O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa, apartidária e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
Filtro:

Política

Investigado por: 2020-07-21

Tuíte compara orçamento do STF para plano de saúde com arrecadação do Pátria Voluntária, mas omite dados

  • Enganoso
Enganoso
Os valores que constam de um tuíte de Roberto Jefferson se aproximam dos valores reais, mas ele omite que o orçamento do STF-Med atende a 4.180 pessoas e que parte do valor é paga pelos beneficiários
  • Conteúdo verificado: Tuíte de Roberto Jefferson no qual ele compara os valores arrecadados pelo Projeto Pátria Voluntária, administrado pela primeira-dama Michelle Bolsonaro, com os gastos do STF-Med, plano de saúde que atende funcionários do Supremo Tribunal Federal.

Em uma publicação no Twitter, o ex-deputado federal e atual presidente nacional do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Roberto Jefferson, diz que o programa Pátria Voluntária, administrado pela primeira-dama Michelle Bolsonaro, arrecadou R$ 11 milhões em doações para combate à covid-19 enquanto o Supremo Tribunal Federal estaria gastando valor similar com plano de saúde de ministros, familiares e funcionários. Os valores são próximos dos montantes reais, mas a publicação força uma comparação descabida.

Jefferson afirma que o STF vai gastar R$ 10 milhões com o plano de saúde. O valor aparece em dois editais do Supremo publicados nos dias 16 de abril e 28 de maio. Trata-se de uma estimativa de custos previstos para ampliar a rede de atendimento médico e odontológico credenciada do STF-Med, plano de saúde que atende a 4.180 pessoas vinculadas ao Supremo e não somente aos 11 ministros, como entendem alguns usuários que responderam ao post de Jefferson no Twitter. De acordo com os editais, o total de gastos pode chegar a R$ 10 milhões por ano, mas nos seis primeiros meses de 2020, mais da metade da despesa do plano foi bancada pelos beneficiários.

Parte do orçamento do plano é custeado por meio do auxílio-saúde, um benefício que a legislação garante a todos os servidores públicos da União, não apenas do STF. O resto dos recursos é custeado pelos próprios beneficiados, que recolhem mensalmente entre R$ 121,03 e R$ 1.722,91, dependendo do tipo de vínculo com o plano. Além disso, os segurados pagam do próprio bolso um percentual que varia entre 10% a 40% da consulta, internação ou exame que utilizarem.

A comparação é descabida pois equipara uma campanha de arrecadação com o orçamento da União. Além disso, não explica que a assistência médica é um benefício comum a muitas categorias de servidores públicos e não um privilégio do STF. No ano passado, o governo federal gastou mais de R$ 6 bilhões com esse benefício, sendo que quase 44% foram consumidos pelo Ministério da Defesa.

A “Arrecadação Solidária”, campanha do programa Pátria Voluntária para aliviar os efeitos da pandemia entre idosos, pessoas com deficiência, população de rua e povos e comunidades tradicionais, de fato arrecadou mais de R$ 10,8 milhões entre os dias 06 de abril e 20 de julho.

Como verificamos?

A equipe do Comprova usou ferramentas de busca na internet, como o Google, para entender de onde vieram os valores citados no tuíte de Roberto Jefferson, publicado em 13 de julho. E encontramos reportagens com os valores arrecadados pelo Pátria Voluntária e sobre o edital de ampliação da rede do STF-Med, publicadas em datas próximas à da postagem. Com isso, tentamos contato com o Roberto Jefferson por meio da assessoria de imprensa do PTB para saber a fonte das informações que estão no tuíte.

A reportagem pesquisou ainda as despesas orçamentárias do STF com assistência médica e odontológica a servidores por meio do site da transparência do órgão. Consulta semelhante foi feita no orçamento público federal a partir de dados disponibilizados no Portal Siga Brasil. Em seguida, entramos em contato com a assessoria de comunicação do STF para esclarecer dúvidas sobre o plano.

Para saber como funcionam as doações, quanto foi arrecadado pelo Pátria Voluntária e quanto foi encaminhado para as vítimas da covid-19, buscamos a assessoria de imprensa da Casa Civil, responsável pelo programa, e a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), que atende às demandas relacionadas à primeira-dama. Por e-mail, a Secom informou que todas as informações sobre doações e valores disponíveis no site da campanha “Arrecadação Solidária” estão atualizadas.

Por fim, recorremos à ferramenta de monitoramento de redes sociais CrowdTangle para saber o quanto a postagem de Roberto Jefferson havia viralizado.

Verificação

O Pátria Voluntária foi criado em julho de 2019, a partir do Programa Nacional de Incentivo do Voluntariado, inicialmente subordinado ao Ministério da Cidadania. O conselho é formado por representantes do governo e da sociedade civil, entre eles a primeira-dama Michelle Bolsonaro, que foi designada presidente. Seis meses depois, o Pátria Voluntária passou a ser vinculado à Casa Civil, um dos ministérios que funcionam dentro do Palácio do Planalto.

Em 6 de abril de 2020, o programa lançou a campanha “Arrecadação Solidária” para recolher fundos para o combate à pandemia de covid-19. Qualquer pessoa pode participar, com um valor mínimo de R$ 30. O site da campanha informa que, até o dia 20 de julho, foram 3.985 doações, somando R$ 10.842.970 — média de R$ 2.720,94 por doação. Por e-mail, a Secom comunicou que “não há recebimento de orçamento governamental para essa ação, apenas doações privadas e voluntárias”. A secretaria também esclareceu que os dados no site do Pátria Voluntária estão atualizados.

O Ministério da Casa Civil, órgão responsável pelo programa Pátria Voluntária, também confirmou que todos os recursos são captados através de doações e que os dados disponíveis no site são oficiais.

Uma planilha disponibilizada na página da campanha mostra que 26% deste valor foi repassado a 245 entidades: R$ 2.872.644,55. São 122.810 pessoas beneficiadas, entre idosos, pessoas com deficiência, população em situação de rua e povos e comunidades tradicionais. Nem a assessoria da Casa Civil e nem a Secom informaram quando o restante das doações será repassado às entidades.

STF-Med

O STF-Med é o plano de Assistência à Saúde e Benefícios Sociais do Supremo Tribunal Federal. Segundo o regulamento geral do STF-Med, aprovado em 16 de abril de 2019, podem ser beneficiários os ministros ativos e inativos do STF, os juízes auxiliares, os magistrados instrutores, os servidores ativos e inativos do quadro permanente do Supremo, os ocupantes de cargo em comissão sem vínculo efetivo com a Administração Pública e os servidores cedidos ao órgão. Eles também podem indicar dependentes e agregados, nos termos da legislação. Com isso, o STF-Med atende 4.180 pessoas, entre titulares, dependentes e agregados, em 20 estados e no Distrito Federal.

A contribuição mensal do STF-Med varia entre R$ 121,03 e R$ 654,97, para titulares e dependentes, e entre R$ 512,60 e R$ 1.722,91, para agregados. Além disso, os beneficiários também arcam com de 10% a 20% dos serviços usados na rede credenciada ou conveniada para atendimentos médico-hospitalares ou odontológicos. Para serviços de alto custo ou alta referência, o custeio fica entre 15% e 40% dos procedimentos prestados.

O orçamento do plano serve para despesas médicas, hospitalares e odontológicas, reembolsos aos beneficiários e as despesas administrativas. As receitas do STF-Med vêm de recursos próprios, arrecadados por meio da contribuição mensal e da participação de custeio dos beneficiários, rendimentos das aplicações financeiras e recursos da União. Neste ano, a previsão de gastos bancados com o dinheiro público é de R$ 15,85 milhões.

STF abriu editais de credenciamento para o plano

Por WhatsApp, um assessor de imprensa do PTB disse que Roberto Jefferson retirou as informações de uma matéria do site Metrópoles que noticiou que o STF abriu licitação de R$ 10 milhões para contratar serviços de assistência médica e odontológica. Segundo o assessor, Jefferson “não fez fake news” ao publicar o tweet.

O edital citado no site foi publicado em 28 de maio e pode ser encontrado na página do órgão. De acordo com o documento, ele se destina ao credenciamento de pessoas jurídicas para prestação de serviços aos beneficiários STF-Med “com vistas à complementação da rede credenciada”.

O documento também informa que “considerando o prazo de 60 meses e a estimativa total de credenciamentos a serem realizados, prevê-se o valor de R$ 10 milhões para o total de serviços”. As despesas da execução do contrato serão custeadas com os recursos consignados ao STF no Orçamento da União de 2020 e, na falta destes, por recursos próprios do STF-Med, ainda segundo o edital.

Procurado pela reportagem, o STF comentou, por meio de nota encaminhada pela assessoria de comunicação, que “não houve liberação/acréscimo de valores orçamentários no plano de saúde”. Dessa forma, segundo o órgão, não haveria custo maior para os cofres públicos. O Supremo declarou que o objetivo é credenciar “profissionais de saúde que eventualmente tenham interesse em oferecer os seus serviços aos servidores pelo valor da tabela de referência adotada pelo plano” e que estes receberão pagamentos “de acordo com o uso que os beneficiários do plano fizerem dos serviços oferecidos”.

Sobre os R$ 10 milhões publicados no edital, a assessoria de imprensa do STF afirmou que se trata de “estimativa anual que se faz necessária”, sem entrar em detalhes. Argumentou ainda que este não será, necessariamente, o valor total pago pelo plano de saúde aos profissionais credenciados e sugeriu que, em razão do orçamento não ter sido alterado este ano, a diferença será quitada por meio das demais fontes.

O Comprova também encontrou outro edital de credenciamento de empresas para prestação de serviços dentro do STF-Med, desta vez para a área odontológica, publicado em 16 de abril. O documento apresenta o mesmo valor — R$ 10 milhões — e a mesma nota de empenho do edital de assistência médica. A assessoria de comunicação do STF informou que a previsão de gastos engloba tanto o edital de credenciamento médico quanto o odontológico, totalizando R$ 10 milhões a cada ano.

Até agora, orçamento não sofreu alterações

De fato, não houve alteração no recurso orçamentário do STF para a finalidade até o momento, como foi declarado pelo órgão. De acordo com dados do portal de transparência do Supremo, o montante disponível para despesas com assistência médica e odontológica de servidores, até junho, era o mesmo aprovado inicialmente para 2020: R$ 15,85 milhões.

Dessa forma, o plano de saúde conta, neste ano, com cerca de 1,7% menos recursos públicos autorizados do que no ano passado, em comparação com o orçamento inicial de 2019, de R$ 16,12 milhões. Posteriormente, o recurso disponível foi atualizado para R$ 17,33 milhões, possibilitando a despesa real de R$ 17,23 milhões naquele ano.

Até o mês de junho deste ano, o STF executou R$ 8,45 milhões do orçamento destinado a este propósito. O valor equivale a 53,3% do montante autorizado.

A partir de informações prestadas pelo STF-Med e da análise do orçamento público federal, a reportagem pode estimar a participação da União no plano de saúde dos servidores do Supremo. Ela fica em torno de 48,7%, considerando a execução do repasse da União entre os meses de janeiro e junho (R$ 8,45 milhões) e a despesa informada pelo STF-Med no mesmo período (R$ 17,36 milhões).

Além disso, cada beneficiário do STF-Med custa, aproximadamente, R$ 336,82 por mês para os cofres públicos. O cálculo foi feito com base no número atual de beneficiários informado pelo STF-Med (4.180 pessoas) e a execução do orçamento no primeiro semestre deste ano (R$ 8,45 milhões).

Gasto total da União com assistência médica é de R$ 6,26 bilhões

Os funcionários do STF e seus dependentes não são os únicos a receberem o benefício. Dados do Portal Siga Brasil, do Senado Federal, mostram que, apenas no ano passado, a União gastou R$ 6,26 bilhões com assistência médica e odontológica aos servidores civis, empregados, militares e seus dependentes.

O STF teve despesa de R$ 17,23 milhões. O Poder Judiciário como um todo gastou, na esfera federal, R$ 966 milhões com o benefício — sendo as Justiças do Trabalho, Federal e Eleitoral as mais caras do grupo. A União ainda custeia assistência médica e odontológica para servidores dos ministérios e do Congresso Nacional.

Por que investigamos?

Nesta terceira fase, o Comprova verifica postagens com grande viralização que tratam de políticas públicas do governo federal ou relacionadas à pandemia de covid-19, que até o dia 20 de julho já custou a vida de 79.488 brasileiros, de acordo com dados da Universidade Johns Hopkins.

A publicação de Roberto Jefferson no Twitter soma as duas questões, ao comparar uma iniciativa beneficente coordenada pela primeira-dama no combate à covid-19 com críticas ao Supremo Tribunal Federal. O tuíte teve 8,1 mil interações em uma semana. A postagem foi reproduzida no Facebook e no Instagram por páginas de direita e de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), mas sem tanto alcance. Foram 323 e 826 interações até a data desta verificação.

O desempenho do governo Bolsonaro na pandemia é alvo de críticas no Brasil e no exterior. Mesmo depois de infectado pelo novo coronavírus, o presidente insiste em minimizar o impacto da pandemia e pedir a reabertura da economia. A postura gerou atritos com os ministros do STF. Logo nos primeiros meses da crise, o Supremo garantiu a governadores e prefeitos a autonomia para decretar medidas de isolamento social de acordo com a realidade local. A polêmica mais recente envolve o ministro do STF Gilmar Mendes, que afirmou no dia 11 de julho que o “Exército está se associando a genocídio” na pandemia do novo coronavírus.

Desde então, Roberto Jefferson posta conteúdo contrário a Gilmar Mendes e ao STF em sua página no Twitter. Jefferson é um aliado recente do presidente Bolsonaro. Velho conhecido na política, foi deputado federal de 1983 a 2005, até ser cassado por envolvimento no escândalo do Mensalão. Nesse período, participou da Assembleia Constituinte e fez parte da base de apoio do ex-presidente Fernando Collor. Voltou ao cenário nacional em abril deste ano, depois da aproximação de Bolsonaro com os caciques do Centrão.

O Comprova já verificou outros conteúdos falsos e enganosos envolvendo ministros do STF, como o texto que sugeria um decreto-lei inconstitucional para a criação de um tribunal militar, um áudio que pedia intervenção militar ou o vídeo que alegava que as Forças Armadas iriam prender os magistrados.

