Pesquisa na Cidade do México não é capaz de provar redução de internações por covid-19 com ivermectina
- Enganoso
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- Material preliminar divulgado pelo governo local é uma análise de dados que não foi revisada por pares, nem publicada em revistas científicas. Especialistas apontam que a metodologia apresenta risco de viés e não permite concluir se vermífugo evitou hospitalizações de fato. Os responsáveis pelo estudo sabem apenas que algumas pessoas receberam kits com esse e outros remédios, mas não têm como afirmar que esses indivíduos de fato ingeriram a substância.
- Conteúdo verificado: Postagens nas redes sociais em defesa do chamado “tratamento precoce” alegam que a Cidade do México reduziu em até 76% o número de internações por covid-19 com a ivermectina.
Circula nas redes sociais que um estudo na Cidade do México teria mostrado que a ivermectina reduziu em até 76% o número de hospitalizações entre casos de covid-19. A pesquisa existe e foi divulgada pelo governo em 15 de maio, mas não é capaz de comprovar segurança e eficácia do tratamento com o vermífugo contra o novo coronavírus.
Os dados são preliminares e não foram publicados em nenhuma revista científica. Isso quer dizer que esses números não foram revisados e validados por outros cientistas e, portanto, devem ser vistos com cautela. Além disso, o estudo foi feito por meio de consulta a bancos de dados, em nível populacional, e tentou medir os resultados da entrega de um kit composto por três medicamentos, e não somente pela ivermectina, entre outros materiais de apoio. Não se trata de um ensaio clínico.
Especialistas consultados pelo Comprova apontaram limitações no artigo. Um pesquisador mexicano também alertou para o risco de viés na análise estatística e considerou o período de análise inadequado. A ivermectina não é recomendada pelos principais órgãos mundiais de saúde a pacientes de covid-19 fora de ensaios clínicos e pode apresentar riscos à saúde, principalmente quando tomada sem acompanhamento médico.
Como verificamos?
Por meio de uma busca simples no Google, o Comprova encontrou notícias publicadas pela imprensa a respeito do estudo mexicano.
A reportagem então procurou pelo conteúdo original e chegou a uma nota divulgada pelo governo local em 15 de maio. Esse mesmo texto contém um link que leva para a pesquisa não revisada, disponibilizada em uma plataforma de acesso aberto na internet.
O Comprova fez a leitura do estudo e consultou três especialistas para entender os resultados e limitações do artigo, além do atual cenário de evidências sobre o uso de ivermectina contra a covid-19.
A verificação também analisou uma publicação de um pesquisador mexicano sobre o assunto e procurou informações sobre os autores da pesquisa.
Por fim, houve consulta a dados públicos sobre casos e mortes por covid-19, número de vacinados e políticas implementadas no México durante a pandemia. Essas informações foram contextualizadas com notícias e outras fontes confiáveis.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 20 de maio de 2021.
Verificação
O preprint do governo
Em 14 de maio, o governo da Cidade do México convocou uma coletiva de imprensa para apresentar os resultados de uma pesquisa sobre o uso da ivermectina contra a covid-19. Essas informações foram divulgadas, no dia seguinte, em um texto no site oficial do governo com o título “Ivermectina y la probabilidad de hospitalización por COVID-19” (Ivermectina e a probabilidade de hospitalização por covid-19).
De acordo com o documento, pesquisadores ligados ao governo teriam encontrado uma “redução significativa” na chance de hospitalização entre pacientes que receberam um kit médico baseado em ivermectina. Esse efeito variou entre 52% e 76% dependendo do modelo de análise, diz a publicação — que defende a continuidade da distribuição da droga no sistema de saúde contra a covid-19, mesmo sem eficácia e segurança comprovadas cientificamente.
A pesquisa está disponível em formato de preprint — uma espécie de pré-publicação, quando os pesquisadores divulgam os artigos mesmo sem terem sido avaliados por outros especialistas ou publicados em revistas científicas — em uma plataforma chamada SocArXiv Papers. Essa ação permite que os resultados sejam difundidos mais rapidamente na área, mas também exigem cautela na leitura e não devem ser tomados como resultados definitivos.
