robustas da vacina, os quais a médica não menciona. Ela também usa um parecer desatualizado e impertinente para levantar dúvidas sobre a vacinação de crianças e adolescentes, que foi autorizada em outro momento, com base em estudos específicos com essa faixa etária.
- Conteúdo verificado: Em um vídeo de uma audiência pública da Câmara Legislativa do Distrito Federal, de 8 de dezembro de 2021, uma médica se opõe à aplicação da vacina da Pfizer contra a covid-19. Ela cita um parecer da Anvisa de agosto de 2021 para afirmar que as “principais evidências” sobre a segurança e eficácia do imunizante não existem. Diz ainda que o imunizante está em “fase experimental” até 2023 e que “se vacinarem as crianças e continuarem vacinando os adolescentes”, o Brasil vai “acabar”.
É enganosa a fala de uma médica que se opôs à exigência de um passaporte de vacinação em plenário da Câmara Legislativa do Distrito Federal, no dia 8 de dezembro de 2021. Em vídeo de um trecho da fala que circula no Facebook, TikTok e WhatsApp, a médica cita um parecer publicado em 2 de agosto de 2021 pela Anvisa para afirmar que não existem “as principais evidências” quanto à segurança e eficácia da vacina Comirnaty, imunizante da Pfizer contra a covid-19.
Ela chama atenção ao item de “Incertezas” do documento, que afirma que ainda não havia evidências para determinar a eficácia do imunizante “em população pediátrica, gestantes e indivíduos imunossuprimidos”, na prevenção da transmissão do vírus, e na prevenção de quadros graves da covid-19. Procurada pelo Comprova, a Anvisa esclareceu que o parecer se refere a dados disponíveis no momento do registro inicial da vacina no Brasil, em 23 de fevereiro de 2021, que autorizou a aplicação do imunizante em pessoas com mais de 16 anos de idade.
Segundo a Anvisa, realmente não foi possível determinar naquele momento o grau de eficácia da vacina na prevenção de quadros graves da covid-19. Isso porque “não houve significância estatística dos resultados, em razão do pequeno número de casos graves observados após a [aplicação da segunda dose]” da Pfizer, conforme explica a Anvisa. Portanto, é enganoso dizer que não havia “nenhuma evidência de que a vacina reduza a gravidade da doença”, como faz a médica no vídeo. Ela omite informações presentes no mesmo parecer, que conclui que “a vacina Comirnaty induz respostas imunes robustas e confere proteção contra a covid-19 em indivíduos ≥16 anos de idade, com eficácia demonstrada de 95% a partir de 7 dias após a dose 2” e que “um perfil de segurança aceitável para a vacina pôde ser estabelecido”.
Mais adiante, a médica afirma que a vacina da Pfizer está “em fase experimental até 2023”. Isso é falso e já foi desmentido em verificação do Comprova sobre outro vídeo da mesma médica, e também em verificações do Observador, Estadão Verifica e do Polígrafo sobre outros conteúdos. Todas as vacinas que tiveram uso autorizado pela Anvisa passaram pelas fases 1, 2 e 3 de ensaios clínicos, que atestam a segurança e eficácia do produto.
A médica também usa um parecer desatualizado, referente a dados disponíveis em fevereiro, para afirmar que não foram realizados testes da vacina da Pfizer com crianças e adolescentes. Isso não é verdade. A Pfizer divulgou os resultados dos estudos com pessoas de 12 a 15 anos em 31 de março de 2021, mostrando que o imunizante é seguro e registrou 100% de eficácia em adolescentes. A Anvisa autorizou a imunização dessa faixa etária em 11 de junho de 2021. Os resultados dos estudos com crianças de 5 a 11 anos foram divulgados em 22 de outubro de 2021, mostrando que o imunizante é seguro e registrou 90,7% de eficácia nessa faixa etária. Todas essas informações já estavam disponíveis em 8 de dezembro de 2021, quando a médica fez sua fala na audiência pública da Câmara Legislativa do Distrito Federal.
A médica diz ainda que o Brasil vai “acabar” caso “vacinem as crianças e continuem vacinando os adolescentes”, insinuando que ocorrerão muitas mortes decorrentes de eventos adversos causados pela vacina. Com 325,71 milhões de vacinas aplicadas no país, o Ministério da Saúde registrou 13 mortes por reações aos imunizantes, em qualquer faixa etária, de acordo com uma reportagem da Folha de S.Paulo de 17 de janeiro de 2022.
Até janeiro de 2022, 324 mortes por covid-19 foram registradas desde o início da pandemia entre crianças de 5 a 11 anos, segundo dados da Associação de Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil).
Procurados pelo Comprova, a médica e o perfil que compartilhou o vídeo de sua fala no Facebook não responderam até a publicação desta verificação. No TikTok, o vídeo foi removido.
O Comprova classificou o conteúdo como enganoso, porque retira de contexto trechos de um parecer desatualizado e omite informações para induzir a conclusões diferentes daquelas delineadas pela Anvisa no próprio documento.
Como verificamos?
