É falso que senadores republicanos tenham descoberto origem da covid-19
- Falso
- Falso
- A alegação é falsa. Site afirma que vírus vazou de laboratório baseado apenas em uma suspeita levantada por senadores republicanos.
- Conteúdo verificado: Texto publicado em site na internet segundo o qual senadores republicanos revelaram que já descobriram a origem da covid-19 e que farmacêuticas trabalharam para a “potencialização” dos efeitos do vírus.
Um pronunciamento de cinco senadores republicanos foi tirado de contexto nas redes para dar força a uma teoria de que o Sars-CoV-2 teria escapado de um laboratório. Embora acreditem nessa tese, os senadores não apresentaram nenhuma evidência para comprovar sua veracidade.
O site Terra Brasil Notícias publicou um texto em 14 de junho no qual diz que senadores republicanos “já descobriram a real origem da covid-19” e que ele teria surgido em laboratório chinês. O texto traz dois vídeos de um pronunciamento de cinco parlamentares americanos. No entanto, em nenhum momento os senadores fazem a afirmação de que descobriram a origem da doença. Na verdade, eles convocaram um pronunciamento para criticar o que chamam de “censura das companhias de tecnologia sobre as origens do coronavírus”.
Segundo eles, as empresas donas de redes sociais teriam atuado para limitar o debate sobre a teoria de que o Sars-CoV-2 pode ter vazado de um laboratório em Wuhan, na China.
Ainda em março de 2020, em um estudo publicado na revista Nature, cinco pesquisadores dos Estados Unidos, Reino Unido e Austrália concluíram que “a análise mostra claramente que o SARS-CoV-2 não é uma construção de laboratório ou um vírus propositalmente manipulado”. A conclusão deste estudo foi corroborada em outras pesquisas publicadas em revistas científicas de renome, como a Cell e Nature Microbiology.
No primeiro estudo, os pesquisadores discutiram a possibilidade de o vírus ter escapado de um laboratório e, apesar de mencionarem que naquele ponto era impossível provar ou refutar essa teoria, disseram acreditar que tal tese não era plausível.
A teoria de um possível vazamento passou a ser mais discutida nos últimos meses, em especial depois que o presidente dos EUA, Joe Biden, afirmou que a comunidade de inteligência norte-americana estaria dividida sobre a teoria e pediu mais investigações. Ainda assim, essa hipótese continua a ser inconclusiva e baseada em evidências circunstanciais. No evento em questão, os senadores não apresentaram provas para essa teoria e sequer haviam convocado o pronunciamento para isso. Apenas pediram que sejam feitas novas investigações sobre o tema.
Procuramos o Terra Brasil Notícias, mas não obtivemos retorno.
Como verificamos?
Primeiramente, buscamos a origem do vídeo utilizado pelo site. Uma notícia do 10 News, da emissora ABC, informou que o pronunciamento dos parlamentares ocorreu em 10 de junho. Localizamos o vídeo publicado na íntegra na conta do Twitter da senadora Marsha Blackburn. Assim, foi possível compreender o contexto das alegações dos senadores.
Consultamos notícias na mídia nacional e internacional para obter informações sobre as investigações da OMS e das agências de inteligência dos Estados Unidos sobre a origem do vírus.
Também utilizamos as informações de uma checagem anterior do Comprova sobre o vazamento de e-mails de Anthony Fauci sobre a pandemia.
Solicitamos um posicionamento do Terra Brasil Notícias, mas não tivemos retorno até a publicação deste texto.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 18 de junho de 2021.
Verificação
O pronunciamento de senadores republicanos
Os trechos dos vídeos que viralizaram nas redes sociais no Brasil são parte de um pronunciamento de cinco senadores republicanos, comandado por Marsha Blackburn (Tennessee) em 10 de junho. Diferentemente do informado pelo site Terra Brasil Notícias, Blackburn e os colegas de partido não estavam anunciando que “tinham descoberto a real origem da covid-19”, mas sim, dando sua opinião sobre o que chamam de “censura das grandes companhias de tecnologia sobre a origem do coronavírus”.
SOON ➡️ I will be leading a press conference with my Senate colleagues as we fight to unravel the origins of COVID-19 that were censored by big tech.@SenateGOP@RogerMarshallMD@SenatorBraun@SenRonJohnson@SenatorWicker pic.twitter.com/XhPEFRQO4p
— Sen. Marsha Blackburn (@MarshaBlackburn) June 10, 2021
Na visão destes republicanos, os veículos de comunicação tradicionais e as empresas de redes sociais não teriam dado a atenção devida a uma das teorias sobre a origem do Sars-CoV-2: a de que ele teria escapado de um laboratório em Wuhan.
