Compra de máscaras por R$ 28,8 milhões na PB foi erro de cadastro; valor correto é R$ 9,6 mil
- Enganoso
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- É enganosa a postagem indicando que o governo da Paraíba gastou R$ 28,8 milhões para comprar 3 mil máscaras de proteção contra a covid-19 em processo de licitação, o equivalente a R$ 9,6 mil a unidade. O valor é resultado de um erro de digitação, reconhecido pela administração estadual. No Portal da Transparência, o gasto está corrigido: R$ 9,6 mil é o valor global do contrato. O valor unitário de cada máscara foi de R$ 3,20.
- Conteúdo verificado: Postagens no Twitter afirmam que o governo da Paraíba gastou R$ 28,8 milhões para comprar 3 mil máscaras de proteção contra a covid-19, o equivalente a R$ 9,6 mil a unidade.
Publicações no Twitter enganam ao afirmar que o governador da Paraíba desembolsou R$ 28,8 milhões para comprar 3 mil máscaras de proteção contra a covid-19, o equivalente a R$ 9,6 mil a unidade. Um dos autores é o deputado estadual Cabo Gilberto (PSL), alinhado ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e que tem pretensão de se candidatar em 2022 para comandar o Executivo paraibano.
O valor de R$ 28,8 milhões havia sido divulgado de forma equivocada pelo próprio governo no Portal da Transparência por um erro de digitação, segundo informações da Controladoria-Geral do Estado (CGE). O valor de R$ 9,6 mil não representava o preço de cada máscara (o que geraria o valor de R$ 28,8 milhões), mas sim o valor global para a compra das 3 mil máscaras. Assim, o custo unitário de cada máscara foi, na realidade, de R$ 3,20.
A correção foi feita no dia 13 de novembro e divulgada em redes sociais do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) da Paraíba, órgão para o qual foram adquiridas as máscaras. Ainda assim, a história continuou circulando nas redes com um print que se assemelha a uma versão antiga da nota no Portal da Transparência. A postagem do deputado, por exemplo, foi realizada no dia seguinte, quando o valor correto já estava disponível para consulta pública.
O Comprova procurou os autores. Um deles não tinha a opção de mensagem direta no Twitter, enquanto que, para o deputado, foram enviados e-mails e mensagens, mas ele não respondeu. A página do Instagram que originou a história, dias antes da correção no portal da transparência, atribuiu a culpa ao governo da Paraíba.
O Comprova considerou o conteúdo enganoso porque usa dados imprecisos e confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Como verificamos?
Para conferir a veracidade do contrato exposto nas postagens, o Comprova fez uma pesquisa no Portal da Transparência do governo da Paraíba. Na página, foi identificado o mesmo número contratual apresentado na publicação, mas com valores muito inferiores ao divulgado nas redes sociais.
Uma tentativa de localizar o documento compartilhado também foi feita em uma consulta ao Diário Oficial, mas sem sucesso.
A reportagem ainda entrou em contato com o governo da Paraíba para questionar sobre o conteúdo da publicação e a divergência de dados, e também com a empresa citada no tuíte.
Além disso, foram consultados órgãos de controle – Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal e Tribunal de Contas – para averiguar a existência de alguma investigação referente ao conteúdo da postagem.
Por fim, foram procurados os autores. Um deles não tinha a opção de mensagem direta no Twitter, enquanto que, para o deputado, foram enviados e-mails e mensagens, mas ele não respondeu. O Comprova também entrou em contato com uma página no Instagram que teve um vídeo mais antigo contestado pelo Detran-PB.
Verificação
Contratos do governo da Paraíba na pandemia
O Portal da Transparência do governo da Paraíba aponta que o estado empenhou, desde o início de 2021, o total de R$ 1,1 milhão com a empresa L&J Transfer, cujo CNPJ é citado no tuíte. A empresa forneceu uma série de produtos ao governo local, como luvas, material sanitizante, tecido – e também máscaras.
As duas publicações no Twitter que foram verificadas pelo Comprova indicam que a compra das 3 mil máscaras foi feita no dia 26 de março de 2021 pelo Detran-PB “para a campanha educativa do Maio Amarelo”.
No Portal da Transparência é possível encontrar um empenho (número 546) nessa mesma data, feito com a L&J Transfer, para a aquisição de “três mil máscaras descartáveis a serem distribuídas na campanha educativa Maio Amarelo, prevista para o período de 01/05/2021 a 31/05/2021”. O valor pago pelo Detran, no entanto, é bem inferior ao descrito nas postagens: R$ 9.600. Assim, cada máscara custou R$ 3,20.
O número do processo licitatório e do pregão também são idênticos aos que aparecem nas publicações.
Em 2021, o governo da Paraíba fez três processos licitatórios ou dispensas com a participação da L&J Transfer.