A pesquisa é assinada pelo chefe da Agência Digital de Inovação Pública do México, José Merino; por um diretor do Instituto Mexicano de Seguridade Social, Victor Hugo Borja; pela titular da Secretaria de Saúde da Cidade do México, Oliva López Arellano, e pelo diretor da pasta José Alfredo Ochoa; e por outros três funcionários da agência de inovação.
Nesse mesmo dia, a agência de notícias internacional EFE publicou o artigo “Ciudad de México dice que ivermectina redujo hospitalizados entre 52 % y 76%” (Cidade do México diz que ivermectina reduziu hospitalizados entre 52% e 76%). A publicação repercutiu no Brasil a partir de uma publicação da rádio Jovem Pan. Depois, a informação foi replicada por políticos e páginas alinhadas com o governo federal nas redes sociais, em defesa do chamado “tratamento precoce”.
O que diz o estudo
A pesquisa divulgada pelo governo da Cidade do México é uma análise retrospectiva de dados sobre uma política pública controversa no país. Segundo o artigo, a cidade conta com cerca de 230 unidades móveis conhecidas como “quiosques”, responsáveis por prestar atendimento para casos suspeitos de covid-19 fora do ambiente hospitalar, incluindo testes de antígenos, entrega de kits médicos e monitoramento posterior através de contato telefônico, em um call center conhecido como Locatel, a cada 48h, para verificar o andamento dos sintomas.
A partir de 28 de dezembro de 2020, começaram a ser fornecidos kits médicos na cidade a casos leves e moderados da doença. Segundo o artigo, essas caixas continham ivermectina (quatro comprimidos para dois dias), ácido acetilsalicílico (conhecido popularmente como aspirina, para 14 dias) e paracetamol (10 comprimidos para o caso de sintomas). Teriam sido entregues 83 mil kits em um mês.
Outras fontes de notícias locais apontam ainda a entrega do antibiótico azitromicina no conjunto de remédios e de equipamentos de apoio, como máscaras para os pacientes e seus familiares, álcool em gel e oxímetro, aparelho que mede o nível de oxigênio no sangue e é indicado para acompanhamento de doentes em cuidados domiciliares. Essa informação não é mencionada no artigo do governo da Cidade do México. O jornal El Heraldo de México também aponta a existência de acompanhamento de profissionais de medicina familiar com uma frequência de até três vezes por dia para o caso de pacientes com sintomas, e não apenas a cada 48h.
O que os autores da pesquisa fizeram foi uma análise estatística a partir de três fontes diferentes. Eles pegaram o total de casos reportados entre 23 de novembro de 2020 a 28 de janeiro de 2021, os registros de internados em hospitais públicos até 8 de fevereiro de 2021 e as entradas no sistema de acompanhamento do Locatel. Esses dados foram cruzados por meio do código de identidade das pessoas atendidas.
Para avaliar o impacto do kit médico, eles presumiram primeiro que todas as pessoas que testaram positivo e tiveram sintomas nos 30 dias depois da data de implementação do programa, em 28 de dezembro, receberam e usaram os remédios (77.381 casos). Eles compararam então com o resultado das pessoas testadas entre 23 de novembro e o início do programa, que não receberam as drogas nos postos de saúde (156.468 pessoas).
Os dados então foram equiparados por um modelo estatístico. A pesquisa separou os casos pelo desfecho da hospitalização, a disponibilidade do tratamento e por algumas características, como sexo, idade e comorbidades. Segundo o levantamento final, foram identificadas 311 hospitalizações no grupo ativo (0,4%), que teriam recebido e usado os remédios, contra 1.884 (1,21%) no grupo controle, que não teriam passado pela intervenção.