“Vou dizer o seguinte: as companhias de tecnologia passaram dos limites nisso. Todos nós temos sugestões de como nós, enquanto senadores, podemos avançar nessa questão e devemos garantir que isso nunca mais aconteça ao povo americano”, disse Blackburn, citando conteúdos relacionados a esse tema que, segundo ela, teriam sido retirados do ar pelas empresas que controlam redes sociais como Facebook, Twitter e YouTube.
🚨LIVE NOW🚨 Tune in to the @SenateGOP press conference on big tech censorship of COVID-19 origins. @RogerMarshallMD @SenatorBraun @SenRonJohnson @SenatorWicker https://t.co/K76ToY6WEQ
— Sen. Marsha Blackburn (@MarshaBlackburn) June 10, 2021
Um dos senadores presentes no pronunciamento foi alvo dessa política de combate à desinformação das redes sociais. Na última sexta-feira, 11, Ron Johnson (Winsconsin) teve o seu canal no YouTube suspenso por uma semana. Segundo relatou a CNN, a plataforma informou que removeu o vídeo “de acordo com nossas políticas de desinformação médica, que não permitem conteúdo que incentive as pessoas a usar hidroxicloroquina ou ivermectina para tratar ou prevenir o vírus”. O Comprova já mostrou que estes medicamentos não possuem eficácia comprovada para a covid-19.
Johnson também deu sua opinião sobre a teoria de origem do Sars-CoV-2 em um laboratório. Primeiro adotou um tom ponderado ao dizer que as evidências da teoria de um “potencial vazamento” de laboratório estavam às vistas de todos e que “o resultado dessa lacuna de 18 meses em não investigar a verdadeira origem do coronavírus provavelmente significa que nunca chegaremos ao fundo disso”.
No entanto, depois adota tom mais enfático ao acusar as autoridades chinesas de negligência no momento inicial da pandemia e dizer não ter dúvidas de que “a China é culpada”.
O texto ainda cita os senadores Marco Rubio e Tom Cotton, mas eles não aparecem no vídeo.
Até o momento, as evidências mais robustas que existem são estudos científicos que mostram ser mais provável a teoria de que o Sars-CoV-2 evoluiu naturalmente em morcegos e contaminou os seres humanos, provavelmente tendo infectado um terceiro animal no percurso. Esses senadores republicanos acreditam na tese de que o vírus foi criado em um laboratório e acabou escapando por algum acidente, mas também não apresentaram nenhuma evidência disso. Essa teoria ganhou atenção nos últimos meses, mas permanece sem comprovação, como você pode ler a seguir.
O que se sabe sobre a origem do Sars-CoV-2
Os senadores americanos citados nesta checagem são republicanos, o mesmo partido do ex-presidente Donald Trump que, há um ano, durante campanha em que buscava a reeleição, lançou suspeita sobre a origem do Sars-CoV-2, indicando que o vírus havia vazado do laboratório de Wuhan e que a China era a culpada pela tragédia humanitária. Até deixar a Casa Branca, o ex-presidente não comprovou sua teoria.
Em seu lugar, assumiu o democrata Joe Biden que, no final do mês passado, determinou investigação sobre a origem do coronavírus, e disse que as agências de inteligência dos Estados Unidos estão analisando várias hipóteses, até mesmo um acidente no laboratório chinês. Segundo Biden, os dados atuais são insuficientes para determinar se o vírus surgiu de causas naturais ou de um acidente de laboratório.
A decisão do presidente é uma resposta a um relatório da inteligência dos Estados Unidos, que afirma que pesquisadores do Instituto de Virologia de Wuhan foram hospitalizados no final de 2019 com sintomas que reacendem o debate sobre a origem do Sars-CoV-2. O relatório, porém, é inconclusivo, e Biden requisitou a nova investigação, com prazo para término em até 90 dias – contados a partir do final de maio.
Para Mike Ryan, diretor da Organização Mundial de Saúde (OMS), “essa mobilização para se descobrir a origem do Sars-CoV-2 está envenenada pela política”.
Em março, a OMS apresentou um relatório sobre o surgimento da covid-19, classificando como “extremamente improvável” a pandemia ser decorrente de um acidente ou fuga do Sars-CoV-2 de laboratório. Era mais plausível, segundo o documento, uma origem natural, ou seja, um animal transmitir o agente infeccioso para humanos.
O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, criticou a falta de acesso a dados brutos do governo chinês sobre os primeiros casos. Adhanom, grupos de pesquisadores e mesmo o presidente Joe Biden defendem que as autoridades continuem investigando as origens do vírus.
As incertezas sobre a forma como surgiu o novo coronavírus colocaram o assunto em pauta na reunião do G7 (grupo de algumas das maiores economias do mundo) realizada recentemente. Encerrado o encontro, o bloco solicitou que a China colabore com a OMS nas investigações para esclarecer de onde vem o Sars-CoV-2.
