Tuíte engana ao afirmar que sol mata o coronavírus
- Enganoso
- Enganoso
- Tuíte faz referência a estimativas de um estudo que se baseia em modelos antigos, criados para outros vírus. Especialistas ouvidos pelo Comprova dizem que estudo não tem nenhuma conclusão nova
- Conteúdo verificado: Tuíte afirma que, segundo cientistas, o sol do meio-dia é eficaz na erradicação do SARS-CoV-2 e mata o vírus em 34 minutos.
É enganosa uma postagem no Twitter que aponta possíveis benefícios da exposição ao sol contra a covid-19. De autoria do perfil @AlanLopesRio, a postagem diz que cientistas teriam afirmado que permanecer 34 minutos no sol seria suficiente para “matar o vírus” (inativá-lo no organismo humano). Especialistas atestam que essa relação não tem embasamento científico.
O Comprova localizou um artigo publicado, em junho, na revista “Photochemistry and Photobiology” que menciona a relação entre exposição ao sol e inativação do vírus, citando um intervalo de tempo de 34 minutos. No entanto, nele existem problemas metodológicos que inviabilizam o estabelecimento dessa relação.
“Não tem nenhuma conclusão nova e nenhum dado real nesse estudo. Aí eles jogam com esse tipo de argumento, que é ‘ruim para a saúde não tomar sol’. Claro, é mesmo”, avalia o professor do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e integrante do grupo de estudos de desinformação em redes sociais da Unicamp, ouvido pelo Comprova, Leandro Tessler.
Como verificamos?
Para checar as informações no tuíte de @AlanLopesRio fizemos, em primeiro lugar, uma busca no Google para entender a possível eficácia da exposição à luz solar no tratamento da covid-19. Por meio dela, encontramos notícias em sites brasileiros, como o portal IG Saúde, e americanos, como NY Post, datados da segunda quinzena de junho, que tratam dessa relação. As reportagens mencionam o estudo citado acima, que aborda a mesma duração de exposição ao sol do post.
Com a leitura das matérias, chegamos a um estudo publicado em 5 de junho na revista “Photochemistry and Photobiology”, da Sociedade Americana de Fotobiologia, sobre a “Inativação estimada dos coronavírus por radiação solar, com foco em especial na covid-19”. Procuramos, então, especialistas que pudessem comentar as conclusões da pesquisa. Conversamos com o infectologista Eduardo Sprinz, professor de medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), com o professor Leandro Tessler, do Instituto de Física da Unicamp, e com a professora de virologia Ana Claudia da Franco, também da UFRGS.
Procuramos, ainda, o autor da postagem no Twitter, pela rede social e por e-mail. Até a data de publicação desta checagem, ele não retornou os contatos.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 10 de setembro de 2020.
Verificação
34 minutos de sol
O estudo publicado na revista da Sociedade Americana de Fotobiologia é assinado por Jose-Luis Sagripanti e C. David Lytle, dois pesquisadores aposentados.
O Comprova entrou em contato com Leandro Tessler, professor do Instituto de Física da Unicamp e integrante do grupo de estudos de desinformação em redes sociais da universidade, para saber mais sobre as conclusões do artigo. Em junho, quando as notícias sobre a pesquisa foram divulgadas, ele publicou no Twitter alguns questionamentos sobre o que estava sendo veiculado na imprensa.
Na postagem alvo desta verificação, o autor escreve que “cientistas afirmaram que sol do meio-dia é extremamente eficaz na erradicação do vírus. Segundo o estudo, o sol mata o coronavírus em 34 minutos”.
À nossa reportagem, Tessler explicou, porém, que os dados apresentados no artigo “não medem, apenas estimam a sensibilidade do SARS-CoV-2 à radiação UVC. Além disso, o período de exposição de 11 a 34 minutos ao sol do meio-dia valeria para a maioria das cidades norte-americanas durante o verão. Para São Paulo, eles fazem o cálculo, o período seria bem mais curto se isso fosse correto”, afirma Tessler.