Os registros do Locatel serviram para construir uma segunda planilha, em que foram contabilizadas as pessoas que informaram ao serviço de acompanhamento telefônico terem recebido o kit de remédios (18.074 pessoas) e aquelas que declararam não ter recebido (57.598 pessoas). O objetivo era verificar se a relação entre os dados se mantinha dessa maneira, o que os autores afirmaram positivamente.
“Em todas as especificações, encontramos um efeito negativo significativo do kit médico baseado em ivermectina na probabilidade de hospitalização entre os pacientes que o receberam versus aqueles que não receberam”, afirma o artigo. “Dependendo da sub-amostra, o efeito varia entre 50% e 76% de diferença de chance de hospitalização entre pacientes tratados e não tratados, estatisticamente significante em todos os casos.”
Críticas ao artigo
O estudo, divulgado ainda em relatório preliminar pelo governo da Cidade do México, recebeu críticas quanto ao método de avaliação e à conclusão apresentada. Um dos principais questionamentos é sobre a atribuição do resultado ao remédio ivermectina, quando na realidade os kits continham três medicamentos pelas informações do próprio artigo, além de equipamentos de apoio e outras orientações básicas de saúde.
Além disso, a pesquisa não é capaz de determinar se as pessoas efetivamente usaram as medicações, se tomaram no período correto e se receberam drogas adicionais para o tratamento dos sintomas. O mesmo vale para o grupo controle, que os autores do estudo assumem que não usou o trio de remédios apenas porque não recebeu o kit nos postos de atendimento. Em outras palavras, é impossível estabelecer uma relação de causalidade entre o uso de ivermectina isolado e a suposta baixa nas internações.
O pesquisador Omar Yaxmehen Bello-Chavolla, especialista em estatística aplicada do Instituto Nacional de Geriatria da Cidade do México e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), apontou ainda uma série de problemas metodológicos na pesquisa em uma thread no Twitter. Ele sustenta que os dois períodos de coleta de dados não são comparáveis e podem ter influenciado nos resultados, ainda que os autores tenham tentando mitigar esse efeito através de modelagem estatística.
O motivo é que, antes do início do fornecimento do kit, o número de hospitalizações diárias era menor na Cidade do México, relata Bello-Chavolla. Diante da maior ocupação nos hospitais na época da intervenção, os critérios adotados pelos médicos para admitir novos pacientes podem ter sido mais rigorosos. “Saturação hospitalar reduz a probabilidade de hospitalização de casos leves”, pondera.
O pesquisador reproduziu uma das análises estatísticas mencionadas pelo estudo em cima dos dados disponibilizados no GitHub e encontrou outros problemas. Ele identificou, por exemplo, que 56% dos casos foram eliminados da amostra por não conterem dados sobre entrega ou não do kit e, nestes, havia 959 casos com registro de hospitalização. Esse fato demonstra que os autores não definiram previamente como a pesquisa seria feita.
A amostra contabilizada no estudo foi de 57.581 casos sem kit contendo 673 internados, contra 18.074 casos com kit e 56 internados. Nesse ponto, a diferença entre características dos grupos no momento do matching (por sexo, idade e comorbidades) sugere a existência de fatores confundidores prévios, segundo o cientista, o que coloca em dúvida a qualidade da comparação.
O Comprova pediu a opinião de dois especialistas sobre os resultados do artigo da Cidade do México: o médico infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Alexandre Zavascki, e o médico infectologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) Max Igor Lopes.
Lopes disse que o resultado “chama a atenção”, mas destaca a presença de limitações importantes, como a presença de três remédios no kit médico e a falta de garantias de que os grupos não passaram por outro tipo de intervenção no período analisado. “Você não consegue falar que é a ivermectina, porque a estratégia era ivermectina e AAS (e paracetamol). E eles não avaliaram se quem eventualmente ia para a linha de remédio não fazia uso de outras medicações com mais facilidade. Às vezes, quem está mais propenso a tomar um remédio também toma outros.”
