É enganosa postagem que sugere que Instituto Butantan não informou morte de voluntário da vacina CoronaVac
- Enganoso
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- Ao contrário do que sugere a postagem, o Instituto Butantan comunicou a Anvisa sobre o chamado “evento adverso grave” envolvendo um dos voluntários. A notificação foi enviada no dia 6 de novembro, dentro do prazo de uma semana estabelecido pela agência
- Conteúdo verificado: Publicação afirma que Instituto Butantan e governo de São Paulo estariam fingindo “que nada está acontecendo” após morte de voluntário da vacina chinesa CoronaVac.
É enganosa a publicação que compara condutas dos desenvolvedores de vacina contra a covid-19 e afirma que o Instituto Butantan e o governo de São Paulo “fingem que nada está acontecendo” após a morte de um voluntário da terceira fase de testes da CoronaVac. O óbito provocou a interrupção da pesquisa pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que autorizou a retomada dos estudos dois dias depois.
Ao contrário do que sugere a postagem, o Instituto Butantan comunicou a Anvisa sobre o chamado “evento adverso grave” envolvendo um dos voluntários. A notificação foi enviada no dia 6 de novembro, dentro do prazo de uma semana estabelecido pela agência. A Anvisa alegou que só teve acesso às informações três dias depois, mas que isso ocorreu por um problema de tecnologia no sistema do governo federal, e que o envio das primeiras informações pelo Butantan ocorreu dentro do período exigido pelo órgão.
O caso também foi comunicado pelo Butantan à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), que, no mesmo dia 6, buscou mais informações junto aos pesquisadores. Com os novos dados, o órgão avaliou que o evento adverso não tinha ligação com a vacina. O Butantan também nega relação do óbito com a CoronaVac. A Anvisa informou em nota que ainda pretende avaliar o desfecho do caso.
A postagem verificada também afirma que “quando um voluntário morreu, mesmo tomando placebo, a própria Oxford pediu a suspensão dos testes para a Anvisa”. A vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e pela farmacêutica AstraZeneca teve, de fato, os testes interrompidos pelos próprios responsáveis em setembro, mas isso ocorreu após um caso de doença em um participante do Reino Unido. Quando os pesquisadores responsáveis por essa vacina registraram um óbito entre os voluntários, o que ocorreu em outubro, no Brasil, os testes não chegaram a ser paralisados.
A publicação foi feita pela advogada Flávia Ferronato, no site Jornal da Cidade Online. Flávia coordena um grupo chamado Movimento dos Advogados do Brasil e divulgou as mesmas informações em seu perfil no Twitter. Procurada pelo Comprova, ela preferiu não responder questionamentos sobre a publicação. Após o contato, ela fez publicações em suas redes sociais criticando o trabalho de agências de checagem e procurando intimidar a verificadora que a contatou.
Como verificamos?
Para verificar este conteúdo, entramos em contato com o Instituto Butantan, a Anvisa e a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) para questionar como e quando ocorreram as comunicações do evento adverso grave que causou a suspensão dos testes da vacina. Recorremos também a comunicados publicados no site da Anvisa, de farmacêuticas que desenvolvem vacinas e a entrevistas coletivas em que foram dados detalhes do caso.
O Comprova também entrevistou o professor Flávio Fonseca, virologista do Centro de Tecnologia de Vacinas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Foram consultadas ainda a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e publicações de veículos de imprensa, sobre a possível causa da morte do voluntário. Buscamos também o cadastro da advogada que assina a publicação no site da OAB e o perfil dela no Twitter e no Facebook, por onde tentamos contato.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 12 de novembro de 2020.
Verificação
O Butantan comunicou a Anvisa?
Um trecho da publicação verificada afirma que o Instituto Butantan e o governo de São Paulo teriam fingido “que nada estava acontecendo” após a morte do voluntário da vacina chinesa CoronaVac. A informação, no entanto, é enganosa. Isso porque o Instituto Butantan informou a Anvisa sobre o evento adverso grave ocorrido com o voluntário, dentro do prazo estabelecido pela agência, que é responsável por autorizar as etapas de testagem. Esta comunicação foi reforçada em nota pelo Butantan e confirmada pela própria Anvisa em entrevista coletiva. Ocorre que o órgão afirmou que devido a um problema no sistema do governo federal causado por ataques sofridos na primeira semana de novembro, a informação só teria sido acessada por eles ao ser enviada uma segunda vez, três dias depois.
