É falso que Agência Lupa foi financiada pela USAID para interferir nas eleições de 2022
- Falso
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- Não há provas de que a Agência Lupa, iniciativa dedicada à checagem de fatos, esteja “envolvida em ações patrocinadas pela USAID", como afirmou no Instagram uma vereadora de Porto Alegre. No portal que registra os financiamentos externos da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) não consta nenhum repasse à Lupa nos anos de 2022, 2023 e 2024.
Conteúdo investigado: Vídeo da vereadora de Porto Alegre Fernanda Barth (PL) afirma que a Agência Lupa estava envolvida em campanhas de financiamento da USAID contra a desinformação em período eleitoral com o objetivo de “calar tudo aquilo que eles não concordam”.
Onde foi publicado: Instagram.
Conclusão do Comprova: Não existem provas de que a Agência Lupa tenha sido financiada pela Agência de Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos (USAID), como argumenta Fernanda Barth (PL), vereadora em Porto Alegre. Em um post, ela afirmou que a “Agência Lupa é uma das que encontramos envolvidas em ações patrocinadas pela USAID”, mas não apresentou provas.
As alegações de Barth repercutem declarações de Mike Benz, ex-funcionário do departamento de Estado dos EUA, de que a USAID financiou iniciativas de combate à desinformação globalmente com o intuito de conter governos populistas de direita. Benz afirmou que, no Brasil, caso a USAID não existisse, Bolsonaro teria sido eleito presidente em 2022. Ele não apresentou provas que sustentem suas alegações.
Os dados sobre os programas de financiamento da USAID estão disponíveis para consulta na internet no portal ForeignAssistance.gov, do governo norte-americano. O Comprova consultou os valores relacionados ao Brasil nos anos de 2022, 2023 e 2024. Não há qualquer financiamento para a Agência Lupa, agências de checagens ou veículos jornalísticos. Ao Comprova, a Lupa negou ter recebido fundos direta ou indiretamente da USAID.
Procurada, Fernanda Barth negou, por meio de seu advogado, ter partido dela a afirmação de que a Agência Lupa recebeu qualquer valor diretamente da USAID. Segundo ela, a “manifestação se baseia em informações públicas e declarações de parlamentares que já alertaram sobre a atuação da USAID no financiamento de projetos alinhados a determinadas agendas políticas.”
O Comprova informou à vereadora não ter encontrado no site ForeignAssistance.gov nenhuma menção à Lupa. Em resposta, Barth disse que a afirmação categórica de que a Agência Lupa não recebeu recursos da USAID sem que tenha sido realizada uma auditoria externa e isenta de suas contas, configura “uma publicação sem provas concretas”. Ela acrescentou que “a mera negativa por parte das instituições não comprova que esses recursos nunca foram recebidos direta ou indiretamente”.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 14, o vídeo da vereadora havia alcançado mais de 2,5 mil curtidas no Instagram.
Fontes que consultamos: O Comprova assistiu à entrevista de Mike Benz, consultou suas redes sociais e reportagens da imprensa brasileira e internacional que repercutiram suas alegações. Foram feitas consultas ao portal que registra os financiamentos da USAID e ao site do ICFJ e Agência Lupa. A reportagem fez contato com a Lupa, o ICFJ, a vereadora Fernanda Barth e o deputado Eduardo Bolsonaro.
O ICFJ e o papel de Eduardo Bolsonaro
A suposta ligação entre a USAID e a Agência Lupa foi citada em um post publicado no X pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) em 4 de fevereiro, três dias antes da publicação de Fernanda Barth. A postagem de Eduardo Bolsonaro alcançou mais de 435 mil visualizações e oito mil compartilhamentos.
No post, ele afirma, sem provas, que a USAID “tem financiado ONGs, veículos de mídia e movimentos políticos com o objetivo de moldar narrativas e interferir na democracia brasileira.” Eduardo Bolsonaro também afirma que o Centro Internacional para Jornalistas, uma organização sem fins lucrativos baseada em Washington e conhecida pela sigla em inglês ICFJ, intermediou recursos da USAID para a Lupa “sustentar a narrativa oficial sobre os eventos de 8 de janeiro de 2023”. Não constam na postagem evidências dessa acusação.