O infectologista esclarece que o estudo não é suficiente para comprovar eficácia do vermífugo contra a covid-19. “Você não consegue ter, em um estudo populacional, o controle das variáveis. Toda vez que analisar a população, você vai ter esse tipo de viés”, aponta. Ele também ressalta que os dados ainda não foram endossados por outros cientistas. “Para ter validade, precisa ser mais bem discutido, publicado de verdade em uma revista científica. É um sinal positivo, mas ainda precisamos entender qual o real benefício de cada droga que foi utilizada.”
Zavascki, por sua vez, encara os resultados com “ceticismo total”. O especialista da UFRGS contesta o fato de os autores apresentarem a pesquisa como um quase-experimento. “O quase experimento é um ensaio clínico em que se apresenta uma intervenção ao paciente, só que o seu controle (grupo para fins de comparação que não recebe a intervenção) normalmente é histórico. Esse é o desenho clássico. Eles teriam que ter convocado pacientes e dito que eles entrariam em um estudo, que iriam aplicar a ivermectina para ver o desfecho”.
Mas não é o caso desse estudo, argumenta Zavascki. “Não tem nenhum critério para avaliar se os pacientes realmente tomaram aquilo, em que momento eles tomaram, não tem avaliação de efeito adverso. Não é uma pesquisa de excelência, um estudo sério, pelo menos da forma como está apresentado. E colocam ainda no início do segundo parágrafo da discussão que seria um ‘grande ensaio de intervenção não randomizado’. Não é um ensaio, eles pegaram uma base de dados.”
O professor da UFRGS entende ainda que faltou transparência na apresentação dos métodos e dos resultados no artigo, como quando os autores dizem ter pareado os casos por meio de um método computacional e balanceado variáveis para checar a existência de fatores de confusão na amostra. “Em pesquisa científica, não basta citar o método, precisa mostrar como fez aquela seleção, aquele controle das variáveis”. Outro aspecto apontado é que os pesquisadores não mencionam a aprovação por um comitê de ética, necessária para o teste de qualquer terapia médica em humanos.
Ivermectina
A ivermectina é um medicamento recomendado para o tratamento de doenças causadas por parasitas, como sarna e piolho, segundo registros do bulário eletrônico da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O fármaco entrou no panorama da covid-19 depois que uma pesquisa na Austrália identificou que a droga era capaz de eliminar o novo coronavírus in vitro, ou seja, em uma cultura de células em laboratório.
A professora do Departamento de Farmácia da Universidade de Brasília (UnB) Djane Braz lembra que esse tipo de resultado in vitro não garante que o remédio funcione nos seres humanos. “Existe um princípio básico da ação de qualquer fármaco no nosso organismo, chamado de farmacocinética”, explica. “É estudar o que o nosso corpo faz com um fármaco, como ele é absorvido e chega até o local onde ele deve fazer o efeito esperado. Para que qualquer fármaco tenha efeito é preciso que ele chegue no local de ação e na dose certa.”
No caso da ivermectina, a questão é saber se a dose que as pessoas ingerem é suficiente para que chegue ao pulmão e demonstre efeito antiviral sobre o SARS-CoV-2. “Respondendo a essa questão, já foram publicados dois artigos mostrando que a dose máxima já testada nos seres humanos não atinge a dose necessária para ter efeito antiviral”, relata. “Mesmo usando uma dose 10 vezes maior do que a aprovada hoje para tratar verminoses, não conseguimos chegar na dose necessária para ter efeito antiviral nos pulmões.”
Ainda assim, existem diversos estudos clínicos em pacientes com covid-19 avaliando a eficácia e a segurança do tratamento com ivermectina atualmente. Os principais órgãos mundiais de saúde não recomendam a utilização da droga fora desse tipo de pesquisa. É o caso da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), por exemplo.
A Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA) afirma que não autorizou o uso da ivermectina contra a covid-19 e que mais testes são necessários para determinar se a droga é apropriada para prevenir ou tratar o novo coronavírus. A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) também contraindica a utilização do remédio para a covid-19 fora de ensaios clínicos randomizados.
