Política

Investigado por: 28/08/2025

Homem com hanseníase foi condenado por associação criminosa no 8/1 e não por “vender balas”

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Publicações nas redes sociais sugerem que acusado teria sido preso por comercializar doces em acampamento em frente ao quartel do Exército, mas julgamento no Supremo considerou que réu participou dos atos.

Um homem preso em Brasília após os ataques de 8 de janeiro, e que afirmou em depoimento ter ido ao local apenas para “vender balas”, foi condenado por associação criminosa e incitação ao crime. Publicações que circulam nas redes sociais desinformam ao dizer que ele foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) “por vender balas”.

As postagens foram compartilhadas nos últimos dias por usuários das redes sociais TikTok e X, incluindo o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). As mensagens afirmam ainda que o acusado tem “lepra”, termo antigo e depreciativo para se referir à doença hanseníase.

O caso em questão envolve Davi Alves Torres, de 47 anos, morador de Brasília. Ele foi detido no acampamento montado em frente ao quartel-general do Exército, na capital federal, após os atentados realizados contra os prédios públicos em 8 de janeiro.

Foi o voto do ministro Alexandre de Moraes que embasou a condenação. De acordo com o ministro, no celular de Davi foram encontradas imagens que mostrariam a união dele com outros participantes dos atos golpistas e um vídeo do edifício-sede do STF sendo destruído no dia 8 de janeiro de 2023.

A condenação foi confirmada em 5 de agosto, em julgamento virtual do plenário do STF, por 8 votos a 2, com posições contrárias apenas dos ministros Nunes Marques e André Mendonça.

Davi Torres foi condenado a um ano de reclusão, mas a pena foi substituída por prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas por 225 horas, além de outras medidas, como multa, participação em curso sobre democracia, proibição de se ausentar da comarca em que reside e de usar redes sociais.

Em exame no Instituto Médico Legal (IML), em 15 de julho, Torres declarou ter hanseníase. Ao longo do processo, também anexou documentos de unidades de saúde do Distrito Federal que comprovam a condição e afirmou que esse diagnóstico é o motivo da sua aposentadoria por invalidez.

Ele foi solto em março de 2023 mediante o uso de tornozeleira eletrônica. Em outubro de 2024, após ser questionada sobre violações da área de circulação informadas pela Justiça, a defesa de Torres pediu a retirada da exigência de tornozeleira eletrônica. A alegação foi que, em razão do quadro de hanseníase, o equipamento “lhe causa inchaço e retenção de líquido”, o que poderia “causar inflamação em decorrência da doença” e “evoluir para novas amputações de membros”. Moraes, então, solicitou que fossem apresentados documentos médicos que comprovassem a condição.

Nos meses seguintes, a Justiça informou novos descumprimentos da área de circulação. Em decisão, Moraes afirmou que, a defesa não apresentou as explicações e novos descumprimentos foram informados. Segundo o STF, foram 17 ocorrências de violação das medidas cautelares de circulação. Em razão disso, em 8 de julho deste ano, Davi teve a prisão preventiva decretada.

De acordo com a Polícia Civil do DF, depois de passar por audiência de custódia na Divisão de Controle e Custódia de Presos (DCCP), Torres foi encaminhado para o Centro de Detenção Provisória. Ao Comprova, o advogado que representou o réu no caso, Klebes Resende da Cunha, confirmou que ele permanece preso preventivamente. O defensor afirmou que os descumprimentos ocorreram para que Torres fizesse acompanhamento médico em cidades-satélites do Distrito Federal e que isso foi informado à Justiça e reforçado na audiência de custódia. Sobre este assunto, na audiência de custódia, o juiz auxiliar do ministro Alexandre de Moraes, Rafael Henrique Janela Tamai Rocha, disse que essas justificativas deveriam ser apresentadas nos autos pela defesa sempre que houver algum tipo de descumprimento.

Apesar disso, Davi permanece preso. Segundo o advogado, o réu afirma ter ido ao acampamento apenas para vender balas para complementar a renda e não teria participado dos atos nos prédios públicos.

| Trecho do voto do Ministro Alexandre de Moraes, relator da Ação Penal 1.254 (AP 1254/DF), no Supremo Tribunal Federal, com imagens extraídas de vídeo encontrado no celular do réu sobre os atos de 8/1/2023. Link.

Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova

A postagem foi criada originalmente pelo criador de conteúdo Danuzio Neto, que divulgou a informação no Instagram em formato de card, com aparência semelhante à de uma notícia jornalística. O conteúdo, por sua vez, reproduz a narrativa publicada pela Revista Oeste, de onde saiu o texto utilizado na legenda. Posteriormente, a imagem foi amplificada pelo vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (PL), que compartilhou o material em suas redes, acrescentando a frase “democraticamente!”.

O interesse na disseminação do conteúdo parece ser político e ideológico, pois busca reforçar críticas ao STF e ao julgamento dos réus do 8 de janeiro, apresentando a condenação de forma distorcida para descredibilizar a Corte. A publicação conta com 110 mil visualizações, 13 mil curtidas e 4 mil republicações até o momento desta publicação.

A alegação central do post investigado é que o STF teria condenado um homem “por vender balas” durante os atos de 8 de janeiro. A formulação sugere que a atividade de ambulante (venda de doces) teria sido tratada como crime e motivo da condenação. No entanto, a pena de 1 ano de reclusão com outras medidas foi aplicada pelas acusações de associação criminosa e incitação ao crime.

Por que as pessoas podem ter acreditado

A publicação utiliza apelo emocional e tenta criar uma sensação de injustiça, sugerindo que o homem preso e condenado no 8 de janeiro estaria apenas “vendendo doces”.

A estratégia, capaz de gerar indignação e empatia, é usada também em outros casos, como o do idoso que utiliza tornozeleira eletrônica e confunde o equipamento com um relógio, mas que o Comprova já mostrou não ter relação confirmada com os atos de 8 de janeiro. Também pode ser identificada nos episódios do pipoqueiro e do sorveteiro citados em um discurso do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas que não estavam trabalhando quando foram presos no acampamento em frente ao quartel do Exército, como também mostrou o Comprova.

O conteúdo também pode favorecer discursos políticos, como as críticas às decisões do STF e a defesa de anistia aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro. A simplificação de temas jurídicos complexos, que exigem a leitura das decisões judiciais, também pode ser uma tática que ajude o conteúdo a se disseminar nas redes sociais.

Fontes que consultamos: Ação penal contra Davi Alves Torres na página do STF, buscas reversas no Google, contato com as assessorias do STF, da Polícia Civil e da Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape) e com o advogado de Davi Alves Torres.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já mostrou que o vídeo de um idoso com tornozeleira eletrônica não tem relação confirmada com os atos de 8 de janeiro, que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não ameaçou enviar tropas contra Alexandre de Moraes e que uma postagem que circula nas redes tira de contexto falas de ministros do STF para forjar um embate entre eles.

Notas da comunidade: A publicação no X não tinha Notas da comunidade até a publicação desta verificação.