Política

Investigado por: 2019-10-11

É enganoso que Bolsonaro tenha liberado R$ 8 bilhões para a educação

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Enganoso
O valor corresponde ao dinheiro desbloqueado para todos os ministérios. A parte que cabe ao Ministério da Educação é de R$ 1,99 bilhão

É falsa a informação que circula nas redes sociais de que o governo Jair Bolsonaro (PSL) liberou R$ 8 bilhões para a educação no início de outubro. O texto confunde valores desbloqueados em despesas para todos os ministérios e superestima em mais de 300% a parcela de fato destinada ao Ministério da Educação (MEC), de R$ 1,99 bilhão.

O conteúdo verificado pelo Comprova foi publicado em perfis no Twitter e no Facebook. As publicações acusam críticos do governo e estudantes que protestaram contra cortes na área de “silenciar” diante de um suposto desbloqueio de R$ 8 bilhões para a educação. “Cadê a mídia pra dar uma nota sobre isso? Percebam que só falam coisas ruins?”, questiona um dos textos que viralizaram.

Na realidade, o que ocorreu foi o desbloqueio, segundo o decreto 10.028 de 26 de setembro de 2019, de cerca de R$ 12,46 bilhões sobre todo o Orçamento da União para 2019. Desse total, R$ 8,3 bilhões foram para todas as pastas do Executivo (além de Educação, Defesa, Infraestrutura, etc), com apenas R$ 1,99 bilhão destinado ao MEC.

Como a pasta já somava R$ 6,1 bilhões em congelamentos feitos em março e em julho, o R$ 1,99 bilhão liberado não representou “bônus”, mas apenas um “alívio” diante da situação anterior do MEC, que ainda opera, segundo a própria pasta, R$ 3,8 bilhões abaixo do previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2019 para despesas discricionárias – aquelas não obrigatórias, como custeio e investimento.

Para o Comprova, enganoso é o conteúdo que confunde ou que seja divulgado para confundir, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

O Comprova verificou conteúdos publicados pelo perfil @NinaCarmona2 no Twitter e em um perfil pessoal no Facebook.

Como verificamos

Para esta verificação, o Comprova consultou o último Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias, documento do Ministério da Economia que baseia as mudanças no contingenciamento, assim como os decretos de controle do orçamento e notas oficiais tanto do MEC quanto da Empresa Brasil de Comunicação — empresa pública federal.

A reportagem também utilizou dados do contingenciamento na educação enviados pelo próprio MEC.

No relatório original, o trecho que destaca a possibilidade de ampliações em R$ 12,4 bilhões do orçamento da União – o que inclui Executivo e todos os demais poderes – se encontra na página nove. Já os demais números foram, além de confirmados nas notas oficiais destacadas acima, esclarecidos em entrevista com o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, por telefone.

Você pode refazer o caminho da verificação do Comprova usando os links para consultar as fontes originais ou visualizar a documentação que reunimos.

Bolsonaro liberou 8 bilhões para a educação?

Não. Até o presente momento, o desbloqueio de R$ 1,99 bilhão previsto no decreto 10.028/2019 foi a única ação recente do presidente no sentido de reverter os contingenciamentos no MEC anunciados pelo governo.

Segundo o ministro da Educação, Abraham Weintraub, 58% desse recurso (R$ 1,15 bilhão) será utilizado para cobrir despesas de custeio como água, energia elétrica e materiais de consumo, de universidades e institutos federais. O restante deverá ser distribuído entre programas de aquisição de livros e bolsas de pós-graduação.

No início de setembro, foi anunciado ainda outro R$ 1 bilhão para o MEC destinados para a educação infantil, como parte do dinheiro recuperado por multas da operação Lava Jato junto à Petrobras. O envio do recurso, no entanto, não partiu de uma escolha unilateral do Executivo, mas sim de um acordo firmado pelo Planalto, com a Procuradoria-Geral da República, o Congresso Nacional e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. O texto foi homologado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e depende ainda de aprovação de um projeto de lei pelo Congresso Nacional.