Enganoso, para o Comprova, é todo o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado; que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Política

Investigado por: 2020-07-16

“Decreto-lei” para criar Tribunal Constitucional Militar é enganoso e inconstitucional

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso texto apresentado em vídeo no Facebook que trata da criação de um "Tribunal Constitucional Militar". A Constituição de 1988 não prevê, no processo Legislativo, a figura de decreto-lei
  • Conteúdo verificado: Vídeo publicado no Facebook apresenta proposta de texto de um advogado para um decreto-lei que cria um Tribunal Constitucional Militar.

É enganoso o vídeo publicado no Facebook sobre um texto que propõe a criação de um Tribunal Constitucional Militar. O autor da gravação, André Basílio, divulga uma proposta de decreto-lei que permitiria que o presidente da República criasse “um tribunal acima do STF”, para “poder julgar e condenar ou absolver, se for o caso, os ministros do STF que têm praticado crimes aqui no Brasil”. No vídeo, André dá a entender que o presidente Jair Bolsonaro poderia assinar o texto e colocá-lo em prática. No entanto, a Constituição de 1988 não prevê a criação de decretos-lei.

O autor da gravação, André Basílio, faz referência ao texto proposto pelo advogado Marcos David Figueiredo de Oliveira, que afirma em seu site que o tribunal seria “a única opção constitucional diante da falência comprovada do poder judiciário e do poder legislativo”.

O Comprova conversou sobre o conteúdo proposto por Oliveira com o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), Caio Augusto Silva dos Santos. De acordo com ele, o decreto escrito pelo advogado é inconstitucional. O decreto-lei é uma norma expedida em caráter de urgência e de forma excepcional pelo poder Executivo. No entanto, a Constituição Federal de 1988 não prevê mais esse tipo de processo, deixando ao Executivo a possibilidade de elaborar uma Medida Provisória, que pode ser apresentada de forma emergencial com força de lei — mas que, para ser transformada em lei de forma definitiva, precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional.

Como verificamos?

Pesquisamos sobre André Basílio em suas redes sociais e encontrou publicações já desmentidas pelo Comprova e outras agências de fact-checking. No dia 9 de julho, escrevemos uma mensagem direta via Facebook para Basílio pedindo uma entrevista. Foram enviadas outras solicitações, em 13 e 15 de julho – nenhuma foi respondida. Também em 9 de julho, a equipe entrou em contato com Oliveira pelo e-mail informado em seu site. Sem resposta, o Comprova voltou a enviar um e-mail no dia 14, quando o advogado ligou para a equipe. A entrevista foi feita por mensagens de textos no WhatsApp.

Também levantamos informações sobre Oliveira em veículos de informação, no LinkedIn e nos sites do Tribunal de Justiça de São Paulo e Diário de Justiça do Estado de São Paulo.

Para ter mais informações sobre a constitucionalidade do texto proposto por Oliveira, o Comprova conversou por telefone com o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), Caio Augusto Silva dos Santos. Após a primeira conversa, houve uma segunda entrevista com Santos para esclarecer outros pontos jurídicos fornecidos por Oliveira.

A equipe também contatou a Secretaria de Governo, que encaminhou o pedido para a Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom). Esta, por sua vez, informou que as informações seriam dadas pelo Ministério da Defesa, que respondeu que “este tema não é de competência” do órgão e que o Comprova deveria falar com a Secretaria de Governo, primeira instituição contatada. Novamente, a equipe enviou e-mail e telefonou para a Secretaria de Governo, que mais uma vez informou que a secretaria de imprensa da Secretaria de Comunicação responderia. Procurado no contato informado, o órgão não retornou aos pedidos do Comprova.

Verificação

O que diz o decreto-lei?

O texto propõe a criação de um tribunal constituído por um procurador-geral constitucional — nomeado pelo presidente — e 33 ministros, sendo cinco militares. O objetivo seria permitir ao tribunal processar e julgar membros dos três poderes.

A proposta indica o uso das Forças Armadas no cumprimento de decisões monocráticas — ou seja, aquelas proferidas por um único magistrado. Para isso, o decreto-lei alega “estado de calamidade pública e a desordem institucional dos poderes executivo, legislativo e judiciário” e diz que não há fiscalização ou punição pelos conselhos e órgãos competentes.

O decreto-lei prevê a prisão de autoridades judiciárias que admitirem ações apontando a inconstitucionalidade do tribunal. Também apresenta ao presidente da República a opção de “convocar a população por meio de mídias sociais, rádio e televisão para apoio ao referido decreto-lei”.

Ficariam sob fiscalização do tribunal:

  • Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior Eleitoral, Tribunal Superior do Trabalho e Tribunal de Contas da União;
  • Ministério Público Federal, Ministério Público dos Estados e Conselho Nacional de Justiça;
  • Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, Tribunais Regionais Federais, Tribunais Regionais Eleitorais e Tribunais Regionais do Trabalho;
  • Senadores e deputados federais e estaduais;
  • Governadores, secretários estaduais e prefeitos;
  • Delegados de polícia e juízes de direito;
  • Membros do Conselho dos Tribunais de Contas dos Estados e dos Municípios.

OAB: Decreto não é constitucional

O artigo 2º da Constituição afirma que os três poderes que constituem o Estado são o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. As leis são criadas pelo Legislativo, que têm seus membros eleitos pela população. Ao Executivo, cabe estabelecer ações para que as leis sejam cumpridas. O Judiciário, por sua vez, deve decidir quem tem razão nos conflitos que surgirem na sociedade.

Pela lei, os poderes devem ser “independentes e harmônicos entre si”. Ou seja: um não pode se sobrepor ao outro. A separação de poderes e a independência deles é prevista em cláusula pétrea — o que significa que não pode ser modificada.

O presidente da OAB-SP, Caio Augusto Silva dos Santos, vê como “absolutamente inconstitucional” a proposta de criação do Tribunal Constitucional Militar, ainda mais com poder de determinar a prisão de autoridades que o contestarem.

“Nos parece muito claro que a tentativa desta sugestão é uma tentativa de usurpação dos poderes constituídos, porque cada qual tem a sua competência. Decretar prisão é competência do Judiciário. Nenhum outro órgão pode se sobrepor a essas circunstâncias”, afirmou em entrevista ao Comprova.

O decreto-lei, quando aplicável, foi uma exceção que permitiu ao Executivo apresentar normas em regime de urgência ou emergência. “Os decretos-leis e regulamentos são normas para complementar leis que já existem”, explicou. No entanto, normas do Executivo, como o caso de Medidas Provisórias, não podem “ir além do que a lei autoriza” — neste caso específico, criar um órgão com atuação superior ao Judiciário. Até porque, a aprovação seria a violação de uma cláusula pétrea, algo que não poderia ser modificado na Constituição.

“Não tem a possibilidade de isso ser impulsionado por um decreto legislativo, porque o poder do presidente da República não chega a essa possibilidade”, observou. As assinaturas coletadas pelo site só representariam “pressão popular”, de acordo com Santos, embora não façam diferença por esbarrar em uma cláusula imutável.

A alegação de que não há fiscalização do Judiciário também não procede. Santos citou a criação do Conselho Nacional de Justiça, outro órgão previsto pela Constituição, “criado para controlar e apresentar ações importantes no âmbito do poder Judiciário”.

Quem é o autor da postagem?

Autor da postagem, André Basílio mantém um perfil no LinkedIn no qual se apresenta como consultor em gestão empresarial na Tr3de International Business.

No Facebook, onde circula o post sobre o decreto-lei, Basílio fez publicações de conteúdos comprovadamente falsos. Em uma delas, diz que uma unidade de saúde de BH “recebe R$ 1.500 por dia por cada leito ocupado com paciente que chega com dengue ou com gripe, e que colocam esta pessoa como sendo suspeita de COVID-19”. Conteúdo semelhante já foi desmentido pelo Comprova.

Outro post foi marcado pelo Facebook como conteúdo falso.

Outra postagem indica que ele se candidatou a deputado federal por Minas Gerais nas eleições de 2018. Em uma busca no DivulgaCand, site do TSE com informações sobre candidaturas, conferimos que ele concorreu pelo Patriota naquele ano. Não conseguiu a quantidade de votos para se eleger, mas ficou como suplente — o que significa que pode substituir um deputado titular do mandato de forma temporária ou definitiva.

O Comprova enviou uma mensagem a Basílio no Facebook, mas não obteve retorno até a publicação desta verificação.

Quem é o responsável por formular o decreto?

Marcos David Figueiredo de Oliveira é advogado. O Comprova acessou seu cadastro na OAB Nacional e conferiu que ele possui registro no Mato Grosso e também um cadastro suplementar em São Paulo. Em ambos os estados, ele apresenta situação regular. No seu perfil do LinkedIn, consta que é diretor jurídico na Marcos David Figueiredo Advogados Associados.

Ele é o criador do site Moraliza, que traz, majoritariamente, posts e vídeos atacando a Justiça brasileira, como a publicação intitulada “Falência do Judiciário comprovada!”. A página apresenta um perfil em que Oliveira é apontado como sobrinho do general de divisão Nicanor Presídio de Figueiredo, que seria parente do último presidente do Brasil durante o período da ditadura militar, João Batista Figueiredo (1979-1985). O Comprova conferiu na Biblioteca Nacional, acervo digital de jornais do país, e encontrou o nome de Nicanor Presídio de Figueiredo na de 23 de junho de 1934 do Jornal do Brasil, em que ele é anunciado como futuro oficial de saúde do corpo do Exército. Em outra notícia do mesmo jornal, datada de 11 de agosto de 1988, o general é envolvido em uma confusão com uma operação do Detran. No entanto, não foi possível localizar nada que mencionasse o parentesco dele com o ex-presidente Figueiredo.

Oliveira ficou conhecido por expor, na década de 1990, um caso de fraudes de títulos da dívida externa brasileira, convertidos em investimentos no país de forma ilegal. Em 1993, ele havia sido contratado para conseguir a liberação de títulos da dívida externa para o banco Paribas (posteriormente BNP Paribas), mas acabou entrando com processo judicial contra a instituição por não receber os honorários. Por meio das disputas na Justiça, foi descoberto que o valor adquirido com os títulos havia retornado para o exterior ficando com uma empresa de paraíso fiscal. Em 1996, a Polícia Federal abriu um inquérito para investigar o caso, levantando informações a respeito de operações supostamente ilegais no Banco Central. O caso é citado por Oliveira como justificativa para a criação do Moraliza, afirmando ter o objetivo de denunciar sentenças ilícitas do Judiciário.

O advogado também coleciona polêmicas. Em novembro de 2015, ele entrou com o pedido de suspeição de uma juíza, após a audiência de um caso em que ele se desentendeu com a magistrada e a promotora, alegando que magistradas mulheres “cometem mais erros” e declarou que mulheres têm “agressividade excessiva, em razão da disfunção hormonal causada pela TPM gerando a autodestruição”. O caso tramita em sigilo, mas houve ampla repercussão em coletivos ligados a questões de gênero.

Acusado de desacato e injúria pela história mencionada acima, é alvo de um processo que tramita no Tribunal de Justiça de São Paulo desde 2016. O processo, que também corre em sigilo, foi encontrado pelo Comprova ao pesquisar o nome de Oliveira na busca processual do site do TJ-SP, disponível para o público. Com base no número do processo e nas informações a respeito da Vara onde tramita, conseguimos encontrar no Diário de Justiça do estado uma publicação, de 21 de fevereiro de 2020, afirmando que o advogado não havia sido localizado para responder às acusações. Segundo a movimentação processual do TJ-SP, em 10 de março de 2020, o desembargador do caso determinou a suspensão do processo até que Oliveira seja judicialmente encontrado. “Diante do exposto, suspendo o processo e o prazo prescricional (…) Façam-se as devidas anotações e comunicações, aguardando-se o comparecimento espontâneo do réu ou dados que possibilitem localizá-lo em arquivo”, diz. Com isso, o prazo de prescrição também é suspenso.

Já em 28 de março de 2018, o site do TJ-SP publicou um texto afirmando que Oliveira agrediu verbal e fisicamente dois magistrados do Fórum da Comarca de Itatiba. Ele teria acusado uma juíza de fraude, dizendo-se “fiscal de todos os juízes do Brasil” e afirmou que daria voz de prisão a ela. Segundo a nota, o juiz diretor do fórum teria sido chamado para interceder e, ao confrontar Oliveira, teria sido empurrado. Um boletim de ocorrência foi registrado pelos dois magistrados contra o advogado.

O que diz o autor do texto?

No primeiro contato, por telefone, antes que fosse possível fazer qualquer pergunta, Marcos David Figueiredo de Oliveira sugeriu ao Comprova que lesse antes um texto que ele publicou em seu site, intitulado “Breves considerações sobre a constitucionalidade do decreto-lei que cria o Tribunal Constitucional da Ordem Institucional (TCOI)”.

Neste texto, ele defende que o presidente da República pode “promulgar as leis“. E continua: “Ora, quem faz leis é o Poder Legislativo. Entretanto, em estado de anormalidade esse direito está implícito nas atribuições do Presidente da República atuando como chefe de estado e comandante supremo das Forças Armadas, em razão do regime presidencialista”. Sem explicar, ele finaliza a resposta com “Regra de hermenêutica jurídica”.

Questionado se o seu texto não fere a Constituição, já que promulgar e fazer leis não são a mesma coisa, ele, basicamente, repetiu o texto: “promulgar as leis significa ordenar oficialmente a publicação de uma lei. Só quem ordena a publicação de uma lei tem competência para legislar”.

Informado sobre a posição da OAB, que afirmou que decretar prisão é competência do Judiciário e nenhum outro órgão pode se sobrepor a essas circunstâncias, Oliveira disse ser “muita infantilidade da OAB, porque as prisões serão decretadas através de um Tribunal Constitucional legalmente constituído”.

Ao Comprova, Oliveira disse ter criado o decreto-lei “em face da desordem institucional, da insegurança jurídica e do estado de calamidade pública”. Em seu site, afirma ainda que “o tribunal é criado para acabar com desvios e corrupção de autoridades que são protegidas pela lei para terem autonomia e segurança em suas funções, mas, quando autoridades abusam dessa proteção, a ordem democrática é destruída e a governabilidade é perdida e quem sofre é a população”.

