Não foi a mudança de dono do Nubank para o Uruguai que evitou imposto na venda de ações
- Política
- Ganho de capital de David Vélez não foi taxado no Brasil porque a empresa controladora do grupo, registrada nas Ilhas Cayman, não é brasileira.
A venda de ações do Nubank por parte de David Vélez, um dos fundadores da empresa, tem gerado desinformação nas redes sociais. A maioria dos posts alega que o empresário teria economizado R$ 500 milhões em impostos no Brasil ao se mudar para o Uruguai, o que não é inteiramente verdadeiro.
A última venda de ações feita por Vélez ocorreu em agosto de 2025, quando o empresário levantou US$ 432 milhões (R$ 2,3 bilhões pela cotação da época), de acordo com documentos enviados à Securities Exchange Commission (SEC), que regula o mercado de ações nos Estados Unidos, onde a fintech é listada.
Desde então, têm surgido posts nas redes sociais alegando que, como o empresário mora no Uruguai desde 2022, deixou de pagar o equivalente a 22,5% de imposto sobre o ganho de capital no Brasil, uma vez que, no país onde ele vive atualmente, haveria isenção sobre rendas obtidas no exterior.
A discussão mistura fatos verdadeiros a conclusões incompletas. O ponto central não se limita ao local onde o fundador da fintech mora hoje, mas também abrange a estrutura societária do Nubank e a natureza jurídica da empresa cujas ações foram vendidas.
Ao Comprova, o advogado Marco Túlio Ribeiro Fialho, especialista em Direito Público e Tributário, destacou que, de fato, Vélez não pagou imposto no Brasil somente porque mora no Uruguai, mas isso ocorreu porque as ações vendidas não eram de uma empresa brasileira.
“O fundador vendeu ações da Nu Holdings Ltd., holding do grupo Nubank registrada nas Ilhas Cayman, e não ações de uma S.A. brasileira. Como se trata de uma empresa estrangeira e o vendedor não é residente, essa operação não é tributada pelo Brasil”, explicou.
Ainda segundo o advogado, se a holding fosse brasileira, mesmo vivendo no Uruguai, o empresário seria tributado no Brasil. “Não foi a mudança para o Uruguai que gerou a economia, mas sim o fato da empresa controladora não estar sediada no Brasil”.
Ribeiro Fialho afirmou que o valor aplicado à transação realmente é de 22,5%, teto aplicável no Brasil para ganho de alto valor. Nesse caso, se o empresário fosse residente fiscal no Brasil e tivesse vendido ações de uma empresa brasileira, o ganho de capital seria tributado progressivamente, até a alíquota máxima de 22,5%.
É dessa conta que surge o número citado nas redes:
- Montante vendido: cerca de R$ 2,3 bilhões
- Alíquota máxima de ganho de capital: 22,5%
- Imposto potencial: cerca de R$ 500 milhões
Mas, como já dito, como a operação envolveu ações de uma holding estrangeira, a alíquota brasileira não se aplica.
Mudar para outro país exime do pagamento de imposto no Brasil?
De acordo com o especialista ouvido pelo Comprova, mudar de país não elimina impostos devidos ao Brasil quando:
- O ganho ocorre em ativo localizado no Brasil.
- A renda tem fonte brasileira.
- O contribuinte não entrega a declaração de saída definitiva.
O ponto crucial deste caso não é a mudança de país, e sim o fato da empresa cujas ações foram vendidas ser estrangeira (Cayman) e do Uruguai adotar um sistema de tributação territorial, que normalmente não alcança ganhos de capital obtidos fora do país.
O Nubank foi procurado por e-mail, mas não respondeu aos questionamentos do Comprova.
Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova
O criador da publicação se apresenta como um empreendedor e investidor e publica posts sobre o mercado financeiro. Em sua conta no X, tem 6,2 mil seguidores. O post sobre a negociação feita por Vélez teve 799,2 mil visualizações, 9 mil curtidas, 506 compartilhamentos e 258 comentários até 3 de dezembro de 2025.
Por que as pessoas podem ter acreditado
A publicação usa fatos reais, como a negociação feita pelo empresário e a mudança de endereço dele, mas descontextualiza o motivo real que levou ao não pagamento de R$ 500 milhões em impostos. É uma tática frequentemente usada por desinformadores, que costumam apresentar uma informação, imagem ou vídeo verídico, mas sem o contexto original.
Os números citados também são impactantes, o que pode levar a conclusões precipitadas no momento em que as pessoas podem acabar ficando indignadas pelo fato do montante tão vultoso não ser arrecadado pelos cofres públicos.
Fontes que consultamos: Reportagens e vídeos sobre o tema e o advogado Marco Túlio Ribeiro Fialho.
Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e em aplicativos de mensagens sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais, e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: O sistema tributário no Brasil é alvo frequente de desinformação nas redes sociais. O Comprova já mostrou que a norma que obriga fintechs a informar Receita sobre operações acima de R$ 2 mil já existe para bancos e não tributa Pix e explicou a proposta de tributar dividendos feita pelo governo federal.
Notas da comunidade: Não foram adicionadas notas da comunidade à publicação feita no X.