No Brasil, o chamado “tratamento precoce”, que inclui a ivermectina, foi repudiado por entidades médicas. Recentemente, um grupo de especialistas coordenado pelo Ministério da Saúde também elaborou um parecer contrário ao uso da medicação em pacientes hospitalizados, apontando que não existem evidências que justifiquem essa decisão. A atualização mais recente da Anvisa, publicada em julho do ano passado, diz que “não existem estudos conclusivos que comprovem o uso desse medicamento para o tratamento da covid-19, bem como não existem estudos que refutem esse uso”.
Segundo o professor da UFRGS Alexandre Zavascki, as melhores evidências de segurança e eficácia partem de testes amplos e bem desenhados para eliminar o risco de viés. “Nas ciências médicas, as relações de causalidade entre medicações e efeitos são definidas a partir de ensaios clínicos”, aponta. O cenário ideal consiste em testes com grupos controle (base de comparação que recebe placebo), randomizados (espécie de sorteio entre os participantes) e duplo-cego (nem médico, nem paciente sabem a qual grupo cada indivíduo pertence), de preferência com uma quantidade expressiva de voluntários.
A professora Djane Braz, da UNB, acredita que a dose utilizada no kit analisado pelo estudo mexicano provavelmente não produziu efeitos adversos significativos, como anunciaram as autoridades. Isso porque a dosagem se assemelha com aquelas recomendadas para tratar verminoses. “O problema é que temos visto um uso indiscriminado deste fármaco, com o objetivo de prevenção da covid-19, com pessoas utilizando ivermectina a cada 15 dias… Este sim pode causar toxicidade. No tratamento antiparasitário, as doses são anuais, e não quinzenais”, alerta.
A pandemia no México
Segundo o Banco Mundial, o México tem cerca de 127 milhões de habitantes e, conforme divulgado pelo governo, até o dia 20 de maio, soma 2.387.512 casos positivos e 220.850 mortes desde o início da pandemia. Os casos ativos oficiais eram 15.688 e havia, na data, 436.982 suspeitas sendo investigadas no país.
Com esses números, o México ocupa o 15º lugar no mundo em número de infecções e o quarto como o país com mais mortes por pandemia, atrás de Estados Unidos, Brasil e Índia, de acordo com dados da Universidade Johns Hopkins.
Em março deste ano, o Ministério da Saúde do México revisou dados divulgados sobre a pandemia, indicando que o número de mortes causadas pelo coronavírus no país era 60% maior do que o relatado anteriormente.
A campanha de vacinação teve início em 24 de dezembro, com a aplicação de vacinas da Pfizer/BioNTech. No dia 19 de maio, o governo do México informou que haviam sido aplicadas 24,2 milhões de doses de vacina e que 16,1 milhões de pessoas estavam imunizadas com ao menos uma aplicação, cerca de 12,7% da população. Além do produto da Pfizer, o País aplica as vacinas de Cansino, Sinovac, Sputnik V e Oxford/Astrazeneca.
O país usa um esquema de semáforo epidemiológico que, atualmente, não registra áreas em vermelho, quando apenas as atividades econômicas essenciais são permitidas. A maior parte do País está sinalizada como verde, quando são permitidas todas as atividades, incluídas as escolares.
A Cidade do México, especificamente, registrou o total de 651.967 casos confirmados, com 42.621 mortes e 4.486 casos ativos. A capital responde pelo maior número de casos e mortes por covid-19 do País, em números absolutos. Está na segunda semana de semáforo amarelo (de 17 a 23 de maio) após observar queda no número de internações hospitalares.
Em maio de 2020, nos primeiros meses da pandemia, a chefe de governo da Cidade do México, Claudia Sheinbaum, anunciou a obrigatoriedade do uso de máscaras em espaços públicos e reforçou publicamente a importância da proteção. No primeiro semestre de 2020 o país restringiu a circulação e abertura de estabelecimentos na cidade, mas depois promoveu a reabertura gradativa.