Procurado novamente, o presidente da OAB-SP, Caio Augusto Silva dos Santos, reiterou que a proposta de Oliveira é inconstitucional. “Isso existia lá atrás, em outros momentos, mas não no atual ordenamento constitucional. Ele quase que propõe o presidente com o poder de decretar o que quiser, baixar o Ato Institucional, AI-5, de novo. Aí não existe no ambiente constitucional de hoje”, afirmou.

“O que ele propõe é uma quebra do sistema democrático. Ele propõe que o presidente da República assuma o comando de tudo e desrespeite os demais poderes. Isso é ruptura constitucional, isso é revolução”, acrescentou Santos.

Santos explicou novamente que o papel do Executivo não é o de criar leis: “O veículo para o presidente da República legislar, baseado em duas expressões, urgência e emergência, é a medida provisória (…) quem legisla é o Legislativo, e o Legislativo pode rejeitar a medida provisória. E aí ela perde a eficácia”.

Por fim, acrescentou que as Forças Armadas “devem estar à disposição dos três poderes para controlar a ordem”, sem restrição específica ao comando do presidente da República.

Convocação e “libertação”

No dia 15 de julho, Oliveira enviou ao Comprova, via WhatsApp, uma mensagem convocando as pessoas a assinarem o texto a partir do dia 16 de julho. É o mesmo texto que está em seu site. “Participe desse momento histórico onde pela primeira vez um Presidente da República fará o desejo do povo! Você guardará uma cópia do requerimento que assinou para conhecimento de suas futuras gerações, como prova de que participou do movimento que restabeleceu a ordem no País”, escreveu.

Segundo Oliveira disse ao Comprova, ele vai colher assinaturas (ou “votos”, como ele escreveu) até 6 de setembro. Questionado sobre a validade das assinaturas, o advogado afirmou que “o presidente Jair não estará pedindo a validação do decreto-lei porque não necessita disso, como exposto. Apenas pediu apoio à população para destacar e realçar sua autoridade como comandante supremo das Forças Armadas. Não se trata de referendo ou plebiscito, que é da iniciativa do Congresso Nacional”.

O texto do “decreto-lei” é datado de 7 de setembro. Questionado sobre o porquê da data, ele afirmou ser “o dia da nossa liberdade, de fato”.

Por que investigamos?

Nesta terceira fase do Comprova, o projeto retoma o monitoramento e a verificação de conteúdos suspeitos que obtenham grande alcance sobre políticas públicas no âmbito do governo federal. É o caso do vídeo em que André Basílio apresenta o texto de Marcos David Figueiredo de Oliveira, que teve 448 mil visualizações e 46 mil compartilhamentos só no Facebook até o dia 16 de julho.

O conteúdo, encaminhado por leitores do Comprova, circula no momento em que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) está envolvido em manchetes por ter participado de atos pró-golpe militar, sugerido o uso da Força Nacional em protestos contra seu governo e se desentendido com o STF.

O Boatos.org desmentiu, no ínicio de julho, que o decreto-lei tivesse sido implementado por Bolsonaro.

Usando cinco vezes o nome “Constituição Federal” e 55 a palavra “constitucional” em seu texto, Oliveira fere a Carta Magna brasileira ao defender a criação de um tribunal “com plenos poderes para julgar todas as autoridades do país”. Com o conteúdo em questão, Oliveira e Basílio tentam colocar as conquistas obtidas pelos brasileiros com a Constituição de 1988 em risco.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Política

Investigado por: 2020-07-16

Site usa texto sobre boa aprovação de Lula para tratar de apoio a Bolsonaro

  • Falso
Falso
Site publicou texto descrevendo uma suposta pesquisa na qual o presidente da República teria 64% de aprovação, mas era um plágio de reportagem de 2008 sobre a popularidade do ex-presidente Lula
  • Conteúdo verificado: Texto publicado no site Notícias de Direita afirmando que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) teria 64% de aprovação

É falso que pesquisa recente do Datafolha tenha apontado 64% de aprovação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O texto publicado pelo site Notícias de Direita, em 13 de julho deste ano e depois retirado do ar, afirmava que houve “recorde de aprovação” do governo atual, mas se trata, na verdade, de cópia de uma matéria do portal G1 de setembro de 2008. A reportagem original mostra os números de aprovação do segundo governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e não de Bolsonaro.

Na realidade, a última pesquisa publicada pelo Datafolha, realizada nos dias 23 e 24 de junho, mostra que apenas 32% dos brasileiros aprovam a gestão de Bolsonaro – ou seja, consideram ela “ótima” ou “boa” –, enquanto 44% acreditam que ela é “ruim” ou “péssima”.

Como verificamos?

O Comprova buscou trechos da matéria publicada no site Notícias da Direita no Google. Um dos primeiros links que surgiram foi da reportagem do portal G1, do Grupo Globo, com um texto quase idêntico, mas com o nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Depois disso, procuramos as últimas pesquisas publicadas pelo Datafolha no site do instituto.

Verificação

O texto publicado pelo site Notícias de Direita é plágio de uma matéria publicada pelo portal G1 em setembro de 2008. A reportagem original mostra, na verdade, os números de aprovação do segundo governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). As informações foram copiadas quase palavra por palavra.

Há poucas diferenças, como o nome dos presidentes e a data da publicação (originalmente a pesquisa de 2008 foi feita no mês de setembro). No texto do site Notícias de Direita, a “popularidade” de Jair Bolsonaro é justificada pelo “bom desempenho na pandemia”. No original, do G1, a avaliação positiva do ex-presidente petista é atribuída ao bom desempenho da economia.

Veja comparação abaixo:

Na época em que o texto original do G1 foi publicado, em setembro de 2008, 64% dos entrevistados consideravam o governo petista “ótimo” ou “bom”, 28% consideravam “regular” e 8% consideravam “ruim” ou “péssimo”. Além disso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o presidente que teve a melhor avaliação de toda a série histórica do Datafolha atingindo 83% de aprovação no final do segundo mandato, em dezembro de 2010.

Pesquisas recentes do governo Bolsonaro

A última pesquisa publicada pelo Datafolha, realizada nos dias 23 e 24 de junho, mostra que 32% dos brasileiros consideram que Jair Bolsonaro (sem partido) estava fazendo um governo ótimo ou bom, enquanto 44% acreditam que gestão do presidente era ruim ou péssima. Outros 23% consideram a gestão regular.

Desde o começo do mandato, o número de pessoas que desaprovam o governo Bolsonaro cresceu, enquanto os que aprovam o governo continua na mesma faixa. A primeira pesquisa Datafolha realizada no começo de abril mostrava Bolsonaro com 33% de ótimo/bom, 33% de regular e 30% de ruim/péssimo.

Gráfico:

No dia 15 de junho, o cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Cesar Zucco publicou um artigo na revista piauí em que analisou 127 pesquisas de opinião de diferentes institutos de pesquisa publicadas entre 10 de janeiro de 2019 e 9 de julho deste ano. De acordo com a análise, o número de pessoas que acreditam que Bolsonaro está fazendo um governo “ótimo” ou “bom” está caindo desde a posse — como mostram também os números do Datafolha. Além disso, utilizando um algoritmo capaz de comparar o resultado de pesquisas de opinião diferentes, Zucco mostra que Bolsonaro estaria com uma aprovação na faixa dos 25%, ainda menor do que a mostrado pelo Datafolha.

Por que investigamos?

O Projeto Comprova verifica conteúdos suspeitos que viralizam na internet e nas redes sociais. Políticas públicas do governo federal são parte do escopo do projeto e, portanto, o mesmo ocorre com a percepção pública sobre a Presidência.

De acordo com o CrowdTangle, ferramenta de monitoramento de redes sociais, o link com a informação falsa investigada aqui teve mais de 12,5 mil interações apenas no Facebook, rede pela qual mais circulou.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

A Agência Lupa, o Aos Fatos e o Boatos.org também desmentiram a existência de tais resultados em pesquisa Datafolha sobre a popularidade de Bolsonaro.

Política

Investigado por: 2020-07-09

É falso que vídeo mostre “sabotagem” de governo do Ceará em canal inaugurado por Bolsonaro

  • Falso
Falso
A gravação, na qual uma mulher mostra motoristas de caminhões-pipa jogando fora um grande volume de água, foi feita em junho de 2017 no município de Pariconha, Alagoas, mais de um ano antes da eleição de Bolsonaro
  • Conteúdo verificado: Publicações afirmam que vídeo de motoristas de caminhão-pipa descartando grande volume de água mostra pessoas contratadas pelo governo do Ceará para sabotar canal recém-inaugurado pelo presidente Jair Bolsonaro no estado.

É falso que um vídeo compartilhado mais de 18 mil vezes em redes sociais mostre “pipeiros contratados pelo governo” do Ceará, dirigido pelo PT, descartando água retirada de um canal inaugurado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no estado. A gravação, na qual uma mulher mostra motoristas de caminhões-pipa jogando fora um grande volume de água, foi feita em junho de 2017 no município de Pariconha, Alagoas, mais de um ano antes da eleição de Bolsonaro.

Os motoristas gravados nas imagens faziam parte da Operação Carro-Pipa, coordenada pelo Exército em Alagoas para distribuir água potável às populações rurais e urbanas atingidas por estiagem na região. Após a primeira viralização do vídeo, em 2017, eles foram descadastrados do programa, como informou ao Comprova o batalhão responsável pelo projeto.

Como verificamos?

Para iniciar esta verificação, realizamos buscas reversas no Google Imagens por capturas de tela do vídeo associadas a palavras-chave identificadas na gravação. Essa pesquisa levou a um artigo publicado em 1º de junho de 2017 no portal alagoano Correio Notícia, ilustrado com as imagens viralizadas.

Segundo a reportagem, o vídeo havia sido gravado na época em uma área próxima ao Canal do Sertão, em Pariconha, Alagoas. Com base nessas informações e com o intuito de localizar a pessoa responsável pela gravação, buscamos publicações feitas no Facebook em junho de 2017 com os termos “água” e “canal do sertão”.

Essa busca levou a uma publicação feita às 10h21 do dia 1º de junho de 2017 por um morador do município alagoano de Piranhas, localizado a 56km, cerca de uma hora de carro de Pariconha. “Olha minha gente so pq está chovendo sertão o qui estão fazendo com a nossa água [sic]”, dizia a postagem. “o qui o exército está fazendo qui não fiscalizar isso minha gente [sic]”, continuava o texto.

O Comprova entrou em contato com o usuário para solicitar informações sobre a gravação, mas não obteve resposta até o fechamento deste texto.

Em seguida, procuramos a Prefeitura de Pariconha, que confirmou que as imagens foram gravadas no município alagoano em junho de 2017. Também foi consultado o 59º Batalhão de Infantaria Motorizada do Exército, que informou que os motoristas eram cadastrados na Operação Carro-Pipa, mas foram desligados após a viralização do vídeo.

Para reiterar a conclusão, consultamos imagens do Canal do Sertão disponibilizadas no Google Maps em busca de semelhanças com o cenário retratado no vídeo.

Verificação

Um vídeo em que uma mulher filma dois motoristas de caminhão-pipa descartando um grande volume de água em uma área rural foi amplamente compartilhado no Facebook e no Twitter como se mostrasse “pipeiros contratados pelo governo demoníaco do Ceará” pegando água “do canal inaugurado pelo presidente para jogar fora”. “Essa esquerda maldita é o câncer da sociedade”, dizem algumas das postagens.

O conteúdo ganhou força após o presidente Jair Bolsonaro inaugurar, no final de junho, um trecho da obra de transposição do Rio São Francisco no Ceará, estado governado por Camilo Santana, do PT.

O vídeo não é, contudo, atual, nem retrata uma tentativa do governo cearense de sabotar a obra inaugurada por Bolsonaro.

Vídeo de 2017

Uma busca reversa no Google por capturas de tela da gravação associadas a palavras-chave identificadas no vídeo levou a um artigo publicado em 1º de junho de 2017 pelo portal Correio Notícia. O texto diz que o “flagrante ocorreu no sítio Rolas, zona rural de Pariconha, bem ao lado do Canal do Sertão”, em Alagoas. O vídeo foi publicado na mesma data no canal do site de jornalismo no YouTube.

De fato, na gravação é possível escutar a mulher que faz a denúncia cobrando um posicionamento do Exército de Maceió, capital do Alagoas, e afirmando: “Isso aqui é o Canal do Sertão”.

As informações também foram publicadas em outra reportagem, no mesmo dia, no site GazetaWeb.

Uma análise das imagens do Canal do Sertão disponíveis no Google Maps permitiu identificar semelhanças com o vídeo compartilhado nas redes, como as pontes de cor laranja destacadas na comparação abaixo:

Para confirmar o local e a data da gravação, o Comprova entrou em contato com a Prefeitura de Pariconha, que informou que o vídeo efetivamente foi gravado “entre os municípios de Pariconha e Delmiro Gouveia” em junho de 2017.

A Prefeitura afirmou, ainda, que não puniu os motoristas de carro-pipa na época, porque seus contratos seriam de responsabilidade do Exército.

Com esta informação, o Comprova procurou o 59º Batalhão de Infantaria Motorizada do Exército, responsável pela Operação Carro-Pipa em Alagoas, que reiterou que as imagens datam de junho de 2017.

“Naquela ocasião, os Pipeiros alegaram que tiveram um problema mecânico e o peso do caminhão estava impossibilitando de prosseguir viagem”, afirmou um porta-voz do batalhão ao Comprova por e-mail. “Todas as medidas administrativas foram tomadas e os Pipeiros foram descadastrados da Operação Carro-Pipa”, completou.

Por que investigamos?

O Projeto Comprova faz a verificação de conteúdos virais sobre políticas públicas do governo federal. Neste caso, o vídeo de motoristas de caminhão-pipa descartando água obteve mais de 18 mil compartilhamentos no Facebook, Twitter e Instagram, somando mais de 265 mil visualizações em menos de 24 horas.

O conteúdo, encaminhado por leitores do Comprova, circula no momento em que as ações de infraestrutura hídricas do governo Bolsonaro estão em alta, com a recente inauguração do Eixo Norte do Projeto de Integração do Rio São Francisco — obra iniciada no segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2007-2010).

A conclusão de parte do projeto durante o governo Bolsonaro, opositor público do PT, gerou debates sobre quem seria responsável pela obra, desencadeando outras desinformações verificadas pelo Comprova.

