Post alega sem apresentar provas que covid-19 foi criada em laboratório por ordem de Obama
- Enganoso
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- É enganoso que o ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama tenha ordenado a criação do vírus da covid-19, no ano de 2015. Não há documentos ou evidências que comprovem essa acusação. O conteúdo investigado faz uso de teorias conspiratórias e descontextualiza publicações científicas.
Conteúdo investigado: Post afirmando que documentos oficiais provam que o ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ordenou a criação do vírus da covid-19.
Onde foi publicado: X e site Infowars.
Conclusão do Comprova: É enganoso o conteúdo de um post no X que afirma que documentos federais provam que o ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama ordenou a criação da covid-19 em 2015, e que a doença tem sido usada como arma biológica desde então.
O post compartilha o link para uma publicação do site Infowars, criado em 1999 pelo conspiracionista de extrema-direita Alex Jones. Segundo o site, o documento comprobatório teria vindo à tona após o atual presidente Donald Trump assumir o controle da USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional), uma das maiores agências de ajuda humanitária do mundo.
No entanto, a publicação não compartilha qualquer documento e se resume a declarações vagas feitas em entrevista de Jones com o advogado Tom Renz no dia 6 de fevereiro deste ano. A única menção a Obama é feita por Jones no vídeo quando ele diz que cobriu um “grande escândalo” em 2015 quando cientistas denunciaram que Obama estava criando um vírus e que este foi “movido para Wuhan”, na China, para que, quando o vírus fosse implementado, fosse possível negar o envolvimento dos EUA.
Em 2014, os EUA suspenderam financiamentos para estudos de “ganho de função” envolvendo vírus Influenza, Sars e Mers para avaliar os “riscos potenciais associados”. Na época, o National Institutes of Health (NIH) financiava um estudo na Universidade da Carolina do Norte que, usando engenharia reversa no vírus Sars-CoV, apontou um “risco potencial de ressurgimento do SARS-CoV a partir de vírus que atualmente circulam em populações de morcegos”.
No entanto, não é possível afirmar que o vírus tenha vazado a partir deste estudo ou de algum outro financiado pelos EUA. Os autores da alegação também não apresentaram documentos que provem que Obama mandou fabricar a covid-19 para usar como arma biológica.
O Comprova procurou o autor da declaração, o radialista Alex Jones – que já teve conteúdos banidos de redes sociais por disseminar desinformação e discurso de ódio – mas não obteve resposta até a publicação desta verificação. Um dos e-mails retornou sem ser entregue ao destinatário
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. A publicação investigada aqui acumula mais de 9 mil interações apenas no X até 11 de fevereiro.
Fontes que consultamos: Primeiramente, o Comprova acessou o site compartilhado na publicação no X a fim de averiguar a confiabilidade da fonte. Em seguida, por meio de pesquisa no Google, investigamos quais informações públicas existiam sobre o responsável pelo site Infowars. Dessa forma, foi possível encontrar diversas matérias e reportagens sobre as teorias conspiratórias propagadas por Alex Jones.
Também consultamos pesquisas e estudos científicos publicados a partir de 2014 a respeito da origem da covid-19 e sua possível relação com o governo Barack Obama. Buscamos ainda o artigo da revista Nature citado durante o vídeo investigado, compartilhado no site Infowars. Além disso, ouvimos um pesquisador na área de Biociências e Zoologia, o professor Daniel Lahr, do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP).
Documentos provam que Obama mandou criar o Sars-CoV-2?
Não. A alegação se mistura à teoria não confirmada de que o Sars-CoV-2 escapou de um laboratório de Wuhan, na China, após estudos feitos em parceria com pesquisadores norte-americanos. O que aconteceu foi que, em 2014, pesquisadores liderados pelo virologista Ralph Baric, da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, nos Estados Unidos, conduziram um estudo que apontou que um aglomerado de coronavírus circulantes em morcegos, semelhantes aos SARS, mostrava potencial para uma emergência de saúde em humanos.