Por causa do método utilizado pelos pesquisadores, Tessler diz que é preciso “olhar com cuidado” para o estudo. Segundo o professor, o artigo não chega a detalhar se a ação dos raios ultravioleta seria eficaz contra o vírus encontrado em superfícies ou como uma forma de tratamento para pessoas infectadas. “Eles não fazem nenhuma medida do efeito. Eles fizeram um modelo anos atrás, […] para o vírus da gripe. E não tem nenhuma medida nem para o SARS-CoV nem para o SARS-CoV-2. Se olhar a tabela 1, onde está ‘D37’, está em branco. Então, não é um resultado. Tudo isso é uma estimativa feita com modelos para outros vírus”, completa.
Fica em casa
No mesmo tuíte, o perfil ainda afirma que “quem determinou a prisão domiciliar queria um genocídio em massa. O ‘fica em casa’ é uma fraude”.
No estudo, Jose-Luis Sagripanti e C. David Lytle fazem considerações sobre medidas como lockdown e campanhas para que os cidadãos fiquem em casa. Segundo os pesquisadores, “dados epidemiológicos disponíveis gratuitamente (em 29 de maio de 2020) demonstram que as medidas de bloqueio que impedem indivíduos saudáveis de permanecerem ao ar livre não resultaram em uma diferença óbvia e estatisticamente significativa nas infecções por milhão de habitantes quando comparados aos países onde indivíduos saudáveis estavam livres para permanecer ao ar livre, com potencial exposição à radiação solar. Se o aprisionamento de cidadãos saudáveis pode não ser determinante como essas estatísticas sugerem, então o papel potencial de estar fora de casa, exposto à luz solar direta ou espalhada, na pandemia de covid-19 não deve ser subestimado”.
Para Tessler, os autores fizeram analogias que são pouco críveis.
“Eles citam Suécia, Bielorrússia, Nicarágua, Uruguai, Indonésia, Coréia do Sul e Namíbia. Tem de olhar com cuidado o que aconteceu em cada um desses países. O Brasil tem muito sol e a pandemia está correndo solta. A Índia também. Então, não é parâmetro importante o que eles estão argumentando”, conclui o professor.
O pesquisador da Unicamp acrescenta que há fatores importantes que não foram considerados:
“Tem outra questão que acho ser muito mais relevante, que é a umidade do ar. Ele (o vírus) é desativado em ambiente seco. Isso é muito mais ativo contra o vírus do que essa suposta exposição ao ultravioleta. Inclusive, porque se você ficar exposta ao sol por 34 minutos ao meio-dia todos os dias, é muito provável que desenvolva câncer de pele. Não é só o vírus que é sensível à radiação ultravioleta do sol, sua pele também é.”
O Comprova já fez verificações relacionadas ao distanciamento social, como a que apresenta somente parte de uma entrevista do governador de Nova York para afirmar que o isolamento foi em vão e a que trata sobre uma pesquisa de Harvard que teria concluído que isolamento seria capaz de piorar a pandemia.
Vitamina D
Estudos já mostraram que a exposição ao sol é fonte de vitamina D. Entretanto, segundo as pesquisas, a falta de vitamina D está relacionada à resposta imune do organismo ou a problemas respiratórios. Isso não quer dizer que sua presença seria suficiente para eliminar o novo coronavírus. Os estudos não são conclusivos, apenas estabelecem correlação, não causa e efeito.
“O que existe é uma associação de quadros mais graves (de covid-19) em pessoas com baixa quantidade de vitamina D”, pontua o infectologista Eduardo Sprinz.
“As vitaminas são essenciais para o bom funcionamento do sistema imune, mas não há comprovação de que a vitamina D seja mais importante do que outras”, complementa a professora Ana Claudia Franco.
A vitamina D envolve dois compostos: D2 e D3, obtidos principalmente com a exposição à luz solar. Para que corpo seja capaz de produzir essas substâncias da maneira correta, o ideal é que tronco, braços e pernas recebam raios de sol, sem filtro solar, por cerca de 15 minutos por dia.
A deficiência de vitamina D é comumente ligada a problemas ósseos, mas recentemente também tem aparecido como relacionada a dificuldades pulmonares. Uma pesquisa de 2018 apontou que a falta da vitamina D é capaz de influenciar no mau funcionamento respiratório e na saúde de adultos de meia-idade.