A alegação de que o vídeo dos caminhões-pipa seria atual também foi checada pela Agência Lupa.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Política

Investigado por: 2020-07-08

Post engana ao dizer que Exército construiu ponte em 24 horas em Goiás

  • Enganoso
Enganoso
O vídeo apresentado é real, mas é de 2019 e os militares levaram uma semana para realizar a instalação. A ponte era provisória e já foi substituída por uma estrutura fixa
  • Conteúdo verificado: Post acompanhado de vídeo afirma que o Exército montou uma ponte em 24 horas a pedido do governo de Goiás.

É enganoso um post publicado em 27 de junho sobre a construção de uma ponte pelo Exército em Goiás. Diz o texto: “O governo de Goiás sem dinheiro para construir uma ponte para fazer o escoamento de produtos agrícolas, fez uma solicitação ao governo Bolsonaro e em 24 horas a engenharia do Exército brasileiro compareceu e montou uma ponte ‘Bayley’ (sic). Acorda Brasil. Vamos divulgar porque não vai sair na imprensa…”. A publicação é acompanhada de um vídeo que mostra dois homens próximos a uma das extremidades de uma ponte conversando sobre a estrutura. O vídeo é real, mas é de 2019 e a ponte não foi instalada pelo Exército em apenas um dia.

Segundo o governo de Goiás, em 2019 o estado fechou parceria com o Exército, por meio do Ministério do Desenvolvimento, para a instalação de uma ponte metálica entre os municípios de Israelândia e Fazenda Nova. A área, localizada em trecho da rodovia GO-060, estava interditada por causa de fortes chuvas. O Exército iniciou a construção da obra nove dias depois do rompimento da antiga estrutura e construiu uma nova, provisória, em uma semana, e não em 24 horas.

[Atualizado em 14 de julho de 2020 – O parágrafo acima foi atualizado para corrigir uma informação sobre o “comparecimento” do Exército ao local de construção da ponte. Na verdade, o Exército foi até o local no dia seguinte para “reconhecimento do local” – como explicado adiante – mas as obras realmente foram iniciadas somente dias depois]

Além disso, ao afirmar que é preciso “divulgar porque não vai sair na imprensa”, o post engana ao insinuar que a obra seria atual e deveria ser tema de reportagens. A construção da nova passagem metálica, que era provisória, foi finalizada em 26 de março do ano passado, ou seja, há mais de um ano, e foi noticiada por veículos de comunicação goianos.

Como verificamos?

O passo inicial foi buscar pelos termos “ponte Bailey Goiás” no Google. Entre os primeiros resultados, apareceram diversas reportagens sobre a construção de uma ponte provisória na rodovia GO-060, no município de Israelândia, no interior do estado. Uma matéria exibida no dia 22 de março de 2019 pelo jornal JA2 da TV Anhanguera, afiliada da Globo em Goiás, mostrava a maquete de uma ponte muito semelhante à apresentada no vídeo do post que viralizou.

Outra reportagem, do portal G1, divulgada em 27 de março de 2019, já mostrava a estrutura metálica em funcionamento. Pelas imagens, foi possível confirmar que era a mesma ponte do post.

Entramos em contato com a assessoria de comunicação do governo de Goiás no dia 3 de julho por e-mail. Recebemos a resposta no mesmo dia por WhatsApp.

Tentamos identificar os homens que aparecem no vídeo e que seriam os autores das imagens, mas não foi possível. O Comprova também entrou em contato com Altaisa Teixeira, responsável pelo post de maior viralização no Facebook, por meio de mensagens diretas no Facebook e no Instagram. Não obtivemos resposta até a publicação desta verificação.

O Comprova enviou e-mail para a assessoria de comunicação do Exército em 6 de julho, às 12h27, e não obteve resposta até a publicação da verificação. O órgão respondeu por meio do Departamento de Engenharia e Construção em 14 de julho, depois que a checagem já havia sido publicada.

[Atualização em 14 de julho de 2020: o parágrafo acima foi acrescentado após a resposta do Exército]

Verificação

Ponte provisória

Segundo o governo de Goiás, a rodovia estadual GO-060 foi interditada no trecho entre Israelândia e Fazenda Nova em 10 de março de 2019, após fortes chuvas e o rompimento de um bueiro. Ainda de acordo com o governo, o governador Ronaldo Caiado (DEM) contatou o Ministério do Desenvolvimento para efetuar parceria com o Exército Brasileiro e, assim, viabilizar a instalação de uma ponte metálica, tipo Logistic Support Bridge (LSB) – mais moderna e mais leve que a ponte Bailey.

Com 32 militares e 17 viaturas, a 23ª Companhia de Engenharia de Combate do Exército começou a obra em 19 de março – nove dias após o acordo com o governo estadual – e liberou a estrutura para o tráfego na noite de 26 do mesmo mês. “A ponte serviu para a passagem de veículos pesados, acima de dois eixos (mais de 16 toneladas), e foi adotado o modo ‘pare e siga’ para atender os dois sentidos da via”, informou o governo. A ponte provisória foi desmontada em setembro de 2019, após a Agência Goiana de Infraestrutura e Transportes (Goinfra), órgão do estado, concluir a recomposição definitiva do bueiro rompido.

Após publicarmos a matéria, o Exército respondeu ao pedido de informações da reportagem. Informou que compareceu, sim, no dia seguinte ao rompimento do bueiro para “realizar o reconhecimento do local para posterior montagem da ponte”. Mesmo assim, a nota confirma que a construção da ponte só começaria dias depois. O Departamento de Engenaria e Construção diverge do estado ao dizer que a obra começou em 22 de março, mas confirma que os trabalhos foram concluídos em 26 de março. Falou, por fim, que “o recurso destinado à montagem e operação da ponte foi oriundo do orçamento da Secretaria de Defesa Civil do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR)”.

[Atualização em 14 de julho de 2020: o parágrafo acima foi acrescentado após a resposta do Exército]

Ponte permanente

Ainda de acordo com o governo, a ponte instalada pelo Exército era provisória e “foi desmobilizada em setembro de 2019, após a Goinfra concluir a recomposição definitiva do bueiro rompido”.

Em 18 de setembro do ano passado, o site da agência publicou um texto que informava que “a estruturação de um novo bueiro no KM 184 da GO-060, entre Israelândia e o trevo para Fazenda Nova, está em fase final de execução. A 23ª Companhia de Engenharia de Combate, do Exército Brasileiro, concluiu na manhã de hoje (18) a retirada da ponte metálica do local, com o objetivo de liberar a pista para as últimas etapas da obra”. Seguia dizendo que uma equipe da Goinfra trabalhava para pavimentar o trecho e motoristas que precisassem passar pela região poderiam acessar um desvio “até a conclusão dos serviços na rodovia”.

No dia 9 de outubro, a Goinfra contava sobre a etapa de concretagem da obra. E acrescentava: “Os próximos passos, que já estão em andamento, são: execução das alas das bocas do bueiro, escalonamento lateral para estabilização de corpo de aterro, pavimentação asfáltica e sinalização viária”. O desvio continuava sendo a opção para os motoristas.

A autora do post

Altaisa Teixeira, que postou o conteúdo no Facebook, costuma publicar na rede social textos, imagens e vídeos alinhados com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Há posts pedindo intervenção militar e algumas publicações verificadas pelo Comprova e classificadas como falsas – como uma combinação de fotos que usava imagens antigas como sendo obras de Bolsonaro e outra que diz que Ciro Gomes tem caminhões-pipa no Ceará.

Em 2018, ela foi candidata a deputada federal no Rio de Janeiro pelo PSL, antigo partido do presidente. Recebeu 1.128 votos, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral, insuficientes para ser eleita.

O Comprova tentou contatá-la via Facebook e Instagram, mas não obteve retorno até o fechamento desta verificação.

Por que investigamos?

O Projeto Comprova faz a verificação de conteúdos virais sobre políticas públicas do governo federal. O vídeo sobre a construção da ponte em Goiás pelo Exército Brasileiro, publicado no Facebook por Altaisa Teixeira em 27 de junho de 2020, recebeu 32,6 mil compartilhamentos e foi visto mais de 561 mil vezes até o fechamento desta verificação. O conteúdo foi compartilhado por páginas como “Bolsonaro Presidente 2022” e “Beto Fontes – FFAA – Brasil”.

O Exército Brasileiro ganhou destaque no governo Bolsonaro, ele próprio um capitão reformado, com a indicação de generais da reserva e da ativa para alguns ministérios — como Fernando Azevedo e Silva (Defesa), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Eduardo Pazuello (interino na pasta da Saúde). Além disso, as Forças Armadas foram chamadas a atuar em ações da União, como a Operação Verde Brasil 2, de combate ao desmatamento na Amazônia. Este programa é chefiado pelo vice-presidente, general Hamilton Mourão.

A utilização de homens e equipamentos das Forças Armadas em programas federais ou nos estados é alvo de desinformação nas redes sociais. Um boato checado anteriormente pelo Comprova falsamente alegava que o Exército teria refeito trecho da transposição do Rio São Francisco durante o governo Bolsonaro.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado; que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Política

Investigado por: 2020-07-07

É falso que família de Ciro Gomes tenha 77 empresas de carros-pipa no Ceará e que esse tenha sido o motivo do atraso das obras da transposição

  • Falso
Falso
Não há indícios de que a família Gomes participe de qualquer negócio no setor de transporte de água; pipeiros alegam baixo impacto com a inauguração de obra de transposição do Rio São Francisco
  • Conteúdo verificado: Postagens afirmando que 549 empresas de transporte de água vão “quebrar” com a inauguração de obra de transposição do São Francisco no Ceará e que 77 delas seriam da família de Ciro Gomes.

Boato em circulação nas redes sociais sugere que a família de Ciro Gomes (PDT), ex-governador do Ceará, possui 77 empresas de carros-pipa e teria sido prejudicada com a inauguração da obra de transposição do Rio São Francisco no estado. Algumas versões dizem ainda que a suposta participação da “família Gomes” no serviço de transporte de água teria sido o motivo para os governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016), do PT, não terem finalizado a obra. Nada disso é verdade.

Não existe qualquer indício de que a família de Ciro Gomes tenha participação no setor de abastecimento emergencial de água no Ceará. A conclusão está apoiada em pesquisas em documentos públicos que listam pessoas físicas e jurídicas credenciadas na Operação Carro-Pipa e nas declarações prestadas por Ciro e outros três parentes políticos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos também afirmou ao Comprova que a alegação é inverídica.

Ainda segundo o boato, 549 empresas de transporte de água vão “quebrar” depois da inauguração da obra no Ceará, o que também não é verdade. O Sindicato dos Pipeiros do Estado do Ceará (Sinpece) afirma que existe algum impacto no mercado com a inauguração da obra, mas que ele tende a ser baixo, pois a demanda por carros-pipa na região é incipiente já faz algum tempo.

A Operação Carro-Pipa não atende, no momento, os municípios localizados no Cariri, ao sul do Ceará, pelos quais passam as obras da transposição do Rio São Francisco. De acordo com a relação de credenciados do Exército para a operação, apenas 13 empresas estão habilitadas para atuar em Campos Sales e Salitre, as cidades mais próximas, além de 15 pipeiros registrados como pessoa física.

Como verificamos?

Diante das postagens que traziam a foto de Ciro Gomes ou faziam menção à “família Gomes”, primeiro buscamos a existência de notícias que pudessem tratar de uma possível oposição de Ciro Gomes à transposição ou mesmo que indicassem alguma relação dele com empresas de carros-pipa.

Em pesquisa no Google, é possível encontrar inúmeras matérias abordando a defesa do projeto da obra por Ciro, que foi ministro da Integração Nacional no governo Lula, gestão em que a obra foi iniciada. Ele também abordou a participação no projeto na campanha eleitoral de 2018.

Em paralelo, buscamos informações com os órgãos responsáveis pela Operação Carro-Pipa na região do Ceará: Exército e Defesa Civil Estadual. Em ambos os casos, fizemos uma análise de documentos públicos que listam pessoas físicas e jurídicas credenciadas para a execução do transporte de água em carros-pipa na região. Além disso, confrontamos os nomes de empresas encontrados com as declarações de bens prestadas por Ciro e outros três integrantes da família Gomes que também são políticos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Consultamos ainda a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (COGERH) em busca de informações sobre a suposta relação de Ciro com as empresas. Outra fonte buscada foi o Sindicato dos Pipeiros do Estado do Ceará (Sinpece).

Verificação

O que é a transposição?

O Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional (PISF), popularmente conhecido como “transposição do São Francisco”, é a maior obra de infraestrutura hídrica do país, segundo o Ministério do Desenvolvimento Regional: são 477 quilômetros de extensão em dois eixos (Leste e Norte). A obra capta água no Rio São Francisco e a transporta para bacias hidrográficas dos estados do Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte.

A ideia da transposição é, por meio da integração de bacias hidrográficas, garantir segurança hídrica as regiões que sofrem com a escassez e a irregularidade das chuvas. O governo federal estima que o empreendimento será capaz de assegurar abastecimento a 12 milhões de habitantes de 390 municípios.

A obra é dividida em dois eixos de transferência de água. No Eixo Norte, passa pelos seguintes municípios: Cabrobó, Salgueiro, Terranova e Verdejante em Pernambuco; Penaforte, Jati, Brejo Santo, Mauriti e Barro no Ceará São José de Piranhas, Monte Horebe e Cajazeiras na Paraíba. Já o Eixo Leste do empreendimento atravessa as cidades de: Floresta, Custódia, Betânia e Sertânia em Pernambuco e e Monteiro na Paraíba.

O trecho inaugurado no dia 26 de junho de 2020 pelo presidente Jair Bolsonaro fica no Eixo Norte. Na ocasião, ele acionou as comportas do Reservatório de Milagres, na cidade de Verdejantes (PE). De lá, as águas seguem pelo Túnel Milagres (na fronteira entre Pernambuco e Ceará) e enchem o Reservatório Jati (no território cearense).

No Ceará,a água captada em Jati seguirá até Missão Velha e será direcionada ao Riacho Seco, seguindo pelos rios Batateira e Salgado — afluente do Açude Castanhão, que abastece Fortaleza e a Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Esse processo utilizará também a estrutura do Cinturão das Águas do Ceará (CAC) — projeto local de transferência de recursos hídricos. Mas, para isso, o trecho emergencial do Cinturão das Águas precisa ser finalizado. A obra conta com planejamento do Governo do Estado e recursos do Governo Federal.

