Política

Investigado por: 24/07/2019

Postagens atribuem erroneamente a Bolsonaro suspensão de benefício (BPC) ocorrida no governo Temer

Evidência comprovada
Em vídeo, uma mãe apela pela manutenção do Benefício de Prestação Continuada (BPC) que era pago ao filho portador de deficiência. A autora do vídeo original foi encontrada pelo Comprova. Ela confirmou a autoria e enviou cópias de documentos que comprovam a autenticidade das informações
Enganoso
Publicações em redes sociais agregaram informações em texto que não constam do conteúdo original para atacar o governo Bolsonaro. No vídeo, a mãe menciona equivocadamente uma “mudança na lei” que teria levado à suspensão do benefício
Contexto errado
O cancelamento do subsídio foi informado à família em 2018, durante o governo Temer, e efetivado em julho de 2019. O fato não tem relação com o governo atual

O vídeo de uma mãe que carrega o filho com deficiência no colo e protesta contra a suspensão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) que recebia está sendo utilizado de forma enganosa em redes sociais para acusar o governo Bolsonaro pelo fim do pagamento. O Comprova apurou que a suspensão foi determinada em 2018 e que Izabel Ferreira da Silva não gravou seu desabafo com o propósito de responsabilizar o atual governo.

Como o vídeo trazia poucas informações que pudessem identificar quem de fato eram Izabel e seu filho Israel, o Comprova fez buscas no Facebook pela expressão “Israel BPC” e encontrou uma publicação da mãe datada de 29 de junho deste ano. Ela compartilhava o vídeo postado originalmente na página do filho no mesmo dia.

A partir daí, o Comprova conversou por telefone com Izabel e entrou em contato com o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), órgão responsável pelo repasse do BPC, para confirmar os dados informados por ela. A reportagem também consultou dados públicos sobre Izabel e o filho nos portais da transparência do governo federal e da prefeitura de Rondon do Pará (PA), uma cidade de 51 mil habitantes, distante 523 km de Belém, onde a família vive. Além disso, usou informações públicas do Ministério da Cidadania para verificar as regras do BPC.

Ao Comprova, Izabel confirmou a autenticidade do conteúdo do vídeo. Disse que a suspensão do benefício, que concede um salário mínimo (R$ 998,00) a pessoas com deficiência de baixa renda, foi informada a ela pelo INSS em outubro de 2018, durante a gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB). Quando Israel nasceu, ele teve anóxia neonatal – falta de oxigênio no cérebro – e por isso hoje é totalmente dependente. Israel era beneficiário do BPC desde 2001, quando tinha dois anos. Hoje ele tem dezenove.

A razão para a suspensão do benefício, segundo uma carta enviada a Izabel pelo INSS, seria a irregularidade do benefício. Ela encaminhou fotos do documento ao Comprova.

Por e-mail, o INSS confirmou que a razão para a suspensão do benefício a Israel foi a renda familiar. Para receber o BPC, segundo a lei, o máximo que Izabel e o filho poderiam declarar seria R$ 450,00 — ¼ de salário mínimo mensal para cada um. Em 2018, a mãe informou que, com a remuneração como funcionária pública, recebia R$ 995,00 a mais que esse limite.

Izabel, que é agente comunitária de saúde na prefeitura de Rondon do Pará, declarou em 2018 renda mensal de R$ 1.240,00 para sustento dela e do filho. Dividido por dois, o valor por pessoa (R$ 620,00) ultrapassa o teto de ¼ de salário mínimo (R$ 245,00) per capita definido na lei n. 8.742, de 1993, que estabelece os critérios para que uma pessoa tenha direito a receber o BPC.

Depois de receber a carta do INSS, que dava à família a oportunidade de contestar a determinação, Izabel conta que apresentou recurso ao órgão defendendo que a remuneração que recebia, apesar de ultrapassar o limite legal do BPC, não era suficiente para sustentar os cuidados de que Israel necessita. O pedido de Izabel não foi aceito.