Uma publicação feita em 28 de agosto por endocrinologistas e pneumologistas da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) pontua que “dados clínicos mostram benefícios na prevenção de infecções respiratórias e melhora da função pulmonar quando pacientes com deficiência de vitamina D são suplementados. No momento da redação deste artigo, não havia dados publicados sobre a suplementação de vitamina D para pacientes com covid-19.”
Em outro trecho, afirma que a “prevenção de infecções respiratórias e a melhora da função pulmonar são benefícios adicionais observados quando a deficiência de vitamina D é tratada. Até agora, qualquer efeito protetor da vitamina D especificamente contra covid-19 grave permanece obscuro.”
O autor do post
O conteúdo investigado foi encontrado no perfil @AlanLopesRio no Twitter e também em um perfil com o mesmo nome no Facebook. O mesmo homem aparece nas fotos de perfil e de capa das duas redes sociais e as postagens têm praticamente os mesmos conteúdos. Ambas também contêm indicações ao “Movimento Direita Inteligente”. Na descrição da página do movimento encontram-se os dizeres “conservador nos costumes e liberal na economia” e o destaque do apoio de mais de 14 anos ao presidente Jair Bolsonaro, ex-deputado federal.
No Twitter, além da postagem em que o autor do perfil afirma que “o fica em casa” é uma fraude, há outros conteúdos que desacreditam a gravidade da emergência sanitária e disseminam informações falsas. Em um deles, ele comenta uma imagem de uma aglomeração em uma praia carioca com a legenda “O Rio de Janeiro finalmente acordou!”. Evitar aglomerações é uma das recomendações das principais autoridades de saúde do mundo para evitar a transmissão do novo coronavírus.
Em outra postagem, o perfil defende o uso da cloroquina para pacientes com o novo coronavírus. Ele diz que a atriz Camila Pitanga fez uso do medicamento, insinuando que ela apresentou sintomas da covid-19, e afirma que a mídia, os governadores, os prefeitos e o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, “fizeram uma propaganda genocida contra o medicamento e impediram o povo de se salvar”.
Lopes omite que a atriz, na verdade, contraiu malária – cujo tratamento padrão é realizado com a cloroquina. Pitanga, em entrevista à TV Globo, afirmou ter tido seu nome vinculado à desinformação nas redes sociais. Conteúdos alegavam que a atriz estava com a covid-19 e fez uso do medicamento. À época, as agências Aos Fatos e Lupa verificaram algumas dessas postagens, mostrando se tratar de conteúdos falsos. Até o momento, apesar de eficaz contra a malária, não existem evidências científicas robustas que atestem a eficácia da cloroquina no tratamento de pacientes com o novo coronavírus.
Nas páginas, há também um vídeo em que o autor do tuíte investigado pelo Comprova anuncia sua pré-candidatura a vereador no Rio de Janeiro sem, no entanto, indicar por qual partido. Com o adiamento das eleições municipais de 2020, o prazo para registo de candidaturas foi estendido para o dia 26 de setembro. Lopes não respondeu aos contatos do Comprova.
Por que investigamos?
Em sua terceira fase, o Projeto Comprova monitora e verifica conteúdos suspeitos que circulam nas redes sociais sobre políticas públicas do governo federal, eleições municipais e a pandemia de covid-19.
Postagens falsas ou enganosas envolvendo o novo coronavírus causam ainda mais danos nas redes sociais porque podem colocar a saúde das pessoas em risco. É o caso do conteúdo em questão que, ao propagar uma informação sem embasamento científico sobre uma doença contra a qual não há vacina nem tratamento eficaz, pode incentivar o descumprimento das recomendações das principais autoridades sanitárias do mundo para o controle da pandemia.
Até a data de publicação deste texto, a postagem de @AlanLopesRio somava mais de 16 mil interações no Twitter. No Facebook, a publicação tinha sido compartilhada 315 vezes.
Não é a primeira vez que conteúdos sugerindo tratamentos sem eficácia comprovada contra o coronavírus viralizam nas redes sociais. O Comprova já verificou conteúdos falsos e enganosos sobre a ozonioterapia, ivermectina, hidroxicloroquina e sobre o chamado tratamento precoce contra a covid-19. Em junho, o Coletivo Bereia checou um conteúdo similar à postagem objeto desta verificação, concluindo ser enganoso.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.