No dia da inauguração do trecho da transposição, em postagem no Twitter, o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), declarou ser um dia importante para o estado e tratou o empreendimento como “uma obra de imensa relevância” que, segundo ele, “foi concebida e tocada no governo Lula, com apoio do ex-ministro Ciro, e continuada pelos governos Dilma, Temer e, agora, Jair Bolsonaro”.

Ciro Gomes, que foi ministro da Integração Nacional no governo Lula entre 2003 e 2006, também comentou a inauguração da obra na rede social. “Hoje é um grande dia! As águas do Rio São Francisco chegam no Ceará após uma luta iniciada lá atrás, com o projeto de transposição do Rio São Francisco que tive a honra de iniciar. Um projeto grandioso que leva água para regiões secas do Nordeste. Essa é uma conquista de todos!”, escreveu.

Obra teve problemas de planejamento, verba e execução

A obra da transposição teve início em 2007, no segundo mandato do governo Lula, após algumas disputas jurídicas. A projeção do governo, à época, era de que a obra seria inaugurada até 2012. No entanto, atrasos e problemas de planejamento têm marcado a estruturação do empreendimento, orçado inicialmente em R$ 4,5 bilhões, mas que já consumiu, até o momento, R$ 10,9 bilhões.

A obra atravessou os governos Lula e Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB) e segue na gestão Bolsonaro (sem partido). Devido à relevância da obra e ao volume de recursos destinados à sua implantação, desde 2005 o Tribunal de Contas da União fiscaliza a execução da transposição. A obra tem 14 lotes, todos eles licitados em 2007. No entanto, os lotes 5 e 8 passaram por nova licitação em 2011 e 2012.

Em 2012, o ministro do TCU, Raimundo Carreiro, em entrevista ao Jornal Nacional, apontou a ausência de projetos factíveis como uma das irregularidades da obra. À época, o Ministério da Integração Nacional admitiu problemas de gestão. Entre eles, o abandono por parte das construtoras gerando descontinuidade dos trabalhos.

A então ministra do Planejamento, Miriam Belchior (atuou no cargo entre 2011 e 2015), informou que a obra havia sido iniciada com um projeto básico e, somente durante a execução de uma parte das atividades, foi feito o projeto executivo, o que provocou necessidade de acréscimo de recursos na execução.

Em 2014, em visita às obras no Ceará, a presidente Dilma atribuiu a demora para concluir o projeto à complexidade da construção. “Acho que houve também uma subestimação da obra. Não acredito que uma obra desta, em outro lugar do mundo, leve dois anos para ser feita. Nem tampouco um ano, nem tampouco três”, disse a presidente na ocasião.

Segundo o estudo “Grandes obras paradas: como enfrentar o problema”, publicado em 2018 pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), as causas para os atrasos das obras do Eixo Norte, do qual o Ceará faz parte, se referem a problemas com a empresa Mendes Júnior que teria se declarado financeiramente incapaz de cumprir os dois contratos para execução.

Outros motivos para o atraso da obra entre 2007 até 2016, ainda de acordo com a CNI, foram: demora na eliminação de interferências de diversas naturezas, especialmente elétricas e hidráulicas; atrasos no licenciamento ambiental, em particular em relação a autorizações para supressão de vegetação e à exploração de jazidas; morosidade no processo de desapropriação, que se mostrou bem mais complicado do que o previsto no estudo de avaliação econômica; e demora na aprovação dos preços de novos serviços pelo Ministério da Integração.

A análise também aponta que os gestores públicos responsáveis pela transposição enfatizaram como principais restrições ao avanço do projeto a falta de recursos humanos e equipamentos, a recorrente judicialização dos processos de licitação e a lentidão na obtenção de autorizações complementares para supressão vegetal.

Em checagem recente, o Comprova apurou se existem denúncias de corrupção envolvendo os projetos de transposição do Rio São Francisco. O TCU enviou por e-mail três decisões recentes que tratam do assunto. O Tribunal identificou irregularidades na contratação das empresas responsáveis, na execução dos contratos e nas políticas que deveriam ser traçadas em conjunto pelos municípios beneficiados pelas obras.

A postagem falsa, além de afirmar que a família Gomes tem 77 carros-pipa, também sugere que, por esse motivo, o PT não teria concluído a obra. Em nota, a assessoria do PT declarou que governos do partido foram responsáveis pela realização de 84,4% da transposição e que seguiram um cronograma de obras e liberações financeiras pré-estabelecido. O percentual é referente ao Eixo Leste e está no sumário executivo do Ministério da Integração Nacional de abril de 2016. No Eixo Norte, era de 87,7%.

A assessoria do partido comentou a dimensão do projeto e salientou que “a transposição era uma promessa que vinha dos tempos do Império e que jamais foi empreendida, sequer iniciada por qualquer governo brasileiro anterior”. Além disso, frisou: “Quem assumiu um compromisso dessa envergadura jamais se curvaria a interesses menores de quem quer que seja”.

Operação Carro-Pipa não atende, no momento, municípios da obra

O acesso à água de modo contínuo em quantidade adequada, assegurado por obras estruturantes como a transposição do São Francisco, em geral, tende a eliminar ou reduzir a dependência da população de uma ação de caráter emergencial como o abastecimento por carros-pipa. No Brasil, o Governo Federal realiza desde 1998, por meio do Ministério da Defesa, a Operação Carro-Pipa.

Uma portaria interministerial trata da mútua cooperação técnica e financeira entre o Ministério do Desenvolvimento Regional (antigo Ministério da Integração Nacional) e Ministério da Defesa para a realização da Operação. Segundo a norma, um das atribuições do Ministério da Defesa, por intermédio do Comando do Exército, é a contratação de pipeiros e outros serviços terceirizados de mão de obra necessários para a operação. Enquanto os governos estaduais, por meio dos órgãos de defesa civil, devem “realizar a distribuição de água potável nos Municípios que não puderam ser atendidos pelo Comando do Exército”.

No Ceará, conforme informações da Defesa Civil, nas zonas rurais semiáridas o abastecimento por carros-pipas é coordenado pelo Exército. Já nas zonas urbanas ou rurais não semiáridas, é a Defesa Civil que acompanha o processo. Em entrevista ao Comprova, o coordenador de Defesa Civil do Estado do Ceará (CEDEC), tenente-coronel Holdayne Pereira, afirma que a Operação Carro-Pipa existe desde 2013 na região e que os municípios cearenses pelos quais o canal da transposição do Rio São Francisco passa não são atendidos no momento.

“A operação funciona da seguinte forma: o município que está com dificuldade de abastecimento de água entra no sistema e solicita a análise da Defesa Civil Estadual. Após a análise, se constatarmos que há risco de desabastecimento, fazemos o sorteio das rotas dos pipeiros que se cadastraram [para o edital de credenciamento]. Eles recebem um contrato de três meses, prorrogáveis por igual período”, explica.

O edital de credenciamento dos pipeiros em vigor no Ceará foi publicado no Diário Oficial do Estado em 30 de janeiro de 2019. A lista com o nome das pessoas físicas e jurídicas que tiveram o credenciamento deferido para atuarem na Operação Carro-Pipa está no site do órgão.

Em 2019, foram cinco convocações para abastecimento da zonas urbanas de sete cidades: Boa Viagem, Choró, Monsenhor Tabosa, Mombaça e Pereiro, Parambu e Itapiúna. Em 2020, os pipeiros foram convocados para atenderem três municípios: Choró, Mombaça e Monsenhor Tabosa. A obra da transposição do São Francisco não passa por nenhuma dessas cidades. Os municípios com a estrutura da transposição são Penaforte, Jati, Brejo Santo, Mauriti e Barro — todos na Região do Cariri, ao sul do estado.

Já o Comando Militar do Nordeste informa que cerca de 420 pipeiros prestam serviço de distribuição de água na Operação Carro-Pipa no Ceará, sendo aproximadamente 150 pessoas jurídicas. O credenciamento é feito pelo Ministério da Defesa, por meio do Exército — e o edital que credenciou interessados em prestar o serviço no ano de 2020 também não indica oferta de carros pipas em nenhuma das cidades beneficiadas pelo trecho da obra de transposição do São Francisco no estado.

O documento, publicado em 14 de outubro de 2019, informa outras 16 localidades: Aiuaba, Arneiroz, Campos Sales, Catunda, Cratéus, Independência, Ipu, Ipueiras, Monsenhor Tabosa, Nova Russas, Novo Oriente, Parambu, Quiterianópolis, Salitre, Tamboril e Tauá. Destas, apenas duas estão localizadas no Cariri, mesma macrorregião dos demais municípios cujas obras da transposição passam no território cearense: Campos Sales e Salitre.

Não há evidências que integrantes da família Gomes sejam donos de carros-pipa

Procurada pelo Comprova, a assessoria da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (COGERH) informou que os prestadores de serviço de carro-pipa nos municípios do interior assistidos nas operações da Defesa Civil e Exército são, na maioria, pessoas físicas, sendo inverídico que 77 empresas detenham contratos de abastecimento e que elas sejam de propriedade da família Ferreira Gomes.

A assessoria de Ciro Gomes também foi procurada e se manifestou por meio de nota abaixo: “Esta é mais uma notícia falsa que circula nas redes sociais contra Ciro Gomes. Ciro não é e nem nunca foi dono de carros-pipa, nem de empresas que prestem esse serviço. Esperamos, agora, que as redes sociais que permitem o compartilhamento dessas mentiras, retirem os posts de circulação e permitam a identificação dos autores para que respondam judicialmente por seus atos”. A assessoria também negou que qualquer familiar detenha participação em empresas do setor.

O Comprova consultou as declarações de bens prestadas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pelo principais representantes políticos da “família Gomes”. A única participação societária declarada por Ciro Gomes foi a “Xerez Saldanha Vasconcelos e Ciro Gomes Advogados Associados”, quando disputou a Presidência em 2018. A empresa foi aberta em setembro de 2012 e permanece ativa, segundo informações da Receita Federal. Em 2006, quando eleito deputado federal, o político não declarou nenhuma participação em empresas. Entre 2011 e 2017, Ciro Gomes não disputou eleições.

As informações do TSE mostram ainda que nem os irmãos de Ciro, Cid Gomes, senador eleito em 2018, e Ivo Gomes, prefeito da cidade Sobral eleito em 2016, declararam qualquer participação societária à Justiça Eleitoral desde 2006. O Comprova também pesquisou as informações do deputado estadual Tin Gomes, primo de Ciro, Cid e Ivo Gomes, e encontrou resultado semelhante. Não há declaração de participação societária.

Nas sete atas que listam os resultados do credenciamento de pipeiros pelo Exército, disponíveis no site do 40º Batalhão de Infantaria do Exército, foram encontrados 13 registros diferentes com o sobrenome “Gomes”, sendo que apenas seis foram de fato habilitados. São de pessoas físicas, com exceção do registro de uma empresa: “Magnolia Carla Torres Pereira Gomes”, credenciada para atuar nos municípios de Aiuaba e Tauá, localizados na macrorregião do Sertão dos Inhamuns no Ceará, e não no Cariri. A reportagem não conseguiu contato com a responsável para questionar sobre o possível parentesco.

Já a relação de credenciados disponível no site da Defesa Civil, referente a edital de 2019, apresenta outros 13 registros de prestadores de serviço com o sobrenome “Gomes”. Porém, nenhum deles é de pessoa jurídica. A empresa de advocacia da qual Ciro Gomes declarou ser sócio ao TSE não consta em nenhuma das listas.

Sindicato de pipeiros desconhece protestos referentes aos efeitos da transposição

A postagem verificada também diz que “no Ceará 549 empresas de ‘pipas d’água’ irão quebrar com a chegada da água gratuita”. Consultado sobre a repercussão da chegada da água e a possibilidade da ação ter motivado protestos ou insatisfação entre os donos de carros-pipas ou empresas proprietárias desses veículos, o diretor geral do Sindicato dos Pipeiros do Estado do Ceará (Sinpece), Eduardo Aragão, declarou que essa correlação “não tem nada a ver”.

Eduardo explica que, quando há uma obra estrutural como a construção de ramais de água, é evidente que há um efeito para quem trabalha com esse tipo de abastecimento. No entanto, enfatiza ele, na região citada, a demanda por carros pipas é incipiente há muito tempo. “O que acontece, nessa região [sul do Ceará], é que faz tempo que não tem nem carro rodando direito aí. Em Jati já rodou e não está mais rodando. Faz é tempo que está parado. Penaforte também. Então, não tem como afetar se já está parado”, conta.

Ele ressalta que é de conhecimento público que uma obra como a transposição tende a diminuir os gastos públicos com carros-pipa. Mas também destaca que, embora uma cidade receba água em suas reservas, é preciso investir na canalização. “Digamos que passe o canal em Penaforte, só que a 30km ou 40 km tem uma localidade que não tem água encanada. Então, teria que ter o caminhão-pipa para pegar água lá no canal e levar para essa localidade. A transposição ajuda porque ao invés de pegar em um manancial há 100 km de distância, pega com 30 km ou 40 km. Aí diminui os gastos para o governo. Mas para acabar mesmo com a Operação-Pipa nessas cidades, tem que ser feita a ligação de água até as casas”, explica.

O representante do Sindicato afirmou ainda que não há nenhum movimento oficial dos pipeiros em relação à transposição. Questionado sobre quais as regiões onde os pipeiros mais atuam no Ceará, ele afirma que a maior demanda, no momento, é na Região dos Inhamuns, de Crateús e no Sertão Central. A informação reforça aquilo que o credenciamento do Exército e da Defesa Civil já haviam demonstrado.

No Cariri, área cuja obra da transposição passa no Ceará, ele diz que “é muito pouco carro rodando”. Na estimativa feita por Eduardo, há cerca de 30 caminhões-pipa cadastrados para circular no sul do Ceará. Conforme levantamento feito pelo Comprova, na região, o Exército atende as duas cidades, Campos Sales e Salitre, com 28 credenciados ao todo.

Por que investigamos?

