Vídeo faz alegações enganosas para colocar em dúvida credibilidade de pesquisas eleitorais
- Enganoso
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- É enganosa uma publicação no Facebook e YouTube que reúne trechos de dois vídeos para defender a tese de que as pesquisas eleitorais não são confiáveis. Entre as alegações, o autor considera que o tamanho da amostragem - número de eleitores entrevistados - é pequeno para representar a opinião da população. O Comprova já explicou que a pesquisa é feita com uma amostra cientificamente calculada da população, a fim de retratar o grupo como um todo e eliminar vieses.
Conteúdo investigado: Vídeo em que autor reúne duas gravações para levantar suspeitas sobre a credibilidade das pesquisas eleitorais. No primeiro, ele mostra imagens de uma consulta feita em 2018, em frente a um presídio, e, no segundo, gravação feita em abril de 2022, de uma mulher que, segundo a postagem, teria se recusado a continuar a pesquisa quando o entrevistado manifestou apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL).
Onde foi publicado: YouTube e Facebook. Na plataforma de vídeo, ficou indisponível após o início da verificação.
Conclusão do Comprova: É enganoso o vídeo em que o autor reúne duas gravações para levantar suspeitas sobre a credibilidade das pesquisas eleitorais. Durante a exibição das imagens, ele faz comentários que sugerem manipulação de dados e de entrevistas para favorecer candidatos do PT em detrimento de Bolsonaro.
O autor do vídeo aqui investigado faz inferências sobre o método utilizado pelos institutos oficiais de pesquisa, sugerindo vieses, e questiona o tamanho das amostras da população nos levantamentos realizados.
No início deste ano, em um Comprova Explica, especialistas esclareceram que a pesquisa é feita com uma amostra cientificamente calculada da população, a fim de representar o grupo como um todo e eliminar vieses. Para montar essa amostra, diferentemente do apontado pelo autor do vídeo, é considerada uma série de critérios para aproximar o grupo de entrevistados da composição real da população, tais como raça, gênero, escolaridade e ocupação.
As consultas ao eleitorado registram um recorte do momento em que as entrevistas foram feitas. É o que justifica o fato de Fernando Haddad ter aparecido em primeiro lugar em algumas pesquisas de 2018, e não que houve má condução das entrevistas como insinuado pelo autor do vídeo. Os últimos levantamentos feitos antes do segundo turno, porém, apontaram a vitória de Jair Bolsonaro.
Além disso, segundo a legislação brasileira, todas as pesquisas eleitorais devem ser registradas na Justiça Eleitoral, com detalhes sobre o método científico empregado, o plano de amostragem, os dados do profissional responsável, questionário completo a ser aplicado, entre outros. Essas informações estão disponíveis para consulta no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Para o Comprova, enganoso é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. Até o dia 13 de junho, o vídeo teve mais de 80 mil visualizações e 20 mil curtidas no YouTube. Após o contato do Comprova, no entanto, o conteúdo foi removido da plataforma. Já no Facebook, o vídeo alcançou 85 mil visualizações, 9,8 mil curtidas e 897 comentários até o dia 15 de junho.
O que diz o autor da publicação: Olimpio Araujo Junior mantém um canal no YouTube com 625 mil inscritos descrito como “conservador de direita focado em notícias sobre política, economia e atualidades” e que mostraria “a verdade que a mídia e as instituições de ensino não mostram”.
Procurado por e-mail, Olimpio Araujo afirmou que o vídeo é opinativo e que apenas fez uma “análise” da metodologia dos institutos de pesquisa. Na mensagem ao Comprova, ele reafirma suas opiniões sobre a credibilidade das pesquisas.
Como verificamos: Para fazer esta checagem, o Comprova consultou materiais explicativos disponíveis no site do TSE a respeito das pesquisas eleitorais de 2022 e do processo de auditoria das eleições.
Além disso, foram feitas pesquisas com base em reportagens jornalísticas de veículos profissionais (BBC News Brasil, Folha de S.Paulo, Agência Brasil e G1) e verificações realizadas pelo Comprova e outras agências sobre o tema.
Por fim, a equipe procurou o TSE para esclarecer como funcionam a amostragem e a auditoria das pesquisas eleitorais.
Pesquisas eleitorais são retratos do momento
As pesquisas eleitorais são ferramentas de opinião pública utilizadas por institutos ou entidades para verificar a preferência do eleitorado nos meses que antecedem um pleito. De acordo com o TSE, os estudos utilizam métodos científicos para “apurar a realidade do momento junto a segmentos representativos do eleitorado”.
Isso significa que, na semana em que a pesquisa foi realizada, por exemplo, pode ser que as pessoas estivessem mais propensas a votar em um determinado candidato. Na semana seguinte, a intenção de voto pode ter mudado dependendo da campanha eleitoral, debates, notícias, postagens em redes sociais, entre outros fatores, conforme apontou o G1.
