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Investigado por: 2023-08-03

Decreto com contingenciamento de recursos federais não determina corte de verbas

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Está fora de contexto um post no TikTok que mostra imagem com uma relação de ministérios do governo federal e respectivos valores para cada pasta, com a informação de que se tratam de cortes. Os recursos foram bloqueados em julho no cumprimento do teto de gastos, o que, tecnicamente, é chamado de contingenciamento. Não é possível afirmar que são cortes, pois a medida ainda pode ser revertida, caso haja espaço abaixo do teto para o provimento dos recursos. Em outras palavras, o termo corte se refere a uma retirada definitiva das verbas, enquanto a ação foi um bloqueio, que pode ser temporário ou não.

Conteúdo investigado: Publicação apresenta uma lista do que seriam cortes realizados no orçamento federal, acompanhada da frase “Esses são os cortes no orçamento do desgoverno. Parabéns a todos que votaram nesse lixo de desgoverno”.

Onde foi publicado: TikTok.

Contextualizando: Uma publicação no TikTok lista ministérios do governo federal e recursos bloqueados, afirmando que trata-se de um corte no orçamento. O que a tabela mostra é o contingenciamento de recursos orçamentários, uma prática que se tornou comum desde a promulgação da emenda constitucional 95 de 2016, o chamado Teto de Gastos.

A cada bimestre, o governo federal publica um relatório em que se “projeta as receitas e despesas para o resto do ano e estabelece o cronograma de desembolso mensal, efetuando bloqueios ou desbloqueios, caso precise reajustar ou tenha margem para ampliar”, conforme explica Pedro Souza, analista da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal. Assim, no momento, não é possível dizer que as verbas foram cortadas.

A lista apresentada no conteúdo verificado corresponde com a realidade, de acordo com o decreto 11.621/2023, ao informar a verba contingenciada de cinco pastas do governo federal. Na publicação, foi utilizada uma cartela apresentada em uma reportagem do JP News, da Jovem Pan. A emissora destacou na reportagem que os ministérios da Saúde e da Educação foram os mais afetados pelo bloqueio – e não corte.

Porém, como a medida ainda pode ser modificada, não é possível dizer que foi feito um corte, como afirma o conteúdo investigado. O Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO) confirma que o bloqueio não é definitivo. “Ele pode ser revisto em algum bimestre seguinte, inclusive ser totalmente eliminado, caso despesas que estavam inicialmente previstas deixem de ocorrer, abrindo assim espaço dentro do teto de gastos”, informou a pasta.

Atualização: em uma primeira versão deste texto, citamos o nº 55 como sendo da emenda constitucional que estipulou o Teto de Gastos. Esse, na verdade é o número da PEC – Proposta de Emenda Constitucional que deu origem à emenda constitucional (EC) 95.

Como o post pode ser interpretado fora do contexto original: A utilização do termo corte se refere a uma ação definitiva, ou seja, em que os recursos federais não poderiam ser empenhados futuramente. No caso, para o cumprimento do teto de gastos, é feito um remanejamento das verbas, com o bloqueio do que constava primeiramente no planejamento do orçamento federal, mas que pode ser liberado posteriormente, em caso de melhora na arrecadação ou na redução do gasto público. Fora deste contexto, a publicação sugere que essa verba foi perdida em definitivo.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o perfil @assimnaoda51 pelo TikTok, mas não obteve respostas. Também buscou correspondência pelo perfil em outras redes sociais, mas não encontrou resultados.

Contingenciamento de despesas

A lista apresentada conta com os cinco ministérios que mais foram afetados pelo contingenciamento de despesas presente no decreto 11.621, publicado em edição extra do Diário Oficial da União na sexta-feira (28). O bloqueio foi direcionado para as despesas discricionárias de dez pastas.