Vale lembrar que várias das áreas beneficiadas pela liberação do último mês, como universidades, compra de livros didáticos e bolsas de pós-graduação, já tinham sido algumas das mais afetadas pelo contingenciamento inicial na pasta.

Usando dados equivocados, o texto que circula nas redes tenta dar a impressão de que todo o dinheiro liberado em setembro para o Executivo foi destinado ao MEC.

O que é contingenciamento?

Segundo o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, o contingenciamento de recursos do orçamento não ocorre por “opção” da equipe econômica, mas por exigência da Lei Orçamentária Anual (LOA), que fixa receitas e despesas do governo para 2019.

Contingenciamento e remanejamentos no orçamento são parte da rotina orçamentária de qualquer governo, no entanto, a escolha de quais áreas ganham ou perdem recursos depende das prioridades estabelecidas pelo Executivo.

Em entrevista ao Comprova, o economista Wellington Leonardo da Silva, presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), afirmou que o problema está em contingenciar verbas das áreas sociais. “O que falta ao governo é estabelecer prioridade decente. Só penalizam as áreas da educação, da saúde, da infraestrutura brasileira”, afirma.

De acordo com Mansueto, o bloqueio de gastos ocorre a partir do momento em que a expectativa de arrecadação diminui, como uma forma de equilibrar o volume de receitas e despesas. O secretário afirma que, sem isso, a União pode descumprir a meta de resultado primário – a diferença entre receitas e despesas do governo –, hoje fixada em um déficit de R$ 139 bilhões.

Bloqueios poderiam ser feitos em outras áreas?

Mansueto Almeida admite que o governo é livre para escolher de quais áreas deverá cortar mais, podendo poupar, por exemplo, a educação, mas destaca que há “pouca opção” no caso brasileiro. “Hoje, 93% das despesas são obrigatórias, então só 6% ou 7% do orçamento fica livre, então é muito pequena a parcela que pode ser segurada”. Ele destaca que em outras grandes democracias, como nos Estados Unidos, os gastos não obrigatórios chegam a mais de 30% do orçamento. “Dá para ver a diferença”.

Wellington Leonardo da Silva, no entanto, destaca que outras áreas poderiam ser contingenciadas pelo governo, como taxas dos bancos, o orçamento do Congresso ou mesmo do Ministério Público.

Em agosto, por exemplo, Bolsonaro enviou um projeto de remanejamento de R$ 3 billhões do Orçamento, dos quais R$ 926 milhões seriam cortes da Educação e R$ 842 milhões, valores extras para a Defesa.

“Todo ano, seja governo federal, estadual ou municipal, tem que cumprir esse ritual. Perdeu receita, tem que fazer contingenciamento”, afirma Mansueto. “Se não faz esse contingenciamento e entrega um resultado primário abaixo da LDO, pode levar à responsabilização de todo mundo, ministros, técnicos, até o presidente”, diz.

Perda de receita

Mansueto afirma que perdas de receitas previstas, como consequência da queda do preço do petróleo, motivaram inclusive os contingenciamentos feitos no início do ano. “Quando fizeram o orçamento, o barril de petróleo custava 74 dólares. Agora, caiu para 60 dólares.

Então a arrecadação com isso é menor”. Outra perda de receita ocorreu, segundo o secretário, pela desistência de privatizar a Eletrobrás neste ano: “Só nisso aí já perdeu R$ 12 bilhões”.

Em julho e agosto deste ano, no entanto, o movimento ocorreu no sentido contrário, com melhora do resultado primário. Com isso, o governo pode novamente “abrir a torneira” de gastos, no volume total de R$ 12,4 bilhões. Segundo o “Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias”, que baseia a decisão, a melhora no período foi puxada por reduções em R$ 5,7 bilhões em gastos de pessoal e R$ 1 bilhão em subsídios e subvenções.

“Tem estudantes que estão abandonando as universidades públicas porque não têm mais as bolsas de estudos, que não é uma bolsa faraônica, como a dos deputados. É uma bolsa que permitia comer um sanduíche, pagar sua passagem de ônibus na periferia. Por que não corta o orçamento do Congresso, do Ministério Público?”, questiona o economista Wellignton Leonardo da Silva.