Ao fazer a consulta do documento que apresenta número idêntico ao divulgado nas redes sociais, o Portal da Transparência mostra uma tela semelhante à que viralizou, mas com o valor correto do contrato, de R$ 9,6 mil (abaixo).
Outro processo existente era de janeiro, tinha valor inferior a R$ 1 milhão, mas foi cancelado.
O terceiro, também de março, está em andamento. A soma dos serviços é de R$ 1,182 milhão para a aquisição emergencial de luvas e máscaras. A maior parte desse valor – R$ 1,165 milhão – tem a L&J Transfer como destinatária.
Analisando-se detidamente o contrato desta licitação, é possível identificar que a empresa deve fornecer 500 mil máscaras a R$ 0,40 cada; a um custo final de R$ 200 mil. O resto do valor é para a compra de luvas de diversos tipos.
Em contato telefônico com a L&J Transfer, a empresa informou o e-mail para o Comprova repassar a demanda, mas as questões não foram respondidas até a publicação do texto.
Autenticidade do documento nas redes sociais
Procurado pelo Comprova, o Governo da Paraíba explicou que houve um equívoco na inserção dos dados do contrato no Portal da Transparência. Em nota, a Controladoria-Geral do Estado (CGE) disse que houve um erro de digitação e que a correção foi providenciada tão logo ele foi identificado. A Controladoria indica que foi falha humana.
A Gerência Executiva de Auditoria da Controladoria também abriu uma investigação “com o objetivo de apurar procedimentos adotados e respectivos responsáveis pelo cadastramento do Processo Licitatório Nº 26.201.002582.2021 – Pregão nº: 0008/2021 no Sistema Gestor de Compras e sua disponibilização no Portal de Transparência do Estado”, informou, também em nota. O trabalho teve início no último dia 16 e a previsão é que ele seja concluído até 23 deste mês, segundo documento enviado ao Comprova.
A correção foi feita no dia 13, inclusive nas redes sociais do Detran-PB, o órgão promotor das ações educativas para as quais foram adquiridas as máscaras. A postagem, naquele momento, era uma reação a um vídeo que já estava circulando sobre o valor da proteção facial antes dos tuítes aqui verificados.
O Detran, no entanto, não deixava claro no post que havia ocorrido um erro no lançamento do portal da transparência, o que só foi confirmado a partir de um questionamento direto do Comprova para a CGE. O Detran escreveu que o vídeo era uma “fake absurda e folclórica”.
Para a publicação no Twitter, feita no dia seguinte à correção, os autores usaram prints do Portal da Transparência de data anterior à retificação do governo e, por esta razão, sugerem que houve sobrepreço nas máscaras.
Órgãos de controle
Com as informações sobre o suposto contrato de R$ 28,8 milhões para máscaras, os Ministérios Públicos do Estado da Paraíba e o Federal foram consultados sobre eventual investigação sobre o caso, ou outras apurações relacionadas a compras do governo durante a pandemia.
Em nota, o MPPB informou que atua na prevenção a compras superfaturadas e, durante a crise sanitária, uma das atribuições passou a ser a análise e monitoramento de despesas públicas feitas pelo Estado e municípios para o enfrentamento à covid-19.
“Esse trabalho vem sendo realizado por uma equipe de auditores de contas públicas do Centro de Apoio Operacional (CAO) às promotorias de Justiça de defesa do patrimônio público com o objetivo de identificar, através da análise de empenhos, indícios de sobrepreço em insumos, medicamentos, equipamentos hospitalares e em kits de higiene e cestas básicas destinados às famílias em situação de vulnerabilidade social”, sustentou o órgão.
O MPPB acrescentou que já foram elaborados relatórios sobre o assunto. Alguns, segundo o órgão, apontaram indícios de sobrepreço e, por isso, foram encaminhados aos promotores de Justiça que atuam na defesa do patrimônio público para que fossem adotadas as providências necessárias à apuração dos fatos.
Pesquisa realizada junto ao cartório da Promotoria de Justiça de defesa do patrimônio público de João Pessoa sobre aquisição de máscaras cirúrgicas pelo Estado da Paraíba apontou que foram instaurados, em 2020 e em 2021, procedimentos, inclusive em razão do relatório encaminhado pelo CAO. Uma das investigações, no entanto, foi encaminhada para o MPF porque os recursos empregados na compra de máscaras eram federais.
“Especificamente, em relação aos fatos nos prints, a coordenação do CAO informou que, em análise preliminar, não há relatório de auditoria sobre a compra de máscaras apontada e que foi aberto procedimento (PGA 001.2021.069137) visando à estruturação inicial dos documentos públicos relativos à contratação citada para, em seguida, encaminhá-lo a um dos promotores de Justiça de defesa do patrimônio público de João Pessoa para averiguação”, afirmou o órgão.
O MPF também afirmou que não há investigação relacionada ao conteúdo da postagem no Twitter, embora haja uma apuração vinculada a compras no período da pandemia em 2020. O órgão federal não repassou detalhes sobre o objeto do contrato, valores e empresas.