Em 2023, um projeto da Agência Lupa chamado “Lupa nos Golpistas” esteve entre os nove selecionados para uma iniciativa do ICFJ chamada Jogo Limpo 2.0. A iniciativa ofereceu financiamento e mentorias e, como consta no site do ICFJ, foi integralmente financiado pelo YouTube Brasil e não pela USAID.
O projeto se dedicou a mapear publicações falsas que levaram cidadãos brasileiros a participar dos atos antidemocráticos em Brasília em 8 de janeiro de 2023, quando manifestantes pró-Bolsonaro depredaram a sede dos Três Poderes.
O projeto “Lupa nos Golpistas” resultou em um minidocumentário que, segundo consta no site da Agência Lupa, foi realizado com apoio da Fundação Heinrich Böl, uma organização sem fins lucrativos baseada na Alemanha, e do programa Jogo Limpo 2.0, do ICFJ. Procurada, a Fundação Heinrich Böll afirmou que “não recebe nenhum recurso da USAID e também não funciona como intermediária de repasse para nenhum de seus parceiros”.
O Comprova informou a Fernanda Barth que a Agência Lupa negou, em nota, ter recebido financiamento direto da USAID ou via ICFJ. Em resposta, a vereadora afirmou que “a existência do ICFJ é financiada pela USAID” e que “é inegável que há um fluxo financeiro entre a USAID e o ICFJ”.
Como afirmou Fernanda Barth ao Comprova, o nome da USAID de fato consta na página “Amigos e Apoiadores 2024” no site do ICFJ. Ele aparece ao lado de mais de 50 entidades públicas e privadas, incluindo outras cinco agências governamentais – o Departamento de Estado dos EUA, três embaixadas norte-americanas e o Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido.
Ao Comprova, o ICFJ afirmou que “já recebeu recursos da USAID antes” e que eles foram “concessões de subsídios para executar programas específicos em países específicos”, mas disse que “nunca recebeu financiamento da USAID para nenhum projeto no Brasil” e que “não financiou a Agência Lupa com nenhum recurso da USAID”.
Além disso, a entidade afirmou que nunca “recebeu fundos da USAID para operações gerais ou financiamento institucional.”
Suposto dossiê
A vereadora Fernanda Barth também afirma, no vídeo, que a Agência Lupa fez um dossiê de 10 páginas contra ela, o que teria resultado no bloqueio de seu perfil no Instagram. A Agência Lupa negou, respondendo que, sobre ela, produziu a seguinte checagem: Vereadora de Porto Alegre usa informações falsas para criticar vacina em vídeo viral.
“Não fizemos nenhum tipo de dossiê sobre a vereadora, mas checamos essa manifestação dela, assim como checamos um sem número de manifestações públicas de outros ocupantes de cargos eletivos sobre os mais variados temas”, disse a Lupa.
Uma busca por outras checagens da agência mostra que Fernanda Barth aparece citada em uma outra checagem, mas não como a responsável pela alegação checada. O texto, de 2020, mostra que é falso que a então candidata à Prefeitura de Porto Alegre Manuela D’Ávila publicou propaganda de campanha com foice e martelo de brinquedo para festejar o Dia das Crianças.
Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: O Aos Fatos concluiu que a denúncia sobre atuação da USAID contra Jair Bolsonaro é baseada em desinformação. Recentemente, o Comprova mostrou que imagem de Alexandre de Moraes com boné da USAID foi gerada por IA, que post alega sem apresentar provas que a covid-19 foi criada em laboratório por ordem de Obama e que vídeo é tirado de contexto para dizer que trechos da Bíblia serão banidos das redes sociais. As duas últimas checagens também mencionam a USAID.
Notas da comunidade: Até o fechamento deste texto não havia “notas da comunidade” nas postagens no X de Eduardo Bolsonaro e de Mike Benz com sua entrevista a Steve Bannon.