Comprova Explica

Investigado por: 09/09/2025

Norma que obriga fintechs a informar Receita sobre operações acima de R$ 2 mil já existe para bancos e não tributa Pix

Comprova Explica
Governo federal publicou texto, que busca combater lavagem de dinheiro, um dia após operações que revelaram uso de bancos digitais por crime organizado.

Conteúdo analisado: Publicação em rede social usa vídeo sobre mudança em regra para fintechs para sugerir criação de um “imposto sobre Pix”. Nova norma publicada pela Receita Federal equipara bancos digitais aos tradicionais e obriga o repasse de informações sobre movimentações financeiras, mas não prevê nenhuma taxação ou cobrança.

Comprova Explica: Uma nova regra anunciada pela Receita Federal passa a exigir dos bancos digitais, também chamados de fintechs, o envio das mesmas informações financeiras já cobradas dos bancos tradicionais. A norma consta na Instrução Normativa 2.278, publicada no fim de agosto. A medida visa aumentar a transparência dessas instituições de pagamento e combater crimes como fraudes e lavagem de dinheiro, segundo o próprio documento. A exigência foi publicada um dia após as operações Carbono Oculto, Quasar e Tank, que revelaram o uso de bancos digitais e postos de gasolina para supostos esquemas financeiros da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) em todo o país.

Na prática, a regra passa a exigir que as fintechs informem à Receita Federal as movimentações financeiras de contas que ultrapassarem o limite de R$ 2 mil por mês, em caso de pessoa física, e de R$ 6 mil por mês, para pessoas jurídicas.

Os valores são os mesmos já previstos para os bancos tradicionais, conforme outra instrução normativa da Receita Federal, em vigor desde 2015. Os informes são enviados a cada seis meses e reúnem valores movimentados no crédito, débito, Pix, TED e outros meios. As medidas entraram em vigor na data de publicação do documento, mas o secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, afirmou em uma audiência na Câmara dos Deputados que irá pedir dados retroativos desde janeiro deste ano, conforme noticiou o portal G1. As novas regras para os bancos digitais não criam nenhum imposto ou cobrança sobre o Pix ou qualquer outro serviço.

Nas redes sociais, publicações sugeriram que a nova regra poderia ser uma tentativa de criar impostos sobre meios de pagamento como o Pix, o que não é verdade. Uma postagem no X analisada pelo Comprova utiliza um vídeo em que uma empresária explica as mudanças nas regras para fintechs e alerta quem não declara corretamente valores recebidos nessas contas digitais para sugerir, de forma enganosa, que as normas poderiam resultar em cobranças extras. No post, o autor afirma que as notícias relacionando o crime organizado e as fintechs seriam um “balaio de gato” para “a dupla Lula-Taxaad sugar até o último centavo do seu bolso”. Na seção de comentários, o dono da conta completa a desinformação: “Lá vem imposto no Pix”.

O post, na verdade, requenta informações falsas que repercutiram na primeira vez em que o governo federal tentou obrigar fintechs a se submeterem a enviar alertas à Receita Federal em caso de contas de usuários que ultrapassem um valor mensal — a tentativa ocorreu em janeiro de 2025 e previa as comunicações a partir de R$ 5 mil por mês para pessoas físicas e R$ 15 mil para pessoas jurídicas. A medida, no entanto, foi revogada 15 dias depois da implantação, devido a uma onda de notícias falsas que sugeria a criação de imposto sobre o Pix, o que também não constava nas normas adotadas na ocasião. Um vídeo do deputado federal bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG) atacando a iniciativa foi o principal argumento que levou o governo Lula a recuar da proposta.

Foco da medida é combate ao crime

Ao divulgar a nova instrução normativa, a Receita publicou uma nota à imprensa em que afirma que as fintechs têm sido utilizadas “para lavagem de dinheiro nas principais operações do crime organizado, porque há um vácuo regulamentar, já que elas não têm as mesmas obrigações de transparência e de fornecimento de informações a que se submetem todas as instituições financeiras do Brasil há mais de 20 anos”. Ao Comprova, o órgão confirmou as novas regras para fintechs e negou qualquer possível taxação do Pix ou aumento de impostos em razão da medida, afirmando que “a Constituição não permite essa cobrança”.

A advogada especialista em Direito Bancário, Olivia Manuela Chaves Pires, afirma que o foco da nova regra é coibir crimes que usam transações financeiras e sistemas como o Pix.

“As fintechs estão atuando como os bancos, então a instrução normativa vem para regular o que já é exigido dos bancos. Aí vem aquela onda de que as transações por Pix ou movimentações maiores vão ser controladas, tributadas. Isso não está previsto na instrução normativa, é realmente aquela ideia de fake news, de querer tentar aumentar algo de que a instrução normativa não fala. A ideia é de combate ao crime de lavagem de dinheiro, de ocultação de patrimônio. Está ligado a isso, não a um controle ou tributação de transação de Pix. O documento não traz nada a respeito disso”, afirma.

A nova investida para equiparar as exigências dos bancos digitais aos tradicionais ocorreu na esteira das operações Carbono Oculto, Quasar e Tank, que miraram o crime organizado, com buscas em 10 estados brasileiros, no fim de agosto. Segundo investigação da Polícia Federal, membros do PCC teriam montado esquema para lavar dinheiro, blindar patrimônio e financiar a compra de empresas por meio de fintechs. A facção teria chegado a controlar 40 fundos de investimento, com mais de R$ 30 bilhões em recursos. As instituições de pagamento digital seriam usadas para destinar recursos ilícitos obtidos na operação de postos de combustíveis e padarias, por exemplo.

Após o anúncio da regra para exigir o envio de informações das fintechs, o Banco Central (BC) também definiu um teto de R$ 15 mil para transações via Pix para algumas instituições de pagamento, somente as que ainda não são autorizadas pelo BC e que se conectam à Rede do Sistema Financeiro Nacional via Prestadores de Serviços de Tecnologia da Informação (PSTI). Trata-se de instituições menores, que fazem transações por intermédio de empresas maiores, segundo reportagem do portal UOL. Nesse caso, a intenção da regra seria evitar novos ataques ao sistema Pix. Nos últimos meses, invasões de hackers foram identificadas pelo BC.

Fontes consultadas: Pesquisa em veículos jornalísticos, instruções normativas da Receita Federal, Ministério da Fazenda e entrevista com a advogada Olivia Manuela Chaves Pires.

Por que o Comprova explicou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está gerando muitas dúvidas e desinformação, o Comprova Explica. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Para se aprofundar mais: O Comprova já mostrou que o Pix é alvo de investigação comercial dos EUA, mas não pode ser taxado por Trump e que postagens enganavam ao sugerir que secretário do governo confirmou cobrança de novo imposto sobre Pix.