Atualmente, de acordo com o portal da transparência de Rondon do Pará, sua remuneração é de R$ 1.730,29. No entanto, segundo Izabel, o valor não é suficiente para bancar os cuidados com o filho. Ela contou ao Comprova que gasta cerca de R$ 350,00 mensais para pagar uma cuidadora para o filho por meio período, enquanto está no trabalho. Outros R$ 350,00 são gastos em fraldas, e mais R$ 125,00 com farmácia –além dos gastos da casa.

Apesar de ter sido anunciada em setembro, a suspensão do BPC começa de fato a partir de julho de 2019, segundo Izabel. Ao Comprova, ela disse que decidiu produzir o vídeo depois de um “momento de desespero” no último mês, quando viu que “a comida na geladeira estava acabando” e que ela estava prestes a usar o último pacote de fraldas.

No vídeo, Izabel menciona incorretamente uma “mudança na lei” que teria levado à suspensão do benefício. Isso na verdade não ocorreu. O que aconteceu foi que em 2018 o governo Temer fez uma varredura nos cadastros dos beneficiários e suspendeu o BPC daqueles que não obedeciam às regras previstas em lei. Portanto, não houve alteração nas regras do subsídio.

A primeira publicação do vídeo, que agora circula nas redes sociais, é do perfil no Facebook de Israel, de 16 de junho de 2019. Em seguida, o conteúdo foi compartilhado em dezenas de canais no YouTube e em contas de outras redes sociais por pessoas que, na maioria, demonstraram solidariedade com a história de Izabel e do filho.

O pedido de ajuda de Izabel obteve maior alcance quando o vídeo foi divulgado, em meados de julho, por páginas no Facebook como Fora, Temer, Presidente Zé de Abreu e Não à Reforma da Previdência. As páginas atribuíram a suspensão do BPC de Israel a Bolsonaro, cujo governo foi chamado de “cruel e desumano”. As postagens somaram, respectivamente, 2,3 mil, 9,3 mil e 4 mil compartilhamentos. As medições são do dia 24 de julho de 2019.

Izabel contou ao Comprova que sua intenção com o vídeo é fazer sua situação chegar a Bolsonaro, em quem confia para “fazer mudanças” na legislação, incluindo famílias como a dela e de Israel entre aquelas com direito ao BPC. No próprio vídeo, Izabel faz um apelo a Bolsonaro e diz que espera mudanças.

Entenda o Benefício de Prestação Continuada (BPC)

A suspensão do benefício de Israel, anunciada em outubro, coincidiu com um período em que o governo de Michel Temer concentrou esforços para identificar irregularidades no BPC e em outros programas sociais, a partir do segundo semestre de 2018. Uma notícia do portal G1 mostra que, em agosto do ano passado, o INSS havia detectado 151 mil casos como o da família de Israel — cuja renda mensal ultrapassava o teto de ¼ de salário mínimo per capita.

Além de pessoas com deficiência, o BPC contempla idosos com idade de 65 anos ou mais, de baixa renda, que apresentam impedimentos de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. As regras do benefício estão definidas dos artigos 20 a 21-A da Lei Orgânica de Assistência Social (Lei n. 8.742, de 1993), que trata deste e de outros benefícios.

Tanto a proposta de reforma da Previdência de Michel Temer, apresentada em 2017, quanto a de Jair Bolsonaro, apresentada em fevereiro de 2019, previam originalmente o endurecimento das regras do benefício. A mudança, no entanto, enfrentou resistência no Congresso desde o início, em ambos os governos. Em abril de 2019, referindo-se ao projeto de Bolsonaro, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que tinha certeza de que os líderes de partido na Casa derrubariam a ideia — o que realmente aconteceu.

Após a votação em primeiro turno da reforma da Previdência na Câmara, em julho de 2019, mantiveram-se inalteradas as regras para se ter direito ao benefício. Nem a proposta de reforma original de Temer nem a de Bolsonaro têm influência em casos como o de Israel.

Para saber mais

O que é o BPC e quantas pessoas recebem esse benefício – Texto de Caroline Souza e Gabriel Zanlorenssi publicado no Nexo em 25 de junho de 2019.