PT não aprovou “plano de dominação comunista” como sugere boato
Um boato antigo sobre um “plano de dominação comunista” que teria sido elaborado pelo PT voltou a circular no WhatsApp nos últimos dias. O texto enganoso diz que o partido publicou o tal plano em seu site e que agora, na eleição presidencial, “é Bolsonaro ou ditadura comunista petista”. Também afirma que espalhar a mensagem enganosa seria a “última chance de impedir que nosso país se torne uma nova Cuba”.
A mensagem lista diretrizes supostamente defendidas pelo PT, como a estatização da TV Globo e a anulação das sentenças do mensalão. No entanto, nenhuma delas é apresentada como posicionamento oficial no site da legenda. O link que acompanha o boato é um arquivo em formato PDF que reúne teses apresentadas por diferentes correntes petistas no congresso do partido realizado entre 11 e 13 de junho de 2015, em Salvador.
As afirmações do boato, quando existentes, foram citadas por alas diferentes da legenda. No entanto, elas não aparecem nas resoluções aprovadas naquele congresso, que foram registradas pelo partido no documento “Carta de Salvador e Resoluções do 5º Congresso”. Ou seja, as propostas listadas no boato não avançaram. São apenas ideias mais radicais – e às vezes deturpadas pelo boato – de correntes petistas não-hegemônicas.
O boato diz, por exemplo, que o PT quer a “estatização da Rede Globo e de todas emissoras religiosas”. Trata-se, porém, de uma tese da chapa Virar à Esquerda! Reatar com o Socialismo!, da Esquerda Marxista. A proposição faz parte de um documento chamado “Carta Aberta ao companheiro Lula, à Presidente Dilma Rousseff e ao Diretório Nacional do PT”, escrito no final de 2014. No congresso de 2015, a própria corrente marxista admite que o partido tomou um caminho diferente do proposto na carta.
A suposta proposição de dar “imunidade aos movimentos como MST e MTST, que poderão agir sem serem presos” sequer é mencionada no documento de teses do Congresso do PT. A única vez em que os movimentos são citados é na sentença “constituir um governo apoiado nas organizações populares, na CUT, no MST, entre outras”, proposta da carta aberta da Esquerda Marxista citada acima, mas não na Carta de Salvador.
O boato também diz que o PT defende a “anulação das sentenças do Mensalão” e o “impeachment dos Ministros do STJ que foram a favor da condenação do Mensalão”. A chapa Diálogo e Ação Petista pediu a “anulação da Ação Penal 470” — processo criminal aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) contra os 40 denunciados no escândalo do Mensalão. Já a Esquerda Marxista sugeriu o “impeachment dos ministros do STF que votaram na farsa da AP 470, a liberdade imediata e anulação da sentença dos dirigentes do PT”. Nenhuma das diretrizes foi aprovada pelo partido. Nas resoluções petistas, o PT concorda em lutar contra a corrupção, aprofundando “a participação e o controle social da gestão do Estado.”
A proposta de “cancelar todas as privatizações do Brasil, assim como a Bolívia fez no passado” foi feita pelas chapas Diálogo e Ação Petista e Virar à Esquerda! Reatar com o Socialismo!. No entanto, não há qualquer menção à Bolívia nesse sentido. No documento final aprovado pelo PT, o partido afirma ser contrário a privatizações, mas não fala em cancelamentos.
Quanto à afirmação de que o PT defende a “cassação do mandato de Jair Bolsonaro”, trata-se uma posição citada pela tendência Articulação de Esquerda. O grupo disse na ocasião que, num Congresso conservador e então presidido por Eduardo Cunha (MDB), temas como a reforma política, a “lei da mídia democrática”, a punição dos crimes da ditadura militar, o combate à corrupção e “mesmo a cassação do deputado Jair Bolsonaro” só terão chance de avançar caso haja pressão social. Como nos casos anteriores, o relatório final do PT não contém esta proposta.
O boato diz que o PT quer o “fim do financiamento público a qualquer mídia que seja contrária ao partido”. O que a corrente Esquerda Marxista pediu foi o “fim imediato do financiamento público a toda a imprensa burguesa (jornais e revistas) feitos através dos anúncios de publicidade estatais”, sugestão descartada pelo partido.
O texto enganoso alega que o PT defende o “calote da dívida interna e externa”, proposta feita somente pela chapa Virar à Esquerda! Reatar Com o Socialismo. A corrente sugeriu o envio ao Congresso de uma lei orçamentária que acabasse com o pagamento das dívidas interna e externa para usar o dinheiro com “Transporte, Saúde e Educação, públicos e gratuitos para todos, uma política para elevar o Salário Mínimo ao piso constitucional (DIEESE), reduzir a jornada para 40 horas sem redução de salários.” Mas, assim como as outras medidas citadas no boato, a proposição não foi aprovada como resolução do partido.
A última afirmação do boato, de que o PT pretende declarar “o Brasil é o fiador dos países comunistas da América”, está completamente deturpada. O que há, na verdade, é um parágrafo da chapa Partido Para Todos e na Luta, na tese “O Tempo Não Para”, dizendo que a reeleição de Dilma em 2014 foi “a grande vitória das possibilidades democráticas e populares no Brasil e no mundo” e que o Brasil é fiador de “um importante processo político e econômico em curso no mundo”, cuja derrota seria prejudicial à esquerda na América Latina. Nada relacionado a comunismo. Nas resoluções finais do encontro petista, não há nenhuma diretriz sobre o assunto.
O jornal “O Estado de S.Paulo” já verificou este boato anteriormente.