O Tribunal de Contas não se manifestou.
Origem do conteúdo
O conteúdo mais antigo encontrado nesta checagem é de uma página no Instagram chamada @bombaparaiba. Em 12 de novembro, a conta publicou um vídeo alegando que “recebeu uma denúncia” sobre uma compra de 3 mil máscaras por R$ 28,8 milhões pelo governo do Estado, citando como fonte o Portal da Transparência. Esse mesmo vídeo foi contestado pelo Detran-PB em 13 de novembro, data em que a informação foi corrigida no portal.
Em contato com o Comprova, a página @bombaparaiba confirmou que “foi a primeira a divulgar” e negou ter espalhado desinformação. “Depois da denúncia modificaram lá, mas eles (governo do Estado da Paraíba) só nos acusam de fake, em nenhum momento assumiram se foi erro de digitação, apenas modificaram sem justificativa. Falar que é fake foi a solução fácil, não assumir erro deve ser difícil.”
Em 14 de novembro, o deputado Cabo Gilberto Silva (PSL-PB) deu novo fôlego ao assunto quando postou um print do que parece uma versão anterior, ainda não corrigida, do site de transparência do governo da Paraíba. A imagem traz o dado equivocado de R$ 28,8 milhões.
Em tom irônico, Silva escreveu: “[…] nosso governo sabe gastar o dinheiro do pagador de impostos! O decreto de calamidade só acaba no meio do ano que vem, se ele não prorrogar novamente! João Azêvedo (governador do Estado da Paraíba) bom danado.” A história então viralizou no Twitter e virou objeto de apuração do Comprova.
De acordo com um site de notícias local, o deputado Cabo Gilberto, ex-policial militar, cogita concorrer ao cargo de Azevêdo nas eleições do próximo ano. Ele apoia o presidente Jair Bolsonaro e pretende se filiar ao mesmo partido do chefe do Executivo, este em conversas avançadas com o PL.
O deputado também foi notícia recentemente ao recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra o “passaporte da vacina” no Estado e ter o pedido negado pela Corte. Mais tarde, participou de uma sessão presencial da Assembleia Legislativa sem estar imunizado contra a covid-19, contrariando as regras e gerando reação contrária de colegas parlamentares. Dias depois, anunciou que havia tomado a primeira dose da Coronavac.
Quem é o governador da Paraíba?
O governador da Paraíba é João Azevêdo, eleito em 2018 no primeiro turno. Ele deixou o PSB em dezembro de 2019, em meio a desavenças com o seu antecessor, Ricardo Coutinho, que assumiu a presidência estadual do partido. Após seu mandato, Coutinho passou a ser acusado de lavagem de dinheiro e outras irregularidades, o que contribuiu para o afastamento entre os dois. Azevedo se filiou ao Cidadania em janeiro de 2020.
Azevêdo já entrou em atrito com o Bolsonaro, quando o presidente chamou gestores nordestinos de “paraíbas”, em 2019. O chefe do Executivo negou, posteriormente, estar fazendo uma crítica à região e disse se referir apenas aos governadores do Maranhão, Flávio Dino (PSB), e da Paraíba, Azevêdo, a quem chamou de “intragáveis”. Em março de 2021, Azevêdo também criticou as postagens de Bolsonaro sobre o envio de recursos para os estados. Em setembro, respondeu ao discurso do presidente na ONU, contra as medidas de distanciamento social adotadas pelos governadores.
Este ano, o governador paraibano também já se encontrou com o ex-presidente Lula (PT), possível adversário de Bolsonaro nas eleições de 2022.
Por que investigamos
Em sua quarta fase, o Comprova checa conteúdos suspeitos sobre governo federal, pandemia e eleições que tenham atingido alto grau de viralização. As postagens aqui verificadas tiveram, juntas, mais de 5 mil interações até o dia 19 de novembro.
Com a proximidade das eleições, o uso de desinformação torna-se ainda mais grave porque lança dúvidas sobre eventuais candidatos em favor de outros concorrentes, confundindo a população que tem direito a fazer sua escolha a partir de dados confiáveis.
O deputado, autor da desinformação, é apontado como possível candidato ao governo da Paraíba e adversário de João Azevêdo. Ele ainda se apresenta como aliado de Bolsonaro, que também deverá concorrer à reeleição para presidente.
O Comprova já fez inúmeras verificações que colocam candidatos que se opõem ao presidente em condições de desvantagem perante a opinião pública a partir de mentiras, como o vídeo de Bia Kicis sobre a retenção do passaporte de Lula, ou tentando favorecer outros, como o que sugere declaração de apoio de Lewis Hamilton a Bolsonaro.
Para o Comprova, enganoso é o conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Atualização: Esta verificação foi atualizada em 22 de novembro para incluir a resposta da página do Instagram que originou a história.