Perfis viralizam desinformação com vídeos falsos de apresentadores norte-americanos
- Comprova Explica
- Especialistas alertam sobre estratégias utilizadas por contas que utilizam rostos de pessoas famosas para espalhar notícias falsas.
Conteúdo analisado: Perfis no TikTok utilizam imagens de pessoas famosas, apresentadores e figuras públicas para divulgar vídeos com notícias falsas, principalmente sobre política. Esses conteúdos usam linguagem sensacionalista e aparência de noticiários reais para atrair visualizações e engajamento.
Comprova Explica: A pedido de leitores, o Comprova investigou perfis no TikTok que simulam programas jornalísticos para espalhar desinformação. Esses perfis publicam vídeos com títulos como “URGENTE” e “NOTÍCIA DE ÚLTIMA HORA”, muitas vezes acompanhados de imagens de apresentadores ou políticos conhecidos. Os conteúdos, no entanto, não foram produzidos pelos veículos de imprensa reais.
O Comprova identificou dois perfis com essas características que, juntos, acumulam mais de 173 mil seguidores. Individualmente, cada um obteve mais de 5 milhões de visualizações em seus vídeos. Ambos adotam estratégias semelhantes e utilizam os rostos dos apresentadores norte-americanos Bill Maher e Stephen Colbert para transmitir notícias sobre o governo brasileiro, sem o aviso de que o conteúdo é gerado por inteligência artificial.
Diante desse cenário, este Explica foi produzido para esclarecer como esses vídeos são criados e por que representam um risco à circulação de informações confiáveis.
Os criadores utilizam recursos de inteligência artificial para simular noticiários reais. Segundo Pedro Burgos, consultor em IA e professor do Insper, “há vários modelos de IA disponíveis para vídeo que podem ser usados para esse tipo de falsificação. O que parece estar sendo feito é: os donos dos perfis pegaram trechos dos vídeos dos apresentadores (e há muito material disso no YouTube) e usaram a IA para fazer a sincronização labial, o lip-sync. Você pode ver que eles fazem sempre os mesmos gestos, o olho pisca um pouco estranho, o que indica que são trechos em loop redublados.”
No TikTok, quando um vídeo é feito por IA, existe a opção de marcar “Conteúdo gerado por IA”. No entanto, nos casos analisados, os perfis não utilizam essa marcação, o que pode levar o público a acreditar que tudo o que se diz é real. De acordo com Liz Nóbrega, coordenadora de comunicação estratégica e inovação no Aláfia Lab e pesquisadora na USP, os vídeos podem violar tanto a legislação brasileira quanto as regras das próprias plataformas.
“Então, a plataforma está sendo omissa ao deixar esse conteúdo circular, porque o próprio TikTok tem regras específicas sobre a desinformação e tem regras sobre mídia e conteúdo gerado por IA”, diz Nóbrega.
Esses perfis exploram a confiança que o público deposita em rostos conhecidos e no formato de programas jornalísticos para conferir credibilidade a informações falsas. A ausência de transparência sobre o uso de inteligência artificial e o descumprimento das regras da plataforma aumentam o risco de desinformação e dificultam que o público identifique o que é real e o que foi manipulado digitalmente.
Bill Maher e Stephen Colbert deram poucas declarações sobre a política brasileira ao longo de suas carreiras. Em janeiro de 2024, Maher publicou no Instagram um vídeo de um trecho do seu talk show, afirmando que a Constituição brasileira está funcionando “bem melhor” do que a americana. Ele fez referência à inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e disse que “depois de 8 de janeiro, quase todo o Brasil se voltou contra os golpistas e transformou Bolsonaro em pária”.
Colbert também já falou das invasões de 8 de janeiro em seu programa. Na época, ele postou um vídeo no Facebook, comparando o caso às depredações ao Capitólio, nos Estados Unidos, em 6 de janeiro de 2021. Apesar disso, nenhum dos dois aborda com frequência assuntos da política brasileira, o que reforça a hipótese de que as postagens dos perfis analisados foram geradas por IA.
Nas publicações destas contas, internautas deixam comentários indicando que acreditam na veracidade dos vídeos. Na opinião de Nóbrega, a população permanece muito vulnerável no combate à desinformação. “Se a gente analisar os comentários desses vídeos, a gente consegue perceber muita gente perguntando se é real, e não é. Então, a população está muito vulnerável. É uma enxurrada de conteúdos que circula.”
A pesquisadora explica que esse tipo de manipulação já ocorria na internet, mas exigia um conhecimento técnico bem mais especializado. “Hoje em dia, as pessoas conseguem encontrar qualquer ferramenta. É muito simples fazer buscas e encontrar ferramentas que permitem criar, por exemplo, um telejornal em 5 segundos, com apresentadores, você subir o vídeo de alguma pessoa, alguma autoridade pública, político e ter esse vídeo adulterado”, afirmou.
Fontes consultadas: O UOL Confere conversou com duas pessoas especializadas em inteligência artificial, Liz Nóbrega, coordenadora de comunicação estratégica e inovação no Aláfia Lab e pesquisadora na USP e Pedro Burgos, consultor em IA e professor do Insper.
Por que o Comprova explicou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está gerando muitas dúvidas e desinformação, o Comprova Explica. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Para se aprofundar mais: O Comprova já produziu outras matérias sobre o uso de inteligência artificial e mostrou, por exemplo, uma foto em que Zezé Di Camargo aparecia declarando apoio a Bolsonaro, mas que havia sido editada com inteligência artificial. Na imagem manipulada, o cantor parecia segurar um cartaz com dizeres falsos. O projeto também explicou o que é deepfake, técnica frequentemente utilizada para produzir desinformação.