Nesta terceira fase do Comprova, o projeto retoma o monitoramento e a verificação de conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições municipais, somados ao combate à desinformação sobre a pandemia do novo coronavírus. A coalizão de veículos verifica conteúdos suspeitos que se tornaram virais ou que tenham grande potencial de disseminar informações enganosas ou falsas.

O boato sobre a participação da “família Gomes” em 77 empresas de carros-pipa é prejudicial ao denunciar, sem qualquer fundamento, que uma obra de grande interesse público, a transposição do Rio São Francisco, sofreu atrasos em razão de interesses particulares de políticos. Em vez de abordar de forma consciente os reais motivos apontados para o adiamento da entrega e compartilhar outras informações de interesse da sociedade, dissemina teorias da conspiração que apenas atrapalham a análise dos cidadãos.

Em pouco mais de uma semana, quatro conteúdos falsos identificados pelo Comprova somaram mais de 24,7 mil compartilhamentos no Facebook e no Twitter. O alcance também motivou checagens do Boatos.org e do Fato ou Fake, do portal G1. A conclusão é a mesma.

Diversos conteúdos enganosos apareceram nas redes desde que o presidente Jair Bolsonaro inaugurou trecho da obra em junho. Recentemente, o Comprova mostrou que o Exército não refez todo o trecho da transposição do São Francisco inaugurado por Temer e Lula. Em 2019, a coalizão também investigou postagens que inflavam a responsabilidade do governo Bolsonaro no andamento das obras.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Política

Investigado por: 2020-07-04

Exército não refez todo o trecho da transposição do São Francisco inaugurado por Temer e Lula

  • Enganoso
Enganoso
É verdade que a ideia de transposição das águas do São Francisco remonta ao Império e que o exército participou da execução das obras. O texto que viralizou no WhatsApp, no entanto, engana ao afirmar que as obras ficaram abandonadas por dez anos e que o exército teria refeito trecho inaugurado por Temer e Lula. Veja outras informações checadas pelo Comprova
  • Conteúdo verificado: Texto que tem circulado no WhatsApp e nas redes sociais e que denuncia casos de corrupção na construção da transposição do Rio São Francisco e afirma que “o exército refez todo o trecho com concretagem adequada podendo assim ser finalmente inaugurada” pelo presidente Jair Bolsonaro.

Não é verdade que os governos dos ex-presidentes petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff tenham abandonado por dez anos as obras da transposição do Rio São Francisco – depois de terem roubado R$ 7 bilhões dos cofres públicos. Essa alegação enganosa circula em texto no WhatsApp e em redes sociais. O boato afirma que o Exército teria refeito todo o trecho inaugurado em 2017, que teria “desmoronado” — mas isso também não é verdade. A mensagem dá a entender que os ex-presidentes Michel Temer, Lula e Dilma teriam feito questão de inaugurar uma obra ainda inacabada.

A construção, apesar de ter tido interrupções, não ficou parada por dez anos. Também é falso que um canal tenha desmoronado. O que ocorreu foi que o Eixo Leste, inaugurado por Temer, e depois por Lula e Dilma de maneira extraoficial, teve problemas de vazamentos. Enquanto a estrutura ficou sem água para realização de reparos, o concreto do leito chegou a rachar, deixando exposta a manta de impermeabilização. Mas o canal nunca desmoronou. Além disso, a inauguração feita por Bolsonaro ocorreu no Eixo Norte, distante 215 quilômetros de onde os ex-presidentes estiveram.

O texto traz algumas informações verdadeiras, como o fato de que a ideia da transposição partiu do Imperador Dom Pedro II. Realmente, os primeiros debates sobre a transposição começaram durante o período do Segundo Reinado. Também é verdade que as obras só tiveram início em 2007 e o primeiro trecho foi inaugurado em 2017. Além disso, é verdadeira a afirmação de que o Exército participou do início das obras e ainda atua no Eixo Leste.

O texto que viralizou também acusa a “esquerda” de embargar a obra pelos efeitos ambientais e diz que o Partido dos Trabalhadores “não fez nada além de superfaturar e roubar”.

Como verificamos?

Primeiro, buscamos na Internet matérias de jornais ou sites de órgãos públicos, como o Senado, que ajudassem a recontar a história da transposição do Rio São Francisco. Também lemos um relatório do Comitê Gestor da Bacia do São Francisco, que conta parte da história. E entrevistamos o engenheiro civil Francisco Jácome Sarmento, que atuou no projeto em três governos de partidos diferentes.

Em seguida, procuramos a comunicação do Exército Brasileiro para confirmar se a organização havia trabalhado na obra e em que trechos. Entramos em contato como Tribunal de Contas da União (TCU), a Controladoria Geral da União (CGU), a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF) em Pernambuco, Paraíba e Ceará para saber se foram realizados procedimentos ou operações relacionadas a possíveis casos de corrupção no empreendimento.

Por fim, procuramos o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), atual responsável pela obra de transposição. Também usamos recurso do Google Maps para descobrir a distância entre o trecho inaugurado pelo presidente Jair Bolsonaro, no último dia 26 de junho, e aquele que foi inaugurado pelo ex-presidente Michel Temer, e depois por Lula e Dilma Rousseff, em duas diferentes datas de 2017.

Verificação

A transposição

O Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF), popularmente conhecido como “transposição do São Francisco”, é uma obra hídrica de 477 quilômetros de extensão que levará água do rio para 390 municípios dos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. A obra se divide em dois canais, o Eixo Leste e o Eixo Norte, e vai ter 13 aquedutos, nove estações de bombeamento e 27 reservatórios, segundo informações do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR).

A criação de um canal que leve a água do São Francisco para banhar a região do Nordeste que não tem rios perenes já era uma proposta debatida desde o Império. Na época, porém, não havia recursos financeiros e tecnológicos para concretizar a construção. Ainda no século XIX, o engenheiro alemão Henrique Guilherme Fernando Halfeld percorreu o rio para estudar a viabilidade da obra.

O primeiro projeto técnico foi feito durante o regime militar, no governo João Figueiredo, pelo Ministério do Interior, conduzido por Mario Andreazza, segundo relatório produzido pelo Comitê Gestor da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. No governo Itamar Franco, em 1994, um projeto básico foi elaborado pelo então Ministério da Integração Regional. Na época, o traçado tinha apenas o Eixo Norte. De acordo com o relatório, a transposição só passou a ter um Eixo Leste no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), quando um terceiro projeto foi elaborado, em 2000.

A construção dos canais só começou em 2007, no governo Lula (PT), após uma longa disputa jurídica. Francisco Jácome Sarmento, que integrou a equipe técnica da transposição nos governos Itamar, FHC e Lula, contou ao Comprova que liminares judiciais contra a construção foram concedidas em todos os estados que historicamente se opunham à transposição: Alagoas, Sergipe, Bahia e Minas Gerais. “Um belo dia, o STF [Supremo Tribunal Federal] chamou para si a responsabilidade de julgar todos os processos relativos à transposição; ao ser provocado pela AGU [Advocacia-Geral da União]. Foi quase um ano até que o ministro Sepúlveda Pertence desse um parecer monocrático, em março de 2007. Três meses depois, nós demos início à obra”, lembra.

Sarmento é engenheiro civil, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e autor dos livros “Transposição do Rio São Francisco – Realidade e obra a construir” (2005) e “Transposição do Rio São Francisco – Os bastidores da maior obra hídrica da América Latina” (2018).

Ao contrário do que diz o texto verificado pelo Comprova, a oposição ao projeto não partia apenas da esquerda, segundo conta Sarmento. Opositores do PT, como o ex-senador Antônio Carlos Magalhães (Bahia) e o ex-ministro do Meio Ambiente tucano José Carlos Carvalho (Minas Gerais), ambos de estados contrários ao projeto, também trabalharam contra. “Inicialmente, a gente tinha previsto uma obra que traria água do Rio Tocantins para alimentar o São Francisco. O ministro José Carlos Carvalho protegeu o trecho onde a água seria captada como área ambiental. Aquilo inviabilizou a alimentação do São Francisco. Depois, ele fez de tudo para criar o Comitê Gestor da Bacia do São Francisco. Porque mesmo que o projeto ressurgisse no futuro, a construção precisaria ser aprovada por esse comitê”, lembra.

Inaugurações

A obra atravessou os governos Lula e Dilma Rousseff (PT). O Eixo Leste foi o primeiro a ser inaugurado, em 10 de março de 2017, pelo então presidente Michel Temer (MDB). Na ocasião, Temer foi até a cidade de Sertânia (PE) para abrir a comporta do reservatório de Campos. Depois, seguiu para Monteiro (PB) para acompanhar a chegada das águas. Na cerimônia, o presidente descreveu o momento como “uma coisa emocionante”, que teria levado parte da comitiva a lacrimejar.

Nove dias depois, Lula e Dilma, já ex-presidentes, visitaram o trecho da obra de Monteiro para fazer o que chamaram de “inauguração popular” da obra. Os dois estiveram apenas em Monteiro e chegaram a discursar em cima de um palanque.

Mesmo depois de inaugurada, a transposição passou por problemas. O bombeamento de água chegou a ser interrompido por três meses por causa de vazamentos na barragem de Cacimba Nova, em Custódia (PE). Outra bomba passou nove meses em obras por falhas na barragem de Negreiros, em Salgueiro (PE). A falta de água no canal fez o concreto rachar.

No dia 26 de junho, o presidente Jair Bolsonaro fez a primeira inauguração no Eixo Norte da transposição. Ele acionou as comportas do Reservatório de Milagres, na cidade de Verdejantes (PE). De lá, as águas seguem para o Reservatório Jati, na cidade de Bela Vista (CE). O local onde Bolsonaro esteve fica a 215 quilômetros da cidade de Monteiro, onde Temer, Lula e Dilma estiveram.

Em um e-mail enviado ao Comprova, o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) informou que o Eixo Norte está com 97,49% de execução, com previsão de conclusão no primeiro semestre de 2021. Já o Eixo Leste tem execução de 97,11% e deve ser concluído no segundo semestre de 2020. Em ambos, faltam serviços complementares que, segundo a pasta, não comprometem a passagem da água pelos canais.

O Exército

Em 2007, foi o Exército que deu início às obras da transposição. Segundo Francisco Jácome Sarmento, o objetivo era garantir que o projeto saísse do papel. Em junho daquele ano, o canteiro de obras chegou a ser ocupado por movimentos sociais que temiam uma degradação do rio. A ocupação teve o apoio do então bispo de Barra (BA), dom Luiz Flavio Cappio, que havia feito duas greves de fome contra a construção dos canais.

Segundo Sarmento, o Exército teve um papel importante para garantir a segurança da obra e não na sua execução, uma vez que seus opositores ameaçavam invadi-la. O professor afirmou que a participação dos militares deu-se no sentido de “garantir a irreversibilidade das obras”.

Em nota enviada ao Comprova por e-mail, o Exército confirmou que atua no Projeto de Integração do São Francisco desde o início das obras. Segundo a assessoria, a Engenharia Militar construiu os dois canais de aproximação, que levam as águas até as primeiras estações de bombeamento de cada eixo, entre 2007 e 2016. Os militares também abriram e pavimentaram a estrada que dá acesso à estação de bombeamento do Eixo Leste.

Atualmente, o Exército executa obras obras complementares às barragens de Areias e Tucutu, nos Eixos Leste e Norte do projeto. Além disso, os militares têm pavimentado as estradas que dão acesso a duas estações de bombeamento. As obras têm previsão de término até 31 de dezembro de 2020.

Segundo o Ministério do Desenvolvimento Regional, o Exército foi convidado para dar início às obras pelo Canal de Aproximação e, depois, atuou na primeira barragem do Eixo Leste, por “questões de segurança nacional” e por “atrasos na conclusão de processos licitatórios”.

Denúncias de corrupção

Para apurar se existem denúncias de corrupção envolvendo os projetos de transposição do rio São Francisco, o Comprova entrou em contato com a Controladoria Geral da União (CGU), o Tribunal de Contas da União (TCU), o Ministério Público Federal (MPF) nos estados de Pernambuco, Paraíba e Ceará — onde ocorreram as obras —, e com a Polícia Federal.

Em resposta, a Polícia Federal informou que em 2015 foi declarada a Operação Vidas Secas – Sinhá Vitória, para apurar suspeitas de superfaturamento das obras de engenharia executadas por empresas em dois dos quatorze lotes da transposição do rio São Francisco.

Segundo a nota publicada na época no site da PF, os investigadores apuraram que empresários do consórcio responsável pela obra utilizaram empresas de fachada para desviar cerca de R$ 200 milhões das verbas públicas destinadas à transposição, no trecho que vai do agreste no estado de Pernambuco até a Paraíba. A nota diz, ainda, que as empresas de fachada utilizadas para esses desvios estariam em nome de um doleiro e um lobista investigados na Operação Lava Jato.

No dia da deflagração da Operação Vidas Secas, a PF realizou uma entrevista coletiva em que informou que as investigações sobre esses desvios começaram em 2014, a partir da análise de relatórios produzidos pelo TCU e pela CGU que apontaram indícios de superfaturamento em dois lotes das obras de transposição do rio São Francisco. A operação culminou na prisão temporária de Elmar Varjão, presidente da construtora OAS na época, e de executivos de outras empresas que participavam das obras. Além disso, a investigação revelou que as construtoras envolvidas utilizaram contas de Alberto Youssef e Adir Assad, presos no âmbito da Operação Lava Jato, para realizar os desvios.

Na resposta ao Comprova, a PF informou, ainda, que como as investigações são sigilosas, não é possível informar a existência de novas operações sobre este tema.

Sobre denúncias de corrupção envolvendo as obras de transposição do rio São Francisco, o MPF-PE informou por e-mail que não há questionamentos sobre a obra em andamento em Pernambuco. O MPF-CE e o MPF-PB não responderam nosso contato até a data de fechamento deste texto.

O TCU, também por e-mail, enviou ao Comprova três decisões recentes do tribunal que tratam do assunto. Nelas, o TCU identificou irregularidades na contratação das empresas responsáveis, na execução dos contratos e nas políticas que deveriam ser traçadas em conjunto pelos municípios beneficiados pelas obras.

A CGU não respondeu o contato do Comprova até o fechamento deste texto.

