Eleições

Investigado por: 2022-12-14

É falso que Bolsonaro assinou Ato Institucional que decreta novas eleições

  • Falso
Falso
É falso vídeo segundo o qual Jair Bolsonaro (PL) publicou o Ato Institucional nº 1 para decretar novas eleições para presidente da República em janeiro do ano que vem e mudar as regras eleitorais do país. Nenhuma publicação do gênero ou que toque no resultado das eleições 2022 foi encontrada no Diário Oficial da União (DOU) nem no rol da legislação brasileira.

Conteúdo investigado: Vídeo no Facebook em que uma pessoa não identificada diz ter recebido documento assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL). O conteúdo mostra o suposto texto do “Ato Institucional nº 1, de 9 de dezembro de 2022”, pausadamente. Em determinado trecho, explica estar em curso uma “nova revolução”, que “destitui o governo anterior e tem a capacidade de constituir um novo governo”.

O suposto AI-1 cancela a eleição presidencial de 2022 e decreta a realização de novo pleito para 11 de janeiro de 2023. O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva não poderia concorrer por estar vedada a candidatura de políticos “processados civil ou criminalmente e presos nos últimos 10 anos”. O texto menciona que “o Congresso Nacional, em sessão extraordinária, apreciará o pedido de cessação de direitos políticos de qualquer ex candidato que faça ou fez parte de grupos subversivos ao governo” (sic).

Também anula a Lei de Anistia, de 1979, e destitui os atuais ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No fim do vídeo, o autor diz que “9 de dezembro, seleção brasileira caiu, mas nossa pátria vai ficar de pé. A nossa bandeira jamais será vermelha”.

Onde foi publicado: Facebook.

Conclusão do Comprova: É falso que Jair Bolsonaro (PL) tenha publicado Ato Institucional (AI) nº 1, em 9 de dezembro de 2022, decretando novas eleições para presidente da República em 11 de janeiro de 2023. O falso documento dispõe ainda sobre novas regras eleitorais do país: pleito decidido em turno único; inelegibilidade de qualquer candidato processado civil ou criminalmente e preso nos últimos 10 anos e mesmo se não condenado em segunda instância; poder ao presidente da República de inspecionar urnas a qualquer momento; e decreta possibilidade de novas eleições com cédulas.

Nenhum ato institucional ou decreto nesse sentido foi publicado no Diário Oficial da União (DOU), a partir do dia 9 de dezembro. No Portal da Legislação, do Planalto, site que permite a qualquer cidadão consultar atos normativos em âmbito federal ou estadual, a única menção a ato institucional está na aba “legislação histórica”, que traz o resumo de todos os AIs publicados de 1964 a 1969, durante a ditadura militar.

O documento mostrado no vídeo tem conteúdo semelhante ao do AI-1, de 9 de abril de 1964, que rompeu com a Constituição de 1946 e marcou o início do regime militar. O texto de 1964 instituiu a eleição indireta –pelo Congresso Nacional– para a Presidência e Vice-Presidência da República, atribuiu poder ao chefe do Executivo para decretar estado de sítio e deu aos seus comandantes poder para suspender direitos políticos por 10 anos e cassar mandatos legislativos. Também previu a abertura de inquéritos e processos por crime contra a “ordem política e social ou de atos de guerra revolucionária”.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O post no Facebook teve 156 mil visualizações e 7,5 mil curtidas, 1,1 mil comentários e outros 3,6 mil compartilhamentos até 14 de dezembro, mesmo dia em que o Facebook classificou o conteúdo como falso.

O que diz o responsável pela publicação: A autora da postagem no Facebook, identificada como Lenyr Botelho, não retornou o contato feito por meio dessa rede social. Ela também tem um perfil no Instagram, mas sua última publicação é de dois anos atrás, quando foi candidata a vereadora pelo PSD de Goiás, e não há novas interações.

No Facebook, Lenyr revela-se apoiadora do presidente Jair Bolsonaro (PL): em foto postada no dia 15 de novembro, ela aparece acompanhada de um homem, com uma legenda referindo-se ao acampamento “pró-Brasil”, em Goiás. Em várias cidades do país, bolsonaristas acampam diante de quartéis do Exército em atos antidemocráticos contra o resultado das eleições presidenciais.