No trecho do vídeo publicado no Facebook e no TikTok, há uma legenda que diz: “A obrigatoriedade do passaporte sanitário no DF: Audiência pública / Plenário CLDF / 08/12/2021”. Buscando por esses termos no Google, encontramos a agenda e um texto sobre o evento no site da Câmara Legislativa do Distrito Federal. A pesquisa também retornou uma notícia do G1, dizendo que o vídeo oficial da audiência foi derrubado pelo YouTube por “violar as diretrizes da comunidade”. Encontramos também uma cópia da transmissão na íntegra, com quatro horas de duração, republicada por um canal não oficial.
A Anvisa foi procurada por e-mail, no dia 14 de janeiro, para esclarecer dúvidas sobre o parecer público mencionado pela médica. Foram solicitadas informações sobre a data de publicação, a que dados se refere o documento e o que representam as “Incertezas” listadas na página 53.
Também enviamos e-mail à assessoria da Pfizer, que respondeu no dia 14 de janeiro com informações sobre as vacinas, as fases dos estudos clínicos e as datas em que os imunizantes tiveram uso autorizado pela Anvisa para cada faixa etária.
Para verificar a afirmação de que a vacina da Pfizer está “em fase experimental até 2023”, foi feita uma busca no Google pelos termos “vacina fase experimental 2023”. A pesquisa retornou as verificações feitas pelo Comprova, Observador, Estadão Verifica e o Polígrafo, além de matérias do Estado de Minas e da Agência Brasil, que mostram que a falsa ideia de que as vacinas são “experimentais” tem sido usada em vários conteúdos de desinformação.
Encontramos dados sobre as mortes de crianças por covid-19 e as mortes por reações adversas à vacina pesquisando no Google por termos como “mortes crianças covid-19” e “mortes causadas por vacina”, o que levantou resultados de vários portais de notícias. Procuramos pelas informações mais atualizadas e chegamos a um texto do UOL de 10 de janeiro de 2022 e uma reportagem da Folha de S.Paulo de 17 de janeiro de 2022.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 21 de janeiro de 2022.
Verificação
O parecer da Anvisa
No vídeo aqui verificado, a médica faz referência ao parecer público de avaliação da vacina contra a covid-19 Comirnaty (da fabricante Pfizer), publicado pela Anvisa em 2 de agosto de 2021. Contatada por e-mail, a Anvisa informou que esse parecer “refere-se à avaliação do registro inicial do produto, publicado em 23/02/2021”, e aos dados disponíveis naquele momento.
O documento pode ser encontrado por meio de consulta no site do órgão, sob um aviso que diz: “Os pareceres disponíveis não sofrem atualizações após o deferimento do registro. Porém, as informações atualizadas relativas à apresentação, embalagem, local de fabricação, prazo de validade e cuidados de conservação, assim como os textos de bula, podem ser consultadas na Consulta de Medicamentos”.
A bula atualizada da vacina, disponível no site da Anvisa, aponta que “análises secundárias de eficácia sugeriram o benefício da vacina de mRNA contra covid-19 na prevenção de covid-19 grave”. Em e-mail ao Comprova, a Anvisa destaca também que o objetivo principal dos estudos clínicos de fase 2/3 com a vacina não era determinar a eficácia na prevenção de casos graves ou da transmissão do vírus, e sim determinar a eficácia na prevenção da covid-19 sintomática.
Testes com crianças e adolescentes
Citando o mesmo parecer referente a fevereiro (portanto, desatualizado), a médica mente ao afirmar que ainda não foram realizados testes da vacina da Pfizer com crianças e adolescentes, e questiona como a Anvisa teria aprovado a imunização de adolescentes.
Para a população de 12 a 15 anos, “os ensaios de fase 3 foram realizados em 2.260 adolescentes, nos Estados Unidos, e apresentaram respostas robustas na produção de anticorpos até mesmo maiores do que as observadas na população entre 16 e 25 anos”, afirmou a Pfizer ao Comprova. Os resultados desses estudos foram divulgados em 31 de março de 2021, mostrando que o imunizante é seguro e registrou 100% de eficácia em adolescentes na fase de pesquisa. A Anvisa autorizou a imunização dessa faixa etária em 11 de junho de 2021.
Para a população de 5 a 11 anos, “os estudos de fase 2/3 foram realizados em 2.268 crianças, nos Estados Unidos, Finlândia, Polônia e Espanha, e apresentaram respostas robustas na produção de anticorpos além de perfil de segurança favorável”, disse a farmacêutica. Os resultados desses estudos foram divulgados em 22 de outubro de 2021, mostrando que o imunizante é seguro e registrou 90,7% de eficácia em crianças.
Todas essas informações já estavam disponíveis em 8 de dezembro de 2021, quando a médica fez sua fala na audiência pública da Câmara Legislativa do Distrito Federal. A Anvisa autorizou a imunização de crianças em 16 de dezembro de 2021.
Vacina não é ‘experimental’
Mais adiante, a médica afirma que a vacina da Pfizer está “em fase experimental até 2023”. Isso é falso e já foi desmentido em verificação do Comprova sobre outro vídeo da mesma médica, e também em verificações do Observador, Estadão Verifica e do Polígrafo sobre outros conteúdos. Todas as vacinas que tiveram uso autorizado pela Anvisa passaram pelas fases 1, 2 e 3 de ensaios clínicos, que atestam a segurança e eficácia do produto.
