Post desinforma sobre vacina contra HPV usando reportagem antiga de um caso não comprovado
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- Assim como qualquer outra vacina, o imunizante contra o HPV pode causar eventos adversos, mas ocorrências são raras. Pesquisas apontam que os benefícios da vacina superam os riscos causados por eventuais efeitos colaterais, uma vez que a imunização é a medida mais eficaz para a redução dos casos de câncer de colo de útero, causado pelo papilomavírus humano.
Conteúdo investigado: Vídeo que mostra uma reportagem que aborda os supostos efeitos colaterais da vacina contra o papilomavírus humano (HPV), vírus causador do câncer de colo de útero.
Onde foi publicado: X.
Conclusão do Comprova: Pesquisas apontam que os benefícios da vacinação contra o HPV superam os riscos causados por eventuais efeitos adversos, considerados raros. Um vídeo publicado no X mostra uma reportagem antiga sobre o caso de uma ação ajuizada em 2015 pelo Ministério Público Federal (MPF) de Uberlândia (MG), que pedia a suspensão do imunizante em todo o país. Em 2017, a Justiça não acatou o pedido do MPF.
O assunto chegou ao MPF por meio de representação feita pela mãe de uma adolescente que, após receber a vacina, desenvolveu problemas de saúde. A ação envolvia também outros jovens que, segundo um neurocirurgião ouvido pelo Ministério Público, relataram quadros clínicos neurológicos após receberem o medicamento.
Porém, no processo, a juíza Anna Cristina Gonçalves, da 14ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais, considerou que não havia provas científicas de que o imunizante teria causado efeitos colaterais nos adolescentes vacinados.
O caso repercutiu e gerou receio na população sobre a segurança do medicamento. Na época, a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) repudiou a ação do Ministério Público Federal. Por meio de nota oficial, a organização destacou que a atitude colocava em risco a saúde de milhares de brasileiras.
“As vacinas HPV são seguras, fato referendado por inúmeros estudos científicos e resultados práticos de países que adotaram a vacinação em larga escala desde 2007. Já foram aplicadas mais de 200 milhões de doses e as reações adversas se mostraram pouco frequentes (10-20%). O quadro nesses casos costuma ser leve”, destacou a SBIm.
Estudos realizados ao longo dos anos descartam a relação entre o imunizante e o surgimento de doenças autoimunes. E outras entidades além da SBIm atestam a segurança da vacina, como a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Geyson Florêncio, especialista em clínica médica do Hospital Oto Meireles, de Fortaleza, reforça que a vacina contra o HPV é amplamente reconhecida por sua eficácia na prevenção de infecções pelo vírus e suas complicações. “Estudos corroboram a segurança da vacina, indicando que eventos adversos são raros e que os benefícios superam amplamente os riscos potenciais”, explicou.
O Comprova entrou em contato com a autora da publicação compartilhada no X, via mensagem direta por meio do aplicativo, mas não recebeu resposta até a publicação desta verificação. Também buscamos a Secretaria Municipal de Saúde de Uberlândia.
Em nota, o órgão afirmou que não poderia fornecer informações sobre os casos dos adolescentes que levaram à ação do MPF em razão da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). “A Secretaria de Saúde esclarece que não repassa dados pessoais e médicos dos pacientes. Essas informações são preservadas pela LGPD e pelas legislações que regulam o sigilo médico”, informou a entidade.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O vídeo alcançou mais de 191,4 mil visualizações e quase dois mil compartilhamentos até o dia 26 de fevereiro.
Fontes que consultamos: Foram consultadas as bulas das vacinas contra o HPV disponíveis no SUS, além de pesquisas que analisaram a relação entre o imunizante e o surgimento de doenças autoimunes ou outras condições. Também foram consultadas matérias que trataram do caso na época em que a ação foi ajuizada. Ainda foi ouvido o especialista em clínica médica do Hospital Oto Meireles, Geyson Florêncio. Além disso, a reportagem procurou a Secretaria Municipal de Saúde de Uberlândia.
Reportagem não é atual
O vídeo compartilhado no X é um recorte do programa Interesse Público que é transmitido pela TV Justiça e por mais de 30 emissoras parceiras em diferentes estados brasileiros. O trecho foi publicado em 16 de fevereiro de 2016 no canal do MPF no YouTube.
A reportagem mostra que o MPF havia ajuizado uma ação civil pública pedindo que a Justiça Federal proibisse a aplicação da vacina contra o HPV na rede pública de saúde em todo o país. O processo também pedia a anulação de todos os atos normativos da Anvisa que autorizaram a importação, produção, distribuição e comercialização do imunizante no Brasil.
O autor da ação, o procurador Cléber Eustáquio Neves, justificou o pedido alegando que a vacina seria responsável por muitos efeitos colaterais, entre eles paralisia, alterações do sistema imunológico, respiratório e até infertilidade. Segundo o MPF, também foi ouvido um neurocirurgião de Uberlândia que relatou a ocorrência de quadros clínicos neurológicos em pacientes que haviam tomado o imunizante.
No período da ação, por meio de nota oficial, a SBIm destacou que a atitude do MPF colocava em risco a saúde de milhares de brasileiras. Além disso, reforçou que a relação entre o HPV e o câncer de colo de útero é indiscutível.
Em 2017, o jornal Estado de Minas noticiou que a Justiça Federal não acatou o pedido de liminar do MPF para suspender a vacinação contra o HPV. A juíza Anna Cristina Gonçalves considerou que o procurador não conseguiu provar a conexão entre a vacina e as condições desenvolvidas por adolescentes que receberam o imunizante.
