Autorização da ozonioterapia no país está condicionada à aprovação da Anvisa
- Comprova Explica
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- Posts acusam o governo federal de negacionista por ter sancionado uma lei que autoriza a ozonioterapia no país. No entanto, o texto permite a prática somente com o uso de equipamentos para finalidades cuja eficácia e segurança sejam aprovadas pela Anvisa. Até o momento, a técnica foi aprovada pelo órgão somente para fins odontológicos e estéticos.
Conteúdo analisado: Após a sanção da Lei 14.648, de 4 de agosto de 2023, que autoriza a realização da ozonioterapia em território nacional, uma publicação no Telegram questiona “quem é o negacionista agora?”, já que a prática não tem comprovação científica de eficácia para aplicações médicas. A pergunta faz referência às críticas direcionadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante a condução da pandemia da covid-19. Naquele período, algumas pessoas afirmaram que a covid-19 poderia ser tratada com ozonioterapia, algo sem comprovação científica.
Comprova Explica: A sanção da Lei 14.648 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) resultou em uma série de postagens nas redes sociais acusando o governo de negacionista. As alegações se baseiam em manifestações de entidades médicas, como o Conselho Federal de Medicina (CFM), que afirmam não haver comprovação científica suficiente sobre segurança e efetividade da prática em medicina.
Porém, a lei sancionada afirma que “a ozonioterapia somente poderá ser aplicada por meio de equipamento de produção de ozônio medicinal devidamente regularizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou órgão que a substitua”.
Segundo a Anvisa, até o momento, os únicos equipamentos regularizados pela agência para uso da ozonioterapia são para fins odontológicos e estéticos, cuja segurança e eficácia foram aprovadas. E não para aplicações médicas em pacientes.
Como verificamos: O Comprova consultou o Diário Oficial da União (DOU) do dia 7 de agosto de 2023, a fim de acessar a Lei 14.648, que autoriza a prática da ozonioterapia no país. A partir disso, foram consultados comunicados, notas à imprensa e documentos oficiais por parte do governo federal, do Ministério da Saúde e da Anvisa sobre o procedimento.
Em seguida, para entender a tramitação do projeto de lei no Congresso, foram consultados os sites da Câmara dos Deputados e do Senado. Notas e resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM), Associação Médica Brasileira (AMB), Associação Brasileira de Ozonioterapia (Aboz), Conselho Federal de Odontologia (CFO), Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) e Conselho Federal de Farmácia (CFF), que tratam sobre a prática com ozônio, também foram consultadas.
Para entender sobre o uso da ozonioterapia durante a pandemia, buscamos por verificações e reportagens da época relacionadas ao assunto. Por fim, entramos em contato com o Ministério da Saúde e com a Anvisa.
Lei autoriza ozonioterapia somente em casos aprovados pela Anvisa
A Lei 14.648, de 4 de agosto, que autoriza a ozonioterapia no território nacional, foi sancionada pelo presidente Lula com publicação no Diário Oficial da União em 7 de agosto. O texto havia sido enviado para sanção presidencial no dia 17 de julho, após ter sido aprovado pela Câmara e pelo Senado. O documento assinado pelo presidente é o mesmo remetido pelo Senado Federal após tramitação nas duas casas legislativas. Segundo a CNN Brasil, antes de sancionar a lei, o Palácio do Planalto consultou a Anvisa, que não se opôs.
A lei autoriza que a ozonioterapia seja aplicada somente por meio de equipamento de produção de ozônio medicinal regularizado pela Anvisa. Até o momento, segundo comunicado da agência, os equipamentos aprovados são exclusivamente para fins odontológicos e estéticos, nos seguintes procedimentos:
- Dentística: tratamento da cárie dental – ação antimicrobiana;
- Periodontia: prevenção e tratamento dos quadros inflamatórios/infecciosos;
- Endodontia: potencialização da fase de sanificação do sistema de canais radiculares;
- Cirurgia odontológica: auxílio no processo de reparação tecidual;
- Estética: auxílio à limpeza e assepsia de pele.
Na nota técnica de junho de 2022 anexada ao comunicado, a Anvisa informa que tem recebido “diversas submissões de regularização de dispositivos médicos emissores de ozônio cujas indicações de uso visam a aplicação da técnica de ozonioterapia para diversos fins”. No entanto, somente os equipamentos para os procedimentos descritos acima tiveram segurança e eficácia aprovadas pela Anvisa.
A nota técnica ressalta que o uso de equipamentos para aplicação de ozonioterapia para fins diversos daqueles aprovados pelo órgão constitui infração sanitária, sujeita a sanções previstas na Lei 6437/77. E que denúncias podem ser feitas à Ouvidoria da Anvisa (pelo número 0800 642 9782 ou pelo site da Ouvidoria).