Para realizar o estudo, os cientistas usaram um sistema de genética reversa do vírus Sars-CoV – mapeado em 2003, ou seja, diferente do SARS-CoV-2, que causa a covid-19 – para gerar um vírus quimérico, isto é, híbrido. Esse vírus quimérico mostrava o pico do coronavírus de morcego em uma estrutura de Sars-CoV adaptada em camundongos. O resultado foi que o vírus se replicava com eficiência nas vias respiratórias dos camundongos, o que sugeria um “risco potencial de ressurgimento do Sars-CoV a partir de vírus que atualmente circulam em populações de morcegos”.
A pesquisa foi aprovada no Comitê de Biossegurança Institucional da Universidade da Carolina do Norte e recebia financiamento do governo dos Estados Unidos através do National Institutes of Health. No entanto, em outubro de 2014, quando o estudo ainda estava em andamento, o governo dos Estados Unidos, sob a presidência de Barack Obama, decidiu suspender o financiamento de pesquisas de “ganho de função” envolvendo os vírus influenza, SARS e MERS enquanto avaliava “os riscos potenciais associados“.
O ganho de função ocorre quando um organismo — ou um vírus — ganha outras habilidades. No caso dos vírus, pesquisas assim costumam ser feitas para que se descubra como combatê-los num momento em que, eventualmente, se tornem mais transmissíveis ou mais perigosos. Segundo os autores do estudo, houve um pedido de reavaliação do financiamento e o NIH liberou a continuidade. O virologista Ralph Boric disse ao Washington Post que a pesquisa foi avaliada como não sendo de ganho de função.
Um artigo derivado do estudo foi publicado em 2015 pela renomada revista científica Nature. Em março de 2020, os editores publicaram uma nota informando estar cientes de que o conteúdo estava “sendo usado como base para teorias não verificadas de que o novo coronavírus que causa a COVID-19 foi projetado”. A nota disse ainda: “Não há evidências de que isso seja verdade; os cientistas acreditam que um animal é a fonte mais provável do coronavírus”.
Em maio do ano passado, a revista Vanity Fair publicou uma reportagem com base no conteúdo de entrevistas de Ralph Boric ao Subcomitê Seleto de Supervisão e Responsabilidade sobre a Pandemia do Coronavírus e o Subcomitê de Supervisão e Investigações de Energia e Comércio, ambos da Câmara e ambos liderados por Republicanos.
Ele disse que, em Chapel Hill, a pesquisa era desenvolvida em laboratórios com instalações de nível de biossegurança 3 (BSL-3), mas que, mais tarde, no Instituto de Virologia de Wuhan, na China, a pesquisa estaria sendo feita em um laboratório com nível inferior, BSL-2. O pesquisador também afirmou que acredita ser muito mais provável que o SARS-CoV-2 tenha se espalhado naturalmente de animais para humanos, “dada a grande abundância de vírus na natureza”, mas declarou que não pode descartar um vazamento do laboratório.
O nome do presidente Obama vem sendo nos últimos anos associado à criação do SARS-CoV-2 como uma arma biológica, possivelmente, devido ao financiamento federal para o estudo, mas também por conta de uma declaração feita por ele em dezembro de 2014, na sede do NIH, em Maryland. Na época, ele visitou as instalações do instituto para falar sobre o combate ao vírus Ebola, que assolava países da África.
Em determinado momento do discurso, Obama ressaltou a importância de fazer pesquisas que pudessem se antecipar a cenários mais catastróficos. “Pode e provavelmente chegará um momento em que teremos uma doença transmitida pelo ar que é mortal. E para que possamos lidar com isso efetivamente, temos que colocar em prática uma infraestrutura — não apenas aqui em casa, mas globalmente — que nos permita vê-la rapidamente, isolá-la rapidamente, responder a ela rapidamente. E também exige que continuemos o mesmo caminho de pesquisa básica que está sendo feito aqui no NIH”, disse.
Na mesma época, esta imagem viralizou como se mostrasse Obama em um laboratório de Wuhan. Na verdade, a foto foi feita em Maryland, nas instalações do NIH, em dezembro de 2014.