“Diante da fragilidade das alegações relativas a eventuais efeitos colaterais e levando-se em conta as milhares de doses já aplicadas na população brasileira desde 2011, observo que os poucos relatos apresentados, sem prova científica de que a vacina teria causado efeitos colaterais, não são suficientes para amparar a pretensão ministerial de suspender a aplicação da vacina contra HPV em todo o território nacional”, considerou a magistrada.
HPV e câncer
O papilomavírus humano é transmitido por meio das relações sexuais e pode ocasionar o aparecimento de verrugas na pele e nas regiões oral, anal e genital. Existem mais de cem tipos do vírus, mas os subtipos 16 e 18 são responsáveis por cerca de 70% dos casos de câncer de colo de útero no mundo, segundo relatório da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, entidade ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS).
Na maioria dos casos, a infecção pelo HPV não apresenta sintomas, por isso as mulheres devem se submeter ao exame ginecológico preventivo com regularidade. Para a prevenção, além do uso de preservativos, a medida mais eficaz é a vacinação. Atualmente, os imunizantes registrados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) são o do Instituto Butantan e o da farmacêutica Sharp & Dohme.
Desde 2014, a vacina do Butantan está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), sendo distribuída para crianças e adolescentes de 9 a 14 anos. O imunizante também é ofertado para pessoas de 9 a 45 anos com condições clínicas específicas, como HIV, além de transplantados, pacientes oncológicos e vítimas de abuso sexual. A indicação é que a vacinação ocorra antes do início da vida sexual.
O medicamento do laboratório brasileiro protege contra o HPV de baixo risco, dos subtipos 6 e 11, e de alto risco, dos subtipos 16 e 18, que causam câncer de colo de útero, de pênis, anal e oral. Já a vacina da farmacêutica Sharp & Dohme, chamada de Gardasil 9, protege contra outros cinco subtipos do HPV: 31, 33, 45, 52 e 58. Ela foi aprovada pela Anvisa em 2022, indicada para pessoas de 9 a 26 anos.
Em abril de 2024, o Ministério da Saúde, por meio da Nota Técnica nº 41, adotou o esquema de vacinação em dose única contra o HPV. Anteriormente, eram necessárias duas aplicações. O órgão informou que a decisão foi tomada com o objetivo de intensificar a proteção contra o câncer de colo do útero e outras complicações associadas ao vírus.
Eventos adversos
Após mais de 20 anos no SUS, a vacina contra o HPV ainda é alvo de desinformação. Em 2014, ano em que teve início a oferta do imunizante na rede pública de saúde, um grupo de mães no Acre alegou que meninas vacinadas em escolas apresentaram efeitos como convulsões e dormência nas pernas. O caso repercutiu nas redes sociais, especialmente no Facebook, e gerou uma campanha de desinformação.
Diante do ocorrido, o Ministério da Saúde solicitou que a Universidade de São Paulo (USP) realizasse uma pesquisa para averiguar os possíveis efeitos da vacina nas crianças. O estudo apontou que não havia relação entre as propriedades do imunizante e os sintomas relatados. Foi demonstrado que ocorrências como perda de consciência e abalos motores tratavam-se de crises psicogênicas causadas pelo estresse do ato de vacinar e não pelos compostos da vacina.
Organizações como a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e a SBIm atestam a segurança e a eficácia da vacina. Entre os efeitos colaterais, a SBP cita aqueles comuns a vacinações em geral, como dor, vermelhidão e inchaço no local da aplicação, além de febre, dor de cabeça e mal estar, porém todos sintomas leves e de curta duração. Os mesmos eventos adversos estão descritos nas bulas dos imunizantes do Butantan e da Sharp & Dohme.
Outras reações relatadas após o uso do medicamento do Butantan são dificuldade para respirar, falta de ar (broncospasmo), urticária e erupções cutâneas. Em ambas as bulas, as farmacêuticas enfatizam que, assim como qualquer imunizante, as vacinas contra o HPV podem causar efeitos adversos, mas raramente são graves.
Benefícios superam potenciais riscos
Segundo o médico Geyson Florêncio, todas as vacinas apresentam efeitos adversos. No caso do HPV, já foram relatados a trombose de vasos venosos e a Síndrome de Guillain-Barré (SGB), uma doença autoimune rara que ocorre quando o sistema imunológico do próprio corpo ataca parte do sistema nervoso. Mas diversos estudos publicados ao longo dos anos apontam a raridade desses eventos.
Geyson cita uma pesquisa que avaliou a associação entre a vacinação contra o HPV e o aparecimento de doenças autoimunes. O estudo analisou mais de dois milhões de meninas na França, com idade entre 13 e 16 anos, que haviam recebido o imunizante. “Os resultados indicaram que não há aumento significativo no risco de doenças autoimunes após a vacinação”, enfatizou o médico.
Além disso, ele destaca uma meta-análise que compilou dados de vários ensaios clínicos para avaliar a segurança da vacina quadrivalente contra o HPV. A meta-análise é um método que agrega os resultados de dois ou mais estudos sobre uma mesma questão de pesquisa. “Os achados confirmaram um perfil de segurança favorável, com eventos adversos geralmente leves e temporários”, explicou. O levantamento apontou que, com base em 10 milhões de relatórios analisados, os casos de SGB decorrente da vacina eram raros.
Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: O UOL Confere já desmentiu que a vacina contra o HPV cause paralisia. O Comprova explicou que a vacina contra a covid-19 é segura e não gera HIV, câncer ou HPV e também que livro sobre documentos da Pfizer não comprova que vacina de covid tenha causado centenas de mortes. A Agência Lupa publicou que a ação do procurador de Uberlândia foi indeferida. Além disso, o Estadão Verifica apurou que é falso que a vacina contra o HPV cause esterilidade e menopausa precoce.
Notas da comunidade: Até a publicação desta verificação, não havia notas da comunidade publicadas junto ao post no X.