Em entrevista à Agência Brasil, a diretora-executiva do Ipec (ex-Ibope Inteligência), Marcia Cavallari, explicou que “o objetivo de uma pesquisa eleitoral não é o de antecipar os resultados da eleição, mas sim o de mostrar o cenário no momento em que foi realizada.”
Segundo Cavallari, “a pesquisa é uma fotografia do momento e não tem o poder e nem a intenção de prever o resultado de uma eleição. Por isso, seus resultados não podem ser usados para prever o resultado das urnas.”
Mesmo assim, nas mais recentes eleições presidenciais no Brasil, os principais institutos de pesquisa chegaram perto do resultado das urnas, como já mostrou o Comprova em duas ocasiões (1 e 2). Na última pesquisa publicada em 2018, o Ibope apontava que Jair Bolsonaro teria 36% dos votos; Fernando Haddad, 22%; Ciro Gomes, 11%; e Geraldo Alckmin, 7%. Já o instituto Datafolha apontava os mesmos números para Bolsonaro, Haddad e Alckmin, mudando apenas as intenções de voto de Ciro Gomes para 13%. Depois de fechadas as urnas do primeiro turno, Bolsonaro teve 46% dos votos válidos; Fernando Haddad, 29%; Ciro Gomes, 12%; e Geraldo Alckmin, 4%.
No segundo turno, a última pesquisa divulgada pelo Ibope apontava 54% de intenções de voto para Bolsonaro e 46% para Haddad. Já o Datafolha mostrava 55% para Bolsonaro e 45% para Haddad. No resultado final, Bolsonaro teve 55% dos votos válidos e Haddad, 44%.
Um levantamento do site Jota reuniu dados de todas as eleições para governador e presidente no Brasil realizadas entre 1998 e 2018 e das pesquisas divulgadas pelo Datafolha, Ibope, Vox Populi e Sensus para avaliar a influência do tempo que separa a realização da consulta e o dia da eleição. A conclusão foi a de que pesquisas feitas mais próximas das eleições têm maior grau de acerto dos resultados. As pesquisas realizadas até 80 dias antes da eleição variaram 9 pontos percentuais do resultado real. Depois de 80 dias, esse número caiu progressivamente até 5 pontos percentuais, nos últimos dias antes da eleição.
Amostragem
A amostra é o grupo de entrevistados em uma pesquisa de opinião. A ideia é escolher um número limitado de pessoas, cujas características sejam parecidas com a do grupo maior que se queira pesquisar.
Para que essa amostra seja representativa, os institutos de pesquisa seguem critérios do perfil da população (escolaridade, gênero, idade, renda familiar, profissão, etc), seja do país ou apenas de um município, por exemplo. Isso permite a realização de uma análise que considere a proporção dessas diferentes variáveis na composição da população.
Esses critérios são variados e podem diferir de acordo com o método do levantamento, que pode ser quantitativo (quando o objetivo é coletar dados e apontar preferências eleitorais) ou qualitativo (quando há intenção de compreender fenômenos e motivações individuais que não são mensuráveis).
“[A amostragem é feita] a partir de técnicas que vêm da análise estatística, da probabilística, que garantem que aquele número de eleitores entrevistados é capaz de dar uma representação relativamente fiel, dentro de uma margem de erro e um índice de confiança, da opinião da população como um todo”, disse ao Comprova, em março, o professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop-Unicamp), Oswaldo Amaral.
Ele explicou que as pesquisas eleitorais entrevistam um grupo reduzido, porém representativo, para inferir a opinião de milhões. Por exemplo, os dados mais recentes do TSE, de maio de 2022, mostram que 52,8% dos 152,3 milhões de eleitores brasileiros são mulheres. Isso significa, portanto, que uma amostra de 2 mil eleitores deverá ter 52,8% de mulheres (1.056 eleitoras).
Pelo site do TSE, o público pode conferir o relatório das pesquisas para avaliar se a amostragem usada pelos institutos foi bem construída, “para avaliar se as pesquisas foram construídas sem defeitos amostrais que possam enviesar os resultados”, conforme Amaral.
Dados de pesquisa são registrados pela Justiça Eleitoral
Ao contrário do que é difundido por grupos que questionam a credibilidade de pesquisas de institutos profissionais, a legislação eleitoral permite a verificação de dados referentes às consultas feitas com a população.
No artigo 33 da Lei 9.504/1997 está expresso que as entidades e empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada pesquisa, a registrar, junto à Justiça Eleitoral, até cinco dias antes da divulgação, as seguintes informações:
- quem contratou a pesquisa;
- valor e origem dos recursos despendidos no trabalho;
- metodologia e período de realização da pesquisa;
- plano amostral e ponderação quanto a sexo, idade, grau de instrução, nível econômico e área física de realização do trabalho a ser executado, intervalo de confiança e margem de erro;
- sistema interno de controle e verificação, conferência e fiscalização da coleta de dados e do trabalho de campo;
- questionário completo aplicado ou a ser aplicado;
- nome de quem pagou pela realização do trabalho e cópia da respectiva nota fiscal.