O Comprova tentou contato com o virologista Ralph Boric, mas não recebeu resposta até a publicação deste texto.
Evidências apontam transferência de morcego para humanos
A teoria de que o Sars-CoV-2 teria sido fabricado em laboratório não é recente. No ano de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já havia negado essa hipótese, afirmando que o mais provável era que a transmissão tivesse ocorrido de um animal para os humanos. Mais de cinco anos após a crise sanitária, o professor Daniel Lahr, do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), afirma que essa ainda é a origem com mais evidências.
“A ciência depende da evidência disponível, e até onde temos evidência, o organismo mais próximo com o qual o Sars-CoV-2 compartilha um ancestral em comum é um vírus que infecta morcegos na China. Isso está bastante claro”, explica.
Segundo o pesquisador, estudos indicam que a transferência do vírus do morcego para o humano teria ocorrido nos últimos meses de 2019. Além disso, a descoberta do mercado de Wuhan, na China, como epicentro da pandemia, apenas trouxe mais evidências de que a origem da doença veio da transferência de animais.
“É essa a origem que a maior parte da evidência científica indica. A transferência de um hospedeiro animal para um hospedeiro humano. Devido às características desse epicentro, uma localidade extremamente densa, com muita gente e circulação enorme, tanto de animais quanto de pessoas, o vírus foi se propagando e conseguindo então velocidade para causar uma epidemia”, destaca Daniel Lahr.
Para ele, é pouco plausível a hipótese da criação do coronavírus como uma arma biológica. “É algo que nunca foi feito. Custa muito caro, exige uma estrutura muito grande. Se alguém estivesse ou está tentando construir um vírus causador de pandemia, deveria haver evidências e simplesmente não há”, finaliza.
Infowars e teorias da conspiração
O conteúdo aqui investigado foi originalmente publicado no site Infowars, um portal norte-americano de extrema-direita fundado em 1999 e conhecido por propagar teorias da conspiração e informações falsas. Foi criado por Alexander Emerick Jones, mais conhecido como Alex Jones, radialista e conspiracionista já processado e condenado pela Justiça pela disseminação de desinformação.
Em 2018, Facebook, Youtube, Spotify e Apple baniram de suas plataformas conteúdos de Jones que propagavam discurso de ódio. No mesmo ano, o conspiracionista foi banido do X por violar a política de comportamento da plataforma. Mas seu retorno para a rede social foi autorizado por Elon Musk em 2023.
Um ano depois, em 2024, Alex Jones foi condenado a pagar quase 1,5 bilhão de dólares aos familiares das vítimas do tiroteio ocorrido na escola primária de Sandy Hook, em Connecticut, nos Estados Unidos, em 14 de dezembro de 2012. Por anos, ele afirmou que o massacre que resultou na morte de 20 crianças e seis adultos foi fabricado pelo governo americano e pelos defensores do desarmamento.
O radialista chegou a dizer que os pais das vítimas seriam atores e que alguns nunca nem existiram. Com a denúncia por difamação e as condenações na Justiça, Jones declarou falência no Texas, seu estado natal. Um juiz autorizou a liquidação dos seus bens para o pagamento de indenização às famílias das vítimas do tiroteio.
Como parte da liquidação dos ativos, o Infowars foi à leilão e, inicialmente, comprado pelo portal de sátiras The Onion. Em novembro de 2024, o CEO da empresa anunciou em um editorial a aquisição do site. Porém, um mês depois, o juiz de um tribunal de falências no Texas impediu a venda por falhas no procedimento do leilão.
Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: O Comprova já mostrou ser falso que a criação do vírus da covid-19 esteja comprovada, que é enganoso que e-mail de Anthony Fauci mostrado no Fantástico prove origem do vírus em laboratório e que o Nobel de Medicina Tasuku Honjo não disse que o coronavírus é artificial.
Notas da comunidade: O X não liberou notas da comunidade para o post investigado até a publicação desta verificação.