Na nota em que comunicou a suspensão dos testes da CoronaVac, a Anvisa afirmou que foi, sim, comunicada do “evento adverso grave”, e que por isso pediu a interrupção dos estudos. No entanto, não deu detalhes sobre quem comunicou a agência e de que forma isso foi feito. “O evento ocorrido no dia 29/10 foi comunicado à Agência, que decidiu interromper o estudo para avaliar os dados observados até o momento e julgar o risco/benefício da continuidade do estudo”, diz um trecho do texto.
Em entrevista coletiva no dia 10 de novembro, o gerente-geral de Medicamentos da Anvisa, Gustavo Mendes, deu mais detalhes e disse que o Instituto Butantan informou o evento adverso grave no dia 6 de novembro, dentro do prazo de sete dias após a intercorrência em que a comunicação é necessária, conforme normas da agência. Entretanto, segundo ele, por causa de um ataque hacker sofrido pelo governo federal e pelo Judiciário, a agência só teve conhecimento da notificação três dias depois, no dia 9 de novembro, às 18h, quando o Butantan reenviou as informações após receber ofício da agência questionando sobre possíveis eventos graves. Na coletiva, Mendes também negou que tivesse ocorrido algum erro de notificação fora do prazo pelo Butantan.
Procurado pelo Comprova, o Instituto Butantan enviou uma nota em que confirma ter repassado a comunicação do evento adverso grave no dia 6, e que precisou reenviá-las no dia 9, após receber ofício e e-mail da Anvisa.
“No dia 30 de outubro, o HC [Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, centro de estudo do qual o voluntário fazia parte] informou a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e a Farmacovigilância do Instituto Butantan (patrocinador do estudo). No dia 6 de novembro, dentro do prazo, a farmacovigilância do Instituto Butantan comunica a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), conforme preconizado em protocolo oficial. Na conclusão constava que o óbito não era relacionado à vacina em teste”, diz um trecho da nota.
O Comprova questionou a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), ligada ao Conselho Nacional de Saúde (CNS), se a notificação do caso foi recebida de fato no dia 30 de outubro, como dito na nota do Butantan. O órgão informou que foi comunicado do episódio no dia 6 de novembro, mesma data da notificação à Anvisa. O Conep diz ter feito já no dia 6 à noite uma audiência com os pesquisadores para solicitar os documentos que faltavam. “Na conversa, com o conjunto de dados que foram trazidos, ficou claro que o evento adverso não tinha relação com a vacina, então não se justificava a suspensão do estudo”, pontuou o coordenador da Conep, Jorge Venâncio, via assessoria de imprensa. Após a suspensão, a Conep emitiu nota defendendo a continuidade dos estudos clínicos da CoronaVac.
O Comprova também solicitou mais informações à Anvisa sobre como se deu a comunicação do evento adverso grave e que informações foram repassadas. A agência respondeu replicando o link de uma nota emitida no dia 11, em que autoriza a retomada dos testes da CoronaVac após a polêmica suspensão. No texto, ela afirma que não possuía no momento da paralisação informações sobre a causa do evento adverso grave, recebidas somente no dia 10.
Por que a Anvisa suspendeu os testes da CoronaVac?
Na nota em que comunicou a suspensão dos testes da CoronaVac, a Anvisa afirmou que a paralisação foi motivada pela ocorrência de um “evento adverso grave” e que a medida seria “para avaliar os dados observados até o momento e julgar o risco/benefício da continuidade do estudo”. O órgão também frisou que os dados dos voluntários devem ser mantidos em sigilo, mas que a interrupção é prevista pelas normas da Anvisa e faz parte dos procedimentos de Boas Práticas Clínicas.
Dois dias após a suspensão, a Anvisa autorizou a retomada dos estudos da CoronaVac. Em nova publicação no site, a agência alegou que “após avaliar os novos dados apresentados pelo patrocinador depois da suspensão do estudo (…), a ANVISA entende que tem subsídios suficientes para permitir a retomada da vacinação”.
Nessa mesma publicação, a Anvisa argumenta que a suspensão, agora revogada, ocorreu considerando “1) A gravidade do evento; 2) A precariedade dos dados enviados pelo patrocinador naquele momento; 3) A necessidade de proteção dos voluntários de pesquisa; e 4) A ausência de parecer do Comitê Independente de Monitoramento de Segurança”.