Despesas discricionárias são gastos não obrigatórios, a serem realizados pelo governo dependendo da disponibilidade de recursos. Esse tipo de despesa está relacionado, por exemplo, a investimentos e gastos cotidianos de manutenção. Ao todo, R$ 1,5 bilhão foi bloqueado dos seguintes ministérios:

• Saúde: R$ 452 milhões;

• Educação: R$ 333 milhões;

• Transportes: R$ 217 milhões;

• Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome: R$ 144 milhões;

• Cidades: R$ 144 milhões;

• Meio Ambiente: R$ 97,5 milhões;

• Integração e Desenvolvimento Regional: R$ 60 milhões;

• Defesa: R$ 35 milhões;

• Cultura: R$ 27 milhões;

• Desenvolvimento Agrário: R$ 24 milhões.

O contingenciamento de despesas discricionárias é uma prática comum para adequar o orçamento federal ao teto de gastos, regra aprovada pelo Congresso em 2016, durante a gestão do então presidente Michel Temer, que procura evitar o descontrole das contas públicas. Ao aprovar o orçamento anual, o limite para as despesas primárias (obrigatórias e discricionárias) são delimitadas.

Ao final de cada bimestre, como determinado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), se for identificado que a receita delimitada no orçamento federal para o pagamento de despesas obrigatórias não será suficiente, é necessária a “limitação de empenho e movimentação financeira” do orçamento de despesas primárias. A análise é feita, atualmente, por meio do Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias, responsabilidade da Secretaria de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento e Orçamento, em conjunto com a Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda (STN/MF).

De acordo com a assessoria do MPO, esse relatório avalia como está o desempenho das receitas e despesas até aquele momento. “Elas [as secretarias] também projetam as receitas e despesas primárias para todo o ano, com base em um conjunto de informações recebidas dos ministérios e na grade de parâmetros macroeconômicos produzida pela Secretaria de Política Econômica do MF”, explicou o MP.

Outros dois relatórios já foram divulgados pelo MPO em 2023. Em março, a análise concluiu que não era necessário o contingenciamento de recursos. Nessa estimativa, o valor das despesas diminuíram, o que geraria um espaço no limite orçamentário. Já em maio, a projeção foi revisada e indicou a necessidade de bloquear R$ 1,7 bilhão de reais de despesas discricionárias de seis ministérios (Fazenda, Transportes, Planejamento e Orçamento, Integração e Desenvolvimento Social, Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, e Cidades).

Com o contingenciamento de julho, totaliza-se R$ 3,2 bilhões de despesas bloqueadas para o cumprimento do Teto de Gastos.

Medida pode ser revertida

Segundo o MPO, o decreto 11.621/2023 “trata-se de bloqueio e não de um corte, e é temporário, pois poderá ser revisto tão logo apareça espaço abaixo do teto para acomodar as despesas”. Ou seja, é uma medida que pode ser revista no caso de haver sobra no orçamento nos meses seguintes, caso não, o bloqueio das verbas é permanente e pode inclusive ter volume maior no trimestre seguinte.

O analista da IFI, do Senado Federal, Pedro Souza, explica que a diferença entre o contingenciamento e o corte é temporal. “Neste caso, o contingenciamento é um bloqueio de dotações, que impede que o governo possa empenhar esse montante de despesas. Se não houver reversão futura, pode-se dizer que houve sim um corte”, afirma. Ou seja, no momento, não é possível afirmar, como faz a publicação aqui verificada, que os recursos foram cortados.

O economista Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da entidade Contas Abertas, afirma que o decreto significa “um bloqueio que poderá ou não ser revertido quando de novas avaliações de receitas e despesas”. Consultor de orçamento e pesquisador da FGV Direito Rio, Dayson Almeida, esclarece que o cancelamento de despesas, chamado popularmente de corte, “é uma redução definitiva da dotação de determinada ação orçamentária para o exercício, e ocorre para dar lugar a outra despesa, mediante créditos adicionais”.