E-mails de Fauci não atestam origem do vírus
No vídeo, o senador republicano Roger Marshall, do estado do Kansas, menciona ter lido os e-mails do infectologista Anthony Fauci sobre as origens do vírus. Fauci é diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID) dos Estados Unidos e um dos principais conselheiros da Casa Branca no combate à pandemia de covid-19. A imprensa americana publicou, entre maio e junho deste ano, alguns e-mails de Fauci que datam de fevereiro de 2020.
“Estamos 17 meses depois, ainda não sabemos muito sobre esse vírus. Eu acho que devemos responsabilizar o Partido Comunista Chinês. E se os Estados Unidos de alguma forma são responsáveis, se ajudaram a financiar os laboratórios que levaram ao desenvolvimento desse vírus, então também precisamos ser responsabilizados e precisamos nos aprofundar sobre as regras de pesquisa de ganho funcional”, diz Roger Marshall no vídeo.
Em uma troca de mensagens no dia 1º de fevereiro de 2020, Fauci e o pesquisador Kristian Andersen, do laboratório Scripps Research, da Califórnia, discutiram pesquisas sobre análises da sequência genética do Sars-CoV-2 em busca da origem do vírus. Andersen afirmava na época que ainda tentava entender algumas das estruturas únicas do coronavírus e que elas pareciam (potencialmente) “manipuladas”. Na conversa (disponível na página 3.187 do documento) o cientista também observou que ainda haviam outras análises sendo realizadas e que suas opiniões poderiam mudar.
Os e-mails não continham provas de que o vírus havia sido manipulado ou criado em laboratório, mas sim mostravam uma hipótese levantada pelo pesquisador. Pouco mais de um mês após a conversa, no dia 17 de março, Andersen e outros cientistas publicaram um artigo científico na revista Nature Medicine afirmando que a análise deles mostrava que o Sars-CoV-2 “não é um produto de laboratório ou um vírus manipulado propositalmente”.
Uma troca de mensagens de Fauci com um cientista que já havia recebido financiamento do NIAID para conduzir pesquisas no Instituto de Virologia de Wuhan é tirada de contexto para alegar que ele teria “potencializado” o coronavírus. O pesquisador, Peter Daszak, é presidente da EcoHealth Alliance, uma organização que estuda a emergência de doenças virais. Ele pesquisava coronavírus em morcegos, animal do qual emergiu a SARS em 2003. Os coronavírus são um grupo de vírus dos quais surgiram a covid-19, a SARS e outras doenças.
A existência desse estudo estimulou o surgimento de uma teoria, nas redes sociais, de que Daszak estaria realizando “ganho de função” com o Sars-CoV-2. Esse termo faz referência a um ramo da ciência no qual cientistas modificam um vírus geneticamente para deixá-lo mais perigoso ou mais transmissível. Com isso, os cientistas podem analisar o comportamento do patógeno.
Tanto o NIAID quanto a EcoHealth Alliance negam ter feito experimentos desse tipo. Como mostrou o Comprova, em audiência no Senado em 26 de maio, Fauci negou que o NIAID tivesse financiado pesquisas com esse propósito.
No vídeo dos senadores checado aqui, quando o senador Marshall diz que é preciso investigar se os Estados Unidos ajudaram a “financiar os laboratórios que levaram ao desenvolvimento desse vírus”, ele estava se referindo a este fato. O NIAID faz parte de um conglomerado de centros de pesquisa do governo americano. Por isso, é falso afirmar que os senadores tenham denunciado financiamento de farmacêuticas ao Instituto de Virologia de Wuhan, como afirma o texto do Terra Brasil Notícias.
O Comprova já desmentiu que Fauci teria afirmado que o coronavírus é fruto de engenharia genética.
Por que investigamos?
Em sua quarta fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre a pandemia e as políticas públicas do governo federal que tenham viralizado nas redes sociais. A publicação verificada aqui teve mais de 26,2 mil visualizações no Instagram.
Esta não é a primeira vez que o Terra Brasil Notícias compartilha desinformação. O Comprova já demonstrou que o site distorceu notícia de TV australiana para alegar que a China havia testado o coronavírus como arma biológica. Essa é uma ideia também defendida pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Sobre outras teorias envolvendo o país asiático, o Comprova desmentiu que máscaras importadas da China estariam infectadas pelo coronavírus e demonstrou serem enganosas teses que colocavam em dúvida a segurança e eficácia da Coronavac, vacina da chinesa Sinovac (produzida no Brasil em parceria com o Instituto Butantan). A disseminação desse tipo de conteúdo contribui para que pessoas deixem de se vacinar ou usar máscara de proteção facial contra a covid-19.
A alegação de que o Senado americano teria encontrado a origem do vírus também foi checada pelo Boatos.org.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.