Além disso, segundo o TSE, entre essas informações necessárias para o registro está o nome do profissional de Estatística responsável pela pesquisa, acompanhado de assinatura com certificação digital e o número do registro no Conselho Regional de Estatísticas competente.
O mesmo dispositivo legal diz ainda que as informações relativas às pesquisas serão registradas nos órgãos da Justiça Eleitoral aos quais compete fazer o registro dos candidatos, e que a divulgação de pesquisa sem o prévio registro de todas essas informações sujeita os responsáveis ao pagamento de multa.
Além disso, a legislação ressalta que a divulgação de pesquisa fraudulenta é crime, que pode ser punida com prisão e também multa. A divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações previstas no normativo sujeita as pessoas responsáveis à multa que varia de R$ 53.205 a R$ 106.410.
O artigo 34 prevê, ainda, que mediante requerimento à Justiça Eleitoral, os partidos poderão ter acesso ao sistema interno de controle, verificação e fiscalização da coleta de dados das entidades que divulgaram pesquisas de opinião relativas às eleições, incluídos os referentes à identificação dos entrevistadores e, por meio de escolha livre e aleatória de planilhas individuais, mapas ou equivalentes, confrontar e conferir os dados publicados, preservada a identidade dos respondentes.
Até o dia 9 de junho, o portal do TSE contabilizava 660 pesquisas eleitorais relativas às eleições gerais de 2022. Desse total, mais de 170 se referem aos cargos de presidente e vice-presidente da República.
Vídeos compartilhados na postagem
No conteúdo aqui investigado, o autor divulga trechos de dois vídeos. O primeiro, registrado em 2018, mostra uma pesquisadora conversando com uma mulher diante de um presídio na cidade de Corumbaíba, em Goiás. É apenas uma parte do que circulou naquele ano, quando um agente de segurança aborda a entrevistadora, dizendo que ela não poderia estar naquele lugar para fazer seu trabalho. Na ocasião, a profissional cancelou a entrevista e, segundo o Datafolha, o procedimento foi correto, porque todos são orientados a encerrar as perguntas se, porventura, forem filmados, o que não é permitido.
O caso foi noticiado pela Folha, que confirmou que o vídeo é verdadeiro, mas esclareceu que a região também tem supermercados, igrejas, agências bancárias e um hospital, com grande circulação de pessoas, apresentando-se como local ideal para esse tipo de entrevista.
No segundo vídeo, de abril deste ano, o enfoque é na entrevistadora do instituto Quaest, que trabalhava em Nova Porteirinha, Minas Gerais. O homem que faz a gravação a interpela diversas vezes, dizendo que ela teria que ser imparcial ao fazer as perguntas para o entrevistado, que não é a mesma pessoa que faz a filmagem.
Ela tenta se justificar, afirmando que só havia abordado o homem perguntando se ele poderia dar entrevista, porém o autor da filmagem é incisivo ao dizer que ela havia parado as perguntas porque o candidato à entrevista havia declarado voto em Bolsonaro e, ela, teria mostrado posicionamento pessoal diferente.
O vídeo não mostra o que alega o autor da filmagem, mas, sim, a entrevistadora tentando argumentar, perguntando se era ele quem havia sido entrevistado e, por fim, tentando retomar o trabalho. Com a divulgação das imagens, o instituto Quaest emitiu nota de esclarecimento no dia 2 de abril, apontando que a entrevistadora não atuou conforme as normas de neutralidade orientadas pela empresa e que ela foi desligada. Além disso, as entrevistas realizadas pela pesquisadora seriam refeitas.
Por que investigamos: O Comprova verifica conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19, políticas públicas e as eleições presidenciais deste ano. Conteúdos enganosos sobre pesquisas eleitorais podem prejudicar o processo democrático uma vez que confundem a população na tentativa de descredibilizar as amostras. É importante, portanto, que os eleitores tenham acesso a informações verídicas sobre as pesquisas, que seguem um método científico e buscam eliminar possíveis distorções e vieses.
Outras checagens sobre o tema: Em abril deste ano, o Estadão Verifica checou outra peça de desinformação que também utiliza os vídeos apresentados no conteúdo verificado pelo Comprova e concluiu que as alegações da peça eram enganosas.
Anteriormente, o Comprova já mostrou que pesquisas eleitorais seguem métodos científicos, ao contrário de enquetes, que nenhuma pesquisa eleitoral aponta 70% de votos para Bolsonaro, que áudio sobre fraudes em pesquisas é de comediante, não de ex-diretor do Datafolha e que vídeo engana ao dizer que pesquisas foram forjadas na eleição de Bolsonaro em 2018.