Conforme mostra o Estadão Verifica, a falsa ideia de que a vacina da Pfizer é “experimental” vem do fato de que a data de conclusão dos estudos sobre o imunizante está prevista para 2023. “Essas datas se referem ao término do prazo para acompanhamento dos voluntários, que pode durar até dois anos. Não é necessário aguardar todo esse tempo para obter os dados de segurança e eficácia”, diz a verificação.
Em nota, a Pfizer afirmou ao Comprova que “os estudos de fase 3, chamados de pivotais, são os que possibilitam a aprovação do estudo e comercialização do produto”. Essa fase foi iniciada em julho de 2020 em pessoas acima de 16 anos e interrompeu a inclusão de participantes em janeiro de 2021. ”Por protocolo, os participantes continuarão sendo monitorados quanto à proteção e segurança em longo prazo por mais dois anos após a aplicação da segunda dose”, disse a farmacêutica.
A audiência
O vídeo que circula com a fala da médica vem de uma audiência pública da Câmara Legislativa do Distrito Federal, realizada em 8 de dezembro de 2021. O evento, mediado pela deputada distrital Júlia Lucy (Novo), tinha como pauta a obrigatoriedade do passaporte sanitário no Distrito Federal e foi transmitido ao vivo pela TV Câmara Distrital e no YouTube.
Além da médica e da deputada, outros participantes da audiência fizeram declarações contrárias à exigência de um comprovante de vacinação contra a covid-19. Entre eles, a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), aliada do presidente Jair Bolsonaro (PL), conhecida por posições antivacina e que já teve conteúdos enganosos sobre a covid-19 verificados pelo Comprova; e o médico Roberto Zeballos, que também foi alvo de checagens do Comprova na pandemia.
A transmissão da audiência publicada no canal da TV Câmara Distrital no YouTube foi removida da plataforma no dia seguinte ao evento, por violar as diretrizes da comunidade. Procurada pelo G1, a rede social de vídeos não divulgou uma posição oficial sobre o caso. Rafael Prudente (MDB), presidente da Câmara, informou ao site que a Procuradoria da Casa está avaliando o que houve e qual medida pode ser tomada.
A médica
A médica do vídeo é Maria Emilia Gadelha Serra, uma otorrinolaringologista com registro nº 63.451 no Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp). Em seu perfil no Instagram, ela se apresenta como presidente da Sociedade Brasileira de Ozonioterapia Médica. A prática é contestada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que, em Resolução de 2018, a definiu como “procedimento de caráter experimental, cuja aplicação clínica não está liberada, devendo ocorrer apenas no ambiente de estudos científicos”.
Serra é conhecida por disseminar desinformação sobre as vacinas contra a covid-19, e já teve outros conteúdos verificados pelo Comprova, pela Agência Lupa e pelo Aos Fatos. Antes da pandemia, já compartilhava conteúdos falsos sobre a vacina contra o HPV. Em seu Instagram, ela tira de contexto dados sobre efeitos adversos de vacinas e faz postagens contrárias à exigência de um passaporte vacinal e à imunização infantil. Também compartilha teoria da conspiração contra órgãos sanitários regulatórios dos Estados Unidos e contra a Organização Mundial da Saúde (OMS).
A médica se reuniu com o presidente Jair Bolsonaro (PL), em 22 de julho de 2021, para entregar um documento de 15 páginas que aponta supostos riscos das vacinas contra a covid-19, as quais ela classificou enganosamente como “produtos experimentais injetáveis”.
À Anvisa, Serra encaminhou outro documento com o título “Questionamentos sobre vacinação de crianças brasileiras – 45 médicos”, no dia 17 de dezembro de 2021. O texto sustenta que o imunizante infantil tem “caráter experimental”. Em resposta, a Anvisa emitiu uma nota de 22 páginas, detalhando as etapas regulatórias pelas quais o produto teve de passar antes da aprovação. “Reiteramos que a vacinação também é importante para aumentar a proteção daqueles com maior risco de desenvolver a doença na forma grave, reduzindo a necessidade de hospitalização, a disseminação do vírus e prevenindo o surgimento de novas cepas de maior preocupação”, diz o órgão.
Procurada pelo Comprova por e-mail em 14 de janeiro, a médica não respondeu até a publicação desta verificação.
Por que investigamos?
O Comprova investiga conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais sobre pandemia, políticas públicas e eleições. O vídeo aqui verificado reuniu mais de 96 mil visualizações em uma postagem no Facebook, 293 mil visualizações em uma publicação no TikTok, e tem sido compartilhado no WhatsApp.
Informações falsas sobre a vacinação contra covid-19 podem fazer com que as pessoas não se imunizem ou que escolham um determinado fabricante.
O Comprova já mostrou em verificações anteriores que é falso que a vacina da Pfizer tenha causado muitas mortes e que a segurança do imunizante da Pfizer para crianças foi atestada pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos.
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