Política

Investigado por: 2019-10-04

É falso que 700 empresas japonesas querem investir no Brasil impulsionadas pelas reformas do governo Bolsonaro

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Falso
700 é o número aproximado de empresas japonesas que já estão operando no Brasil. Postagens usam o número para associar suposto interesse das companhias com reformas defendidas pelo governo

É falso que 700 empresas japonesas querem investir no Brasil por causa das reformas prometidas pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL), como dizem publicações no Facebook que viralizaram nesta semana. Na verdade, esse é o número correspondente ao total de empresas japonesas que já funcionam em território brasileiro – segundo a Embaixada do Japão no Brasil, o número exato é de 707 empresas, dado compilado pelo Ministério das Relações Exteriores japonês.

As publicações usam um link do site Conexão Política, datado de 12 de setembro, cujo título inicialmente era: “700 empresas japonesas querem investir no Brasil com expectativa ao governo Bolsonaro”. No entanto, o título foi alterado para: “Embaixador japonês diz que diversas empresas do Japão e do mundo querem investir no Brasil”.

Apesar de publicado em setembro, o texto do Conexão Política reproduz uma entrevista do embaixador japonês no Brasil, Akira Yamada, dada à Agência Brasil e publicada em 24 de março. O texto da Agência Brasil traz a informação de que, segundo Yamada, “há cerca de 700 empresas japonesas atuando no Brasil” e que “esse número não cresce há cinco anos”.

Para o Comprova, falso é o conteúdo divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

O Comprova entrou em contato com a equipe do Conexão Política via e-mail para questioná-la sobre as informações , mas ainda não obteve resposta.

Como verificamos

Para esta verificação, procuramos a entrevista original do embaixador Akira Yamada à Agência Brasil para fazer a comparação entre o que o diplomata de fato falou e o que estava sendo compartilhado no Facebook.

Também entramos em contato com órgãos diretamente ligados à relação entre Brasil e Japão em busca de dados sobre a presença de empresas japonesas no país. Procuramos a Embaixada do Japão no Brasil, a Câmara do Comércio e Indústria Japonesa no Brasil e a Japan External Trade Organization (Jetro, braço de comércio exterior do governo japonês).

Além disso, procuramos informações sobre empresas japonesas no Brasil junto a órgãos do governo brasileiro, como o Banco Central e o Ministério da Economia.

Para encontrar publicações com o título enganoso, antes da alteração que levou à versão atual, usamos a busca do Facebook.

Você pode refazer o caminho da verificação do Comprova acessando os links para consultar as fontes originais ou visualizar a documentação que reunimos.

A entrevista do embaixador

O texto do Conexão Política reproduz trechos da entrevista do embaixador Yamada à Agência Brasil, na qual o diplomata indica interesse de empresas japonesas em investir no Brasil “se a política se estabilizar e a economia caminhar bem”.

No entanto, em nenhum momento Yamada cita número de empresas japonesas interessadas em investir no Brasil. O único valor que o embaixador de fato cita, de acordo com o texto da Agência Brasil, é o de 700 empresas já instaladas no país.

Yamada também afirmou, segundo a notícia da Agência Brasil, que “aumentou o número de executivos japoneses interessados em vir para o país conhecer os projetos brasileiros e investir” e que “os investimentos estão atrelados às reformas da Previdência e tributária em tramitação no Congresso Nacional”.

Ao Comprova, a assessoria de comunicação da Embaixada do Japão no Brasil confirmou o teor das declarações de Yamada à Agência Brasil.

Quantas empresas japonesas existem no Brasil?

Por e-mail, a Embaixada do Japão no Brasil informou nesta sexta-feira (4) que “o número atual das empresas japonesas calculado em 2017 é de 707”.

A Jetro, uma organização de comércio exterior ligada ao governo japonês, forneceu um relatório do Ministério das Relações Exteriores japonês com informações sobre cidadãos do país no exterior, cuja versão mais recente é de 2017 e está em japonês, sem tradução para outro idioma. Ao observar a linha 18, destacada de amarelo, podemos ver que havia 707 empresas japonesas no Brasil até outubro de 2017.

O Comprova também procurou a Câmara de Comércio e Indústria Japonesa no Brasil para confirmar se o número de 700 empresas no país estava correto, mas não teve resposta.

A lista de empresas associadas à Câmara, atualizada em 15 de julho deste ano, traz 356 companhias. Destas, 225 são japonesas.

O interesse japonês em investir no Brasil

Também recorremos a informações do governo brasileiro para entender o tamanho do interesse japonês em investir no Brasil. Após uma queda no investimento depois de 2014, o montante investido por empresas japonesas no Brasil voltou a crescer em 2018.

Segundo um relatório do Banco Central, entre 2014 e 2017 houve queda no investimento japonês no Brasil, indo de US$ 3,8 bilhões para US$ 537 milhões.

Em 2018, o volume de capital investido avançou para US$ 1,1 bilhão. No primeiro semestre deste ano, o Japão investiu US$ 747 milhões no Brasil. Você pode acessar o relatório do Banco Central nesse link.