A reportagem também contatou Eduardo Picanço, cujo perfil, @eduardopicanco, aparece no vídeo do post verificado aqui. Por meio de mensagem privada no Instagram, ele disse ter recebido, postado e excluído o conteúdo em 10 de dezembro. “Quando eu vi que não foi publicado em lugar nenhum, eu tirei, 30 minutos depois (de ter publicado). Só que alguém deve ter salvo e compartilhou”, disse ele.

Como verificamos: Primeiramente, em pesquisa no Google, foi associado o nome do presidente Jair Bolsonaro ao termo “Ato Institucional número 1”. A consulta retornou duas verificações – UOL Confere e Boatos.org – que concluíram pela falsidade do conteúdo.

Também foi pesquisada somente a palavra-chave “AI-1”, cujo resultado apresentou informações sobre o ato institucional de 9 de abril de 1964. Em seguida, houve verificação no Diário Oficial da União sobre os atos publicados pela Presidência da República a partir de 9 de dezembro.

A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto, mas, até a publicação desta verificação, não houve resposta.

Embora tenha seguido o formato de textos legislativos, chamou a atenção a presença de erros na grafia no conteúdo verificado. Entre outros, a palavra “República” foi grafada várias vezes em minúscula.

Os atos do presidente no Diário Oficial

Não houve edição extraordinária do Diário Oficial da União no dia 9 de dezembro. Nesse dia, foram publicados quatro despachos do dia anterior. Apenas um foi assinado por Bolsonaro: pedido de informações ao Superior Tribunal Federal (STF). Os demais são da Secretaria-Geral da Presidência e do Conselho de Governo.

Tendo caído 10 e 11 no fim de semana, a edição de 12 de dezembro traz os dois despachos assinados no dia 9. Um contém encaminhamento ao STF de informações para instruir julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade. O segundo, da Casa Civil, informa o credenciamento e descredenciamento de empresas.

Atos institucionais no Brasil

Na ditadura militar, os atos institucionais foram os instrumentos adotados pelos governos do período para conferir legitimidade às práticas implementadas arbitrariamente e sem consulta ao Congresso Nacional. Ao todo, foram 17 atos entre 1964 e 1969.

No AI-1, criado em abril de 1964, logo após o golpe que retirou João Goulart da Presidência, 11 artigos estabeleceram modificações significativas na legislação e atropelaram a Constituição de 1946. Entre as mudanças estavam a suspensão dos direitos políticos por 10 anos ou afastamento do serviço público de todo aquele que pudesse ameaçar a segurança nacional. Essa suspensão também é mencionada no conteúdo aqui verificado.

Mas foi o AI-5, editado em 13 de dezembro de 1968, que marcou o período mais duro da ditadura militar, com mortes e desaparecimento daqueles que se opunham ao governo. De acordo com reportagem especial da Folha sobre o tema, quase 1,4 mil pessoas foram afetadas por este ato institucional nos dois primeiros anos de sua vigência.

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e peças que questionam o resultado das eleições presidenciais. Neste conteúdo, o vídeo inventa a edição de um Ato Institucional que teria sido assinado por Bolsonaro para convocar novas eleições presidenciais. Além de a publicação recorrer a um instrumento utilizado durante a ditadura militar, o seu teor sugere a realização de nova votação, reforçando o discurso antidemocrático daqueles que não aceitaram o resultado da votação que elegeu Lula.

Outras checagens sobre o tema: O mesmo conteúdo foi verificado pelo UOL Confere e pelo Boatos.org, que o classificaram como falso. Ainda durante a campanha e, sobretudo, após o resultado das eleições, bolsonaristas recorreram à desinformação para tentar tirar a credibilidade do processo eleitoral. Recentemente, o Comprova revelou ser falso vídeo com supostas acusações do comandante do Exército contra Alexandre de Moraes, que também é mentira que Exército fechou entrada do país pelo mar e que Lula não poderia ser diplomado devido a condenações já anuladas.