De acordo com ele, o resultado dos contingenciamentos é que “as universidades estão quebradas”. “O que está acontecendo na universidade pública brasileira é que há muito tempo se usa terceirizados para as áreas de limpeza. Com a retirada de recursos das universidades públicas, os reitores estão tendo que encerrar o contrato com a terceirizada e contratar uma outra por preço mais baixo ainda. Ou seja, o terceirizado vai ganhar menos ainda do que ganhava antes”, afirma.

Contexto

O governo havia anunciado em março deste ano um bloqueio de R$ 30 bilhões no Orçamento da União. Inicialmente, a ideia era que os ministérios da Educação e da Saúde ficassem de fora dos cortes. As outras pastas sofreriam redução de 21% nos gastos. No entanto, o que ocorreu foi que a Educação foi o maior alvo da tesourada, perdendo R$ 5,8 bilhões de recursos. A Saúde foi mais preservada — com cortes de R$ 599,9 bilhões — pois já tinha orçamento perto do piso constitucional.

No início de abril, assumiu um novo ministro da Educação, o economista Abraham Weintraub. No final daquele mês, ele afirmou em entrevista ao Estadão que a pasta cortaria recursos de universidades que estivessem promovendo “balbúrdia” e que não tivessem desempenho acadêmico esperado. Entre as instituições que se encaixariam nesses critérios, de acordo com Weintraub, estariam a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA). A repercussão negativa fez com que o ministro recuasse da fala no mesmo dia em que a entrevista foi publicada.

Em maio, o orçamento da Educação sofreu novo aperto, quando o governo remanejou R$ 3,6 bilhões para atender a demandas de outros ministérios; para isso, foi tirado mais R$ 1,59 bilhão do MEC, aumentando o contingenciamento total para R$ 7,4 bilhões.

O contingenciamento provocou protestos em massa em cerca de 250 cidades nos 26 Estados e no Distrito Federal. As manifestações organizadas por estudantes fizeram com que o governo reduzisse em R$ 1,59 bilhão os cortes orçamentários da Educação, retornando o contingenciamento para cerca de R$ 5,8 bilhões.

Qual a origem da informação enganosa?

O Comprova entrou em contato com o perfil do Twitter @NinaCarmona2. Na resposta à equipe do Comprova, o perfil afirma que não sabia que a informação é enganosa e disse ter recebido o dado de “uma pessoa confiável”. Até o momento da publicação dessa verificação, o post continuava ativo no Twitter. A imagem utilizada pela conta é uma foto da modelo e atriz norte-americana Marisa Berenson, tirada pelo lendário fotógrafo de celebridades Slim Aarons em 1968, durante uma viagem à ilha italiana de Capri. No Twitter, o perfil se dedica a republicar conteúdo em defesa de Jair Bolsonaro.

A mensagem original, no entanto, não parte do perfil analisado. Pesquisando nas redes sociais, publicações semelhantes aparecem no Facebook desde 5 de outubro. Já no Twitter, a primeira mensagem com esse conteúdo, e também sem fontes, foi feita em 7 de outubro, às 11h15min, também por um perfil dedicado a divulgar conteúdo positivo ao governo Jair Bolsonaro. Esse tuíte, porém, não teve viralização.

Outra informação presente no texto, de que a liberação dos recursos para a educação teria sido ignorada pela imprensa, também não é correta. Após o anúncio, diversos dos maiores veículos de imprensa do País, inclusive a Rede Globo, a maior rede de televisão do Brasil, noticiaram o caso.

Repercussão

O Comprova verifica conteúdos duvidosos sobre políticas públicas do governo federal que tenham grande potencial de viralização.

O tuíte do perfil @NinaCarmona2 teve 64 retweets e 154 curtidas até o dia 9 de outubro. No Facebook, um perfil pessoal com o mesmo conteúdo teve mais de 21 mil compartilhamentos desde o dia 5 de outubro.

Os sites Aos Fatos e Agência Lupa também checaram este conteúdo.

Esta verificação foi atualizada na segunda-feira, 14 de outubro, com dados recebidos do MEC.