Em dezembro do ano passado, o país alcançou o pico de infecções e os hospitais da cidade lotaram, o que forçou nova suspensão das atividades não essenciais. Na ocasião, Sheinbaum justificou que o governo vinha evitando o fechamento — realizado apenas após a lotação de leitos — por considerar a época muito importante em termos econômicos para as famílias, referindo-se ao período de Natal.
A microbióloga mexicana Laurie Ann Ximénez-Fyvie, doutora em Ciências Médicas pela Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e chefe do laboratório de Genética Molecular da Faculdade de Odontologia da Universidade Nacional Autônoma do México, criticou duramente, em março, a condução do país durante a crise pandêmica.
Conforme ela, o subsecretário de Prevenção e Promoção da Saúde, Hugo López-Gatell, que é médico epidemiologista, se deixou levar por critérios “mais políticos do que científicos”, tendo apostado na chamada “imunidade de rebanho”.
Da mesma forma, ao longo da pandemia, o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, posicionou-se contra medidas recomendadas para conter a disseminação, como a adoção de lockdown, por exemplo, chegando a sugerir que os políticos que impõem bloqueios ou toques de recolher agem como ditadores.
Obrador também incentivou o contato físico e, poucas vezes foi visto utilizando máscara, defendendo que o uso ou não deveria partir do desejo de cada cidadão. Em janeiro de 2021, ele foi infectado pela covid-19 e, após se recuperar, afirmou que não usaria mais a proteção, argumentando ‘não ser mais contagioso’. Incentiva, por outro lado, a vacinação, tendo incluído educadores nos grupos prioritários e prometido concluir a campanha até outubro.
Ao lado de Egito, Brasil e Argentina, o México foi um dos países que mais investiram em pesquisas clínicas com ivermectina logo na esteira do estudo australiano in vitro. Em 29 de janeiro, no entanto, um painel de especialistas coordenado pelo governo mexicano afirmou que não existem evidências científicas suficientes para recomendar o uso do vermífugo no tratamento da covid-19 e contraindicou a droga fora de estudos clínicos em qualquer estágio da doença, assim como o uso preventivo.
Contrariando esse posicionamento, a secretária de Saúde da Cidade do México, Oliva López Arellano, uma das autoras do estudo mencionado, defendeu a continuidade da distribuição do medicamento para a população, iniciada no final de dezembro, em coletiva de imprensa, por considerar que a política era “muito pertinente na ausência de antivirais específicos”, segundo a revista Expansión.
Poucos dias antes, ao site Animal Político e ao jornal El Heraldo de México, a pasta justificou a entrega de ivermectina nos quiosques com base em uma manifestação da Aliança para Cuidados Intensivos na Linha de Frente da Covid-19 (FLCCC), um grupo de médicos norte-americanos favorável ao uso. Nos Estados Unidos, o FDA não concorda com esse posicionamento, como citado anteriormente.
Por que investigamos?
Em sua quarta fase, o Projeto Comprova investiga conteúdos duvidosos com grande circulação nas redes sobre a pandemia de covid-19 e políticas públicas. As postagens em questão tiveram mais de 55 mil interações no Facebook, no Instagram e no Twitter.
As peças foram difundidas por políticos que defendem o chamado “tratamento precoce” — um kit de remédios sem eficácia comprovada, propagandeado pelo presidente Jair Bolsonaro — como os deputados federais Bibo Nunes (PSL-RS) e Bia Kicis (PSL-DF), além de blogs e páginas de apoiadores do governo federal.
Boatos sobre o uso da ivermectina e de outros remédios sem eficácia comprovada contra a covid-19 já foram alvo de várias checagens do Comprova. O projeto mostrou que é falso que 52 municípios tenham zerado o número de mortes ao supostamente adotarem o “tratamento precoce” e que um protocolo italiano de atendimento domiciliar não tem relação com o conjunto de remédios sem eficácia comprovada, por exemplo.
Enganoso, para o Comprova, é qualquer conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; e o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.