Na nova nota, a Anvisa afirma ainda que a causa do evento adverso grave não havia sido informada até o dia 9 de novembro, quando houve a suspensão. Diz também que o boletim de ocorrência relacionado à provável motivação do evento e a manifestação do Comitê Independente de Monitoramento de Segurança não haviam sido enviadas até a mesma data. Entretanto, o órgão aponta que essas informações foram repassadas à agência no dia seguinte, em 10 de novembro, permitindo então a retomada dos estudos.
O Butantan afirma em nota que na primeira comunicação do caso, enviada à Anvisa no dia 6 de novembro e reenviada no dia 9, já “constava que o óbito não era relacionado à vacina em teste”. Essa informação foi ratificada também pelo diretor do Butantan, Dimas Covas, em entrevista coletiva sobre o caso concedida no dia 10. “Do ponto de vista clínico do caso, e nós não podemos dar detalhes, infelizmente, é impossível que haja relacionamento desse evento com a vacina. Impossível”, defendeu.
A morte teve relação com a vacina?
Uma das principais dúvidas sobre o caso é se o evento adverso grave que causou a suspensão dos estudos teve ou não ligação com a vacina aplicada ao voluntário. O Instituto Butantan nega qualquer relação do episódio com o imunizante, enquanto a Anvisa diz que ainda irá acompanhar o caso para analisar este ponto.
A Anvisa não revelou se o evento adverso grave que provocou a suspensão dos testes da CoronaVac foi de fato uma morte de um participante. Tampouco informa as circunstâncias do caso, em razão da confidencialidade dos voluntários.
No dia 10, no entanto, após a interrupção dos estudos da vacina chinesa no Brasil, veículos de imprensa divulgaram que o caso se trataria de uma morte de um homem de 32 anos, que tem como provável causa o suicídio. Reportagem do jornal O Globo citou informações de um boletim de ocorrência registrado na delegacia do 93º DP e de uma nota da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), que afirma que o caso foi registrado e está sendo investigado como suicídio. Ainda assim, exames periciais ainda estão em andamento, segundo a nota.
As informações do boletim de ocorrência também foram divulgadas por veículos como o jornal O Estado de S.Paulo, Uol e TV Globo. O Comprova fez contato com a Secretaria de Segurança Pública de SP e confirmou as informações da nota.
Na nota enviada ao Comprova, o Instituto Butantan confirma que o evento adverso grave se refere a uma morte de um participante dos ensaios clínicos, mas garante que o óbito não teve nenhuma relação com a vacina. A instituição afirma que o voluntário foi encontrado morto 25 dias depois de receber a dose de vacina ou placebo – não foi informado a qual grupo ele pertencia.
Apesar das informações do Butantan, que foram enfatizadas na entrevista coletiva do órgão, e dos veículos de imprensa, a Anvisa afirmou na nota em que autorizou a retomada dos testes da CoronaVac que seguirá acompanhando a investigação do desfecho do caso “para que seja definida a possível relação de causalidade entre o EAG [evento adverso grave] inesperado e a vacina”.
Diferenças entre as interrupções de vacinas
O Comprova ouviu também o professor Flávio Fonseca, virologista do Centro de Tecnologia de Vacinas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ele preferiu não comentar os prazos das comunicações ocorridas entre Butantan e Anvisa, mas explicou que, quando há um evento adverso grave, como a morte de um voluntário, os casos são comunicados e há painéis de observadores, até mesmo internacionais, que julgam se o evento pode ou não ter ligação com a vacina.
No caso da CoronaVac, o especialista frisa que tanto a Conep quanto observadores internacionais julgaram que esse efeito adverso não seria relacionado ao imunizante, e que por isso não exigiria a suspensão. Ele explica que o episódio da CoronaVac tem diferenças em relação aos que causaram as interrupções dos testes das outras duas vacinas no país.
“Tanto em Oxford quanto na Johnson e Johnson, as pessoas tiveram problemas clínicos. Quando você tem um problema clínico, tem que investigar a origem daquilo, para entender se aquele problema clínico pode ter sido gerado a partir da administração da vacina. Em algumas circunstâncias, no entanto, a não ligação da vacina com o evento adverso é tão óbvia que o próprio observador internacional vai olhar a natureza daquele evento e falar: isso não tem ligação com a vacina, portanto não suscita suspensão do estudo. Isso tem que ser visto de forma prática”, avalia, citando atropelamentos e assassinatos como exemplos de eventos passíveis de ocorrer com voluntários, mas sem ligação com os imunizantes.
O virologista também criticou o uso do termo “vachina” que a advogada usa para se referir à CoronaVac na publicação.