A autorização prevista na lei é para aplicação da ozonioterapia em caráter complementar. Segundo o Ministério da Saúde, práticas complementares não substituem o tratamento tradicional: “Elas são um adicional, um complemento no tratamento e indicadas por profissionais específicos conforme as necessidades de cada caso”.
Processo de aprovação na Anvisa
Ao Comprova, a Anvisa esclareceu que os equipamentos emissores de ozônio para aplicação em odontologia e estética foram aprovados gradualmente, à medida que as empresas interessadas em regularizá-los enviavam pleitos para a agência, que avaliou os estudos que embasavam os produtos quanto à eficácia e segurança. Esses estudos, segundo a Anvisa, compõem os dossiês técnicos dos produtos e são informações sob sigilo empresarial.
Ainda de acordo com a agência, foram submetidos nos últimos anos pleitos relacionados a outras aplicações, como para dor lombar, artrite, artrose e diabetes. Porém, conforme o órgão, não houve comprovação de eficácia para essas finalidades.
Em comunicado de 7 de agosto, a Anvisa informa que novas indicações de uso da ozonioterapia poderão ser aprovadas. Para tanto, são necessárias novas submissões de pedidos de regularização de equipamentos emissores de ozônio pelas empresas interessadas, com apresentação dos estudos necessários à comprovação de sua eficácia e segurança.
Projeto de Lei foi apresentado por senador em 2017
O projeto (PL 227/17) que deu origem à lei foi apresentado pelo então senador Valdir Raupp em 2017. O texto original, que foi modificado, previa autorização para a prescrição da ozonioterapia como tratamento médico de caráter complementar. Dentre as justificativas, o senador destacou a aplicação da ozonioterapia como prática reconhecida pelo sistema de saúde de países como Alemanha, China, Rússia, Cuba, Portugal, Espanha, Grécia, Turquia e em 32 estados dos Estados Unidos. E que a técnica pode ser usada no tratamento de patologias de origem inflamatória, infecciosa e isquêmica.
O PL seguiu para a Câmara em novembro de 2017, onde recebeu a numeração PL 9001/2017 e foi modificado. Na redação final, foi retirada a prescrição da ozonioterapia como tratamento médico. O texto não foi para o plenário da casa legislativa por ser de caráter conclusivo. Esse tipo de projeto só precisa ser aprovado pelas duas comissões designadas para análise. O projeto deixa de ter essa característica caso as comissões dêem pareceres divergentes sobre o assunto (uma aprovar e a outra reprovar) ou se 52 deputados (10% da Câmara) assinarem um recurso contra esse rito após a aprovação nas comissões – o que não aconteceu.
Com a aprovação pelas comissões de Seguridade Social e Família e de Constituição e Justiça e de Cidadania, o texto final, que seguiu de volta para revisão no Senado em maio de 2023, foi o mesmo remetido ao Palácio do Planalto e sancionado pelo presidente Lula em agosto deste ano.
O que é a ozonioterapia?
De acordo com o Conselho Federal de Medicina, a ozonioterapia é um procedimento terapêutico que aplica uma mistura de dois gases nos pacientes: o oxigênio e o ozônio. A aplicação pode ser feita de diferentes formas, como endovenosa, retal, intra-articular, local e intramuscular.
Na nota técnica da Anvisa de junho de 2022, a agência explica que o ozônio é um “gás com forte poder oxidante e bactericida”. Por conta disso, seu uso deverá ser destinado apenas para fins odontológicos e estéticos, com o objetivo de tratar inflamações e infecções nessas áreas, além de limpeza de pele. Em outras aplicações, esse gás costuma ser utilizado para desinfecção de ambientes hospitalares e no tratamento de água.
Em 20 de abril de 2018, o CFM publicou uma resolução que torna a ozonioterapia um procedimento de caráter experimental. Com isso, os tratamentos médicos só poderão utilizar essa abordagem se forem voltados para estudos, e desde que sigam critérios definidos pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Dentre as regras, está a concordância dos participantes com as condições da pesquisa, a garantia de sigilo e anonimato, a oferta de suporte médico-hospitalar em caso de efeitos adversos e a não cobrança do tratamento em qualquer uma de suas etapas.
O conselho também pontuou que, a pedido da Associação Brasileira de Ozonioterapia, avaliou até aquele momento mais de 26 mil trabalhos sobre o assunto. A conclusão, no entanto, foi de que o uso medicinal dessa prática ainda precisa de mais estudos, “com metodologia adequada e comparação da ozonioterapia a procedimentos placebos, assim como estudos comprovando as diversas doses e meios de aplicação de ozônio”, conforme consta no site do CFM.
Ozonioterapia foi incorporada ao SUS como prática complementar em odontologia em 2018
Em 2018, o Ministério da Saúde incluiu a ozonioterapia no rol de Práticas Integrativas e Complementares (Pics) do SUS. Em resposta ao Comprova, a pasta informou, por telefone, que a inclusão se referia somente às práticas odontológicas que, à época, já haviam sido autorizadas pela Anvisa.