O texto verificado afirma que, no início, a obra era estimada em R$ 5 bilhões. E que outros R$ 7 bilhões foram “roubados dos cofres públicos”. Em e-mail enviado ao Comprova, o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) informou que o orçamento inicial previsto era de R$ 4,5 bilhões. Até o momento, já foram investidos R$ 10,9 bilhões. Só em custos ambientais, foram incorporados R$ 1,5 bilhões, o que a pasta considera “relevante para a revisão orçamentária”. A estimativa do custo final do projeto não foi informada pelo MDR.

A postagem também diz que, além do Exército, as empresas “Ecolog” e “Egrar” iniciaram a construção. O MDR enviou ao Comprova uma lista com dezenas de empresas que trabalharam no projeto. Mas nenhum dos nomes consta nessa lista.

O ministério também disse não ter conhecimento de desvios ou superfaturamento ocorridos na transposição e ressaltou que “as licitações e execução foram monitoradas e fiscalizadas pelos organismos de controle e os questionamentos apresentados por estes órgãos foram sanados”.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal de ampla repercussão em redes sociais. É o caso desse texto sobre o Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF), maior obra de infraestrutura hídrica do país, que deve atender 12 milhões de pessoas no semiárido nordestino. No Facebook, a versão desse texto postada pela página Amigos do Presidente teve 116 mil interações, segundo dados da plataforma Crowdtangle.

O Estadão Verifica e a Agência Lupa verificaram um conteúdo sobre o trabalho do exército nas obras da transposição do Rio São Francisco. O Estadão também mostrou que fotos dos canais da transposição foram usadas fora de contexto nas redes sociais.

Enganoso para o Comprova é todo conteúdo retirado de seu contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado; induzindo a uma interpretação equivocada.

Política

Investigado por: 2020-06-30

Publicação usa imagens antigas como sendo de obras do governo Bolsonaro

  • Falso
Falso
Imagens usadas em post que compara os governos petistas ao de Bolsonaro são anteriores à atual gestão. O Comprova também verificou que as imagens comparam locais diferentes
  • Conteúdo verificado: Meme compartilhado no Facebook com imagens que pretendem comparar a situação de vias nos 14 anos de PT com obras que seriam realizadas em 18 meses do governo de Jair Bolsonaro

É falsa a combinação de imagens amplamente compartilhada em redes sociais para mostrar uma suposta evolução de obras públicas entre os governos dos ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003 – 2011) e Dilma Rousseff (2011 – 2016), do PT, e os primeiros 18 meses de mandato do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Todas as fotografias atribuídas ao governo atual foram tiradas antes da posse de Bolsonaro.

Duas das imagens que supostamente retratam projetos de infraestrutura concluídos durante a gestão de Bolsonaro foram feitas, na verdade, nos mandatos de Lula e Dilma. Uma terceira foi publicada em um banco de imagens internacional anos antes da eleição de Bolsonaro.

As fotos comparadas nas publicações não mostram, ainda, os mesmos locais.

Como verificamos?

Para esta verificação pesquisamos a origem das seis fotos viralizadas utilizando os motores de busca reversa do Google e do TinEye.

A partir dos resultados encontrados, entramos em contato com os responsáveis pelos registros mais antigos de algumas das imagens para confirmar informações sobre o local e a data em que as fotografias foram feitas.

Também consultamos portais do governo e notícias para confirmar dados sobre as obras retratadas nas imagens.

Verificação

Estradas no Mato Grosso e no Pará

As primeiras duas fotos, que comparam uma estrada com veículos atolados na lama a uma rodovia asfaltada, não foram feitas no mesmo lugar nem mostram uma obra realizada pela gestão de Bolsonaro.

Com o mecanismo de busca reversa de imagens TinEye, encontramos registros da primeira foto em 2008. Fizemos a mesma pesquisa pelo Google, ajustando as configurações para obter resultados anteriores a 2009 — a busca encontrou esta apresentação de slides, publicada em janeiro de 2008.

Entramos em contato com a responsável pelos slides, Gislaine Manteli, por um e-mail listado na apresentação. Moradora da cidade de Nova Monte Verde, no Mato Grosso, ela informou que as fotos reunidas ali representavam a situação da rodovia MT-208 na época. Gislaine conta que os slides foram parte de uma mobilização do município para pressionar o governo estadual pela pavimentação da via.

De acordo com ela, hoje o trecho retratado nas fotos, que liga as cidades de Alta Floresta até Nova Bandeirantes, está quase completamente asfaltado. De fato, imagens de satélite do Google mostram longos segmentos pavimentados, com exceção de trechos perto de riachos.

A segunda imagem utilizada no post foi publicada no site do DNIT em 5 de fevereiro de 2010. A foto ilustra uma matéria sobre a pavimentação de 124 quilômetros da BR-163, entre Rurópolis e Santarém, no Pará. A obra foi realizada por um convênio com o Exército Brasileiro, com investimento de R$ 1,4 bilhão. Na época, o presidente era Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Esta foto já havia sido tirada de contexto em posts nas redes sociais, como mostra esta checagem da Agência Lupa.

Ferrovia fotografada em 2002 e foto de banco de imagens

A segunda comparação de fotos tampouco registra o antes e depois de uma mesma obra durante os “14 anos de PT” e os “18 meses de Bolsonaro”.

Uma busca reversa no Google pela imagem atribuída aos governos petistas, na qual é possível ver dois vagões de trem em uma área aparentemente abandonada, leva a um artigo publicado em 19 de novembro de 2008 no blog Música Sob Trilhos.

O texto, intitulado “Ferrovias no Brasil: Sucateamento completa 150 anos” é ilustrado com a imagem agora viralizada. Ao clicar na fotografia é possível identificar a marca d’água “Latuff 2002” no canto inferior direito.

Carlos Latuff, chargista carioca, manteve até 2017 um blog dedicado a compartilhar imagens de ferrovias no Brasil e no mundo.

Contactado pelo Comprova, Latuff confirmou ter tirado a imagem dos vagões de trem no final de 2002 — ano em que o país era governado por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e não pelo PT, como alegam as publicações viralizadas.

De acordo com o chargista, as imagens foram tiradas na oficina da companhia ferroviária MRS Logística no Horto Florestal, em Belo Horizonte, Minas Gerais. “São sucatas de locomotivas da antiga Rede Ferroviária Federal”, afirmou o fotógrafo.

Ao Comprova, Latuff enviou outras fotos que tirou no mesmo dia.

Já a foto que mostraria o estado desta ferrovia durante o governo Bolsonaro foi tirada do banco de imagens iStock, da empresa norte-americana Getty Images.

Embora o site não informe onde a fotografia foi feita, ela foi publicada no repositório em 13 de agosto de 2015 — anos antes da eleição de Jair Bolsonaro.

Uma busca reversa no Google mostra que a imagem é frequentemente utilizada por empresas de construção em diversos países, como Suíça, Itália e Alemanha, para ilustrar os serviços prestados pelas companhias.

Transposição do Rio São Francisco em 2011 e 2015

A terceira dupla de fotos também não mostra uma comparação entre o governo petista e a gestão de Bolsonaro. As duas imagens foram feitas durante o período em que Dilma Rousseff foi presidente (2011-2016).

O primeiro clique é do fotógrafo Wilson Pedrosa. A imagem foi publicada em matéria do Estadão de 4 de dezembro de 2011, assinada por Pedrosa e Eduardo Bresciani. A reportagem percorreu 100 quilômetros de obras da transposição do Rio São Francisco em Pernambuco — os jornalistas encontraram canais em deterioração e canteiros abandonados pelas empreiteiras responsáveis. A foto em questão mostra um trecho entre os municípios de Betânia e Custódia, em Pernambuco.

A segunda imagem foi publicada pela primeira vez em 13 de agosto de 2015 na conta do Ministério da Integração Nacional no site de compartilhamento de fotos Flickr. A legenda informa se tratar da Estação de Bombeamento 1 do Eixo Norte do Projeto de Integração do Rio São Francisco.

O Planalto anunciou na época que a obra em questão foi inaugurada em 21 de agosto de 2015. A estrutura bombeia água do Velho Chico por 45,9 quilômetros até o reservatório de Terra Nova, em Cabrobó, em Pernambuco.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos duvidosos sobre políticas públicas do governo federal que apresentam ampla repercussão em redes sociais e aplicativos de mensagens. Este é o caso da comparação de imagens de obras, que obteve, até 30 de junho, mais de 13 mil compartilhamentos no Facebook, Instagram e Twitter.

Também é levada em consideração a relevância do conteúdo frente ao noticiário atual.

Neste caso, a viralização da combinação de fotos acontece alguns dias após o presidente Jair Bolsonaro inaugurar um trecho do Eixo Norte da transposição do Rio São Francisco — projeto de infraestrutura iniciado no primeiro mandato do ex-presidente Lula, que reivindica paternidade da obra. O tópico levou a primeiro plano o tema da evolução de obras públicas.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Esta combinação de fotos também foi verificada pela Agência Lupa.

Política

Investigado por: 2020-06-29

Vídeo mostra queima controlada feita pelo Ibama, não incêndio provocado para culpar o presidente

  • Falso
Falso
A ação foi, na verdade, uma queima controlada, um procedimento previsto no Código Florestal para prevenir focos de incêndio de maiores proporções. Procurado pelo Comprova, o autor apagou a postagem
  • Conteúdo verificado: Post da página “Bolsonarianos Ceará”, com um vídeo e a legenda “Ibama provoca incêndio na mata para depois o presidente ser acusado”.

Um post faz acusações falsas sobre o Ibama ao afirmar que o órgão estaria promovendo um incêndio na mata “para depois o presidente ser acusado”. O autor da publicação usa um vídeo gravado de dentro de um carro em movimento que mostra um outro veículo com funcionários do Ibama queimando a mata da beira da estrada. No áudio da gravação, um homem diz estar entre as cidades de Sítio Novo e Montes Altos, no Maranhão, e insinua que o incêndio estaria sendo provocado pelo órgão para “poder derrubar o governo Bolsonaro”.

Procurado pelo Comprova, o Ibama afirmou que realizou uma ação na região no dia 20 de junho, mas que foi uma queima controlada, feita para combater focos de incêndio e prevista no Código Florestal.

O Comprova não conseguiu encontrar o autor do vídeo.

Como verificamos?

Para saber mais sobre a autoria do vídeo e confirmar o local onde ele foi gravado, o Comprova entrou em contato com a pessoa que assina as postagens na página “Bolsonarianos Ceará”, Jolnê Praxedes, por WhatsApp, pelo número disponibilizado no Facebook.

Também entramos em contato com o Ibama e enviamos o vídeo suspeito, além de consultar a Funai sobre o registro da ação e a presença de indígenas na região. O Google Maps foi utilizado para determinar o local onde o autor diz ter feito as imagens, e usamos ferramentas de busca de imagem para confirmar a aparência da viatura.

Verificação

Autoria do vídeo

A página “Bolsonarianos Ceará”, que publicou o vídeo no dia 21 de junho, é de um homem chamado Jolnê Praxedes. O Comprova entrou em contato com ele pelo WhatsApp, pelo telefone presente na própria página e nas postagens.

Perguntado sobre o vídeo, se conhecia a pessoa responsável pela filmagem ou se tinha confirmação do local onde as imagens foram feitas, Praxedes disse que participa de 80 a 100 grupos de política diferentes no WhatsApp, além de receber conteúdo de listas de transmissão, e que não se lembrava, exatamente, de onde tinha recebido o vídeo, que chegou como uma “denúncia”.

“Antes de publicar, procurei ver se tinha alguma coisa quanto à falsidade do vídeo, e não tinha. Sempre, eu procuro tomar esse cuidado”, afirmou, por mensagem de áudio. O dono da página bolsonarista ainda se dispôs, após o contato do Comprova, a apagar o conteúdo, caso a verificação demonstrasse que as informações eram falsas, e pediu que entrássemos em contato para avisá-lo do resultado da checagem. Pouco tempo depois do contato, porém, antes da publicação desta verificação, o vídeo já havia sido apagado da página do Facebook.

Também por mensagem no WhatsApp, Praxedes disse ao Comprova que a página tem outros administradores, mas ele é a única pessoa que aparece em vários vídeos, criticando pessoas vistas como “rivais” do governo de Jair Bolsonaro, como o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes.

Nos posts mais recentes, as legendas incluem uma hashtag de apoio à pré-candidatura de Praxedes à Câmara Municipal de Fortaleza. Jolnê confirmou que pretende concorrer a um cargo nas próximas eleições, pelo Podemos. Ele já chegou a se registrar como candidato a deputado federal, pelo Partido Trabalhista Cristão (PTC), em 2018, mas acabou não concorrendo.

A página do Facebook, que tem quase 72 mil curtidas, foi criada em novembro de 2017, e publica mensagens de apoio ao presidente Bolsonaro e a outros políticos aliados.

Na publicação com o vídeo sobre as queimadas, Praxedes afirma que havia encaminhado o material ao presidente. Questionado pelo Comprova, disse que não enviou por não ter o contato direto do presidente.

O que diz o Ibama?

O Comprova procurou o Ibama e o órgão afirmou, por e-mail, que a ação mostrada no vídeo realmente ocorreu entre as cidades de Sítio Novo e Montes Altos. Foi realizada no dia 20 de junho, um dia antes da postagem de Praxedes, e era uma queima controlada, “utilizada durante o período chuvoso e no início do período seco (junho e julho) em locais com maior risco de ignição de fogo” para reduzir a “quantidade de combustível na seca, diminuindo drasticamente o risco de grandes incêndios florestais”.

A instituição afirmou que esse tipo de queima está previsto no Código Florestal. O texto descreve as situações nas quais o uso de fogo na vegetação é permitido. Entre as possibilidades está o “emprego da queima controlada em Unidades de Conservação, em conformidade com o respectivo plano de manejo e mediante prévia aprovação do órgão gestor da Unidade de Conservação, visando ao manejo conservacionista da vegetação nativa, cujas características ecológicas estejam associadas evolutivamente à ocorrência do fogo”.

Segundo o Ibama, “boa parte dos incêndios florestais iniciam nas beiras de estradas e a realização das queimas nesses locais, como no caso do vídeo, é prioritária”. O órgão disse ainda que a queima do dia 20 de junho foi informada aos órgãos competentes e teve acompanhamento da Polícia Militar do Maranhão “para garantir a segurança no trânsito da estrada”.