Outros dados do governo, desta vez da Rede Nacional de Informações sobre o Investimento (Renai), do Ministério da Economia, mostram que nos últimos anos não houve nada parecido com um patamar de centenas de empresas japonesas interessadas em investir no Brasil. O volume prometido de investimento, inclusive, já foi bem maior em anos anteriores.

As informações da Renai mostram quanto se planejou investir no Brasil com capital japonês desde 2004. Esses investimentos anunciados poderiam envolver 100% de dinheiro japonês ou investimento conjunto com capital brasileiro ou de outros países.

A Renai faz a ressalva de que seus relatórios “não representam um levantamento dos investimentos realizados na economia brasileira” e têm como objetivo “apresentar as intenções para execução de projetos futuros”. A planilha com dados desde 2004 pode ser baixada aqui.

Entre janeiro e junho deste ano, o Brasil teve seis anúncios de investimentos envolvendo capital japonês, totalizando US$ 234 milhões, a partir de seis empresas.

No primeiro semestre do ano passado, os anúncios de investimento com capital japonês no Brasil somaram US$ 1,3 bilhão. Na série histórica, o maior valor anunciado é para o primeiro semestre de 2008, com US$ 11,7 bilhões. Os valores são nominais, ou seja, não foram corrigidos pela inflação e correspondem ao que foi anunciado em cada ano.

Desde 2004, o número de empresas que anunciaram investimentos no Brasil com dinheiro japonês nunca chegou perto da ordem das centenas. A quantidade mais alta de companhias que anunciaram investimentos foi de 31, no ano de 2006. No primeiro semestre de 2019, foram seis empresas.

A Embaixada do Japão também deu informações sobre o interesse do país em investimentos no Brasil. Em e-mail enviado ao Comprova nesta sexta-feira (4), a embaixada mencionou o Softbank, que “estabeleceu em março um fundo de investimento de 5 bilhões de dólares” por meio do qual investe em empresas brasileiras, e o anúncio feito pela Toyota no mês passado de que vai investir R$ 1 bilhão para a fabricação de um novo modelo de veículo.

A alteração no título

A verificação também mostrou que o Conexão Política alterou o título do post. O mesmo link foi compartilhado pelo site em dois dias diferentes com títulos distintos, um falso (“700 empresas japonesas querem investir no Brasil com expectativa ao governo Bolsonaro”) e outro que traz o real significado da entrevista do embaixador japonês (“Embaixador japonês diz que diversas empresas do Japão e do mundo querem investir no Brasil”).

Uma busca pelas palavras “conexão política” e “Japão” no Facebook permitiu encontrar a primeira publicação, ainda com o conteúdo falso, feita na página do Conexão Política no dia 12 de setembro, às 13h52 (veja o print da publicação). Até a tarde desta sexta (4), o link teve 1,2 mil compartilhamentos.

A mesma busca também mostra que, às 15h12 do dia 28 de setembro, o Conexão Política fez outro post no Facebook usando o mesmo link, mas já com o título “Embaixador japonês diz que diversas empresas do Japão e do mundo querem investir no Brasil”. O segundo post teve apenas 120 compartilhamentos até a tarde desta sexta (veja o print da publicação).

O link com o título enganoso também foi compartilhado no dia 27 pela página “Eu Sou Direita” e recebeu 10 mil compartilhamentos até esta sexta. Outra publicação, feita no grupo “Equipe de Bolsonaro de Plantão” no dia 25, tinha 2,2 mil compartilhamentos.

Repercussão nas redes

De acordo com dados do Crowdtangle, plataforma que mede a repercussão de links postados no Facebook, os posts com o link do Conexão Política tiveram mais de 1,7 milhão de interações (curtidas, compartilhamentos e comentários) até a tarde desta sexta-feira (4), entre elas 180 mil compartilhamentos. Algumas das páginas e grupos que postaram o link com o título enganoso foram Eu Sou Direita, Lava Jato Brasil, Equipe de Bolsonaro de Plantão e República de Curitiba.

Contexto

As publicações falsas feitas nesta semana vieram em paralelo à confirmação, na segunda-feira (30), da viagem do presidente Jair Bolsonaro ao Japão este mês. Bolsonaro vai comparecer à entronização do novo imperador do Japão, Naruhito, no dia 23.

Em junho, Bolsonaro visitou a cidade japonesa de Osaka por causa da conferência do G20, grupo formado pelas 20 maiores economias do mundo. Em 27 de junho, Bolsonaro não tinha agenda oficial e passeou pelo comércio local de Osaka, onde tirou fotos com transeuntes, de onde veio a imagem do post que o Comprova analisou.

Em julho, o embaixador do Japão no Brasil, Akira Yamada, participou de uma sessão solene no Senado, em Brasília. A sessão foi convocada pela senadora Leila Barros (PSB-DF) em homenagem aos 111 anos da imigração japonesa no Brasil. O país também tem a maior comunidade nipônica do mundo fora do Japão, com cerca de 2 milhões de pessoas, entre descendentes e japoneses natos.

Durante seu discurso, Yamada disse que “está convicto de que, se as reformas avançarem, muitas empresas japonesas voltarão a olhar para o Brasil novamente para se instalar e aumentar os investimentos”.