“Esse comentário da advogada vem tachado de xenofobia. Ela pode ter a convicção política que ela quiser, o que ela não pode é desqualificar uma vacina por causa de sua origem. Isso é xenofóbico, inadmissível, ainda mais diante da emergência sanitária atual. Todos os indícios que a gente tem até agora são de que a vacina chinesa é tão boa e tão promissora quanto as outras que estão sendo testadas”, afirmou.
As outras desenvolvedoras interromperam os testes?
A postagem verificada compara ainda a situação da CoronaVac com a paralisação dos estudos de outras duas vacinas, da Universidade de Oxford e de empresa ligada à Johnson & Johnson. A publicação afirma que essas desenvolvedoras teriam comunicado à Anvisa e interrompido por conta própria as testagens quando houve intercorrências com pacientes.
A postagem da advogada diz que no caso do imunizante desenvolvido em parceria entre a farmacêutica AstraZeneca e a Universidade de Oxford, a suspensão ocorreu “quando um voluntário morreu mesmo tomando placebo”. Na verdade, os testes foram de fato suspensos pelos próprios desenvolvedores, mas quando foi identificado um evento adverso em uma voluntária da Inglaterra – que não resultou em morte.
A AstraZeneca informou em nota no dia 9 de setembro que a pausa ocorreria para análise de dados de “um único evento de uma doença inexplicável que ocorreu no estudo de Fase III do Reino Unido”. Não foram divulgados oficialmente detalhes do caso, mas o CEO da AstraZeneca afirmou em uma videoconferência tratar-se de um caso de mielite transversa, segundo informou o site americano especializado em saúde StatNews. Três dias depois, a AstraZeneca publicou nova nota comunicando a retomada dos testes. Nesta ocasião, os estudos também foram paralisados no Brasil.
O caso em que houve morte de voluntário que integrava os testes da vacina da Oxford-AstraZeneca ocorreu no Brasil, mais de um mês depois, em 15 de outubro. No entanto, neste caso os testes não chegaram a ser suspensos pela Anvisa, que seguiu recomendação de comitê internacional para manter o prosseguimento dos estudos. Este participante morreu de pneumonia viral causada por covid-19, como já mostrou outra verificação do Comprova. Ele estaria no grupo dos que tomaram placebo, segundo fontes relataram a veículos como a TV Globo – o Comprova não conseguiu confirmar a informação.
No caso da vacina da farmacêutica Janssen-Cilag, braço farmacêutico da empresa Johnson & Johnson, os testes foram de fato interrompidos pela própria empresa após evento adverso grave com voluntário do exterior, conforme afirma a postagem verificada. O caso ocorreu em 12 de outubro e foi informado em notas no site da Janssen e no site da Anvisa. A agência autorizou a retomada dos estudos da vacina da Janssen no país em 3 de novembro, após analisar dados do Comitê Independente de Segurança e da autoridade regulatória norte-americana, a Food and Drugs Administration (FDA, na sigla em inglês).
Quem é a autora do texto
Flavia Ferronato é advogada, possui cadastro nacional da OAB. Também é coordenadora nacional do Movimento Advogados do Brasil, organização composta por advogados de todo país. Na sua biografia do Twitter, Flávia se intitula como “Palpiteira no Jornal de Cidade online”. No dia 10 de novembro a advogada fez um tweet com o mesmo texto do Jornal da Cidade Online. Também foi encontrado o canal do Youtube da advogada, em que o vídeo mais recente critica a possível vacinação obrigatória contra covid-19. Durante a verificação buscamos contato via Twitter e WhatsApp com a advogada. Ela se negou a responder às perguntas enviadas. Nos seus últimos tweets a advogada postou prints da conversa com o verificador do Comprova que a procurou. Também fez postagens criticando o trabalho de agências de checagem.
Por que investigamos?
Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais tratando sobre políticas públicas do governo federal ou sobre a pandemia. Interesses políticos têm sido colocados à frente da ciência, gerando uma “politização da vacina” durante a fase de estudos e produções de uma possível cura para o covid-19. Essa polarização, que também é chamada de “Guerra da vacina”, tem como consequência o aumento de produções de conteúdos enganosos e/ou falsos.
A publicação analisada no portal “Jornal da Cidade” foi um artigo da advogada Flavia Ferronato, onde a mesma afirma que “Butantan e o Governo de São Paulo fingem que nada está e se fingem surpresos com a suspensão?”. Mesmo tal afirmação sendo enganosa, a advogada compartilhou as mesmas informações em seu twitter.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos; ou ainda que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.