Em 2015, a Resolução CFO-166 do Conselho Federal de Odontologia reconheceu e regulamentou o uso pelo cirurgião-dentista da prática da ozonioterapia. No anexo da Resolução, o CFO elenca as áreas de aplicação da técnica em odontologia. Estão listadas as quatro com equipamentos de aplicação de ozônio já aprovados pela Anvisa (listada acima), acrescidas de outras duas ainda sem aprovação pela agência:
– Dor e disfunção de ATM: atividade antiálgica e antiinflamatória;
– Necroses dos maxilares: osteomielite, osteorradionecrose e necroses induzidas por medicamentos.
Em 2020, no Parecer Normativo nº 001/2020/COFEN, o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) regulamentou a ozonioterapia como prática do enfermeiro. Em um trecho, o parecer determina que a técnica “somente seja aplicada através de equipamento de produção de ozônio medicinal devidamente certificado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”.
Determinação semelhante tem a Resolução nº 685, de 30 de janeiro de 2020, do Conselho Federal de Farmácia (CFF), que regulamenta a atribuição do farmacêutico na prática de ozonioterapia. No artigo 4º, em que são descritas as atribuições do profissional na prática da ozonioterapia, lê-se no inciso IX: “Utilizar equipamentos e materiais apropriados, devidamente registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”.
Relação com a pandemia
Após a Organização Mundial de Saúde (OMS) caracterizar o estado de contaminação pelo coronavírus como uma pandemia, o uso da ozonioterapia como tratamento complementar para a doença passou a ser discutido no Congresso Nacional. Em abril de 2020, mês seguinte ao anúncio da OMS, a deputada federal Paula Belmonte (Cidadania-DF) apresentou o Projeto de Lei 1.383, que permitia a prática como um tratamento complementar aos infectados pelo SARS-CoV-2.
De acordo com a autora da proposta, apesar de não existirem evidências científicas de que a ozonioterapia teria efetividade na prevenção ou tratamento da covid-19, seria uma forma de possibilitar que “a comunidade médica utilize o tratamento quando julgar necessário”.
Em julho do mesmo ano, o texto do PL foi alvo de debate pela Comissão Externa da Câmara dos Deputados sobre o tratamento da doença. Os defensores argumentaram que a prática poderia evitar o agravamento do quadro do paciente e reduzir o tempo de internação. Já aqueles que discordavam pontuaram a falta de evidências científicas sobre a eficácia do procedimento, manifestando a necessidade de estudos experimentais para a aplicação.
Em agosto, o prefeito de Itajaí (SC), Volnei Morastoni (MDB), anunciou em uma transmissão ao vivo que a cidade iria adotar a aplicação de ozônio por via retal como uma medida de tratamento contra a covid-19 em pacientes com confirmação de infecção pelo vírus e com sintomas. O município estaria incluído em um estudo da Associação Brasileira de Ozonioterapia para avaliar a efetividade do procedimento contra a doença. O projeto chegou a ser adiado, mas posteriormente retornou e, até janeiro de 2021, tinha atendido 81 voluntários na rede pública da cidade. No site da Aboz, no entanto, não há informações ou dados sobre a eficácia do tratamento, prometida para abril de 2021.
À época, o Comprova fez uma verificação sobre a declaração feita por Morastoni e concluiu que não existiam evidências científicas que comprovassem a relação entre a ozonioterapia e o tratamento da covid-19.
A Anvisa concluiu, em outubro de 2020, que a ação desinfetante do ozônio não tem efetividade contra o SARS-CoV-2. A agência também ressaltou o caráter perigoso da ação do gás em humanos, podendo gerar lesões na pele, nas vias respiratórias e nos olhos, além de reações alérgicas.
Por que explicamos: O Comprova Explica tem a função de esclarecer temas em discussão nas redes sociais e que são alvos de desinformação. Durante a pandemia da covid-19, conteúdos falsos defendendo a ozonioterapia como forma de tratamento para a doença foram explorados politicamente e disseminados no ambiente digital, gerando dúvidas sobre o procedimento. Assim, a apresentação das práticas em que o uso da ozonioterapia tem comprovação científica e é permitido pelas autoridades sanitárias busca levar compreensão sobre o tema à população em um contexto de desordem informacional.
Outras checagens sobre o tema: Durante a pandemia de covid-19, o Fato ou Fake, do G1, também investigou a prática da ozonioterapia no tratamento da doença e apresentou que não há evidências científicas de que a aplicação do ozônio mate o vírus.
Conteúdos sobre tratamentos e procedimentos médicos costumam ser alvos de desinformação e são verificados pelo Comprova. Recentemente, a iniciativa verificou que a OMS não admitiu que bebês de mães vacinadas estão nascendo com problemas no coração, que as vacinas não têm vírus e fungos ‘do câncer’ e que o Ministério da Saúde não proibiu vacinas contra a covid-19.