Sendo assim, Almeida resume que no corte o recurso é excluído do orçamento, enquanto que no contingenciamento, a despesa é bloqueada temporariamente, podendo ser desbloqueada posteriormente. “Vale lembrar que, não ocorrendo o desbloqueio até o final do exercício, o efeito prático é o mesmo de um corte”, diz.

Bloqueio não indica irregularidade

Dayson Almeida, pesquisador da FGV Direito Rio, afirma que o bloqueio não tem relação com uso regular dos recursos. Trata-se, no entanto, de um cumprimento às disposições da LRF e da Lei das Diretrizes Orçamentárias (LDO).

“Se verificado, ao final de um bimestre, que as receitas e despesas projetadas poderão não comportar o cumprimento das metas de resultado primário fixadas na LDO (por exemplo, em razão de frustração de receitas ou aumento não previsto de despesas), os Poderes devem promover limitação de empenho e movimentação financeira (contingenciamento), segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias”, diz Almeida.

O analista Pedro Souza afirma que as razões para os bloqueios são diversas. “Desde frustrações de expectativas de arrecadação, bem como fatores não previstos (ou não formalizados legalmente) ou que tiveram seu impacto subestimado pelo governo nas despesas.” Castello Branco esclarece que a análise do orçamento feita a cada bimestre gerou, conforme o decreto de julho, a necessidade de limitação de despesas do Poder Executivo.

“Descumprir o teto de gastos enseja crime de responsabilidade, que pode, inclusive, suscitar o impeachment do presidente da República”, diz. Segundo ele, o bloqueio “decorre da defasagem entre as previsões de receitas e despesas e as novas estimativas baseadas em valores efetivamente realizados”.

No ano passado, ainda na gestão Jair Bolsonaro (PL), o último relatório sobre os gastos federais foi publicado em novembro, com o bloqueio de R$ 5,7 bilhões, somando um total de R$ 15,4 bilhões contingenciados ao longo do ano. Na ocasião, as áreas de saúde e educação também foram as mais atingidas, sendo R$ 1,396 bilhão e R$ 1,435 bilhão, respectivamente.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 3 de agosto, a publicação tinha 276,4 mil visualizações, 15,3 mil curtidas e 13,8 mil compartilhamentos.

Como verificamos: Ao observar a lista de ministérios e valores exibida no vídeo, o Comprova identificou que, pela tipografia e as cores utilizadas (vermelho e preto), a imagem poderia ser de algum telejornal da Jovem Pan. Ao pesquisar no Google pelas palavras-chave “Jovem Pan”, “orçamento” e “cortes”, foi encontrada uma reportagem da JP News, de 29 de julho de 2023, em que a mesma lista exibida no TikTok é apresentada.

Em um segundo momento, foram buscados no Google os termos “cortes no orçamento 2023”, que levou a uma matéria da Agência Brasil. Esta reportagem levou à edição extra do Diário Oficial da União, publicação em que está contida o decreto nº 11.621, de 28 de julho de 2023, em que os ministérios e os valores bloqueados estão delimitados.

O Comprova também entrou em contato com a assessoria de imprensa do Ministério do Planejamento e Orçamento, com o economista Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da entidade Contas Abertas, com o analista Pedro Souza, da Instituição Fiscal Independente do Senado Federal, e com Dayson Almeida, consultor de orçamento e pesquisador da FGV Direito Rio. Por fim, tentou entrar em contato com o autor da publicação.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: No dia 2 de agosto, o coletivo Bereia publicou uma verificação sobre o contingenciamento de despesas do orçamento federal a partir de uma publicação do deputado federal Hélio Lopes (PL-RJ).

Conteúdos sobre a economia brasileira são frequentemente checados pelo Comprova. Recentemente, a iniciativa constatou que Lula não anunciou confisco da poupança dos brasileiros e explicou porque não se deve analisar a taxa Selic a partir de valores médios em cada governo.