Funai

Antes de receber o relatório sobre a queimada preventiva do Ibama, o Comprova entrou em contato com a Fundação Nacional do Índio (Funai), questionando sobre o registro da ação e a presença de indígenas na região. A instituição não respondeu até o fechamento desta verificação, mas um documento enviado pelo órgão de defesa do meio ambiente confirma que a Funai participou da ação.

 

A operação

O Ibama enviou para o Comprova, por e-mail, o relatório da operação. No documento, descreve os detalhes da ação, que contou com dois servidores do órgão, um da Funai, dois policiais militares, dois supervisores de brigadas e 11 voluntários da Aldeia São José da TI Krika. O trabalho começou às 9 horas do dia 20 de junho e terminou às 14. O documento informa, “por fim, não ter havido nenhuma intercorrência durante toda a operação”. Parte da equipe atuou observando se havia animais em risco, mas não foi registrado “nenhum dano significavo à fauna e apenas benefício à flora”.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos de ampla repercussão em redes sociais, como a postagem de Praxedes, que tinha 119 mil visualizações no Facebook até o dia 24 de junho – um dia depois, após contato do Comprova, Praxedes apagou seu post.

Os autores do vídeo e da legenda enganam ao acusar o Ibama de incendiar um trecho de mata e levam a postagem para o lado político ao dizer que seria um fogo criminoso usado “para depois o presidente ser acusado”. Postado na página “Bolsonarianos Ceará”, o post servia para reforçar a defesa do presidente Jair Bolsonaro, que, no ano passado, foi criticado quando as queimadas na Amazônia bateram recorde dos últimos sete anos. O chefe do Executivo chegou a dizer, sem provas, que ONGs poderiam ter provocado queimadas na região. Ele também acusou o ator Leonardo DiCaprio de ter dado dinheiro para “tacar fogo na Amazônia”.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

O G1 e o Boatos.org verificaram o vídeo e classificaram o conteúdo como falso.

Política

Investigado por: 2020-06-26

Texto engana ao dizer que Trump indicou Weintraub ao Banco Mundial

  • Enganoso
Enganoso
Publicação também afirma equivocadamente que a instituição monitora o COAF e a Receita Federal e que, a mando do presidente americano, o ex-ministro da Educação brasileiro tenha escolta do FBI
  • Conteúdo verificado: publicação feita em um perfil pessoal no Facebook e também compartilhada em outras redes com o título “*UM PESADELO CHAMADO WEINTRAUB*”.

É enganosa a informação que circula em redes sociais de que o ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, teria sido nomeado diretor-executivo do Banco Mundial pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O texto induz a acreditar que a nomeação de Weintraub ao cargo já foi aceita e que o mandatário americano teria participação direta no processo. Ainda, fornece informações equivocadas sobre o papel da instituição, como um suposto monitoramento do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) e da Receita Federal.

Weintraub ainda não recebeu a chancela de outros países membros do Banco Mundial para assumir o cargo, conforme explicado pela própria instituição. O conteúdo viralizado nas redes também diz que o ex-ministro conta com escolta do FBI a mando de Trump, embora o Comprova não tenha encontrado nenhum registro que indique proteção especial ao ex-titular do MEC.

Como verificamos?

O Comprova fez uma busca em redes sociais, por meio das plataformas CrowdTangle e Tweetdeck, para tentar rastrear postagens relacionando indicações de Donald Trump a Abraham Weintraub e o FBI. O post mais antigo encontrado data de 20 de junho, em um grupo público do Facebook, mesmo dia em que o ex-ministro diz ter desembarcado nos EUA. Buscamos contato com o perfil do Facebook que realizou a postagem, mas não obtivemos retorno.

Levantamos, junto à assessoria de imprensa do Banco Mundial, quais as atribuições da entidade e se ela monitora instituições financeiras de outros países, como o COAF e a Receita Federal. Pesquisamos no site do órgão como funciona o processo de indicação a um cargo de diretor-executivo e quais tarefas são atribuídas a este posto.

Também apuramos como foi a entrada de Weintraub nos Estados Unidos por meio de publicações em veículos de imprensa e postagens do ex-ministro e de seu irmão em redes sociais. Buscamos no site do governo americano orientações sobre entrada de estrangeiros em meio à pandemia de covid-19 e procuramos o Departamento de Estado e o Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos, além do Itamaraty, para saber como Weintraub conseguiu chegar até o país. Apenas o Departamento de Estado respondeu aos nossos questionamentos.

Por fim, pesquisamos no site do FBI quais as responsabilidades do órgão de inteligência dentro do país e se isso inclui a escolta de autoridades estrangeiras. O Comprova também questionou a agência americana sobre uma possível proteção concedida a Weintraub, mas não obteve nenhum retorno.

Verificação

Indicado por Trump?

“Se muitos desejavam a saída do ministro da Educação de sua pasta, agora lamentam profundamente. O ex-ministro foi nomeado pelo Presidente Donald Trump como diretor executivo do Banco Mundial”, começam as publicações compartilhadas mais de 36 mil vezes em redes sociais desde o último dia 20 de junho.

Não há qualquer indício, no entanto, de que o presidente dos Estados Unidos tenha influenciado a nomeação de Weintraub ao Banco Mundial — que não é um órgão subordinado ao governo americano, mas uma instituição de desenvolvimento governada por 189 países membros.

Envolvido em polêmicas desde que assumiu o Ministério da Educação em abril de 2019, Weintraub renunciou ao cargo em 18 de junho deste ano, após desgaste político por afirmar que gostaria de ver presos os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), a quem chamou de “vagabundos”.

No vídeo em que anunciou sua saída da pasta, o economista também informou que havia recebido o convite para ser diretor do Banco Mundial, agradecendo ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por ter “referendado” a indicação.

No mesmo dia, o Ministério da Economia confirmou em nota oficial que o governo brasileiro oficializou a indicação de Weintraub para diretor executivo do grupo de países que o Brasil lidera no Banco Mundial. Não havia, no comunicado, qualquer menção ao presidente dos EUA, Donald Trump.

Questionado pelo Comprova se a indicação do ex-ministro brasileiro havia sido feita pelo mandatário norte-americano, o Banco Mundial afirmou, apenas, que “recebeu uma comunicação oficial das autoridades brasileiras” indicando Weintraub para o cargo.

A informação coincide com o processo de nomeação oficial detalhado no site da entidade.

O conselho administrativo do Banco Mundial possui 25 cadeiras. Destas, seis são indicadas diretamente pelos maiores acionistas da instituição, entre eles os Estados Unidos. O restante das cadeiras é ocupado por blocos divididos por critérios geopolíticos, chamados de “constituency”.

O grupo do Brasil é composto por oito outros países: Colômbia, República Dominicana, Equador, Haiti, Panamá, Filipinas, Suriname e Trinidad e Tobago. Estas são as nações que devem aprovar, ou não, a nomeação de Weintraub.

O nome do ex-ministro ainda não foi chancelado por estes países. Embora seja considerada uma formalidade, uma vez que o número de votos do Brasil supera o de todos os outros integrantes do “constituency”, Weintraub não foi oficializado, por enquanto, como diretor executivo do banco, como sugerem as postagens.

No último dia 24 de junho a Associação de Funcionários do Banco Mundial enviou uma carta ao Comitê de Ética da instituição pedindo a suspensão da indicação de Weintraub, até que seja conduzida uma investigação sobre falas preconceituosas do ex-ministro.

“De acordo com várias fontes, Weintraub publicou um tuíte de acusação racial que zomba do sotaque chinês (…) Weintraub deu declarações públicas contra a proteção dos direitos das minorias e a promoção da igualdade racial”, listou a associação, na carta. “Portanto, solicitamos formalmente ao Comitê de Ética que reveja os fatos subjacentes às múltiplas alegações, com vistas a suspender sua indicação até que essas alegações possam ser revisadas”, diz o pedido.

Banco Mundial monitora o COAF e a Receita Federal?

As publicações viralizadas afirmam, ainda, que o Banco Mundial tem acesso a todo o sistema financeiro do mundo e que monitora, inclusive, o COAF e a Receita Federal brasileira.

Por isso, sugerem as postagens, Weintraub teria “a chave dos segredos” e poderia monitorar todos aqueles que “tiveram laranjas” nas suas empresas ou “negociações dúbias”, se aprovado pela instituição: “Lula e seus filhos, juntos aos governadores e prefeitos corruptos”, listam as publicações.

Consultado pelo Comprova, o Banco Mundial classificou as afirmações como “incorretas”. “Ninguém do staff ou de qualquer board do Banco Mundial tem acesso a contas bancárias de terceiros”, acrescentou Juliana Braga, representante de Assuntos Externos da entidade, em Brasília.

O Banco Mundial tem como objetivo fornecer assistência financeira e técnica a países em desenvolvimento. Para isso, oferece empréstimos e créditos a juros baixos, além de bolsas. A instituição também facilita financiamentos e oferece recomendações sobre políticas.

Os diretores desta entidade se reúnem aproximadamente duas vezes por semana para supervisionar os negócios do Banco Mundial, incluindo a aprovação de empréstimos, de novas políticas, do orçamento administrativo e de estratégias de assistência a países, como explica o site da organização.

Proteção do FBI

O texto viralizado assegura, também, que Donald Trump solicitou que Weintraub seja colocado sob escolta do FBI “por tempo indeterminado”.

O FBI é uma agência de inteligência dos EUA que busca manter a segurança nacional por meio da proteção das leis do país. As investigações são focadas em violações da lei e monitoramento de possíveis ameaças. Ao todo, os EUA têm 17 agências de inteligência ligadas a departamentos distintos e com propósitos diferentes.

O Comprova entrou em contato com o FBI, tanto no escritório mantido no Brasil, dentro da embaixada de Brasília, quanto na sede em Washington, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.

De acordo com o site do Departamento Nacional de Inteligência, diferentemente do que alega a postagem a respeito de Weintraub, a proteção a presidentes, chefes de estado e outras autoridades cabe ao Serviço Secreto — braço do Departamento de Segurança Interna (DHS) e que, embora possa atuar junto do FBI, funciona de forma separada.

É tarefa do Serviço Secreto, segundo o site oficial, fornecer proteção a “chefes de estado visitantes, ou outras autoridades, e cônjuges, além de outros estrangeiros ilustres que estejam visitando o país”.

Procurado por email, o DHS não respondeu a respeito da entrada de Weintraub nos EUA e se ele recebeu proteção do serviço de inteligência.

A ida de Weintraub aos EUA

Em 20 de junho — dois dias após o anúncio da saída de Weintraub do Ministério da Educação — o irmão do então ministro, Arthur Weintraub (que ocupa cargo de assessor especial da Presidência), publicou no Twitter que Abraham havia deixado o Brasil e desembarcado em Miami. A assessoria do MEC confirmou a informação aos veículos de imprensa no mesmo dia e declarou que ele havia pagado pela própria passagem e viajado em voo comercial.

A exoneração de Weintraub só foi publicada no Diário Oficial da União após a chegada dele aos EUA. O governo admitiu que o pedido de demissão veio depois da viagem. Em 23 de junho, o Diário Oficial publicou uma retificação da data da exoneração do ex-ministro, passando a demissão de 20 para 19 de junho.

Desde 24 de maio é vetada, nos EUA, a entrada de brasileiros ou viajantes que tenham passado pelo Brasil nos últimos 14 dias. Há uma lista de exceções fornecida pelas autoridades americanas, que inclui funcionários de governos estrangeiros, de organizações internacionais ou diplomatas — categoria na qual Weintraub, então ministro, se encaixava.

As demais entradas são permitidas a cidadãos norte-americanos e seus cônjuges, assim como filhos estrangeiros ou adotivos; pais e responsáveis de cidadãos americanos com menos de 21 anos; pessoas com residência permanente e legal nos EUA; irmãos estrangeiros de cidadãos americanos desde que ambos tenham menos de 21 anos; cidadãos estrangeiros que entram no país a convite de autoridades dos EUA para auxiliar no combate ao novo coronavírus; membros de tripulações aéreas ou marítimas (neste caso, são pessoas que já viajam sem visto de imigrante).

Não foi informado como Weintraub entrou nos EUA. Sem ocupar, ainda, cargo na diretoria do Banco Mundial, sua única forma de entrar no país, mesmo vindo do Brasil, seria por meio de um visto de autoridade ou mesmo uso do passaporte diplomático (este último também oferecendo risco de veto). Em ambos os casos, ele só teria a entrada permitida caso ainda fosse ministro.

O Comprova enviou um e-mail para o Departamento de Estado dos EUA, que controla entrada de estrangeiros no país, para saber se Weintraub utilizou um passaporte diplomático ou algum tipo de visto especial. O órgão informou que questões de visto são confidenciais e que não comentaria casos individuais. Ainda, acrescentou que exceções ao veto de entrada nos EUA cabem ao Departamento de Segurança Interna (conhecido pela sigla DHS).

Também procuramos o Itamaraty para saber como ocorreu a entrada de Weintraub nos EUA. Até o fechamento deste texto, não houve retorno.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos duvidosos ligados a políticas públicas que apresentam ampla repercussão em redes sociais e aplicativos de mensagens. É o caso da postagem envolvendo o ex-ministro Abraham Weintraub. Até 25 de junho, o conteúdo teve 48.251 mil interações e 36.872 compartilhamentos no Facebook, 4,2 mil retuítes e 13,6 mil curtidas no Twitter e 709 visualizações, 33 curtidas e 8 descurtidas no Youtube.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado de seu contexto original e usado de modo a induzir outro significado. É o caso da postagem, que embora cite a indicação de Weintraub ao Banco Mundial, fornece a falsa informação de que ele já seria detentor do cargo e que teria chegado lá por indicação do presidente dos EUA, Donald Trump.

Apesar do alinhamento político e ideológico do presidente da República Jair Bolsonaro com Trump, não há nenhum indício da interferência do mandatário no processo de escolha da diretoria-executiva do Banco Mundial, conforme explicado ao longo desta investigação. Também não houve nenhuma confirmação de que Weintraub teria recebido algum tipo de tratamento especial em sua chegada aos EUA.

O conteúdo já foi considerado falso pelo site Boatos.org.

A desinformação em torno de procedimentos que envolvem organismos internacionais já foi alvo de outras checagens do Comprova. No ano passado, uma publicação creditava o atraso da entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a “retrocessos no combate à corrupção”.